Skip to main content

Full text of "Vida de D. João de Castro, quarto viso-rey da India"

See other formats


<^ ........ 


'/^^ 


R 


I 


Digitized  by  the  Internet  Archive 

in  2009  with  funding  from 

Universityof  Toronto. 


http://www.archive.org/details/vidadedjoodecaOOfrei 


^rcníl-i/t** 


VIDA 

D  E 

D.  JOÃO  DE  CASTRO, 

QUARTO  VISO-REY  DA  JNDIA. 

ESCRITA 
POR 

JACINTO  FREYRE  DE  AXDRADA. 
NOVA  EDIÇÃO  EMENDADA, 


E 


ACCRESCENTADA    DA  VIDA    DO  AUTOR. 

I-  í    ?   B    o   A.        M.    DCC.     XCVlíI,   ^^  ["^  ^H 

NaOff.  de  SímÃo  Thaddeo   Ferreika-, 

Com  Licença    da  Meza     do    Desembarco    do 
Paç9» 


Venae-se  na  loja  de  Pedra 'José  Riy , 
Mercador  de  Hvros  ao  Xiado  tia  íiquma 
da  Kiui  Nova,  d^  S.  Francisco. 


Utit' 


Taixão  este  livro  cm  papel  na 
quantia  de  trezentos  e  sessenta  réis. 
Lisboa  27  de  Setembro  de  179S. 

Com  três  Rubricas. 


•>^  xxxxx>o<xxxxx><>o<><xxxxx>o<M. 


8t  AOS  CLUE  LEREM. 

SAo  os  Proiogos  hum  anticlpá- 
do  remédio  aos  achaques  dos  li- 
Vros  5  porque  andao  sempre  de  com-^ 
panhia  os  erros ,  e  as  desculpas.  Eu 
■por  hora  me  desvio  dó  caminho  tri- 
^Ihado  5  não  quero  pedir  perdão  de 
nada  :  quem  achar  que  dizer  ,  não 
me  perdoe  ,  (nem  será  necessário  en- 
comenda-lo. )  Se  liie  notarem  o  livro 
de  roim ,  não  negarão  que  he  breve, 
c  escrito  em  lingua  Portugueza  ,  que 
tantos  engenhos  modernos  ou  temem  , 
ou  desprezão ,  como  filhos  ingratos 
ao  primeiro  leite  ,  servindo-se  de  vo- 
zes estrangeiras  ,  por  onde  passarão 
como  hospedes  ,  sem  respeito  áquel- 
las  veneráveis  cans  ,  e  ancianidade  ma- 
dura  de  nossa  linguagem  antiga.  Es- 
crevi esta  Historia  com  verdade  de 
memorias  fiéis  ,  sem  que  a  penua  , 
ou  o  affecto  alterasse  o  menor  acci- 
dente.  Antes  que  este  papel  sahissc 
dos  bon-oens  ,  sey  que  muitos  o  ca- 
A  ii  xa- 


xarão  de  escasso  ,  dizendo ,  que  hou- 
Yera  de  dilatar  a  Historia  com  allu- 
soens  ,  e  passos  da  Escritura  ,  que 
fizessem  mais  crecidò  volume  :  estes 
comprão  os  livros  pelo  pezo  ,  náo 
pelo  feitio:  de  mais  que  não  permi^- 
tem  tão  licenciosa  penna  as  leys  da 
Historia.  Outros  queriáo  que  me  vales^- 
-se  do  estrépito  de  vozes  novas  ,  a  que 
chamão  Cultura  ,  deixando  a  estrada 
limpa  por  caminhos  fragosos  ,  e  tro- 
cando com  estimação  pueril ,  .o  que 
lie  melhor  ,,  pelo  que  mais  se  usa. 
Mas  como  não  determiney  lisongear 
a  gostos  estragados,  quiz  antes  cem 
a  singeleza  da  verdade  servir  ao  ap- 
plauso  dos  melhores  ,  que  afama  po- 
pular ,  e  errada. 


11  A  VI. 


A      1    ^    V 


OÍ2 


D 


r  ■'•li.»-:       r-        < 

P  Q    A  U  T  O  R. 

Tfr4Í)í  'da  Bihliotbeca  .fMshana. 


JAcTNTO  Freire  DE  Andrada 
naceo  em  3  Cidade  de  Beja  da  Provín- 
cia Transtagana  ,  onde  teve  por  proge-i 
nkores  a  Bernardim  Freire  de  Andrada  j 
e  D.  Luiza  de  Faria,  de  igual  nobreza 
á  de  seu  consorte ,  por  se  derivar  do  Cas- 
tello  de  Faria  ,  na  Província  de  Entre 
Douro  ,  e  Minho  ,  solar  de  huma  das 
mais  antigas  Famílias  deste  Reyno.  O 
sublime  génio  ,  que  logo  descobriu  nos 
primeiros  annos  para  as  letras  ,  moveo  a 
seu  Pai  para  que  frequentasse  a  aula  de 
Minerva  ,  e  náo  a  palestra  de  Marte  , 
cm  que  elle  em  obsequio  desta  Monar- 
cKia  tinha  obrado  acçoens  de  eterna  me- 
moria, Instruido  nos  preceitos  da  língua 
Latina  ,  Poética  ,  e  Oratória  ,  passou  á 
Universidade  de  Coimbra  ,  onde  fez  ce- 
lebre o  seu  nome ,  pelos  acelerados  voos 
com  que  se  remontou  o  seu  penetrante 
engenho  com  enveja  de  seus  cotidiscipulos , 

e 


VI  Vida 

c,  dos  Mestres  á  investigar  òS, arcanos  r^a, 
Theologia  ,  e  ãs  difíiculdádeá    de^humsí,' 
e  outra   Jurisprudência  ,  <jue  rodos    se  fa- 
ziáo  patentes-  á  sua    profqnda   comprehen- 
sáo.    Resoluto    á  seguir    "a    Vida   Ecclesi- 
astica  recebeo   o  grão -de  Bach^^l  na. Fa- 
culdade   dos- Sagrados    Cânones"- a   fS*  de 
Maio    de   1618,   como   própria    do   Esta- 
do que  e.^g^ra  ,  €  passando   .á  Corró  de 
Madrid  mercceo  distintas  estimaçoens  das 
principaes  Pessoas    da  Jer^irquia  Ecclé^ia^-' 
tica  >  e  Secular  ,  que  sendo  devjdas  á  n<j'-  . 
bfczâ   do  seu  -nacimento    se    fazia   delias» 
rçíaior  acredot   pela  sublimidade  do  talen^t 
to.  Não   contava  muitos   dias   de  assisten-^- 
cia    naquella    Corte  ,  quando   foy   provida- 
na   Abbadia   de  Nossa  Senhora  da  Assump-í 
çáo  dç  Sáobade  em  o  termo   òi  Villa   da 
Alfandega    <ia  Fé  em  a   Província  Trans*. 
j-nontana  ,  que  ero  do    Padroado    Real;  O- 
poçto  ,  que  era  muito  rendosa  ,  passou  por{ 
nova  nomeação  para  ^  Abbadia  de  Santa> 
Maria    (das:  Chás    do  mjsmo    Padioadp  >■ 
situada    enl-   o   Conselrio    de   Tavares    do- 
Bispado    d« 'Vif?eu  ,•  hum    dos   mais  opu-i 
lentos    Benefícios    deste    Reino í     Conhe--; 
ciindo  o  primeiro     Ministro  de  Castella  ai 
pr^undídade    de   seu  juizo  ,    JHe   partici-, 
pou  alguns  negócios  graves  ,  que  felismen-»^ 
re  scconduiráo    pela  madura  direcção  da> 
sua-   prudência.    Ao  tempo  ,   que    imagi- 
na- 


DO      A    U    T   O   B.  VII 

nâv?.    ser    generosr.mente    premiado    pelos 
serviços   que  fizera   em  obsequio    da   Co- 
roa Castelhana  ,    experimentou    huma  fa- 
tal tormenta    ocasionada   da   fiel  liberdade 
com  que  vocalmente  ,  e  por   escrito ,  de- 
fendeo  o  direito  da  Sereníssima    Caza  de 
Bragança    ao    Trono    de   Portugal    violen- 
tamente  usurpado   pela   ambição  de   Filip- 
pe  Prudente.    Para  evadir  a  prizáo  á  que 
estava    condenado    sahio    ocultamente    de 
Madrid  i  e  vencidos  vários  perigos  buscou  , 
para  azijo    da  adversidade  que   o  ameaça- 
va,  a  sua   Igreja   das   Chás  ,    onde  assis- 
tfo  largo  tempo  ;  e  posto   que  a   lembran- 
ça-   da    Corte   lhe   fazia  mais    intoleráveis 
a  aspereza  do  Clima  ,   e  o   horror  da  So^- 
lidáo  ,    temperava  estas  m.olesiias    com   a 
liçáo  dos  livros  em  que  consumia  a  maior 
parte    do   rempo.    Aclamado    no  anno  de 
1640,  legitimo  Successor  da  Coroa   Foriu- 
gueza  o   Sereníssimo   Rey    D.  ]oáo  o  IV. 
passou  a   Lisboa  ,  onde  foy  recebido  des- 
te Monarca  com  agrado  ,  da  Nobreza  com 
aíFecto    ,  e  do  povo  com   veneração.    Por 
morte  do  Princ»pe  D   Theodosio  ,  á  quem 
^oy  sun^.mpmente  aceito,  oelegeoFlRey 
D.-  João  para    Mestre   do  Principe  D.  Af- 
fonso  ,  cujo    lugar   aind?     que    honorifico 
resolutamente    regcitou  ,  prevendo    Que    os 
seus    dociimenros    haviáo    de    ser    inciteis 
para  (juem  a  natureza  incapacitara  para  a 

dls- 


VIIÍ  V   I    D   X 

disciplina.  Determinado"  ElRey  de  ocupar  ■ 
o  seu  talento  em  alguma  das  Cortes  da 
Europa  ,  e  náo  executando  e^te  intento,' 
lhe  offèreceo  o  Bispado  de  Viseu  j  á  cu- 
ja offerta  respondeo  com  discreta  galan- 
taria qne  não  queria  gozar  de  hríma  dig» 
nidade  em  leite  ,  pois  não  podia  ser  em 
carne  ,  aliudindo  á  repugnância  com  qne 
os  Ponrifices  ,  naqueile  tempo  mais  attcH- 
tos  á  politica  de  Castella  ,  que  ao  pasto 
das  Igreja?  de  Portugal,  lhe  negaváo  a 
confirmação  dos  Bispados.  Deste  apothe- 
gma  jocoso  ,  que  os  seus  Emulos  inter» 
precaráo  por  liberdade  indecorosa  ao  Prin* 
eipe  ,  se  seguio  ser  julgado  por  mcapaz- 
<áe  ministério  quem  era  tão  resoluto  nas 
acçocns  ,  e  claro  nas  palavras.  Conhe» 
cendo  que  somente  as  lisonjas  erão  pre- 
mi.-ídas  na  Corte  ,  se  retirou  para  a  sua 
Igreja  ,  onde  dominava  a  sinceridade  ,  da 
qual  o  obrigou,  á  ausentar-se  a  assistência 
de  sua  irmã  D.  Maria  Courmho  ,  que  mo- 
rava em  Lisboa  ,  com  a  qual  viveo  alguns 
tempos  occupado  na  cultura  dos  livros ,  em 
que  achnva  a  maior  deleitação  ,  até  que 
mais  cheio  de  merecimentos  que  de  an- 
nos  ,  pois  náo  excediáo  de  Co  ,  espirou 
placidamente  á  i  ^  de  Mayo  de  1657  •>  em 
as  cazas  próprias  ,  situadas  ás  Portas  de 
Santo  Antáo.  Jaz  sepultado  na  Parochial 
Igreja  de  Santa  Juata  ,  em  humilde  jazi- 
go ^ 


DO      A   U   T   O    B,  IX' 

fo  ,  digno  certamente  que  fosse  deposiro 
das    suas   cinzas  o  mais  sumptiiozo  Mau- 
soleo.   Teve  a  estatura  mais  que  ordinária  , 
o  aspecto  melancólico  ,   e  grave  ,    de  tal 
sorte  ,  que  olhado    infundia    respeito  ;    a 
conversação     agradável     com    apothe^mas. 
igualm.ente   galantes  que   agudos   ',    o    tra«; 
to    com    as  pessoas    táo    moderado  ,   que 
nem  era  arguido  de  severo ,  nem  accuzado 
de  faciK  Como   inimigo  jurado   da  adula- 
ção 5  fallou  sempre  com   liberdade  ,  estra- 
nhando aos  fautores  de  acçoens  criminosas  , 
e  proferindo,  o  seu   voto    com   mayor  at.^^; 
tenção    á  conciencia  ,  do  que  ao  respeito.: 
de  quem  o  consultava.    Foy  com  os  po- 
bres liberalmente  charitativo ;  com  os  hu-> 
mildcs    summamenre   humano;  e  com  os 
Fidalgos,    parcamente    comiunicavel.    Teve  ^ 
natural  afluência  ,  e  elegância   para  a  Poe-tç 
2ia  vulgar ,  alcançando   a  palma   entre   os  • 
mais  suaves  Cisnes  do  Parnazo  Pcrtuguez  , , 
sendo  os  seus  Versos   sérios    cu  jocosos^ 
claros    Índices  da  sua   fecunda   ,  e  discre- 
ta Musa,  K\^.içT  espirito  mostrou  na  com- 
posição  da  ílLstorJa,  onde   o  seu   judicio-.; 
so  talemç    dilatou   mais  vastamente   a  de-, 
licadeza   dos  seus  pensamentos.    Persuadi»  • 
do  dasíepetidas   instancias    do  Bispo   Inrv 
quizidor  Geral    D.    Francisco    de  Castro,, 
neto  do  clarissimo  Varáo  D.  Joáo  de  Cas-- 
tro  ,  quarto  Vice-Rey  da  índia  ,  escreveo 

a 


X  Vida 

a  vida    deste  Heroe  ,    com    tão  elegante 
frase  ,  que  deixou   duvidosa  3  posieiidade 
se  fora  mais  feliz  D.  ]oáo  de  Castro  pe- 
lo que   obrou  com   a  espada  no  Oriente  , 
sè  pela  penna  com  que  descreveo  Jacinto 
Freyre  as  suas  gloriosas  e  immortaes   ao-' 
çoens    em  todo  o   mundo.    Nesta    primo- 
rosa   obra    excedeo    a    magestoza    pompa- 
dos   Livios  ,   Curcios ,  eThucydides  ,  ve- 
nerados Oráculos  da  Historia   Romana  ,  e 
Grega  ,  uzando  de  estilo  altiloquo  ,  e  cor-- 
rçnte  ,    palavras  naturaes   ,    e    elegantes  ,-. 
pensamentos  agudos  ,  e  claros.  Cada  clau-» 
suía  he  íilha  da  eloquência  mais  sublime  ,• 
•e  cada    período    parto    da    locnçáo    mais 
discreca.    Persuade   com  eficacii  ,  discorre 
<íòm  juizo ,  reprehende   com   moderação  , 
e*  louva    sem  lizonja.    Igual   methodo    se 
admirou     nas   suas   cartas  ,  não   se   distin- 
guindo   o  estilo  familiar  com  que   tratava 
aos  seus    amigos  ,  daquelle    á   que    o   res- 
peito  das    pessoas   fazia    ser   mais   severo, 
P'ir  inj^enio  selectissimo  o  intirúla  Toan.Soar. 
ÒQ  Brito  ,  Theit,    Liuh,  Litcri    lie.  H.  n^ 
56.   Cardoso  Agiolog.   Unit.   tom.  2.  pag^ 
lOD.  no  Conent.    de    ii.  de  Março  letr.^ 
C.  O   /íbhide   'Jacinto    Freyre    de  Andra* 
dl  rta  celeberrimi  Vid,^    de  D.   JoÍ9    de 
Castro,  Souzi.  Apptrat.   a   Hist,  Gen.  da 
Ciz,   Real.  pag.  io5.  ^.  11;.:   Do  sers  ad- 
mirável  taí^fif)  ,  «  diicri^ÔQ  ,  nos  deixou 


t>  <5      Â   V   r   O    K,  XI 

irrefrigavel  testemunho  ttaquella  inimta' 
ve/  obra  da.  Vida  de  D.  João  de  Cauto 
•quATto  Fiso-Rey  díp  índia  ,  em  ^íff  a  f/o- 
^fuencia  ,  e  pureza  da  nossa  lingua  se  ad- 
mira em  hum  estyh  tam  sublivie  3  que  he 
huma  das  obras  mais  singulares  que  se  tem 
escrito  ,  e  por  isso  igunlmeme  estimada  não 
só  dos  nossos  ,  mas  dos  Estrangeiros.  Tei- 
xeira Vid,  de  Gom.  Freire  de  Andrada  PaK. 
I.  liv.  2.  5.75.  ã  Corte  o  venerava  De* 
tttosthenes  Lusitmo  ^  e  o  Reyno  Ocero  Por^ 
tuguez,  Franckenau  Bib,  Hisp.  Gen,  He- 
raid.  pag.  198.  Diogo  Gouvea  Barradas 
Antig.^  de  Beja,  liv.  \.  cap,  27.  )acinca. 
Cordeiro  Elog.  dos  Poet.  LusiLEsunc*  ;4- 

Jacinto  Freire  gloria  de  H^licàna 
De  Andrada  lustre  de  seu  novibrc  gloria 
Si  jlor  de  jacta  ,  y  piedra   perficiona 
La  gala  deste  nombre  amahíe  historia  ; 
Merece   con  justicia  la   corona 
Qjíe  ie  escrive  el  ingenio  en  la  memoria, 
Del  Templo  de  la  Jama,  h  que  le  llama 
lan  immortãl  con  el  será   la  Faina, 

c   o   M   p   o   z. 

Vida  de  D.  '^oão  de  Castro  qu  ítre  Vi- 
S0'Uey  da  Indià.  Lisboa  ni  Officina.  Cras- 
beekiana.  i^-çi.  foi.  &  ibi  ,  por  ]oáo  da 
Costa.  167*.  foi. ,  &  ibi  5  pelos  herdeiros  de 
Miguel  Manescal.  170;^.  fíil.  òc  ibi  na  OíR-.^ 

et- 


^"  Vida 

cina    da  Musica  ;    1722.  '8:   Sc^ún  por 
Anr©nio  "Isidoro    da    Fonceca    17^6.     4,' 
Sahio   rraduzid.T  na  lingua  Itigleza  por  Pe-" 
tef  Wicliek   com   este  titulo  :  The  life  of 
Z>om  Jobn  de  Cmro  ,  the  /oufeh  yice-Ref; 
0/  Indi^:    London  ,    por   Henry    Herring- 
rii>n.   166^,    foi,  ;  e   ultimamente    na   lin-"* 
gua  Latina  pelo  Padre  Francisco  Maria  dei- 
Rosso  da  Companhia  de   JEZUS.    Rom*- 
ex  Typographia  Rochi  Barnabó.   1727.  4^ 
O  juízo  ,  que    o   tradutor    faz    do    Autor 
da  obra  ,  he  o  seguinte  :    Scriptor  ,  quem'^ 
merpreiandum  suscepi ,  ut  magni  est  apud 
Lusitanos  nomints  ,  ita  nationibus  cateris 
non  improbMtur  •  habet  enim  in  narranâ(y 
tion  mediccrem  jumnditatem  ,  et  illabord' 
tum  cãndorem  j  pressus  est ,  et  velox  ut  hls- 
tOricum   decet  ,    quin    tamen  obscurus  sh , 
vei  supinus  i  eUgántiam  sectatur ,  sed  non 
jejunam,  acMmen ,  seA  minitiie  illiberale.  Nes- 
ta  edição  sahio  com  o  Retrato  de  D.  Joáo 
de   Castro   primorosamente   aberto  ,    e   na 
parte     inferior    animado   com    o   seguinte 
dysticho ':. 

Qualís ,  quãntus    érat  pietate    insignis , 

<^  armis , 
Spirat  adhuc  pictd  Castrius  in  TabuU^' 

Portugal  Restaurado,    He  tradução  Ja  > 
obra    intitulada    Lfísitania    Liberata    quéi 

com» 


D   o  .    A    U   T  o    K.  XíH 

compoz  o  lilusrrissimo  Capçiiáo  mór  D, 
NJanoel  da  Cunha  ,  c]ue  saihio  sem  o  sea 
nome.  Foy  dedicada  a  tradução  impressa 
sem  anno  ,  nem  lugar  ,  em  24  ,  a  Sere- 
níssima Rainha  de  Poiíugal  D.  Luiza  Fran- 
cisca de  Gusmáo  ,  fechando  o  tradutor  a 
Dedicatória  feita  á  20  de  Março  de  164^, 
com  estas  discretas  palavras  :  /Jffui  tilo  hã, 
couiX  minha  ^  senão  os  erros  da  P'ersâo; 
porque  triduzir  não  he  mais  que  levar 
hum  recado  alkeo  ,  que  cu  aceitei  píira  com 
elle  me  por  de  joelhos  aos  pus  de  F,  M^- 
gestade. 

Origen  ,  y  progresso  de  U  Caza^y  FjL' 
milia  de  Castro  ,  y  de  los  grandes  bombrcs 
que  ha  havido  en  elU ,  desde  su  principio 
basta  nuestros  tiempos  ,  sacado  de  Chront- 
cas  ,  Historias ,  y  otros  Autores  dignos  de 
todo  credito  foi.  M.  S.  Esta  obra  foy  com- 
posta em  obzec]uio  do  Bispo  Inquizidcr 
Geral  D.  Francisco  de  Castro ,  a  qua!  dei- 
xou sua  sobrinha  D.  Mariana  de  Noronha  , 
€  Castro  aos  Padres  Theatinos  desta  Cor- 
te sua  magnifica  Bemfeitora  ,  e  se  conser- 
va na  selectissima  Livraria  desta  douLa 
Communidade. 

^  Dos  seus  \^ersos  se  poderão  formar 
volumes  ,  dos  cjuaes  a  maior  parte  pere- 
ceo  no  fatal  incêndio  ,  que  devastou  as 
ca^as  em  que  morava  ás  portas  de  San- 
to Antão  desta  Cidade;  e  unicamente  se 

A- 


xfv  V  r  i>  A 

fizeráo  públicos  no  Tom.  ^.  da  Téniz  rettít-- 
cida ;  ou  Obras  Poéticas  dos  melhores  enge- 
nhos Portugueses.  Lisboa  por  Joseph  Lo- 
pes Ferreira.  1718.  3.  de-sde  pag.  51^,  até 
^84.  Diversos  Sonetos ,  Romances  ,  Syhas^ 
Can^oens  ,  Endechas :  Fabula,  de  Narciso^ 
consta  de  54  ouravas  ;  Fábula  de  Polife- 
mo  ,  e  Galatea  ,  consta  de  6 1  ouravas.  A 
estas  duas  Fabulas  celebra  o  Padre  An- 
tónio dos  Reys  no  Enthus.  Poet.  n.  70. 
como  a  seu  elegante  ,  e  discreto  Author 
«om  estas  métricas   vozes  : 

Crinibus  Andradii  posuh  Narcissm  odo-^ 

rum 
£x  sentet  sertim  j  nec  non  Polyphemas  y 

antíisus 
Sh  licet ,  Iddeâ  pr<€sUit  âb  arbore  ramum^ 
Et  male  contextum  ,  (narn  dextra  est  ini* 

cia  cultus  .;. 

Barbara  )  doiiavit*. ...  '-'-^* 


VI- 


*  ».('4b.f^i5^í^«^  í^í^^  >(^^ 


xxxxxx^  *rT*  T^í  xxxxxx' 


^ 


VIDA 

D  E 

D.  JOÃO  DE  CASTRO, 

QUARTO    VISO-RET    DA   ÍNDIA. 


LIVRO    I. 


ScREvEREY  a  vida  de  Dom 
João  de  Castro  ,  vario  ain- 
da mayof  que  seu  nome  , 
mayor  que  suas  viciorias;  cu- 
jas noticias  sáo  hoje  no  Ori- 
ente ,  de  pays  á  filhos  ,  hum  livro  sue- 
cessivo ;  conservando-se  a  fama  de  suas 
obras  sempre  viva  j  e  nós  ajudaremos 
o  pregão  universal  de  sua  gloria  com 
este  pequeno  brado  :  porque  durão  as 
memorias  menos  nas  tradiçoens  ,  que 
nos  escritos. 

Foy 


2    Vida  de  D  JoSo  de  Castro. 

Primei'  Foy  D.  JoâO  de  Castro  ,  entre  os 

ros  es  tu-  de  táo    grande   appellJdo  ,  iiltrstre  des- 
dos  de     cendenre  j  mas  primeiro   relataremos  ai 
D.  João  virtudes  ,  e   depois  a  origem  ,  por  se- 
de  Cas-    rem   as  obras  próprias  ,  pays  melhores  , 
^''^'         cjue    os  que    da  natureza   se  recebem. 
Passou    os   primeiros   annos  ,  cultivado 
nas  letras ,  e  virtudes  que  sofre  aquel- 
la    idade  ,  sendo    táo  fácil  o  natural   í 
disciplina  ,  que   náo  havia   mister  torci- 
do  5    senão   encaminhado.    Como   náo 
era   D,  Joáo  herdeiro  da   casa  de  seus 
pnys  ,  dispunháo    elies  inclina-lo  á  es- 
tudos mayores  :  porque  nas  casas  gran- 
des foráo  sempre   neste  Reyno    as  le- 
tras o  segundo  morgado    Obedeceo  D. 
Joáo    em.   quanto    náo  tinha    liberdade 
para    engéitar  ,    nem  escolha    para  to- 
mar outro  exercido, 

Aprendeo  as  Mathemacicas  cora 
JppUca-  i>ç^rQ  Nunes  ,  o  mayor  homem  ,  que 
1^/^       desta  proíi<çsáo  conhcceo  Portu;^aI  ;   fa- 

zendo-se   tao   sinsular   ne^ta  ÒCíencia  » 
maticas  ,  ^        ,  ,  t 

em  com-  ^omo  se  a  houvera   de  ensinar,    isesta 
nanhin     escola  acompanhou  o  infante  D.Luiz, 
dolnfan-^  quem   se  fez  familiar ,'  óu  pela  qua-- 
te  D.      lid:ide  ,    ou   peio  engenho  j  porem  cc- 
,Luu,       mo  D  Joáo   amava   as  letras  por  obe- 
diência ,  e  as  armas  por  destino  ,  des- 
pregou,  como  pequena  ,   ã   gloria   das 
escolas  ,  achando  para  seguir  a  guerra  ^ 

era. 


Li  V  j  ò    L 

em  -^i  indinaçáo  ,  era  seus  svós  e.^Swo. 

Era  n^qucile  tempo  ciara  a  fama 
de  D.  Duaríe  de  Menezes  ,  Governa- 
dor ds  Tanger  ^  cujo  nome  os  Afri- 
canos Oaviáo  cum  temor  ,  e  nós  com 
icverencis.  Considerava  D.  Joáo  mé- 
Ihor  suas  victorias  ,  qviQ  as  figuras,  e 
círculos  de  Euclides  ,  amando  as  artes 
cm  quanto  podião  servir   ao  valor. 

Chegado  aos  dezoito  ..nnos  ,  ven-  ^^^^^  « 
'?'*/  í^sis  crecido  no  brio  ,  que  na  ^"'a^''* 
idade  ,  fugindo  se  embarcou  para  Tan- 
ger ;  onde  contra  o  estylo  daquellas 
praças  ,  assjstio  nove  annos  ,  como 
suem  queria  f«ízer  vida  do  que  era  só 
caminho.  Em  todas  as  occasions  dV 
^uel  a  guerra  se  portou  com  esforço 
Jgual  3o  sangue  ,  e  maior  que  os  an- 
nos ,  merecendo  congratula çoens  dos  pa- 
rentes ,  invejas   dos   soldados. 

D.  Duarte    de    Menezes    o   respei-  D.    Dw 
tâvâ ,  como  se  houvera  lido  nesta  Hi>  ^^rte  ds 
toria  as  victorias  da  A*ia  ,  que  estamos  ^^Unezss 
escrevendo.    Por.  suas   mãos    lhe    quiz  ^   «'"'"^ 
a;'r,  e  receber  a  honra  de  o  armar  Ca- ^^'''^'^^^■• 
vr.lleiro  ,    gloriando-se    táo    anticipada- ''^• 
"^^nte    no    filho    da   sua    disciplina.    E 
vendo   que  táo  grandes  espíritos  mcre- 
ciao    ser   ajudados    dos  favores  Reaes  , 
desejando    que    reápondcssem    o»    pré- 
mios   ao  valor  ;    zelando  igualmente  a 
B  cau- 


4     Vi  D  A  DE  DJoXo  DE  CaSTRO, 

F.  infor  causa  do  Rey ,  e  do  Vassalío  ,  escre- 
ma « El'  veo  a  ElRey  Dom  João  o  Tereeiro  , 
Reij  de  que  Dom  Joáo  de  Castro  havia  servi- 
jeu  me-  ^q  ^^  maneira  ,  que  nenhum  posto , 
recimen-  ^^  mercê  já  lhe  seria  grande :  que  Sua 
^^'  Alteza  o  devia  honrar  ,  porque  as  lem- 

branças   dos   Reys    faziâo  soldados  ,  e 
era  justo  ,  que  aos  olhos  de  láo  gran- 
de Príncipe    náo  ficassem    sem  premio 
as  virtudes. 
ElK'èy  o        ElRey    mandou  logo  chamar  a  D. 
chama  ,  ]oáo  por  huma.  carta ,  táo  honrada  ,  co- 
honra ,  e  mo    se    lhe    náo    quizera    fazer    outra 
premea,  mercê  i  Com  a  qual   D.  Jeáo    se  veyo 
á  Corte  ,  onde  foy    táo  envejado  pelas 
feridas ,  como  pelos  favores.  ElRey  lhe 
fez  mercê    da  commenda    de  Salvater- 
ra ,    acordando    aos    homens   de   novo 
seu  merecimento  a  estimação  com  que 
os  tratava. 
Seu     o-        Cursou  Dom  Joáo  algum  tempo  a 
cedimen-  Corte  ,    sem  que  a  nenhum  desar  da 
to  naCor*  mocidade    o  arrastassem  os  annos  ,  ou 
ig^  os  exemplos ,  parecendo  verdadeiramen- 

te varáo  em  toda  a  idade  j  porém  com 
tal  medida  ,  que  nem  a  madureza  o 
fazia  pesado,  nem  a  urbanidade  fácil. 
Soube  philosophar  entre  as  diversões 
da  Corte  ,  evitando  naquelle  género  de 
vida  a  parte  que  tinha  de  ociosa,  mas 
náo  a  de  dis creta. 

Mu- 


L  I  V  i<ôs  L       '    I 

?Jiidou    de    est-^áo  ,    casando    com  Cafêa 
Dona     Leonor  'Coutinho  ,    sua    prifria  ^^"^  I^<»- 
segunda   ,    filha  de  Leonel   Coutinho  , '^^  J^^^- 
fidalgo  da   ilíustrissima  casa  de  Marial   "^'*  ^^"' 
va  ,  nobreza    ráo  conhecida  ,  e  táo  an-  ^'''^*'* 
riga,  què  delia  ,    e  do  Reyno   temos 
Igual  noticia.    Náo  lhe  deráo  outro  do- 
te (jue    as   qualidades  ,    c    virtudes    da 
esposa;  porém  sem    os  arrimos    da  fa- 
zenda ,  conservou  o  respeito  de  manei- 
K  ,    que    era    tratado    de    todos    com 
veneração  de  rico  ,    e  lástima    de  po- 
bre.  ^ 

OíFereceo-se   neste   tempo  a  prm- Jcrnarfa 
da  de  Tunez,  facção  mais  celebre  po- <^^  T«- 
ia  victoria  ,    que    pola   utilidade  ;    de  "^*- 
que  náo  coube  a  Dom  João  de  Castro 
pequena    parte  na   honra  ,    e   no   peri- 
go.   Daremos  do  successo  relação  me- 
nos abbreviada,  por  haver  ElRey  Dom 
João    empenhado    na   facção    o  poder  , 
o  Infante.  Doni  Luiz   a  pessoa.    Havia 
?quelle    femoso    Còssario    Barba-Roxa  Occasiãa 
infestado  todo  o  Mediterrâneo  com  po- L  Z 
íier ,  e  atrevimento  mayor    que  de  i^i.  dU  /,,«. 
'ata  ,    achando  a  fortuna    ráo    prompta  vc. 
a  seus  msultos  ,  que  entre   os  triunfos 
de  Carlos  ,   era  só  Barba-Roxa  o  es- 
candalo  de  suas  victorias.  Vcndo-se  ca- 
da  dia  mais   crecido    em   opinião  ,    e 
iorças,  8C  passou  ao  serviço  do  Turco, 
B  ij  com 


^     ViDA  DE  0.}oSo  DE  CaSTFO. 

rv.v^J  com  quem  jí  a  lama  de  nossas  inju- 
-»jCT  Hw:>  rias  o  tinha  acreditado  ,  e  comprando- 
'W^\  i.ív  Ih^s  a.  graça  com  o  mais  precioso  de 
-v.w^i  n<^tt  seos  :  roubos  ,  alcançou  ser  General  do 
.<iíV  ;!  niar  j; e  baixando  diversas  vezes  com 
grosso  numero  de  galés ,  feZ;  grandes 
idanos  nos  portos  de  Nápoles  ,  e  Sicí- 
lia ,  sem  que  bastasse  a  defendelos  o 
valor  de  seus  naturaes  ,  nem  a  tutela 
dO' império  a  que  serviáo,  Cativou  in^ 
finitas  almas  ,  perdendo  muitas  a  Fé 
poh  liberdade;  assolou  povos^  e  abra- 
sou navios  5  dando  lhe  as  misérias  dos 
Chrisráos  ,  entre  os  Bárbaros  ,  huma 
gloriosa  fama  ,  até  que  esquecido  de 
seus  principios  ,  lhe  fizejáç  as  prospe- 
ridades lugar  á  ambição  de  reynar, 
usurpando  -p  Reino  ^  de  Tunes  com  va?- 
rios 'artifícios ,  cuja  relação  não  serve  a 
nossa  Historia.  Vendo  pQJç,  Carlos  este 
lyranno  já  com  foíça.s-.ptoprias  ,  fo- 
mentadas de  outro.. ||oifír  mayor  ;  e 
-  ,  ./que.  peia  vizinhança"  d^  .seus,  Reynos 
.  r,  3„.  náo  convinha  que  creas^e  raízes  ás  porf- 
ias de  sua  mesma  ca&a  ;  e  que  os 
Mouros  ,  aquém  não :  faltava  v^lor  , 
mas  disciplina  ,  industriadas  de  solda- 
do ,táo  pratico  ,  iviçiáp  z  cenhecer 
^uas  força?,,  em  dano -«á?  ^^us  Rey- 
nos ;  resolve  buscaJo^ ,  com  ^wm^  pode- 
rosa ^armad^,  ,   e.tirâr-ihe  p  %brigo  de 


t  I  V  R  e>    T.  7! 

Tunes-  ,   pára   que  quindo   melhor   Ijic 
VTzssc  .  se  tomasse  ao  -már  ,  donje  co- 
mo Pinta  ,    só  podefM   ofFendef  corri' 
torças   vagas,  as  (^ures-  mais  facilmen|> 
te   poderiáo    ^icr.bar   os^  le^ipos  ,    e  ogJ 
»uccessos.     Tirou    os    acidados  'velhos^- 
aos  presídios  de  Itália  ,  que  suprio  com- 
bisonhos  ;    fez    G;randes    levas   na    Ale- 
manha alra,  c  paizes   de  Flandres;  aIis-> 
r-ou    Italianos  ,    c    Hespanhóes    ,    além^ 
dos  seí4hores  ,    e  nobreza  ,  qae-erviai 
sem   soldo;  e  como  cn  presa  tá  c   util ,. 
c   iustittcada  ,  e  onde  o-FmperauGr  em-*: 
penhava  a  pessoa,  acudiác  muitos  aven- 
nireiros   a   acompanhar  táo  pias  ,  c   va- 
lerosas  ^rmas.    Em  Sardenha  tomou  a 
Emperador    mostra    da  gente  que  leva- 
va  ,  e  nchou  viíite    c  cinco  mJI  infan. 
t^s  de  lista  ,  ijue   receberão   soldo  ,  fó- 
lí:    outra  muita    gem-   que   servia    sem 
^ie   ,    que    era   huma   grande  parte    do 
c-xercfto  ,    e    cada    dia    recebia    difiQ' 
rentes    sfoccorros  ,    que    engrossava©  o 
eam.po, 

O  Infante  Dom  Luiz  ,  Príncipe -^'^*'''r^' 
digno  de  empresas  i^uaes  a  seu  valor, ''•'"^  ^--- 
s^  resolveo  achar  nesta  jornada  com  o  ^f  ""  ^''' 
Kmperador  seu  cunhado  ;  e  ainda  que-^'"'^'^  ^• 
dElRey  Dom  Joáo  foy  muy  dtssua-  ^'"''" 
dido  com  razoens  differentes  ^  humas 
que  topaváo   no  amor    do   sang^-e  ,«  e 

ou- 


8  Vida  de  DJoXaDE  Castro. 
outras  no  respeitp  da  pessoa  j  com  tu- 
do o  Infante  interpretando  a  vonta» 
cie  d£iRey,  mm  cm  favor  de- brio, 
que  da  obediência  ;  partio  secretamen- 
te com  alguns,  fidalgos  i  o  que  .enten- 
dido por  ElRey, ,  lhe  niandou  a  Bar- 
çellona  ,  onde  o  Emperador  estava, 
largos  créditos  ,  e  aprestar  vinre  c  cin- 
co caravellas  ,  e  alguns  navios  redon- 
dos i  entre  elies  hum  galeáo ,  que  ju- 
gâva  duzentas  peças  de  bronze  ,  o 
mayor  que  até  aquelles  len^poá  surcá- 
ráo  nossos,  mares,  á  ordem  de  António 
de  Saldanha  ,  para  qne  serviss.em  na 
jornada;  e  por  reverencia  do  Infante  se; 
encoraendaráo  as  vasilhas  da  arínada  a 
fidaigos  de -grande  conta,  sendo  huní 
deliés  Dom  joáo  de  Castro,  que  nesra 
occa;iáo  igualmente  despresou  o  peri- 
go ,  e  a  cobiça  ,  como  logo  mostrará. 
a  Historia. 
Fidalgos  Os  fidalgos  que  se  embarcarão  nes- 
íjue  fo-  ta  armada .,  de  que  alcancey  noticia  , 
rão  nes-  foráo  ,  de  mais  de  Dom  Joào  de  Cas- 
tajorna-uo  ,  Dom  AiFonso  de  Portugal  filho 
^à.  herdeiro  do  Conde   de  Vimioso,  Dom 

Alfonso  de  Vasconcellos  filho  do  Con- 
de  de  Penella  ,  Luiz  Alvarez  de  Ta- 
vora  senhor  do  Mogadouro  ,  com  Ruy 
Lourenço  de  Távora  seu  irmáo  ,  que 
depois   foi   Viso-Rey   da  índia  ,  Dom 

Joáo 


L  I  V  R  o    I.  9 

João  de  Almeida  filho  do  Conde  de 
Abrantes  ,  Dora  Pedro  Mascarenhas , 
que  também  foy  \^iso-Rey  da  índia , 
Dom  Diogo  de  Castro  Alcaide  mór  de 
Évora  ,  Dom  Fernando  de  Noronha  , 
Dom  Francisco  de  Faro ,  Dom  Fran- 
cisco Pereira  Embaixador  que  foy  d' 
ElRey  Dom  Sebastião  em  Castella , 
Dom  AfFonso  de  Castelbraneo  Meiri- 
nho mór  ,  Pedro  Lopez  de  Sousa  , 
João  Gomez  da  Sylva  Pagem  da  lan- 
ça ,  e  D.  Luiz  de  Attayde  ,  que  de- 
pois foy  Conde  d'Anou§uia  ,  e  mcrreo 
na  índia  ,  sendo  segunda  vez  Viso-Rey 
d  aquelle  Estado,  Todos  estes  fidalgos 
forào  servir  á  sua  custa  ,  levando  cria- 
dos ,  e  soldados  ,  sem  receberem  sol- 
do ,  com  galas,  e  librés  demonstrado- 
ras do  gosio  com  que  scguiáo  a  guer- 
ra. Tomou  a  armada  o  porto  de  Bar- 
ccllona  ,  e  salvando  a  Capitania  Im- 
perial ,  deu  de  si  huma  mostra  bcUico- 
sa  ,  e  alegre.  O  Emperador  se  veyo 
ás  casas  do  Embaixador  de  Portugal 
Álvaro  Mendez  de  Vasconcellos ,  que 
por  estarem  sobre  o  mar  ,  eráo  mais  ap- 
las  para  honrar  ,  e  festejar  a  entrada. 
-  Os  Duques  de  Alva  ,  e  Cardona , 
com  outros  muitos  Senhores  ,,  vieráo 
á  praya  buscar  o  General  ,  e  fidalgos 
de  sua  companhia  ,  que  foráo   beiju  a 

máu 


IO  Vida  ôR  D.João  db'Ca3t RO. 

máo  ao  Empera<áar  ,  o  quíl  os  reco* 
bço  com  todas  ks  honras  ,  c  agasa- 
lhos, que  a  autíioridade  sofre,  alegrati- 
dose  ç}€  sé  acompanhar  de  nossa  milí- 
cia pratica  .,  e  valerosa  ,  a  quem  náo 
patcceriáo  'estranhas  as^Luas  ,  e  lan- 
ças Africanas.  Todas.  ^$.  resoluçoeni 
grandes  conjmunicava'  ò  Emperador  ao 
infante  í^cm  Luiz ,  náo  só  peh  gran- 
desa  da  pessoa  ^  raas  pela  do  juízo  , 
táo  pratico  na  Corte  ,  como  no  Esta- 
do ,  de  <juem  r^rirey  huín  lanço  de 
urbanidade  ,  pela  estimação  que  d  eile 
Cortezia  *i2eráo  OS  Castelhanos.  Recolhiáo-se 
entre  o  huma  noite  o  Emperador , -c  o  Infame  , 
Enipera  c  30  entfsr  de  huma  portia  ,  sobre  qual 
àor  ,  €  o  hayia  de  passar  dsante  ?  jf>ielteaiáo  am- 
l'ijante  bos  a  coftesia  ,  qiierendo  íHnm ,  que  pre- 
cedesse a  Hospede  ,  outro  a  Magesta- 
de.  O  Empeiador ,  travando-lhe  do  bra-í 
ço  5  quasi  por  .força  o  fez- passar  prw 
ineiío.  Náo  querendo  o- Infante  acei- 
tar esta  honra  ,  nem  podendo  engei- 
cala  lançou  .  máo  a  huma  tocha  ,  que 
hum  pagem  levava.  Assi  /^oube  o  Infan- 
te fazer-setào  senhor  à^  vontade  do 
Empcrador:,  que  tcve^resoluto  d-^r-lhe  <3 
Estado  de  Míláo  y  achando  nelle  qua- 
lidades para  o  merecei-  ,  e  para  o  dei 
fender  ,  valor  ;  mas  as  pericnçóes  de 
França  íizcriO  o  dominio  d'este  Estado^ 

um 


Livro    I.        '  ii 

tam  contingente ,  que  ficou  o  senhorio 
d'ellc  muiros  annos  debaixo  do  juizo 
das  armas. 

Náo  relatarey    os  succe^sos   d 'esta  O  Empe- 
guerra  ,    por    ser  historia  slbea-  ;    bem  ''*<^<"' 
qae  nella   D.  Joáo  de  Castro  se  portou  1"'^''  ^^ 

■.  •  ■»-<  1  •     mor  Cíz* 

de  maneira,  que  o  Etnperador  o  quiz         .^ 
armar   Cavalieiro  v  honra    de    que  elle  ^"^  *' 
SC  escusou  conii  a  verdâGie  ,  oe  o  haver  j^.^ 
já  sido    por  outraí?   máo5  ,   que  o '  que  ^^^'^  ^'^^^^ 
llíe  faltavão  de  Reaes ,  tinhao  de  vale- ^o   ^-^^ 
rosafc    Mandou  o  Emperador  dar   dous' ^  ;;,f rcc 
mii  cruzados  'a -cada   num  dos  Capitães  iio  di- 
da    armada  ,  que  Dom  João   singular- nAciro. 
niente  náo    quiz  aceitar  ,    porque    ser- 
via com  -mayor  ambição  do  nome  que 
do  premio. 

Triunfante    Carlos   ,    como    outro^*"^^"'- 
Scipiáo    da   guerra    de   Africa  ,  se  veyo  ^."  ^^|f 
deçcançar  entre  applausos  ,  c  acclama--^'"'''^  ^» 
çoens    de  Kuropa  ,  podendo-se  chamar  ^^^ 
antes    fundador  ,    que  herdeiro    de  seu  ^^^^^^^ 
Império.    Voltou    também  a   nossa  ar- 
mada ao  porto  de  Lisboa  ,  onde  Dom 
Joáo'  achou  ,    nos  braços  do  Rey  ,    e 
saudações   do   povo  ,    mayor    premio  , 
do    que    cngeitara    do  César  ,  e   como 
varáo  que  táo  bem  sabia  despresar  sua 
mesma   fama  ,  se  retirou    á  sua    quinta 
de    Cinera  ,    desejando    viver    para    si 
mesmo,  havendo  se  no  serviço  da  pá- 
tria 


12  Vide  de  DJoXo  de  Castro. 

triâ  de  maneira  ,  que  nem  o  desem- 
parava  como  inútil ,  nem  o  buscava  co- 
mo ambicioso.  Aqui  se  recreava  com 
huma  estranha  ,  e  nova  agricultura  , 
cortando  as  arvores ,  que  produziâo  fru- 
10  ,  e  plantando  em  seu  lugar  arvore- 
dos sylvestres  ,  e  estéreis;  quiçá  mos- 
trando ,  que  servia  táo  desinteressado, 
que  nem  da  terra ,  que  agricultava  ,  es- 
perava paga  do  beneficio:  mas  que  mui- 
to ,  fizesse  pouco  caso  do  que  podiáo 
produzir  os  penedos  de  Cintra  ,  quem 
soube  pisar  com  despreso  os  rubis ,  c 
diamantes  do  Oriente  !  > 

Passa  a  Achava -se  D.  João   no  melhor  de 

primeira  seus  annos   ,   estimulado  a  servir  com 
vez,  á     OS  exemplos  de  sua  mesma  casa ;  e  co- 
India»     mo  a  guerra  de  Africa  com  a  nova  con- 
quista do  Oriente  ,  ou  se  dessimulava  i 
ou  se  esquecia,  havendo  o  mundo  pot 
mais  gloriosa    a  fama   ,   que  vinha    de 
mais  longe  ,  resolvco  D.  Joáo  passar  á 
índia  ,  cuja  conquisça  ; enchia  o  Reynq 
de  fama  ,  c  de  vi<5torias ,  embarcando- 
se  sem  pedir  posto ,  ou  mercê  alguma  , 
havendo    por    mais    sua  ,  a  honra    que 
se  vay  a  ganhar ,  que  a  que   se   leva.  . 
Faz-lhe  Passou    naquella  [occasiáo  a  goverr 

ElRei/  nar  a  índia  D.  Garcia  de  Noronha  se« 
Tjierce ,  €  cunhado  ,  que  estimou  levar  a  Dom 
como  a  Joáo  dc  Castro  com  méritos  de  suc- 
étceita»  ces- 


L  I  V  R  o    I.  13 

cessor  ,  e  praça  de  soldado.  EIRey, 
lo^  que  enrendeo  a  re  oíuçáo  de  Dom 
]oào  ,  lhe  mancou  dar  mil  cruzados  ca- 
da anno  o  rempo  que  ser\isse  na  In- 
di3 ,  e  porraria  da  fortaleza  de  Ormuz  , 
<]ue  elle  (  náo  sey  se  com  mayor  am- 
bição ,  ou  com  mayor  temperança ) 
náo  aceitou  ,  por  ser  mais  rara  n  me- 
moria das  mercês  ,  que  se  en^eiráo , 
que  da?  que  se  recebem  :  acçáo  mais 
fácil   de  lGUv?r ,  que  de  imitar. 

Embarcou-se  Dom  João  de  Castro  te^a 
com   seu  filho   D.  Álvaro    de  treze  zn- seu  f.lh» 
nos ,  dando  lhe  per  entretenimentos  d'a-  D.  Al» 
quella   idade    os  perigos  ,    e   tormentas  varo. 
de    táo   prolixos  mares.    Chegou  a  ar- 
mada   de    Dom  Garcia    á  ,India    com 
prospera  viagem  ,   onde    achou  ao  Go- 
vernador  Nuno    da  Cunha    com  arma- 
da   prompta    para  soccerrer    2  Dio  ,    e 
peleijar   com  as  galés  do  Turco  ,    que 
o  tinháo  sitiado  naquelle  illustre  cerco , 
que  defendeo  António  da  Sylveira.  To- 
mou   Dom   Garcia ,    com    a  posse    do 
governo  ,    a  obrigação    de  soccorrer    a 
praça  ,    para    o    que    se    lhe  ofFereceo 
Dom  Joáo    de  Castro  ,  que  como   sol-  Enihr- 
dada   de  fortuna  alvoroçado    se  embar-  case  no 
çou   no  primeiro  navio ,   parece    que   já  socorro 
presago    dos  futuros   triunfos  .   a  que  o  de  Dio» 
chamava    Dio.    Porém    a    retirada    dos 

Tur- 


14  Vida  de  DJoXo  de  Castro^ 

Turcos  privou  a  D.  Garcia  da  victo- 
liâ  ,  ou  lha  <]uiz  òar  sem  sangue ,  se 
menos  gloriosa  ,  mais  segura. 

Faleceo  brevemente  D,  Garcia  , 
a  quem  succedeo  D  Estevão  da  Ga-* 
ma  j  que  na  índia  teve  os  brios  dos 
de  seu  appellido  ,  e  p?.rece  que  tive- 
ra a  fortuna  ,  se  náo  fora  tam  breve 
0  seu  governo.  Emprendeo  huma  fac-' 
çáo  ,  no  perigo  ,  e  na  gloria  ,  grande ; ' 
qual  foy  em  boca r  o  Estreito  do  mar 
Roxo,  e  queimar  as  galés  dos  Tar- 
.,  cos  5  que    no    porto  de    Suez   se  fabri-^ 

caváo  com  voz  de  lanjar  os  Porcuguôi^ 
zes    da  índia  j  empresa    que    o  Turcoí» 
reputava  por  digna  de  seu  poder.-         -> 
Viii  ao  Posta  de  verga  d 'Alto  toda'  a  armá^ 

mar   ro- dz    ,   náo   hoiivc    soldado    de   vajor    á| 
xa  cem   quem    nto  alvoroçasse  o  risco    de  tam- 
D.  £i-   rjova  jornada,  na  qual  tanta  fama  me- 
tevão      recia    a  yicroria  ,    como    o  atíevimcrti 
da  Ga-    tp^    Partio  D.  Estevão    da  Gama  com> 
"'**•         doze    navios    de  altaoiaordo^e  sessen- 
ta embarca çoens    de  iemò^  0'primeir($' 
de  Janeiro    de    mil  ,   «quinhentos  ,  è' 
quarenta   ,    c    hum.;  •  Aqui    foy    Dom 
]oáo   de   C/tstro   Capitão 'de   hum   ga- 
leão ,  e  seguindo  çua  viagem  com  Le-- 
vantes  ,    avistarão  a   costa  de  Arábia  ,' 
posto   que   derramados.    O  Governadoí 
O.  Estevão  da  Gama    a  vio  em  inon^ 

te 


L  I   V    R   o      I.  Tf 

•tc  Feliz  5  e  surto  iia  boca  do  Estrei- 
to esperou  os  navios  de  sua  conserva. 
Aqui  foy  certificado  ,  que  as  g?.lcs 
inimigas  estaváo  varadas  em  terra  ,  po- 
rem  tam  vigiadas  ,  que  se  nao  po- 
diáo  queimar  senão  com  força  descu- 
berta  ;  o  qual  seria  impossivel  aos  na- 
vios redondos  ,  em  razáo  dos  baixes , 
c  restingas  daquelle  porto  :  com  tu- 
do Dom  Estevão  da  Gama  ,  despre- 
zando o  aviso  ,  e  o  perigo  ,  pasíou 
avante  com  algumas  fustas  ,  huma  das 
Quaes  levcu  Dom  Joáo  de  Castro , 
deixando  o  seu  navio.  Passarão  pelas 
primeiras  ilhas  ,  situada?  em  doze  grãos, 
c  meyo  ,  e  pela  enseada  velha  em 
treze  escassos  ,  tomaráo  a  da  Fortu- 
na ,  que  está  na  mesma  altura.  Em  ffcstn 
todas  estas  angras  ,  e  enseadas  da  bo-  vic^^em 
ca  do  Estreito  até  Suez  ,  foy  Dom^^:,  hum 
Joáo  de  Casrro  ^  tomando  o  Sol  ,  e  reuir».  - 
fazendo  roteiro  ,  fermando  juizo  ,  já 
de  Philosopho  natural,  c  já  de  ma- 
rinheiro ,  mostrando  como  caminha  ce- 
ga a  experiência  rude  dos  Pilotos  sem 
os  preceitos  da  arre.  Aqui  tam  judi- 
cioso ,  como  soldado  ,  discursou  dou- 
tamente sobre  as  causas  ,  porque  ao 
I  már  Roxo  foy  imposto  este  norae  ; 
e    também     dos    impul-os    ,    e    movi-  ;a 

mentos  naturaes   das  crescentes  do  Ni- 
lo 


i6  Vi  D  A  DE  DJoXo  DE  Castro; 

Io  nas  monçoens  do  Estio  ;  matéria 
que  desvelou  muitos  engenhos ,  a  (]uem 
a  natureza  tantos  annos  escondeo  es- 
tes secretos.  Assi  contaremos  deste 
varão  como  parte  menor  da  sua  gran- 
desa  ,  o  que  os  Romanos  com  tara 
soberba  eloquência  escrevem  de  seu 
César  ,  que  com  ranto  juizo  tomava 
a  penna  >  como  com  valor  a  espada. 
Este  tratado  ,  e  outro  de  que  daremos 
mais  inteira  noticia  ,  escritos  entre  as 
ondas  do  mar  ,  c  o  açoute  dos  ven- 
tos ,  dedicou  ao  Infante  Dom  Luiz , 
offerecendo-lhe  o  fruto  das  letras ,  que 
juntos  aprenderão. 
P.  Es'  Nesta  paragem  virão  o  monte  Si- 

Uvão      nai  onde  com    fabrica    de   Anjos  forão 
mrma  ca-  as    reliquias    de    S.    Catherina   coUoca- 
valldro   dâs  em   illustre  deposito  j   a  cuja  vi^ta 
a  D  Al-  Dom  Estevão   da  Gama  armou  Caval- 
varo,       leiro    a   D.  Álvaro    de   Castro  ,  o  qual 
cm   memoria   de  tam  celebre    sanctua* 
rio  tomou    por   timbre    de   suas  armas 
a  roda    de  navalhas  ,  com  que  religio- 
samente   as    illastráo    ainda    hoje    seus 
descendentes.  Do  eífeito  d'esta  jornada 
não    daremos    particular    noticia  ,    por- 
que  a  vigilância  dos  Turcos  nos  frus* 

'T^rna      ^^^    ^   cffeito. 

D.  João  Tornando  Dom  João  ao  Reyno , 
ao  Kcy-  como  querendo  deixar  crescer  as  pal- 
120.  mas 


L  I  V  R  o     I.  17 

rnas  ào  Oriente ,  que  havião  de  coroar 
suas   victorias  ,    nào  desembarcou    ou- 
tras riquezas ,  mais  que  a  fama  de  suas 
obras  ;    e  estando  com    0$  vestidos  do 
mar    ainda    mal  enxutos  ,    o  nomeou 
ElRey  por  General  das  armadas  da  cos- 
ta ,  dando-lhe    novas  occasiões    de  ser- 
vir   em   premio    do  que  tinha   servido. 
Sahio    logo    Dom    João    no    anno   de 
54;  ,  a  comboyar  as  náos  ,  que  de  via-  ^^  ^^' 
gem    se    esperaváo    da  índia   ,    e  pai-  "^'''''  «<* 
rando  na  altura  de  seu  regimento ,  hou-  ^J"!^  * 
ve    vista    de    hum    Cossario    Francez , 
que    com.  sete    navios    infestava    todos 
aquelles    mares  ,    e    havia    feito  algu- 
mas prezas  cm  navios   de  nossas  con- 
quistas  ,  que   o  tinháo  atrevido  ,    e  ri- 
co.   Logo   que  Dom   ]oáo   avistou  ,  se  p^j^^. 
fez  naqueila    volta    com    os  navios  ar-  ^^^^  ^^^ 
rasados    em  popa  ,   e  atracando    a  Ga-  ^^  „^^, 
pitaniâ   do  inimigo  ,  a  abordou  ,  e  ren-  j^  Çgf 
deo  depois  de  porfiada  resistência ;  me-  sariot, 
teo  dous   navios    no   fundo  ,   e  outros 
se  salvarão  com   o   favor  da  noite.  Os 
casos  particulares    d'esfa  briga   não  pu- 
de achar  escritos  ,  assi  ficara  nosso  si- 
lencio    desculpado     com     o     descuido 
alhcyo. 
i  Houve  Dom  João  vista    das   náos  r^^o/Ac 

dentro   em   poucos    dias  ,  que  com  re-  ^s  da 
ciprocas  salvM    lhe  ajudàráo  a  festejar  inála. 

a 


r8  VíDA  nsDJoXo  dèCastro; 

a  roca    do   Cosiario  j  entrou  com  ellas 
pela   barra  de  Lisboa  ,  sendo  tão  geral 
o    applauso    com    <]ue    foy    recebido  , 
que    parecia  hevér  pafsado  já    os.  peri- 
gos do  ódio   ,    e  da  enveja  ;   felicida- 
de ,  ou  miséria  ,   que    só  na  sepultura 
alcançáo  ,    ou  evitão   ,    os  vajóes    ex- 
cellentes.  Porém  d 'estes  successos   coa- 
seguio    Dom   joáo    sómenie   o  premio 
na    vicioria   :    porque    quando    as  d  vi- 
das são  grandes  ,  os   Reys  por  não  fi- 
carem escassos  ,  arriscão  se   antes  a  pa- 
recer ingratos  ;    mais  fáceis  a  confessar 
os  vícios  na  pessoa  ,  que  na  Magestade, 
Pouco   tempo  deixarão  a   D.  Joáo 
de  Castro  descansar  no  gosto  da  victo^ 
ria ,  porque  logo  para   negock)  de  ma- 
yor   cuidado  ,    tornou    a    vestir    as  ar- 
mas ,    como    refcrirey    mais  largamen- 
te 5    ainda    que  contra    meu  costume  : 
por    náo    truncar    a   Historia  ,  buscarei 
princípios    afastac^o»;.  Vio-se  aquelle   fa- 
moso    Cossario     Haradin     Barba-Roxa 
quasi  desbafatado  co:n  a  perda.de  Tu- 
nez  ,  e  Goieta  ,  e  muito    mais  com  a 
das  gales ,  perdendo    na  terra  a  autho- 
ndade    de   Tyranno ,  e  no   már  âs  for- 
ças   de  Pirata.    Porém    náo    ficou    es- 
te   inimigo    de   todo    táo  quebrantado, 
que    deixasse    de    gemer    ainda    Itália 
muitos  annos  debaixo  de  seu  açoute  ^ 

Ti- 


L  I  V  â  o    I.  19 

Tinha  depositado    em   difíeremeí  par- 
tes o  melhor    de  seus  roubos  ,   como 
segunda    taboa    cm  cjue   salvar-se  j  fez 
dciles  hum  presente  a'  Soltmáo  Penhor 
4ps  Xurcos,  de  tantarestiraaçáo  ,   quê 
pode    fazer- e6<^uecer  5   ou   disculpat    a 
desgraça  dã  armada,  e  fugida  de   Tu- 
nes ,   de  que  Solimáõ    ainda    rinha  a 
dot  ,    e  a  memoria;  frescac.-'Repf€Scrí- 
tou-lhe    o  muito  jquc   podia  obrar    cm 
dano   do3  Chriseáos  ,    pois   começando 
atentar  o  már.  com  duas  galcotas  mal 
armadas.,    o  valor  ,    e  os   successos  o 
iizeráò  temido  ,  e  poderoso  ,  e   fazen- 
dp-lhe  crutíi  .guerra   oom    scua  próprios 
despojos  ;    que    náo  cabiáo^v^à    os  ca- 
tivos  nas  masmciras    de  'Africíi/,    que 
no    Reyno   de   Nápoles   ,    em    tcda    a 
Apulha   ,    c  terra  de  Lavor,  fizcia  ta- 
cs  estragos  ,    que    ainda  agora  ,    nem 
o  sangue  ,    nem    as   lagrinnâs    esraváo 
enxutos;   que    a»   galés  de  Sicília  ,  te^ 
merosas    tpodreciáo   ancorad.is    nO  por- 
to ;    que    aqueJJe     André    Dória   ,    ráo 
buscado  dos   Principes  da   Europa  ,  di- 
ria quantas   vezes  ,  por    se  desviar    de 
Barba-Roxa   ,    tinha   terçado  .  o  remo  ; 
que    seguramente     daria    por     tesiimu- 
I   nhãs    de  suas   obras    seus .  próprios  ini- 
i    inigos  i  que    o    Emperador   Carlos  ,  ir- 
,   liudo    de,  tantos    danos  ,    vendo    que 


20  ViD\i)E  DJoXodeCastro» 

80  B^tba-Roxa  fazia  a  suas  vicrorias 
sombra 4  ínajs  impaciente  que  soldado, 
juntara  para  o  destruir  todas  ns  for- 
ças de  Aicmínlaa  ,  halia.  ,'^  Espanha  ^ 
c  Flandres ,  expenda  temerário  o  me-* 
Ihor  de  seus  Reynos ,  ao  caso  de  hu? 
ma  ruirja  ,  ou  do  huma  victoria ,  e  ain* 
dl  que;  0;,oáo  dçi-ícòmpanhou  sua  an- 
tiga .f<fc?iííi|ia^-,só  iticoQ  .'cbnjocnada  fama 
sem  /ítiiQ  ,jíre^ituindo;.a.'rTmiez  h\3tú 
inimigo  por  desapossai? iodtro  ,  que" Se 
náo  recolhera  tão  mteiro,  que  Ine  náo 
custasse,  a  victoria  navios  ,6-  solda» 
dos  ;  c  que  com  a$  despesas  de  tÍ6 
nyuncraxso  pod.r  ,  esgot^a  lt)S  thesou- 
ros  QQ  Epanha ;  -que  a^oara^  eia  o  tem-- 
pp  oppoffuno  para  arruinar- ra  Christan-í 
dade  ^  enfraquecida  com  humar  hírgá 
guerfíj,  descuidada  com-huma- appafenr» 
te  vicr.ociíi  i.que  no  estreito  de  CubràV-' 
tar  estava  a  celebre  Cidá d?  de  Ceita  j 
porta  por  onde  já  os  Africanos  entras 
ráo  com  victoriosas  .armas  a  dominai 
Espanha  ;  .que  os  Pòrtoguezes  a  ti- 
nháo  com  fracos  muros  ,  e  hum  debrí 
presidio,  mais  attcntos  a  inquietar  oà 
vizinhos  ,  que  a  acauielar-se  ddies  i 
porque  altivos  com  as  prosperidades 
do  Oriente  ,  despresaváo-  sua  própria: 
morada  ,  á  maneira  de  rios  ,  que  quan- 
to   mais  distáo  do  berço    cm   que  na- 

cé- 


L  I   V  R  o     L  2t 

ccráo  ,  sáo  mayores;  (^ue  se' a  Mjges- 
tade   do  gráo    Senhor   se    inclinasse    a 
sennorear    esta    parte    táo   principal    da 
turopa  5    clle    se  ofFerccia    cóm  hum 
jqsto    numero   de  giilés ,  a  eniregar-lhe 
Ceita  ,  para  que   as  nações    do  ultimo^ 
Occidcnte    vivessem    na    reverencia    de 
s.eu  Império.    Assi  descorreo  o   Cossa- 
rio ,  tentando  restaurar  com  forças  alheas 
O   credito  ,  e  estado  de  que  havia   cai- 
éo,  E  como   nas  Cortes  dos  Príncipes  , 
as  cousas    grandes    sáo   rr-elhor  ouvidas 
que  as  possiveis ,  c  cm  Barba-Roxa  i 
cjcperiencia  ,    e  o  valor    tinháo  tantos 
abonos  ,    Solimáo  altivo  ,  e  beJlicoso  , 
começou    t  dar  ouvidos  á  empresa  de 
tantas   consequências  ,    que  parecia   op- 
portuna  pela  paz  ,  e  prosperidade  ,  que 
gozava    seu    Império.     Ouvio    diversas 
vazes  a  Btrba-Roxa  ,  que    lhe  persua- 
dio    serem    os  úteis    desta   facçáo  ma- 
yores que   23   diíliculdades.    ínHamaváo 
mais   a  indignação  do  Turco   os  W ou- 
ros  Africanos   ,    queixosos   de  que    náo 
poiiáo   respirar,    senáo  debaixo  da  paz 
de   rrossas  armas. ,  chorando  huns  a  li- 
berdade ,  outros   a    injuria  de  seu  Pro- 
pheta  nasi  poutradas  Mesquitas.    No   re- 
médio    d'eátes     danos    cmpenhaváo    o 
Turco     por    zelo   ,    e    por    grandesa  , 
porque  huns  tocaváo    á    Rcli^iáo  ,  ou- 
C   ii  ttOá 


22   VlDAbED.JoÂODE'CASTRO. 

tros    á   Magesiade  ;    motivos    que    co- 
briáo  a  ambiçào  ,  e  justificaváo  à  jor* 
nada. 
Avisos  ^  Emperador  Carlos,  cjue  da  ne- 

í/o  Em    gociaçáo    de  Barba- Roxa  em   Con-taa- 
perndar  tinopla    andava    cuidadoso  ,    cntenden-' 
fí  El'      áo    que  aquelle    tronco  ,  de  quem  corJ 
Kej/.       tara  as  ramas  ,    náo  ficara   táo  secco  ," 
que  com   calor  fllheyo  náo  puciesse  bro- 
tar   novo  veneno  ,    teve  .industria    para- 
saber    a  resolução    do  Turco  acerca  da* 
invaiáo    de    Espanha  ; '  e  ainda   qu3  a- 
primeiro    golpeame^içava  a  Ceita,  co-- 
mo  nunca  a   corrente    da  victoria    pirai> 
onde  começa  ,  náo  querendo  cair  tam- 
bém sobr^  nossas  ruínas  ,    mandou  ara- 
mar   navios  ,    alistar   gente  ,    e  dobrar 
os    presidios    nos   portos    do    Estreito  ^' 
escrevendo    a    ElRey     Dom  João    seu; 
cunhado     os    avisos    que    tinha   ,    para 
que  juntos  disposessem  a  resistência  do 
commum  inimigo. 
E  lhe  Chegada  a  Portugal  esta  nova  ,  tra- 

pede pjw  toa   logo    FlRey    de    fortificar    Ceita  ,^ 
éa  para  quc    náo  tinha    outra    defensa  ,    que  a 
resistir    que    ensinava    a     desciplina    d''aqueJie$' 
aôs  Tur-  tempos  j    e  como  nós    em  Africa  tn^ 
^^^'         mos  con^uiitadores  ,  defendíamos   nos-i 
sas  praças    com  o   temor  alheyo.    Go-J 
vernava  n^aquelle  tempo  Ceita   D;   hf^ 
lonso  de  Noronha,  a  ^ucm  ElRey.eníJ 

com* 


L  t  V  ^  o    J.  23 

corrmendoLi  a  ^orrific^çáo  ,  e  a  defensa  , 
mardando-lhe  gente  ,  materiaes  ,  e  en- 
genheiros. Pedia  o  Emperadcr  a  El- 
K.ey  ,  ^ue  rr.andass-  sair  a  arn^ada  ,  pa- 
ra que  unida  com  a  cue  tinha  em  Ca-^ 
<i<z  ,  á  ordem  de  D.  AJvaro  Baçáo , 
esperassem  o  inimigo  na  boci  do  Ef;rrei- 
ro,  onde  em  auí^lcpier  sLccesso  reriáo 
00  abrigo  de  seus  Pvórtos  segura  a  re- 
tirada. Posto  o  r.egccio  em  ccnsdíio,' 
pareceo  qu«  as  2rm.?das  se  juntassem  , 
pcrquc  náo  ficssse  sobre  nessas  forças 
todo  o  peso  da    guerra. 

Entrou  EiRey   em  consideração  de  xV^m^rt 
buscar    quem  governasse    a   rrmada  ,  e -t^^c^y 
dado  que  no   Reyno   havia   muitos  ho-  ''  '^^"'^ 
Ttjens  ,  a  quem   as   experiências,  e   pc-*J^^^  P^^ 
íígos    de  nossas  Conquistas   tinháo  fei.^*^"^'''^'» 
10  soldados   ,  o  nome    de  D.   Joáo  de 
Castro  se    fazia    lugar    entre    os  mayo- 
'cs  ;    fez  brio    de  náo  pedir ,  nem  en- 
geitar  o  serviço  da  patiia.  Sabemos  que 
i^niey  D.  Joáo  ,  ainda  que  o  amava  por 
valeroso  ,  lhe  era  f  cuco  affecro  por  ai- 
Jivoi  de  sorte  que   o  que  granecava  poc      ^'mvK 
numa    virtude,  \inha  a  perder  por  cu- 
^^3;  assi    náo  vmios  que   na  casa  Real 
tivesse  officio   ,    ou    valimento;  porqup 
víráo    táo  livre   podiáo  no    sofrer  ccmo 
vassallo  ,  mas  náo  ccmo  crirdo.    Esta- 
va já   com  vfiias  metidas  toda  a  arma-  i 

da 


24   VíDA  DEDJoXODECAStRO. 

ida  ,  e  embarcada  muita  parte  da  no- 
breza do  Reyno ,  e  os  soldados  na  ex- 
pectação de  quem  havia  de  governar 
facção  tão  imjX)rtanre  ;  quando  de  re^ 
pente  se  divulgou  a  nomeação  em  Dy 
João  de  Castro  ,  feita  com  geral  satis- 
fação ,  ainda  dos  mesmos  perf^n dentes.^ 
Confían'  Mandou  ElRcy  chamar  a  D   João  , 

ÇéL  úuc    a  quem  cummunicou  os  avi  os   do  Em- 
ivostra    perador  ,  e  desígnio?  do  Turco  ,  signi- 
ler  dcD.  íicando  Ihc    a  enveja  com  que  o   man- 
Joio,      dava    a  tão  honrada  empre^a ,  mas  que 
pois    era  hurna    prisão    ResI    das   Ma- 
gest.ides  ,   poder    dar   .honras    sem  po- 
der  merecelas   ,    lhe  entregava    aquella 
armada  ,  esperando  que  havia  de  ajun- 
tar   ás  Ruelas    dos   Castros    as    bandei- 
ras quê   ao5  Turcos  ganhasse  ,  para  que 
a   seus  descendentes    as  deixasse    ainda 
mais  honradas   do  que    lhas  enTegaráo.' 
D.  Joáò  beijou   a  mão  a   ElRey  ,  agra- 
decido; entendendo   que    dos  Príncipes: 
era    melhor  ser  bem  avaliado ,  que  bem' 
visto. 
Ajantíi'    -     Aos  doze  dias  de  Agosto  de  154?  >' 
se  com  o  se  fez  á  vela  toda  armada  ,  e  em  pou- 
General  cbs  dias  com  ventos  de  servir  ,  ^urgio^ 
doEmpc-  á  vista  de  Gibraltar  ,    onde  achou   so-' 
Ttídor,      bre  ferro    a  armada  Imperial  ,  que  re-^ 
cebeo  a  nossa  com  toda  2  cortezia  na- 
val ,  alegrando  ,  ou  assombrando  o  lu-' 

gar 


cor- 
em so* 


L  I  V  it  O    L  25' 

gar    com   repetidas    salvas.    Veyo  logo- 
Dom  Álvaro  Baçáo   cem  os  principaes 
Cabos  da  armada  visirar  a  D.  Joáo  de 
Castro  ao  mar  ,  onde  depois  de  saúda- 
çoens   corteses  y  lhe  deu  cotitâ  das  no- 
ticiai ^ue  tinha    do  inimigo  ,   (^ue  se- 
gundo   os   avisos   ,    a   primeira  invazáo 
seria    sobre  Ceita.    Aili    se    diFcorreo  , 
como  unidas    as    armadas  de  dous  táe  _p;^ 
grandes  Príncipes  ,    convinha  á  reputa- , 
çáo  de  humas,  e  outras  armas  ,-p^lei-  ire  a 
jar  com  o  inimigo  ^  que  dado  que  m-jctmida. 
esse  com  mayores  forças ,  peleijavamos 
nos  nossos  mares  á  vista  de  nossos  por- 
tos j   que    no  conflito  nos   podiáo  soc^ 
correr  com  gente  descansada  ;  e   os  na*- 
vios  destroçados   tcrião    o  abrigo  vesi- 
nho  ;    e  que  quando  bem  a   victoria  se 
inclinasse  aos  Turcos  .  ficar láo  tão  que- 
brados,  que  náo  podessem  intentar  fac- 
ção  nas  praças   do    Estreito  ,  as  quaes 
sempre  remiriáo    pelei jando    em  ambos 
os  successos  ;  m^^yoí mente  ,  que  as  or- 
dens ,  que  traziáo  ccrriJdas  de  buscar  o 
inimigo    náo    sofriáo    outra    interpreta- 
ção   com  que  se   salvasse  a  honra  ,   e 
a-  obediência.    Tomada   esta   resolução  , 
ainda    que  precisa  ,    briosa  ,  ficarão  os  j^^^^/, 
soldados  alvoroçados  ,   e  os  Cabos   so-  y^,„ 
lícitos  nas  ordens,  e  disposição   ò^  izo  i^ijar, 
grande    negocio  ;    quando    de   repente 

chc- 


i6  Vida  de  D.  ToSo  de  Castro. 

cfjei^.?r30    appressâdos  avisos  ,  qnc  Bar- 
ba-Roxa  com  toda  a   armada  junta  de- 
mandava  o  Estreito.     Mandou  logo  D. 
Joáo    de    Castro   recolher    alguma  gen-' 
te  que  andava    em  terra   ,    dar   ordens 
âos  Capitaens  ,  empavesar    navios  ,    c 
avisar    a  D.  Álvaro  de  como    se  leva-. 
Muda  o  ^^*  ^  4"^^  ^^^  ^  imaginada  vista  do^- 
(5^;,^,,^/  inimigo ,  resfriando  d'aquelle  ardor  prU* 
Caste-     meiro  ,  escreveo  a  Dom  Joáo  de  Cas-: 
lhano  de  tro  ,  quc  novos    easos  necessitaváo    de 
parecer,  novos    conselhos  ;    e  que    petas    noti- 
cias das  espias  5  sabia  que  Barba-Roxa 
trazia    dobrado    numero   de   baxeis    do 
que    as  armadas  tinhão  ;    que   não  era 
intenção  ,    nem  serviço  de  seus   Prm- 
cipes  ,    perderem-se  com   risco    tão  sa- 
bido ;  que  estando  aquellas  armadas  in- 
teiras não  podia  o  inimigo  intentar  cou- 
sa grande ;  e  se  acaso  na  peleiia    ficas- 
sem  destroçadas  ,  fícariáo  as  pr<íçaí-   da»  , 
Biruta   Estreito    por  premio  da  victoria  ;    que 
de  redit'  elle    em   deixar    de  peleijar   sse  violen- 
Tií  a  D.  t^yj    myito  ,    mas  que   primeiro    esta- 
J°oo.      ^^    Q  serviço    do   César  ,  que    o    brio 
dos  particulates  j    que   lhe  pedia  reco- 
^    ^^  ^    Ihessc  naquelle  porto  a   armada  ,  e  que 
cnna-     ^^  resoiuçáo  dos   Turcos  tomariáo  mais 
^uece\m  ^^guro  conselho.    Dom  Joáo  de  Castro 
pelejar     tcspondeo  ao  General  Castelhano ,  que 
elle  náo  mudava  de  opiniáo  á  vista  do.^ 


com    os 


Turcos,  ini- 


L  I  V  n  o    I.  27 

inimigo  ;  que  bastava  para  animar  05 
Turcos  o  verem-se  temidos  ;  que  pois 
clles  pertendiáo  pisar  terra  de  Espa- 
nha ,  as  armadas  se  deviáo  arriscnr  pe- 
la reputjçáo,  quanto  mais  pela  in;uria  ; 
que  juízo  havia  de  fazer  o  mundo  das 
forças  de  dous  tão  grandes  Principes  , 
quando  se  colji^iváo  para  fazer  á  Bar- 
ba-Raxa  a  guerra  defensiva  ?  deixan- 
do senhorear  a  bmdeira  do  Turco  nos- 
sos mares  á  vi^ta  das  Águias  do  Im- 
pério ,  e  Quinas  de  Portugal  ;  que  el- 
íe  se  resolvia  em  esperar  o  inimigo , 
seguro  de  lhe  impurarem  culpa  cm  hum 
c  outro  aconteciTiento  ,  porque  no  máo 
successo ,  os  perdidos  náo  daváo  conta 
de  nada ,  e  aos  victoriosos  de  nada  se 
pedia. 

Mas  nem  esta  resolução  bastmi  pa-  £  os  es- 
ra    o  General   Castelhano  Dom  Álvaro  pêra  no 
Baçáo  mudar  de  conselho   ;    náo  sabe-  estreito 
mos  se    o  tomou   por  melhor  ,    se   por  três  dias 
mais  seguro.   D.  Joáo  de  Castro  se  poz 
na  boca  do  Estreito  ,  acnde  esteve  sur- 
to três    dias  ;   aqui    teve  aviso  ,  que  se 
fizera    em    outra    volta    a    armada    do 
inimigo  ,  por  dissensoens    que   houvera 
entre  os  Cabos  mayores  ;  ou  como  em 
outras    memorias  achamos  ,    por  haver 
recebido   Barba-Roxa   novas  ordens  do 
Turco  j    que  recolhesse  a  armada  :  po- 
rem 


28   ViDA  DE  DJoXo  DE  CasTSO. 

rém  a.  gentileza  cem  que  D.  Joáo  de 
Castro  .a  esperou  no  Estreito  ,  mere- 
ceo  dos  presentes  enveja  ,  e  dos  fu* 
luros  gloria  ;  pois  para  conseguir  hu* 
ma  illu  tre  victoria  ,  náo  ía.tou  o  va- 
lor ,  faltou  o  conflicto;  bem  que  des- 
ta táo  generosa  resolução  ,  se  fizeráo 
em  Hespanha  juízos  diílèrenres,  poti», 
do-lhe  nota  aquelles  ,  <]ue  a  todaa  as 
acçoens  não  vulgares  ,  chamáo  teme-. 
.  ridades  ;  porém  eu  creyo  ,  que  ainda^ 
os  que  mais  condenarão  esta  acção , 
tomarão  ser  os  authores  delia. 

Vendo  pois  D.  João  ,  que  com  a^ 
retirada    do    inimigo    ficara    asse?,urado 
o  receyo  d'aquellas  pr.íças    ,    se  ioy  a 
Ceita    a    communicar    algiimas    cousas 
de   sua  instrucçáo  com    D.  Aííbnso  de 
Noronha  j    o  qual  recebeo  ^   D.   Joáo 
com   tantas  salvas    de  artelharia  ,  ^ue- 
os  Castelhanos  em  Gibraltar  se  persua- 
dirão ,    que    peleijsva   a  armada  ;   mas: 
nem   assi  quizerão  desaferrar  do  porto  ,. 
fáceis  em  alterar  o  primeiro   conselho, 
tenazei  no  segundo.  Aqui  teve  D  Joáo 
--     ,     de    Castro  aviso  que  os  Mouros  tinháo 
seu^úlho  ^^^^^^^    Ceguer    cm    apertado    cerco  j: 
cem  so  -  P^^Ç'^  J    S"^    ^^  nossos  sustentavão  em> 
cerro  «  Africa    com  despesa  ,  e  perigo  inútil  »». 
Alcácer  <ie  que  era  Capitão  hum  Fidalgo  do   ap-- 
Ceguer,  pellido   de  Freitas,    Despachou  logo   a/ 

seu 


L  I  V  R  o     L  29 

seu  filho  D.  Álvaro  com  hum  Trcçd 
d;i  arm?.(ia  ,  e  ordem  cue  meccssc  o 
soccorro  na  villa  ,  e  cjae  até  se  Ie\'an- 
tnr  o  inimigo  esrivesse  no  porto;  o  que 
executou  prompramenre  ,  baítccendo  , 
e  municionando  a  praça  ,  e  como  o  ex- 
ercito dos  Mouros  se  compunha  de  gen- 
te tumultuaria  ,  faltando-lhes  o  calcr  da 
primeira  invasão  ,  Jcvantou  o  sitio ,  e 
D.  Álvaro  se  tornou  a  aggregar  á  ar- 
n^.ada  ,  que  depois  de  assegurar  Ceita , 
e  livrala  do  receyo  dos  Turcos ,  se  re- 
colheo  ao  porro  de  Lisboa  ;  aonde  já 
havia  chegado  a  fama  de  hum  ,  e  ou- 
tro successo  ,  que  como  cairão  sobre 
v?.lor  também  reput?do,  parecerão  mayo- 
res  :  mas  D.  João  ,  que  nenhuma  cou- 
sa tinha  por  grande  ,  querendo  tratar 
com  desprezo  su?.s  mesmas  obras ,  fu- 
gi o  das  honras  populares  ao  retiro  de 
Cintra ,  ou  táo  modesto  ,  ou  tão  alti- 
vo ,  que  não  avaliava  suas  acçocns  por 
dignas  de  si  mesmo. 

Entrou  ElRey  D.  João  em  consi-  Vrltn  a 
deraçáo   de  buscar  qjem   governasse    o  "Lisboa,  c 
Estado  da  índia   ,    porque  Martim   Af- '«^^'^^''tf- 
fonío  de  Souja  tinha  acabado  o  tempo  5^^  "  ^'/»' 
e  pedia  successor  com  repetidas  instan   ^^^* 
cias  5  porque  as   cousas  do  Oriente  es- 
ta vão    por  vários  arcidentes    hum   pou- 
co declinadas  ,  e  náo  queria  que  a  guer- 
ra 


^o  Vida  DE  DJoXo  deCastro. 

^â  com  algum  desar  lhe  desUizisse  4 
£!oria  de  seus  feitos  ,  como  quem  sa- 
pia  ,  fjue  dá  a  ignorância  do  povo  po- 
der a  huma  desgraça  ,  para  desautho- 
risar  muitas  victorias.  Para  negocio  tão 
grande  se  representarão  a  hlRey  su- 
jeitos diíTerentes  ;  huns  que  pela  anti- 
guidade do  sangue  costumaváo  a  ser , 
senão  beneméritos  ,  herdeiros  dos  lu-' 
gares  mayores  (segunda  tyrannia  de  rey- 
rar  ,  que  inventou  a  nobreza)  i  outros 
humildes  por  nacim.ento  ,  e  iljustres 
por  si  mesmos ,  que  o  que  se  lhes  de- 
via por  seus  merecimentos,  perdiãopor 
falta  dos  alheyos  ;  assi  que  para  posta 
de  tanta  authoridade  ,  nem  bastava  va- 
lor plebèo  ,  nem  qualidade  inútil 
JJepro-^  Com    estas    consideraçoens   ElRey 

posto  pe-  irresoluto  na  escolha  de  varão  ,  de  quem., 
/o  ín/*d/i- podesse  fiar    o  peso  de  tão  grande  go- 
te  para   vcrno  ,  perguntou  ao   infante   D.    Luiz  , 
o  govcr-  quem    no    estado   presente    fizera    Go- 
no  da     vernadoF  da  índia.    O    qual     lhe  signU, 
índia,     f,co\.\  o  conccito    quc  tinha  dos  espíri- 
tos de  D.  João  de  Castro;  porque  ain- 
da que  na  occasiáo  do  Estreito  a  mui- 
tos havia  parecido  que  se  houvera  com 
^  animo  sobejo  ,  he  certo  ,    que  não  ha- 

veria soldado  que  não  estimasse  ser  rco 
de  tão  honrada  culpa  ;  c  que  dado  que.- 
seus    emuloá    o  ar^uião   de  altivo   ,    Sí 

re- 


L  I  V  K  o    L         31 

retirado  ,  por  não  peJir  mercês  ,  nem 
coriejar  ministros  .  eráo  esres  defeitos 
de  táo  boa  qualidade  ,  que  vinháo  a 
ser  melhores  os  vicios  de  D.  ]oáo , 
que  as  virtudes  de  outros";  (jiie  náo' 
via  cjuem  podesse  conservar  a  discipli- 
na da  primitiva  índia  ,  se  náo  Dom 
3oáo  de  Castro  ,  6  qual  servia  râò  alhcyô 
de  todos  os  interesses  ,  que  parecia  des- 
prezar os  prémios  da  terra  ,  como  se 
S,  Alteza  náo  fora  Rey  dos  homens,- 
se  náo  Deos  dos  vassallos  ; "  que  era" 
afíeiçoado  a  D.  Joáo  de  Castro  por 
suas  qualidades  ,  porém  láo  livremen- 
te, que  seus  merecimentos  ainda  sepa- 
rados do  sujeito  ,  amara  em  qualquer 
outro. 

ElRey    com    quem   a  opinião    do  ElReu  • 
Infante  tinha  credito'  grande  ,  vendo  que  eíe^.c  ,.c 
avaliava    as  cousas   de  Dom   Joáo  com  Ihcfallc^- 
zelo  de  Principe  ,    e  noticias  de   ami-     ,  .,    ^,^ 
go ,  approvou    a   inculca  feita  pelo  In-     .v,í,;^í.í^ 
fente  ,    cuja    authoridade    qualificou    o 
conceito  de  todos  ,    e   mandando    cha- 
mar   a   D.  Joáo    de    Castro   a  Évora, 
onde    rinha   S'ja    Corte,  lhe    disse  em 
sala  pública-:   ,j  Andey   estes  dias  cui-       ivo/i 
5.  dadoso  cm   buscar  vatáo  que  ^oveí-      «^  k\w> 
,5  nasse  o  Estado  da  índia  .  e  náo  du-'     o^vic^» 
„  vidava    podelo   achar  na  família  dot 
,,  Castros  5  (ie  cujo  tronco  os  senhores 


32  Vida  DE  D  JoSo  de  Castro. 

,^  Keys   mens  antecessores  tirarão  sem- 

yi  pre  Gcneraes  para  os  Exércitos ,  Re-, 

j,  gemes  para  os  povos ;  aisi    me   pro- 

,,  mecto  ,    que    de    táo    valorosa    raiz 

,i  não   pôde  degenerar    o  fruto  j    mor- 

„  mente    sç  medir    as   futuras   acço^as, 

^  p^as  passadas  ,  as  quaes  vos  tem  da^ 

,^_  jdo::  justo  nome    na  opinião  do  Rey- 

„  no  ^  e  estimação  nammha;  pelo  que^ 

^,  cçníiadameníe  vos  enccmrne  .do  o  go-: 

J  verpo  )da  índia,,  aonde  espero  prece-; 

,,..4;iâi&  de.maneír^  ,  que  poísa  dar  vos-. 

,i  sas  acçóens  por  Regimento  aos  que 

,4,  vos  suçcedcrem-  ,,-  D.  Joáo   beijou  a, 

rríáo  a  ElRey  ,  mais  agradecido  a  hon-, 

râ  , .  que  ^p  olíicio  ,  estimando    só  de, 

táo    grande   cargo  o   não    o  haver  bus-, 

.^c^do.    Na  Cone  houve  sobre  est^  elei- 

**':'    ,-çáQ  diversos  sentimentos;  alguns  a  no-f 

•^Ç'''^*  *  taráo    por  inveja  ,    e  outro?  por  costu- 

vãb  iõ'  p^^  .    tanto ,  que    nas  virtudes  era   que 

dos  esta   j|^g   ^^^^^   podiáo   achar    faltas    ,    lhe    ar- 

*  ^'í'"''   guião  excessos  ;  foy  porém  úo  bem  ava-{ 

liada   dos.  mais  ,  e  dos  melhores  ,  que. 

EiRey    se    alegrava    de    haver    achado 

tjifxn  .Hornera  feitQ ,  á  vontade  de  todos. 

Corre        -j:  Ç^^fY  .^^^  mandou  logo  despachos, 

com  o    Pi*'*^  .í»pr^star    a   armada    sem  correr    o_ 

apresto     n\eneyo.  d  ella  por  outras  máos  ,    como 

das  nãos,  limadamente    anda  escrito  ,    atíirmando. 

hjim  íÁuthoç  I    qyc  D.  ]Qâo   pâssí^ra   á 


Livro    I.  33 

índia  desconrenre  ,  por  ser  mal  res- 
pondido em  seu>  particulares  ;  cou^a 
tio  encontrada  com  as  noticiai;  ^ué  te- 
mos ,  e  com  a  pouca  ambição  d 'este 
fidalgo  ,  que  mais  se  desvelava  no  que 
havia  de  engeitar ,  que  no  que  havia  de 
pedir  5  como  se  náo  tivera  Rey  a  quem 
rogar,  se  náo   a  quem  servir. 

Determinou  levar  comsigo   a   seus  Rgprovm 
fiMios  D-  Fernando,  e  D.  Álvaro,  que  ^j  gaht 
era  o  mais  velho  j  o  qual  mandou  cor-  deseufi^ 
tar  algumas  gâlas  ;v.das   que  peááo    a //»*. 
profissão  ,  e  ost-&nnò%  j-  e  passando   D. 
João  a  caso  peia  Jubitería ,  vendo  estar 
penduradas  humas  calças  de  obra  muita 
wriosâ  ,  parando    o   cavallo  ,  perguntou  *'' 

de  quem  eráo  ;  e  tornando-lhe    o  oííi- 
ciai  ,  que   as  mandara  fazer  D,   Álvaro       «'  H^'  '- 
filho  do  Governador  da  índia  ,  pedio  D.  ""^ 

João- de  Casrro  huma  tisóura  ,  com  que 
as  cortou  todas  ,  dizendo  para  o  mestre  : 
Dizey  a  esse  rapaz  ,  que  compre  armas. 
ÍJáo- lemos  que  fosse  mais  exemplar, 
ou  austera  a  disciplina  dos  antigos  R.o- 
manos. 

Aprestou   D.  João    a  armada    hrc- is'àos ,  c 
vemente  ,  sem    violência  ,  nem  queixa  Capita^ 
dos  pequenos  -^    porque    ainda   emáo  as  ens  dei- 
exiorsoens   com  que   os  ministros   rm-  las, 
yores  armão  á  graça  dos  Príncipes  ,  se 
náo  usa  vão  ,  ou  se  náo  conhcciáo.  Er* 

o 


34  Vide  de  D.JoXo  de  Castro. 

o  coppo  da  armada  de  seis  njos  gran- 
des ,  em  que  se  embarcarão  dou«  mii 
homens  de  soldo.  A  Capitania  S.  T ho- 
me ,  em  que  o  Governador  hia  ;  que 
lhe  deu  esce  nome  ,  que  depois .  ap- 
pellidou  nas  batalhas  ,  invocando  jà 
como  de  justiça  ao  Apostolo  da  índia 
por  patrão  de  huma  ,  e  outra  conquis- 

^  ta.    Os  outros   Capitaens    de  su:i    con- 

serva, çráo  D.  Jeronymo    de  xMenezesí'^ 

-ixv.-.  -  Êlho  ,iÇ, herdeiro  de  í).  Henrique  ,  ir- 
.v..\;ináo.  4o,  Marquç?  ,de  Villa  Real,  Jor- 
ge Cabral  5  D.,  Manoel  da  Sylveira  , 
Simão  de:  Andrade  ,  e  Diogo  Kebel- 
lo. 

Tartem ,  Aos  dezasete  de  Março  de  I545> 

e  em  (juc  dessi^enou    do    porto   toda    a    armada,. 

tempo,  e  a  poucos  dias  de  viagem  foy  avisa-* 
do  o  Governador  ,  que  na  sua  náo 
hiáo  quasi  duzentas  pessoas  que  rece- 
biáo  ração  sem  assentarem  praça  ;  huns. 
que  por  inutos  não  foráo  recebidos.^ 
e  outros  que  por  delictos  se  embarca- 
rão escondidos.  Instaváo  os  ministros 
da  náo  com  o  Governador  que  es  em- 
barcasse na  caravella  de  refresco  para 
,.y,._.  jdesempachar  a  nao  ,  e.  levarem  manei* 
►.,..  mentos  sobrados  para  os  acasos  de 
tâo  larga  viagem  j  porém  o  Governa- 
dor mais  compassivo  que  acautelado  , 
fazendq  hum  a  mej>ma  a  ^ausa  dos  mi- 
...  ■  '  se- 


»>;irs/v^t  I  V  K  o     I.  35: 

scfâveis-,  e  a  sua  j  seguio  sua  derro- 
ta. Passados  alguns  dias  começou -se  a 
conhecer  a  falra  dos  mantimentos  ,  com 
o  que  os  marinheiros  ,  e  soldados  es- 
íorçáráo  a  queixa  contra  o  Governa- 
dor ,  que  com  táó  arriscada  piedade 
queria  por  em  connngsncia  pelo  remé- 
dio de  poucos  a  salvação  de  todos.  Os 
mais  eráo  de  parecer  ,  que  se  lanças- 
se esta  gente  nas  flhas  de  .Cabo  Ver- 
^^  j  onde  os  criminosos  ,  e  os  po- 
bres ficaváo  sssegurados  ,  esres  da  ío-  ^^'"/'^*' 
me,  aquelíes  da  justiça.  Porém  o  Go- '!;^''  ''" 
veinador  considerando',  aue  os  ares,  g  ''" 
o  terreno  das  Ilhss  ,  buscados  íóra  de  "'''''''' 
monção  ^  eráo  conhecidamente  noci- 
vos ,  resolveo  amparar  os  mineráveis  no 
seu  mesmo  navir>  ,  crendo  se  salvaria 
com  eííes  ,  e  por  elles  ,  dizendo,  que  era 
desKumanidade  lançar  do  mnr  a  quem  fu- 
gia  da  terra.  Assi  forÁo  navegando  com 
tempos  escassos  ,  até  que  lhe  entrarão 
os  geraes  na  costa  de  Guiné  ,  onde  a 
nào  do  Governador  tocando  ,  esteve  ^'•''''S'*' 
soçobrada,  sendo,  na  opinião  dos  ma- 
reantes ,  aquelles  mare^  limpes  ,  e  aon- 
de a  Carra  não  sinalava  baixos.  Fcjy  a 
confusão  como  de  quem  se  via  beber 
a  morte  inopinadamente  ;  as  hor.is  , 
e  o  temor  faziáo  mayor  o  perigo  ,  até 
que  a  riâo  estando  atravessada /e- sem 
D  go- 


ua^. 


-  3^  Vida  deDJoÃo  de  Castro; 

governo ,  começou  a  sordir  sobre  a  va- 
ga/^  seria   caso  j  mas    pareceo  milagre. 
O  Governador    mandou  tirar    ires   pe- 
ças 5  para  que   as  n.ios  que   vinháo  por 
sua  esteira  gessem  resguardo   ao  Laixo  j- 
as  quaes   não  entendendo  o  sinal ,  arri- 
barão   sobre   eile  ,   e  com  meihor  for- 
tuna j  que  conselho  ,  sendo  do  mesmo 
porte  que  a   Capitânia  ,  saivaráo  o  baí-i 
xo  ,    achando   sobre  as  mesmas  aguas, 
diíFerente  successo ,  cuja  causa  náo  sou- 
beráo  ajuizar  os  mareantes. 
r,  Sesuindo     o  Governador    sua  via- 

>,  ^  „     2em   cem   toda    a  .armada    lunra  ,  sur- 
b''rue        í^'^  ^^   Moçambique  5  onde  o  seu  pri- 
'    '       mejro  cuidado  foy.a  desembarcaçáo  ,  e 
cominodidioe    dos   enfermos  ,    ajudado 
da  seus   íiihos    D.  Álvaro,  e    D.   Fer- 
nando ,    parecendo    entáo   herdeiros  de 
sua  piedade  ,  depois  de  seu  valor.    Os 
dias  que  o  Governador  esteve  em  Mo-l: 
çambiviae   noíou    que    a   fortaleza,  que 
aili    tem  o   Estado,  era  obra   mal  en- 
tendida ,    por     estar    em   distíiucia    da 
JJndii  a  praya  5  di-Iicil  aos  provimentos,  e   soc- 
Yiriah-  corios  de   m>ssas  armadas  ,  situada  em^ 
za  ;j^íV7  lu^ar    baixo  ,    aonde   podia  .  ser  batida. 
v.elhof     dê.  muita>  eminências  que   a   senhorea-: 
siiio        ^,^o  ,  in.pedindo-lhe   juntamente  ;a   pu-. 
reza  dosares  em  dano  da  saúde.  Com-, 
municou   Cate  negocio  cora  .as  pessoas; 

que 


L  I  V  R  o    I.  37 

que  d*esta  arte  tinháo  alguma  luz  por 
uso  ,  ou  discipiina  ,  e  a  toJos  ptreí- 
cèráo  os  erros  dn  fortificação  notados 
com  juizo.  Succedeo  logo  a  execução 
ão  conselho  ,  e  escolhido  sitio  conve- 
niente ,  determinou  maieriaes  ,  e  mes- 
tres p.nra  a  nova  detesa  ;  e  como  isto 
se  obrava  aos  olhos  do.  Governador , 
os  fidalgos  á  volta  dos  pioens  acarreta- 
váo  as  pedras  thumas  c]ue  serviào  à  li- 
sonja ,  outras- ao  edifício. 

Posta  já  em  defensa  a  fortaleza  ,  ^^''■^ 
e  reparada  a  saúde  dos  enfermos  com  ^l:"'" 
os  ares  ,  e  refrescos  da  terra  ,  deu  o  ^''''' 
Governador  á  vela,  e  navegando  sem- 
pre com  ventos  de  servir  ,  ferrou  a 
dez  de  Setembro  a  barra  de  Goa  ,  on- 
de por  hum  navio  que  se  adiantou  , 
soube  Martim  Aífonio  deiSou-a  que 
tinha  o  successor  vezinho ,  dispondo-se 
a  recebelo  com  festas  que  mostrassem 
o  gosto  com.  que  a^^asalhava  o  hospe- 
de ,  e  deixava  o  governo.  Foy  logo 
buscalo  ao  niar  em  hum  barganrim 
esquipado  ,  donde  o  trouxe  á  quinta 
de  António  Corrêa  ,  em.  quanto  se  dis- 
punha 2  solemnidade  de  seu  recebi- 
mento. Aili  banqueteou  ao  Governa- 
dor, e  aos  fidalgos  ,  e  Capitaens  da 
frota  ,  com  ranto  primor  no  serviço, 
c  abastança  láo  grande  nas  viancas, 
D  ii  Gue 


38  Vida  deDJoXo  de  Castro. 

que  pnrecin  solemnizar  as  ultimas  hon-. 
ras  do  cargo  que  espirava.  Houve  aquel- 
la  noire   bailes   ,    e  folias  ;  festins   que 
a  singeleza  do  Portuga  1  antigo  levou  ao 
Oriente.' ,  Aqui    esteve     o    Governador, 
dous  dias  ;    assistido  .de   todos    os    íi* 
dalojos  «^desem parando    a..  Martim  Af- 
íonso  de  Sousa  ,  até  aquelles ,  que  co- 
mo crearuras  suas  ,  tinha  feito   de  na- 
da ,    aprendendo    a  ingfatidáo    Orienta! 
dos  Índios  ,  que  apedrcjáo  o  Sol  quan- 
do se  pòem  ,  e  o  adoráo  quando   nas- 
ce. •  .  ;-.J     .  i 

Chegado  o  termo  fda  entrada  ,  se, 
V  vt/m;,  meterão  os  dous  Governador  em  hu-* 
he  rcce-  ma  falua  Cy^vr^  os  remos  dourados  ,  er 
i^ldo.  o  toido  de  seiias  diíFeremes.  .As  ror-. 
i;es  ,  e  os -.navios  os  festeiaráo  coni= 
horror  de  .repetidas  'salv-is  ;  e  os  vivas  y. 
e  expecraçóes  da  plebe  lisongeavão  serar 
firrificio  ao  novo  governo  Assi  chega-í 
ráo  a  desembarcar  em  hum  grande 
theaíro  ,  onde  os  aguardava  a  Cajoera 
da  Cidade  em  corpo  de  Cabido.  E. as- 
sentados com  ns  ceremonias.  que  a  vai- 
dade inventou  em.  semelhantes  actos  , 
fez  hum  dos  Vereadores  nua  estudada 
aren^^a  ,  em  que  promeítia  ao  Esta- 
do prosoeridades  grandes  com  o  nova 
.  ministro'.  Depois  de  ouvir  o  Governa- 
dor as  iisonjas  publicas ,  ouvio  também 


Chepi 
€  Como 


L  I  V  R  o    I.  39 

as  secrerss  de  muitos  ,  que  com  ellas 
abiiáo  a  porta  a  seu",  particulares  inte- 
resses. 

Acabada    â   sclemnidade    d'aquelíe  Ff/^^ 
acto  ,  e  entregue  D.  Jcáo    do  governo  em  <jzíe 
da    índia  ,    se  partio    ivíartim   Affor^sà  nchou  o 
para    Cochim    a  tratar    de    seu    apresto  Go-jer- 
para  o  Reyno.  Entrou  logo  o  no^o  Go-  '^<^' 
vernador  em  cuidados  molestos  de  aquie- 
tar   o   povo  alterada    pela   mi:dançc-i  da 
moeda  ;  que  os  mjnistros  Ke:es  haviáo 
sohido   com.  dano  dos  vassailos,  e  es- 
cândalo   do  Gentio  vezinho.    Direi  de 
seus   princípios  o  caso. 

Correo   na  Índia   huma  moeda  de  Cor-j  a 
baixa  ley  ,    que    chamáo    Baza ruços  a  alter w 
qual  entre  Christáos  ,  Mouros  ,  e  Gen    ç-^i>  dos 
tios    conservou  sempre    a   me^ma    esti-  í^^-^^^^ni- 
maçáo  vulgar.    Esta  como  se   hvra  de  ^*^^* 
cobre  (material  que  naquelle  tem.po  pas- 
sava de  Portugal  por  dro^a)  pareceo  aos 
ministros    que   lhe  devia    sobir    o   pre- 
ço em  benencio  da  fazenda  Real.   Pu- 
blicou-se    solemnemente  a  alteração  da 
moeda  ,    começando  a  correr  com  no- 
va   estimação  ;    porem     como    aquelle 
valor  legal  n?.o   era  inrr  n^eco  ,  pois  ri- 
nha só  o  que  recebia  da  ley  ,  e  náo  da 
peso ,  o  Genrio  ,  que  n'tO   estava  so  ei- 
to  a  leys  alHeas  ,  frliav.i  com   a  ordi- 
nária provisão  de  mantimentos  ,    e  os 

po. 


40   VíDA  DE  DJoÃO-DE  CaSTRO» 

povos  padeciáo  ,  ccnio  por  clecrero  de 
seu  mesmo  govetno.  Os  minisíros  ma- 
yores  defexndiáo ,  como  Real  ,  a  causa-, 
zel.indo  a  utilidade  do,  Rey  na  perdi- 
ção do  povo,  o  corpo  da  Cidade  cla- 
mava j  que  os  Reys  de  Portugal  nun- 
ca nzeráo  de  suas  misérias  thesonro , 
nem  coscumaví.o  beber  as  lagrimas  de 
seus  vâssallos  em  baixelas  douradas; 
quQ  OS  Genrios  ,  e  Mouros  se  glona- 
vào  de  que  náo  podendo  destruir  os 
Portuguezes  com  o  ferro  ,  os  acaba- 
V20  com  suas  mesmas  leys  ,  armando 
contra  elles  a  ambiçso  de  seus  Go- 
vernadores. Crecia  a  fome  ,  e  a  liber- 
dade dos  queixosos  ,  que  fazia  mayor 
a  )usriça  da  causa,  e  a  conformidade 
Cave  a  do  ag^ravo  commum.  Com  estas  quei- 
Cidiule ,  xas  foráo  os  Vereadores  da  Cidade  , 
t:  povo.  entre  pobres  ,  mulheres,  e  mininos, 
huns  com  razoens  ,  e  outros  com  iaa- 
timas  demandar  ao  Governador  ;  o 
qual  mandando  quietar  a  plebe  ,  ou- 
vio  a  huns  como  juiz  ,  a  outros  como 
pay  i  e  porque  o  mal  da  fome  náo  se 
cura  com  ramedios  tardos  ,  lhes  remet- 
teo  a  ccnciusáo  para  o  segu.nte  dia ; 
assi  os  despedio  confiados  ,  crendo  al- 
guns ,  pelo  costume  da  índia  ,  que 
"Resoht'  eomo  obra  de  seu  antecessor  lhe  pa.- 
çáo  ^uj  recesie  injusta.  Lo^o  iiaqueiia  mesma 
toma.  tar- 


L  I  V  R  o    I.  41 

tarde  chamou  os  ministros  da  fazenda 
Real  5  e  ouviios  os  fundamenros  ,  que 
tiveráo  ,  deu  parte  da  matéria  aos  ho- 
mens mi:is  scientes  nas  ieys  .  e  na  po- 
litica d'aqíJelle  Estado  ,  os  qrses  ,  sem 
discrepância  ,  resolverão  ser  cruel  o  de- 
creio  ,  e  repugnante  á  piedosa  inten- 
ção de  nossos  Príncipes.  E  es^e  pare- 
cer se  corroborou  com  os  foros  ,  e  pri- 
vilégios popuares  ,  e  outras  legalida- 
des ,  que  deixamos  por  náo  fazer  pro- 
lixri  nossa  Historia.  Revogada  esta  ley 
pelo  Governador  ,  começarão  a  correr 
os  mantimentos  do  Sertão  ,  e  os  po- 
vos lhe  vieráo  ofierecer  as  vidas  ,  que 
lhes  havia  remi  1o  com  a  nova  indul- 
gência do  tributo, 

Concluido    este  negocio    com  tan-  ^  ""'í''^ 
to  credito    da  clemência  Real  y  vieráo  ^"'^^"y 
Embaixadores  do  Hida'cáo,  que  depois  íí'^'f  í  * 
de  [t\ç  d:^.rem  as  saudaçoens  ordinárias,  ^-^ 
e  ccn2;ratul.içcens  do  carp,o  ,  hhe  pediáo 
entregasse     certo    prisione.ro    na  forma 
tjue  com  seu  anteceisor  estava  concerta- 
-do.  E  porque  este  negocio  chegou  a  al- 
terar o  Estado  com  guerra  cescuberta  , 
náo    deixaremos  em  silencio    a  origem 
•que  teve. 

Morto  Ba-zarb  Príncipe  do  Balaga  •^''^'''^  '^ 
-te  ,  no  tempo  que  foy  Governador  ^^'f^^\  ^^ 
tKimo    da  Cunha   ,  -  ficou  Meale  aindíi  ^"*'^*^'» 

no 


42  Vida  DE  D JoSo  DÉ  Castro. 

no  berço  de  sua  infância  ,  havido  por 
indabitavcl  successor  da  Coroa.  Era  o 
Hicialcáo  nesie  tempo  a  segunda  pessoa 
do  Pveyno  em  aurboridade  ,  a  pnmeira 
cm  valor,. porque  nas  guerras  dos  Prín- 
cipes vesinhos  ,  tinha  dado  de  suas 
obras  hum  testemunho  grande.  E  co- 
mo estes  bárbaros  mais  reynáo  por  oc- 
Cc's'úo  ,  que  per  justiça  ,  o  Hidalcáo  ven- 
do, que  suas  forçasL  ,  e  a  impossibili- 
dade do  herdeiro  lhe  abriáo  iar^a  por- 
ta á  aml)içáo  da-  Coroa  ,  começou  a 
solicitar  os  corações  dos  Grandes  , 
com  os  quaes  artificiosam.ente  se  las- 
tim.ava  da  miséria  do  Reyno  com  suc- 
cessor  mmiiio  ,  com  quem  haviáo  de 
servir  ,  cu  sofrer  como  a  Rey  todos 
os  seus  validos ;  que  os  Princ-pes  com 
quem  t^aziáo  guerra  ,  não  perderiáo  a 
occnsiío  de  os  acabar,  vendo  no  ber- 
ço quem  o^  havia  de  defender  ;  que 
buscassem  hum  v^áo  onde  havia  ran- 
.los  p.\ra  salvar  a  p-tria  ,  que  elle  se- 
ria o  primeiro  ,  que  lhe  obedecesse  ;  por- 
que o  governo  do  Reyno  náo  podia  es- 
.  perar  jOs  tardos  movimentes  com  que 
jjt .  ,n?atureza.  havia  de  dar  a  hum  mini- 
no  primeiro  forças  ,  depois  entendi- 
mento:;  qiie-  quando  com  mutil  obedi- 
i©nGra  ,  abraçado  aos  peitos  das  amas 
-adorassem  Meak.  3 ,  n-áo.  duvidava  ,  que 

por 


L  I  V  R  o     T.  45 

por  conservarem  o  Rey  perderião  o 
Rcyno.  Mostrcu-se  logo  aftabel  com 
©s  povos  ,  com  os  soldados  liberal  , 
como  quem  não  queria  imperar  para 
SI  ,  senão  para  elles  ,  valendo-se  am- 
biciosamente de  todas  as  virtudes ,  náo 
como  necessárias  para  viver,  senão  pa- 
ra, reynar.  Chegarão  em  fim  os  prin- 
cipaes  a  ofterecer-lhe  a  Coroa  ,  cren- 
do ,  que  sempre  se  scordasse  que  fora 
creatura  de  seus  mesmos  vassallos  ,  ao 
qual  sempre  seria  grata  a  memoria  de 
tão  grande   beneficio. 

Era  o  Hidalcáo  libera!  ,  e  valero- 
i  so  ,  e  sem  duvida  fora  hum  grande 
Príncipe  ,  se  conservara  o  Reyno  cem 
f  as  mesmas  virtudes  com  que  soube 
I  acquiriloi  porém  logo  que  se  vio  obe- 
1  decido  ,  cessarão  aqneilas  artes  íingi- 
i  das  ,  como  náo  tinháo  movimento  na- 
I  tural  ,  c  rebentarão  a  ambição  ,  e  so- 
I  berba  ,  como  vicios  de  casa,  Náo  tratou 
I  logo  de  matar  a  Meale  ,  cu  por  cle- 
t  meneia  fingida  ,  ou  por  crueldade  no- 
va ,  querendo  quiçá  ,  que  o  pobie  Frin- 
'  cipe  com  obediência  servil  lhe  autho- 
,  rizas?e  o  cetro  que  lhe  ryranniz2^'a.  Os 
I  Satrapas  do  Reyno  vendc-se  fora  de 
^  tempo  arrependidos  ,  e  que  já  ráo  po- 
:  diáo  ser  traidores  ,  nem  leaes  sem  pe- 
í  ligo  ,  andaváo  consultando  me)  os  de 
.  as  • 


r44  Vida  DE  DJoXo  DE  Castro. 

(^assegurar  Meale  da  tyrannia  do  Hidal- 
cáo  ,  como  se  tivera  o  desgraçado 
Príncipe  mais  justiça  para  viver  ,  do 
(]ue  para  reynar.  Nestes  discursos  pas- 
sarão alguns  annos  j  nos  quaes  Mea- 
le chegou  á  idade  que  podia  conhe- 
cer seu  perigo  ,  e  considerando  que 
sua  preiença  arguia  a  consciência  cul- 
pada do  tyranno  ,  o  qual  maquinava  com 
seu  sangue  apagar  a  memoria  da  intru- 
são da  Coroa  ,  aconselhado  dos  mes- 
n:i03  que  lhe  tirarão  o  Reyno,  se  pas- 
sou a  Gambaya  ,  onde  foy  bem  rece- 
bido ,  mostrando  o  Rey  ,  e  o  povo 
que  se  compadeciáo  de  misérias  Reaes  ; 
pofém  como  aqueiles  favores  tinhão 
mais  de  ambição  que  de  piedade  ,  che- 
garão a  durar  pouco  ,  porque  só  os 
primeiros  dias  lhe  íizeráo  iraramento 
como  a  Rey  ,  os  outros  como  a  per- 
seguido. Com  tudo  Meale  se  deixou 
ficar  em  Cambaya  ,  havendo  por  m^^is 
toleráveis  os  desfavores  do  hospede  ,  - 
que  as  injurias  do   tyranno. 

Entre  tanto  o  mayor  cuidado  do 
Hidalcáo  era  destruir  aqnelies  que  lhe 
defjo  a  Coroa  ,  que  ainda  que  como 
complices  da  traição  ,  lhe  puderão  ser 
gratos  ,  os  aborrecia  ,  ou  porque  lhe 
acordavão  a  obrigação,  ou  o  delicto.  E 
como  ja  vivia  temercâo  de  suas  mes- 
mas 


Li  V  RO    T.  45' 

mi?  obras,  entende©  que  mais  o  po- 
dia asse^urur  a  crueldaJe  ,;que  a  clemên- 
cia 5  assi  o  fazia  o  duas  vezes  cruel', 
o  vicio  ,  e  a  necessidade.  Aos  ;tnayo- 
les  foy  usurpando  as  fazendas  para  os 
i^^ual.T  com  a  plebe  ,  com  pretexto 
de  castigr  deiicros  impostos  ,  ou  es- 
quecidos ,  cubrindo  a  tyrannia  com  som- 
bras de  justiça  ;  crendo  que  com  abai- 
xar os  poderosos ,  se  faria  aceito  aos 
pe^]uencs  ,  aos  quses  sempre  he  gra- 
lei  a  ruina  dos  Grandes  por  ódio  na- 
tural de  sua  fortuna.  Porém  elles  ven- 
do ,  que  náo  bastava  o  sofrimento  ,  con- 
sultarão meyos  de  restituir  Meale  ,  huns 
por  vingança  ,  e  outros  por  remédio. 
Fizeráo  suas  iuntas  secretas  ,  cr.de  to- 
marão differentes  acordes  ,  os  quaes 
lhes  fazia  variar  cada  dia  o  temer  ,  e 
a  difficuldade  do  negocio  ,  mais  ár- 
duo na  execução  ,  que  no  conselho. 
Acabarão  em  iim  de  apurar  a  obedi- 
ência forçada  com  os  aggravos  no- 
vos ;  tentarão  pois  com  a  morte  do 
Hidalcáo  remir  a  culpa  ,  e  cobrir  a  in- 
fâmia da  traição  passada  ;  não  sendo 
d'este  voto  os  atrevidos  ,  senão  os  de- 
sesperados ,  porque  já  o  Hidalcão  nes- 
te tempo  vivia  com  forças  de  Rey  , 
e  cautelas  de  tyranno.  Fra  assistido  do 
povo  ,  (^ue  aboriecendo  o  Rey  ,  ama- 
va 


46  VíDA  ÚE  DJoSo  DE  Castro; 

va  as  crueldades  executadas  contra  a 
nobreza  ,  infesta  pela  de  igualdade  de 
Luma  ,  e  outra  fortuna.  Os  conjurados 
temerosos  de  si  mesmos  ,  e  sabendo  que 
com  a  diíaçáo  se  faziáo  os  ódios  mais 
remissos  ;  e  a  paciência  servil  se  fa- 
zia co>t-ume,  vendo  que  para  tão  gran- 
de empresa  não  tinháo  forças  próprias  , 
buscarão  as  alhèas.  Acordarão  commu- 
nicar  o  negocio  com  Martim  Affcnso 
da  Sousa  ,  Governador  que  emáo  era 
do  Estado-  d\  índia  ,  pedindo  ,  lhe 
mandasse  vir  Meale  de  Câmbaya  ,  e  o 
tivesse  em  Goa.  E  quando  engeirasse 
a  gloria  de  o  restituir  ,  teria  sempre 
ao  Hidalcáo  temeroso  ,  e  propicio  para 
todas  ?.s  occurrencias  do  Est;do. 

Persuadido  Martim  Aftònso  ,  que 
este  fogo  de  discórdias  ,  que  começa- 
va a  arder  entre  o  Hidalcáo  ,  e  os  seus  , 
convinha  mais  sopralo  ^  que  extingui- 
lo  ,  e  que  seria  utii  ao  Estado  enfra- 
quecer hum  veziíiho  soldado  ,  e  pode- 
roso;  cobrindo  estas  conveniências  coni 
causas  mais  honestas  ,  quaes  erso  ,  per 
á  sombra  de  nossas  armas  hum  Prín- 
cipe desapossado  ,  e  perseguido  ;  fac- 
ção para  os  de  fora  gloriosa  ,  e  para 
os  nossos  útil  ;  resolveo  mandar  bus- 
car Meale  a  Cambava  ,  signiricando- 
Ihe  a  disposição  de  seus  vassaiios  acer- 
ca 


-- .  .  '*.L  í  V  R  o    I.  47 

ca  dâ  restituição  do  Reyno  ,  cnjos  ani* 
mos  se  esforçarião  vendo  que  ihe  am- 
parava o  Estado  ,  a  causa  ,  e  a  pes- 
SQ^,  Recebida  do  Mouro  táo  inopina- 
<3a  mensagem  ,  havendo  por  desacostu- 
mada a  piedade  de  homens  por  re- 
ligião- não  só  diíFcrentes  ,  mas  contrá- 
rios ,  se  encommendou  á  fé  ,  e  cle- 
mência do  Estado  j  e  embarcandp-se 
com  sua  pobre  família ,  aportou  a  Goa  , 
onde  foy  recebido  do  Governador  cora 
grandes  honras.,  mais  merecidas  de  seu 
sangue  ,  que  de  sua  fortuna  ,  se  bem 
foráo  de  alguns  interpretadas  ,  antes 
em  injuria  do  vezinho  ,  que  em  fa- 
vor do  hospede,  .Derramada  por  toda 
aquella  costa  ,  a  yinda  de  Meaíe  ;t,,que 
ja  começava  a  reynar  nos  ânimos .  de. 
muitos  ,  tomou  p  seu  partido  mayo-^ 
1-53  forças  i.entrç  , o?  conjurados  , ^vendo, 
que  Já  a  sombra  de  nossas  armas  am- 
parava sua-  causa  ,  e  que  começava  í 
soar-  ^m  ff  eu .  Jiçmô  nos  ouvidos  do 
povo.;v:J     ;*;r.'O0l    ■ 

Consideftndo  o  Hidalcão  ,  que  o 
E-stado  náo  chamara  Meaie  sò  para 
seggrar  ,a  pessoa,  mas  para  defenderia 
Cansa-,  cuiss  íirmas-como  viccorlosas  ,  e 
vezjnh/is  lhe  eráo  mais  formidáveis  , 
mandou  a  Mirtim  Aífonso  ds  .Sou>a 
twnja  embaixada,  signiíicando-ihe    co- 


48-  Vida- DE  D  JoSo  DE  Castro. 

mo  tinha  sabido  ,  que  estava  em  seu 
poder  Meaíe  ,  a  quem  parecia  ,  que  a 
fortuna  andava  2;uardanJo  para  pertur-- 
bar  2  paz  do  Oriente  ;  que  sabia  co* 
mo  fora  chamado  de  alguns  sediciosos, 
que  cansados  de  obedecer  ,  quêriáo' 
cre.ar  'senhores  novo?  a  quem  poder 
mandar  y  que  elle  Hidalc^o  nâo  referia- 
as  razoens  que  trvera  para  tomar  à' 
Coro!\,  porque  se  os  Principe^'  houves- 
sem de  dar  razão  de  seu  direito  ,  náa 
haveria  dííferença  entre  os  Reys  ,  c. 
plebeos  ;  que  a  justiça  dos  Principes 
havia  de  ser  julgada  de  Deos  ,  e  náo' 
dos  homens  ,  que  o  mundo  t  nha  ja  re- 
cebido ,  que  em  matéria  de  reynar  náo 
havia  diferença  de  causa  a  causa  , 
mas  de  pessoa  a  pessoa  :  que  náo  ne-í. 
gava  que  Meale  apoucado  ,  e  covar-^ 
de  era  de  geração*  Real  ,  mas  que  a 
erro  ,  que  fizera  a  natureza  ,  emenda- 
ra a  fortuna  ,  dando-lhe  o  Reyno  a 
elLe  ousado  ,  e  valeroso  j  quanto  mais 
que  a  natureza  só  aos  leoens  dera  com^, 
ó  nascimento  a  coroa  ,  aos'  homens  dei- 
xara que  a  ganhassem  ;  que  muitas  coa-- 
sas  pateciáo  ao  mundo  ,  por  menos  cos-' 
rumadas  ,  injustas  ,  que  tomar  para  si' 
o  Reyno  quem  era  digno  d'elle  ,  os  pri- 
meiros o  recebiáo  como  escândalo  ,  os 
otrrtos    como  Icy  ;   ^ue  Meaie  fora   * 


Livro     I.  49 

homem  mais  vil,  que  nascera  em  seu 
Reyno  ,  e  elle  o  mais  leiice  ;  0  que  na- 
turalmente os  homens  aborreciáo  0$ 
monstros  da  natureza  ,  e  amavào  os 
da  fortuna  j  que  nos  perguntássemos  a 
nós  ,  com  que  acçoens  senhoreávamos 
a  Ásia  ;  que  parentesco  tinham>os  com 
o  Sabayo  para  nos  deixar  Goa  ,  em 
que  grão  estávamos  com  Soiráo  Badur 
para  lhe  herdarmos  Dio ,  se  o  Achem 
nos  deixara  Malaca  em  testamento  ,  e 
tantas  praças  ,  quantas  por  todo  o  Ori- 
ente nos  pagaváo  tributos  ;  que  nos- 
rogava  náo  infamássemos  nelie  05  mes- 
mos titulos  com  que  nos  fazíamos  do 
mundo  absolutos  Senhores  ;  que  náo. 
tirássemos  a  Deos  o  cuidado.de  gover- 
nar o.  mundo  ,  pois  .nascendo. no  ultima 
(acidente  ,  queríamos  emendar  as  de- 
sordens da  Ásia  ;  que  nos  fazia  a  sa- 
ber que  nos  seus  Reynos  havia  mi- 
nas de  metaes  diiíerentes  ;  que  de  hu- 
mas  tirava  para  os  amigos  ouro  ,  e  de 
Cftjiraspara  os  inimigos  ferro;  que  ul^ 
timamente  pedia  a  eiíe  Governador  lhe 
entregasse  Meale,  porque  na  clemência 
que  com  elle  usasse  ,  se  visse  que  era 
digno  de  reynar  quem  assi  tratava  seu 
raayor  inimigo ;  que  seus  Embaixado- 
res leva  váo  ordem  para  assentai  iodas 
m  convsnienciâs.  do:  Estadoõí'i.?<'i.i.  i':h 

Re- 


5ra  Vida  de  DJoXods  Castro; 

Recebida    por    Manim    Afíbnso  a' 
carta  5  e  ouvidos  os  Embai xndores  do 
Hidalcào,  entendeo  delles  ,  que  pela  pes-' 
sca    de  Meale   offereciáo  cento   e  cia-í 
coenra    mil  pardaos ,  e  as  terras  firmes  . 
de   Bardez  ,  e  Salsete ,  importantes    ao' 
Estado  pelos   rendimentos ,  e  vezinhan- 
ça    de  Goa.  Pareceo   a  Martim   Afton- 
so  que  o  negocio  era  de  muito   pe  o,- 
e   cjue  de  ambas  as  faces^  mostrava  uti-" 
lidades  grandes  j  porque  restituir  a  hum' 
Prmcipe ,  e  abaixar  hum   tyranno  ,  era- 
empresa   digna  de  armas  Christáas  ,  da- 
qual  receberia    não   vulgar  reputação  õ- 
Estado  5    mostrando    ao    mundo  ,    que 
náo    passarão   nossas   bandeiras    á    Ásia 
a  usurpar  Reyhos  ,  nem  acquirir  rique-> 
zas  ,  pois  só  tratavão  de  que  os  Pagãos  , 
e    Mouros    do    Oriente    guardassem    a 
Deos    fidelidade   ,    e   justiça  cnrre    si. 
Por  outra   parte  discorria  ,    que  Meale 
quando  chegasse  a  reynar  depois  de  lar-; 
ga  guerra  ,    náo   podia    dar   ao  Estado 
mais ,  que    o   que  o  Hídaicáo  sem  elia 
oíFerecia  ;    e  qbe    como    estes  Mouros- 
por  ódio  ,  e  por  religião    erâo  sempre 
inimigos, TJr-se-hia  o  mundo  se  visse  que- 
com   nosso  sangue  destruíamos   hum  in- 
Í7el  j  e  creavamos  outro  ,  quando  da  ruí- 
na   de  ambos    pendia    nossa  prosperida-^ 
dej  mormente  y  que.  não  passarão  a  ín- 
dia 


L  1  V  i  ó    I.  .      jrr 

dia  nossas  armas  a  defender  os  inimi- 
gos da  Fé  ,  senão  destmilos.  Que  se 
Meale  não  achara  amparo  em  ElRey 
de  Cambaya  ,  de  quem  era  patente ; 
porque  o  havia  '  de  esperar  dos  Por- 
luguezes ,  de  quem  era  inimigo  ?  Que 
quando  se  visse  rcstituido  ,  e  podero- 
so 5  a  primeira  lança  que  se  arrojas- 
se contra  o  Estado  lia  via  de  ser  sua  , 
porque  lhe  seria  sospeitosa  a  vizinhan- 
ça de  homens  tam  valerosos  ,  que  o 
íizeráo  Rey ;  e  que  para  nos  abor- 
recer ,  bastava  a  memoria  de  tam  gran- 
de beneficio. 

Resoíuto  em  fim  IVÍartim  Aífcnso 
a  ennegar  Meale  por  fundamentos 
menos  considerados  ,  despedio  os  Em- 
baixadores 5  e  com  elles  a  Gaiváo 
\'iegas  ,  hum  Cavalleiro  honrado  , 
com  largos  poderes  para  assentar  o 
contrato  na  forma  referida  ,  mandan- 
do logo  tomar  posse  das  terras  firmes, 
em  virtude  da  oiíerta  do  Hidalcáo  , 
com  beneplácito  de  seus  Embaixado- 
res. 

Neste    estado    achou    D.  ]oáo  "de  Reposta 
Castro    as   cousas    de   Meale   ,    pedido  f'<^  Oo- 
agora   pelo  Hiualcáo  com   nova  embai-  vcnia» 
XMda  ,    em    fé    do  capitulado  com  seu  '^''^• 
antecessor  ;    porém   D.   Joáo    com  dif- 
ícrcnte     acordo    respondeo    ao    Hidal- 
E  cáo  , 


ÇV  VlHA  DE  DJoX-O  D?:CA?TtlO. 

cão  ,'  que  os^Portugiiezes.  çrác?  fieis  aos 
amigos-,    quanto    mais    ao^   hospedes  j, 
que  as  proposras  de  seu  antecessor  mais 
tbrao    para'  conhecer   a  causa  ,  que  pa-. 
ra  resolvela.;  que   as  terras  firmes  per-, 
tencíáo-  ao   Estado  por  doaçoens  maisj 
antigas;,    e   que:  dos    rendimentos    era- 
justo     alimentar     Meale     por    gratidão-, 
áos   Reys    seus    antecessores  ,    que   as 
vincularão  -  ao  Estado  ;  que    o  deixasse- 
lograr     quieto    esta    pequena    memoria^ 
de  seu    direito   ,   e  que    o  amparar   o 
Estado  sua  pessoa  ategora  náo  éra  pro-. 
tecçáo  5    senão  piedade ;  q^e  não  akç-, 
fâsse    a  paz  com  impacientes    armas  , 
porque  então  viria  a  fazer  certo  o  quç, 
temia  ,    irritando    o    Estado    para   que» 
se    fizesse   author    de  huma. ,    e  ,  outra' 
vingança.    E  porque    seus    Embaixado-' 
res    apontaváo  ,    qiie    com    a  negaçáo- 
de  Meale  seria  forçoso  o  rompimento,' 
lhe  lembrava  ,  que  as   maiff  das   forta-, 
Iczas  ,    que  fizemos  na   índia  ,  tinhão 
os    alicesses    sobre    cinzas    de  Reynos 
abrazados  ;    que   os  Portuguezes  tinhão. 
a  condição  do  mar  ,  que  com    as  tor- 
mentas   se  levanta  ,    e  crece  ;  que  elle. 
assi    como  não  buscava   a   guerra ,  tão 
pouco  a  sabia  engeitar. 

Com  esta  reposta  despediO'  o  Go«-. 
vernador    os   Embaixadores  ,    que    na> 

cons-   ^ 


L  I  V  R  o  'I.        fj 

constância  com  que  lhes  respondeo , 
entenderão  que  o  não  dobraria  a  en- 
tregar Meale  temor  ,  ou  beneficio, 
Apercebeo-se  logo  para  fázer  ,  e  espe-  Jpcrce» 
rar  a  guerra  ,  que  como  era  de  Prin-  bitnentos 
cipe  vezinho  ,  primeiro  poderíamos  quefax,» 
sentir  o  golpe  ,  que  ver  a  espada.  Man- 
dou logo  alistar  a  gente  de  cavallo  , 
que  seriáo  duzentos  homens  ,  e  ser- 
viáo  debaixo  de  huma  só  bandeira  ,  mi- 
lícia mais  valerosa  que  ordenada.  En- 
carregou a  guarda  da  Cidade  a  gen- 
te da  ordenança  ,  e  os  soldados  pa» 
gos  teve  prcmptos  para  qualquer  in- 
vasão súbita  do  inimigo.  Tratou  logo 
de  aprestar  a  armada  ,  que  achou  des- 
baratada pelas  viagens  ,  e  guerras  de 
seu  antecessor ,  e  pobreza  do  Estado  ,^ 
c  como  as  forças  navaes  sáo  as  mais 
importantes  ,  aqui  se  empregou  todo.' 
Reparou  as  embarcações  que  estaváo 
no  rio  ,  fez  três  gales  ,  e  seis  navios 
redondos  com  estranha  brevidade  ,  náo 
faltando  aos  officiaes  com  a  paçra  ,  e 
o  agrado  ,  com  que  a  obra  medrava  , 
vencendo  a  diligencia  o  tempo.  D'es- 
tas  galés  ,  e  navios  nomiCou  Capi- 
tães ,  que  assistiáo  ás  obras  como  a 
cousa  própria  ;  expediente  que  foy  as* 
sás  importante  para  a  brevidade  do 
apresto  ,  bondade  ,  e  abundância  d?.s 
E  11  mu- 


do  Hl 


5*4  VíDA  DE  DJoSo  DE  Castbo 

niuniçcens  ,  e  mintimemos  ;  com  que 
a  armada    se   poz    de  verga  cl'a]ro   em 
tempo    opportono  ,    e   breve   ,    e  com 
eila  poz  fre>s>    aos   Príncipes   vezinhos 
para   se  collig^.rem    com    o   Hidalcáo  , 
V     -■  ■  que  já  03  solicitava    a  sacudir  o  jugo  , 
como  çm  beneficio  da  commum  liber- 
dade. 
Primei-    ,   ,.  Entendida  pelo  Hidalcão   a  resolu- 
ros  fíij'    ção  do  Governador  ,    recorreo  á  jusri- 
vimcntos  ça  ^;i3  armas  ,    querendo    lançar    fora 
de  casa    a    guerra  ,    anres   que   com  a 
presença    de     Meale    tumultuassem    os 
vasssllos ,  a  quem  farião    fieis   os   pos- 
tos ,  e  os   prémios    da  milicia  ,  defen- 
dendo como  commum  a  causa.  Vedou 
logo    com   rigorosas   leys  aos  vivandei- 
ros    trazer    a   Goa  a  ordinária  provisão 
de  mantimentos  ,  qué  como  os  recebia 
do  Sertão  ,    não    estava  bastccida  para 
aturar    táo  repentina  guerra.    Traz  isto 
mandou    a    Acedecáo   ,    hum    valeroso 
Turco  ,  com  dez   mil  homens  a  senho- 
rear   as  terras    firmes  ,   que   estavâo   à 
nossa  obediência. 
Acode  o  ^^^^   ^^"^  ^°^^   ^^   Castro  enten-- 

Gover-  àtnào  que  a  guerra  recebe  opinião 
iiúibr  dos  primeiros  successos  ,  sahio  com 
físfcal'  dous  mil  infantes  ,  e  a  cavallaria  da 
mcnic,  terra  a  fazer  rosto  ao  inimigo  ,  e  sen- 
do   de  muitos  fidalgos  persuadido,  que 

náo 


L  I  V  R  o    L  5f 

não  empenhasse  sua  pessoa  eom  par- 
tido tam  desigual  ,  que ,  náo  era  au- 
thoridade  do  Governador  da  índia  cin- 
gir a  espada  contra  hum  Capicóo  do 
Hidaicáo  ,  nem  dar  a  entender  ao 
mundo  que  fazia  tanto  caso  desia  guer- 
ra ,  mormeníe  quando  tinha  fid.:l^os 
beneméritos  da  honra  ,  e  do  perigo 
d'esra  empresa  ,  nao  foy  pos^ivel  dis- 
suadiio  da  primeira  resolução  ,  dizen- 
do com  mayor  contiança  do  que  per- 
mJttiâo  as  forças  de  scu  c^mpo  ,  que 
sahia  a  castigar ,  e  náo  a  vencer,  E 
marchando  duas  le^oas  de  Goa  ,  avis* 
lou  ao  inimigo  ,  que  alojado  ao  pé 
de  huma  serra  ,  tendo  na  frente  hum 
rio  ,  que  lhe  servia  de  cava  ,  e  de 
trincheira  ,  com  as  ventc^gens  do  nu» 
itiero  ,  e  do  sitio  ,  esi>erou  aos  nos- 
sos 5  que  ainda  que  cansados  da  mar- 
cha ,  cobrando  novo  alenio ,  ou  com 
a  presença  do  Governador  ,  ou  com 
a  vista  do  inimigo  ,  começarão  a  pas- 
sar o  rio  com  mais  resolução  que  dis- 
ciplina. Náo  foy  pos.^ivci  aos  Cabos 
dctelos  ,  ou  ordenalos  ,  porque  os  mais 
temerários  se  lançarão  ao  rio  ,  e  nos 
sizudos  a  desCvonfi^nça  fez  necessidade  , 
nos  mais  ,  para  seguir  aos  compa- 
nheiros ,  o  exemplo  parccso  discipli- 
na. 

O 


5*6  Vida  de  D.  JoXo  de  Castro. 

Pelelja  ,  ^  Governador  com  singular  açor* 

e  deibã'  ^^  ?  mandou    aos  que  ficaváo  que  pas- 
ríjía  o    sassem    o  rio   entendendo    que    o    que 
inimigo,  no  principio    fora  erro  ,   agora  era  re- 
médio ;    e  porque   este    dia    náo   teve 
lugar    de  dispor  como   Capitão  ,  pelei- 
jou  como  soldado.    Envestiráo    logo  os 
nossos  aos  Mouros  tam  impetuosamen- 
te ,    que  assombrados  daquella  primei- 
ra  invasão  ,  foráo  largando    o  campo , 
turbadas    as   fileiras  ,    e    por    si    mes- 
mas   rocas  ,    forão    desordenadas   ,     e 
vencidas  ;  vendo  os  nossos   (  o  que  ra- 
ras vezes  succede  )    hum  exercito  sem 
perda  ,    e   mais    desbaratado.    Recebe- 
rão  os   Mouros    grande    dano   na  fugi- 
da ,    nenxhuni  na  resistência.    Foiáo  os 
nossos    duas    legoas    executando    as   li- 
cenças ,  e  crueldades    da   vietoria  ,  re- 
colhendo   as    armas    que    os  miseráveis 
largaváo  como  carga ,  e  náo  como  de- 
fensa. Durou   em  fím  o   alcance  o  que 
durou    o   dia   ,    sendo    aos   inimigos  o 
horror    da   noite    remédio  contra   o  da 
vietoria.    Recolhidos  os   soldados  ,  che- 
yos    ds  sangue  ,  de  gloria  ,  e  de  des- 
,  pojos  ,    se  deixou  o  Governador    ficar 
•^no    campo    ao  seguinte    dia  ,    sem  ar- 
i  guir  aos   ^oldados   a  desordem ,  que  Ihs 
Vdeu    a  vietoria   ;    seguindo    a   coníiiçáo 
dos  juizos   humanos  ,    que  ri«nca   deu 

lou- 


L  I  V  R  c^    I.  S7 

louvor  ás  desgraças ;  nem   ás  vicrorias 
culpa. 

Entrando  o  Governador  em.  Goa,  Kecdhe* 
foy  recebido  com  sin^uhr  applauso  dir  se  a  Goa* 
queile    povo     tara    costumado    a   ver   , 
e  despresar  victorias.    E   porque  nesta  j 
e  nas  inais   batalhas    qut  O.  }oáo  ven- 
ceo   ,    appellidcu  o  nome   de  S.  Tho- 
mé    Apostolo    da    Índia  ,   cremos    que 
foráo  havidas   com    o  auspicio    de  hun:^ 
Patrão  tâo   grande  ;    o  quai  por  grati- 
ficar a  piedade    ,   e   honrar  a  mem.oria 
de  D.  }cáo  de  Castro   ,   se  sérvio    de 
descobrir    nos    dias     de     seu    governo 
aquella    maiavilhcsa  Cruz  ,   achada  em 
Meliapor    na    costa    de  Choromandel  , 
quasi    cubertos    de   huma  mesma    terra 
a  mil.igroja    Cruz  ,    e   o   corpo   santo. 
E  como    D.  Joáo    de  Cí;stro    venerava  Venera- 
este    sinal     dç    nossa    redempçâo    com  ção  ,]ne 
devido    ,     mas     peregrino     ©bsequio  ',fo~-'a  á 
pois    sempre    que    topava    Cruz    ,     se  Cruz, 
apeava  do  palanquim,  ou  cavallo ,  pon- 
do-sc  de  joelhos  ;  náo   parecerá  casual 
a  maravilha  d'este  descobrimento  ,  pois 
as  misericórdias   do   Ceo  náo  vem  por 
accidente.      Daremos    a    relação    d'este 
-mistério  por  involver  hum  milagre  suc- 
cessivo  ,    testimunho    da    fé   Oriental  , 
cultivada  naquellas  Regioens  com  o  san- 
gue ,  e  doutiina  de  nossos  Poriuguezes. 

'   De- 


;2  Vida  de  DJoSo  de  Castro. 

j„^g„.  Depois    da   maravilhosa    invenção 

fao  da  <^o  corpo  dcste  sagrado  Apostolo  na 
Cruz  de  Cidade,  ou  ruinas  de  Meliapor  ,  quff 
S.  Tho'  entáo  se  chamava  Calamina ,  os  Reys 
me»  D.  Manoel  ,  e  D.  João  ardiáo  cm 
piedoso  zelo  de  soprar  acjuellas  cin- 
zas mortas  ,  que  da  primeira  Christan- 
dade  do  Apostolo  alli  ficarão  ,  ainda 
^ue  corruptas  já  com  a  doutrina  de 
sacerdotes  Arménios  ,  e  Caideos ,  que 
separados  da  Igreja  Catholica  Roma- 
na ,  daváo  a  beber  áquelles  innocen- 
tes  Christãos  ,  perniciosos  dogmas  : 
03  quaes  purgados  em  parte  com  o 
trabalho  de  nossos  Missionários ,  tra- 
tarão de  levantar  huma  Igreja  no  lu- 
gar aonde  fora  achado  o  precio>o  cor- 
po do  Apostolo  ;  e  abrindo  os  aliccs- 
ses  para  a  fabrica  ,  acharão  huma  Cruz 
lavrada  em  hum  pedestal  de  mármo- 
re de  quatro  palmos  de  alto  ,  e  três 
de  largo ,  borrifada  de  gottas  de  san- 
gue ao  parecer  fresco.  Tinha  esta 
Cruz  a  forma  das  que  usio  os  Cavai- 
leiros  de  Aviz  ;  nos  baixos  da  pedra 
cscavão  algumas  Cruzes  mais  peque- 
nas com  a  mesma  figura  que  a  ma- 
yor  ,  salpicadas  com  as  mesmas  nódoas 
de  sangue.  Estava  a  Cruz  grv^nde  as- 
sombrada pelo  alto  de  huma  pomba 
pendente  j  tinha  em  torno  humas  le- 
tras 


L  I  V  R  o     I.  5-9 

trás  antigas  ,  cujo  significado  ignora- 
váo  os  naturaes  da  terra ,  por  náo  es- 
tarem em  língua  conliecida ,  nem  se 
formarem  com  clausulas  atadas.  Fo- 
láo  buscados  velhos  ,  e  antiquários 
scientes  em  differenres  línguas  ,  sem 
que  nenhum  pudesse  rastrear  a  letra  , 
nem  o  sentido  da  escritura  ,  até  cjue 
d'ahí  a  alguns  tempos  íoy  trazido  hum 
Bramene  de  Narzinga  ,  que  nos  deu  a 
exposição  d'ella  em  sentido  corrente  , 
e  dizia  assim  : 

5,  Depois  que  appareceo  a  ley  dos 
3,  Chrisráos  no  mundo  ,  dalli  a  trin- 
5,  ta  annos  ,  a  vinte  hum  de  Dezem- 
3,  bro,  morreo  o  Apo?tolo  S.  Thomé 
35  em  Meliapor  ,  onde  houve  conhe- 
„  cimento  de  Decs  ,  e  mudança  de 
3,  ley,  e  destruição  do  Demónio.  Es- 
5,  te  Dcos  ensinou  a  doze  Apóstolos  , 
3,  c  hum  deiles  veyo  a  Meliapor  com 
3,  hum  bordão  na  máo ,  onde  fez  hum 
3,  Templo  ;  e  ElRey  do  Malabar, 
3,  Choromandel ,  e  Pandi ,  e  outros  de 
3,  diversas  naçoens  ,  e  seitas  ,  se  su- 
3,  geitáráo  voluntariamente  á  ley  de 
3,  i>.  Thomé.  Veyo  tempo  em  que  o 
-3  Santo  foy  morto  por  máo  de  hum 
3,  Bramene  ,  e  com  seu  sangue  tez  es- 
3,  ta  Cruz. 

E  como  esta  traducçáo  era  de  in- 
ter- 


6o  VíDA  DE  D.  JoSd  DE  Castro. 

terprete  assalariado  ,  não  lhe  derâo  a 
nossos  iateira  fé  em  negocio  tani  gra- 
ve i  assi  chamarão  outro  Gentio  dou- 
to no  conhecimento  de  todas  as  lín- 
guas Orientaes  ,  o  Gual  sem  ter  noti- 
cia da  exposição  primeira  ,  declarou 
as  lettas  na  mesma  forma  ,  sem  dis- 
creppincia  alguma.  A  EiRey  D.  Sebas- 
tião foy  trazida  a  copia  da  estampa 
no  anno  de  mil  quinhentos  sessenta 
e  dous  ,  como  aqui  parece. 

Continuarão    os    nossos    a  fabrica 
da  Igreja    com  mayores    despesas   pela 
veneração   do  lugar  ,  que  era  deposito 
dos  penhores  sagrados  ,    sendo  grande 
a    piedade  ,    e°  concurrencia    do    pcvo 
Malabar    á  vista    de  táo  iilustre    te^e- 
munho    da    fé   que    conservavão.     Aca- 
bou-se     a    fabrica    do    Templo    breve- 
mente ,    servmdo    no  altar    mayor    de 
retaboio  a  Cruz  ,  gravada    no  mármo- 
re   que   temos   referido.    Começarão   a 
celsbrar-se   os    officios    divinos    com  a 
decência   ,    qui     permitia     hum    lugar 
tam   remoto  ,    quando  aos.  dezoito    de 
Dezem-bro  ,  dia  da   Expectação  da   Se- 
J^lila^re  í^-^ora  ,   estando-se    olEciando    a  Missa 
vvtavil    á  vista    de  muito  povo  ,  começando  o 
da  mes-   sacerdotc   o  Evangelho  ,  começou  tam- 
viuCrui.  bem    a  Cruz    sagrada    a    cobrir-se    de 
hum  suor  copioso,  destillando  sobre  o 

ai- 


L  I  V  R  o    I.         6i 

ahâr  náo  meudas  gottas  :  e  porque 
ficassem  m.iyores  sinaes  d^aqucUa  ma- 
ravilha 5  parou  no  sacrincio  o  Saceri- 
dote  ,  limpando  com  os  corporaes  a 
humidade  que  a  Cruz  evaporava  ,  os 
quaes  subitamente  se  banharão  em 
sangue  á  vista  do  numeroso  povo  que 
assistia.  Foy  logo  a  sagrada  Cruz  mu- 
dando a  cor  alabastrina  em  pailida  , 
e  d'cs:a  passou  a  hum  negro  e?cu:o  , 
que  tornou  a  mudar  em  azul  ,  cem 
hum  resplandor  maravilhoso  ,  que  d\à- 
rou  em  quanto  o  sacriiicio  da  Missa  ; 
e  depois  de  acabc^da  ,  tomou  a  cor 
natural  em  que  foy  descuberta. 

Successi vãmente  se  vio  o  mesmo 
milagre  muitos  annos  naquelle  mes- 
mo dia  ,  e  ainda  agora  sabemos  per 
Autores  ,  c  relaçoens  fieis  succede  al- 
gumas vezes  ;  com  que  aquella  Chris- 
landade  recebe  os  preceitos  de  nossa 
Ley  com  fé  já  mais  robusta.  Este  mi- 
lagre se  calificou  ante  o  Bispo  de  Co- 
chim  em  contraditório  juizo  ,  cujos 
iutos  vicráo  a  este  Reyno  em  tem- 
po do  Cardeal  Rcy  Dom  Henrique  , 
que  com  authoridade  do  Papa  Gre- 
gório XIII,  authenticou  o  milagre  , 
já  divulgado  em  nossas  Chronicas  , 
e  Authores  estranhos.  As  novas  d  "es- 
te milagre  reccbeo  D.  ]oáo  de  Cas- 
tro 


62  Vida  oeDJoXo  de  Castro. 

Afecto   íí^o  com    não  vulgares  mostras  de  pie- 
com  cjue  dadc  ,    amparando    aquella  Christanda- 
ijGovcT»de    de    S.    Thomé    opprimida    da    ser- 
mídur      vidão    dos  Principes  Gentios  ,   que  lhe 
recebe     haviáo    revogado    certos  donativos  ,    e 
citano'  graças  ,    (jue    por  intervenção  do  San- 
*''^'         to  Apostolo    lhe  foráo    concedidas    dos 
Reys  antecessores  ,  das  quaes  hoje  pe- 
lo ódio    dos  infiéis  ,   e  corrupção  dos 
tempos  ,  só  guardaváo  as  memorias. 

Náo  cessava  o  Hidalcáo  de  inquie- 
tar   os  nossos    com  ordirwrias  correrias 
nas  terras  firmes  ,  que  bastaváo    a  nos 
ter   em   continua    vigia  ,   c  impedir   a 
cultura   aos  lavradores  ;    a   cuja    causa 
se  resoiveo    o  Governador  a  dar-lhe  o 
golpe   onde  mais    o    sentisse.    Mandou 
logo    embarcar    a  seu  filho  D.  Álvaro 
Manda    ^  armada  que  aprestara  ,  com  ordem  , 
conira  o  ^"^    "^^    portos     do    Hidalcáo   fizes'e 
tíidiil-    ^^^^  O  ^^^o  possível  5  offerecendo   aos 
cão  sen   soldados    escala   franca   ,    para  coni    as 
plho  D.  esperanças   do  saco ,  oS    (^2St  dissimu- 
Aivaro.  lar    alguns    soldos  vencidos  ,    que  lhes 
devia    o    Estado   ,    e    desviar    a  outros 
dos    tratos    mercantis   ;    corrupção    que 
hia    lavrando    em  muitos  ,    e    ja  com 
fcyo  exemplo  dos  mayores. 
Síthe  Sahio  Dom  Álvaro    com  novecen- 

covi  seis  tos    Pottuguezes  ,    e    quatrocentos    In- 
navios,    ^ios  em  seus  navios  ,   e  alguns  baxeis 

de 


L  1  V  n  o    T.         (Ç5 

^e  xemo  ;    e  a  poucos  dias  de  viagem 
houve  vista   de   «quatro   nios  do  Hidal- 
cáo  ,  que  com    roupas  ,    e  ourras  dro- 
gas   de   terra    naveg.^^.váo    a     Cambava. 
Álandou  logo  Dom  Álvaro  aos  Capira- 
cns  ,    que     lhe   puzessem    a   proa  ,    e 
aos   navios    de    remo  ,   que   se    fossem 
cozendo    com    a  terra  ,  por  se  acaso   o 
inimigo    tentasse    de    encalhar    desespe-  p^^^^ 
rado.    Eráo    as    náos    de  mercadores  ,  .^-^  f^z, 
com    pouca  guarnição  de  soldados  \    e 
vendo  ,    que   nem   podiáo  fugir  ,  nem 
defender-se    ,     mandarão     á    Capitania 
Mouros  -mercadores  ,    que    entre   razo- 
cns  ,    e    lagrimas    se    mostraváo   inno- 
centes   nas  discórdias  do  Hidaicáo  com 
o  Estado  ,    offerccenJo  para    os   gastos 
áa   armada   hani    justo    donativo  ;    po- 
rém nem   a  cobiça  dos   soldados  ,  nem 
a  razáo  i  da    guerra    sofria    que    os    ou* 
vissem  ;    assi  fcráo    as  náos   entradas  , 
e   mandadas    a  Goa  ,  para  que  confor- 
me o  bando   do  Governador    se   repar- 
tisse   a  pí^sa.  Chegadas    estas  náos  ao 
potto    de  Goa,  foy  e.tranho  o  alvoro- 
ço  do  povo  ,    vendo  que  huma   a  ou* 
ira  se  alcançaváo    as  victorias  ,  louvan- 
do na  primeira    o  e-forço  do  pay  ,  na 
segunda   a  fortuna  do  ftiho. 

Vendo  Dom  Álvaro  que   as  occa-  Pr>z:e-xx 
liocns ,  e  o  tempo  peieijaváo   por  elle  ,  r>.Alj^^ 


^4  VídadéDJoXo  de  Castro. 

irada  de  c    çpt    tinha    OS    sold^dos    contentes   ,  • 
Cambre,  por    terem    já    em   seguro  o.  fruito   da 
jornada  ,    mandou  ao  seu  Piloto  ,  que 
governasse  ao  porto  de  Cambre  ,  onde 
o    Hidalcão    tinha    dobrado   as    guarni» 
çoens    depois    do    rompimento.     Havia 
duas    fortalezas     na    entrada     da    barra 
com    artelharia  grossa  ;  e  pela  estreite-' 
2a    do    canal    náo    podião   nossas    nàos 
passar  ,  nem  surgir   sem  perigo  eviden-' 
te.  Consultou    o  General  Dom    Álvaro 
com    os   Capitans    da    armada   as    dif- 
íiculdades  ,  que  se  representaváo  ,    e  a ; 
todos  parecerão    dignas   de  reparar  ,  di-  • 
zendo  ,    que  empresas  voluntárias  nam* 
se  accommetitáo  com  risco  táo  sabido  j 
que    mayor    guerra    faziáo   ao  Hidalcã©- 
senhoreando-lhe    seus    mares  ,    fazendo 
presas  ,  e  tolhendo  o  commercio  á  vis-' 
ta    de    seus    olhos  ;    que   nas  fatçcens* 
de    terra  era  mayor  o  risco  que  o  pro*' 
veito  ;    que    o   canal    viáo  estava    tani 
cingido    daquellas    fortalezas  ,    que    os- 
nossos    navios   ha  viáo    de    passar   quasi' 
roçando  sua  artelharia  ,  que  o  primei-' 
ro  navio  que  desaparelhassem  impediria'- 
a  passagem  dos  outros.  E  como  D.  Al- 
Kcs--lvc  ^^^^    instasse  ,  que   era   preciso   cxecu- 
en-jcsii-  ^^'^    ^^    ordens    que    levava  ,    que    eráo 
/^.  saltar    em   terra  ,    e  abrazar    os  porcos 

do  inimigo,  lhe   replicarão    no   Conse-' 
\  lho. 


L  I  V  R  o    I.         6^' 

lho  5  -  propondo  <]ue  se  f:casse  eíle  Ge- 
neral no  már  mandando  ,  e  que  o$ 
CapHaens  dos  mais  navios  cometre- 
riáo  a  barra  ,  porqne  se  ao  General 
d'aqueHa  armada  ,  íiiho  herdeiro  do 
Governador  da  Jndia  ,  lhe  acontecesse 
algum  desastre  ,  que  maior  d^no  po- 
deria receber  o  Estado  ,  que  o  em- 
penho tm  que  ficava  na  necessidade 
de  tão  justa  vingança  :  do  que  D.  Al? 
varo  indignado  ,  atalhou  a  pratica  ,  dR. 
zendo  ,  que  elle  náo  queria  victoriasiç» 
onde  o  seu  perií^o  náo  fosse  igual  ao 
do  menor  soldado  ,  porque  só  para  a 
obediência  era  seu  General  ,  e  para  o 
risco  era  seu  companheiro ;  que  a  ins-.- 
ttucção  que-  trazi;i  do  Governador  , 
era.  arriscar  sua  pessoa  facilmente  ,  a 
seus.  soldados  com  grande  necessidade, 
quc.  os  riscos  que  lhe  represenraváo  , 
ainda  lhe  pareci áo  mais  pequenos  que 
os  que  vinháo  a  buscar  ,  porque  a  hon- 
ra náo  se  ganhava  sem  perigo.  ;  que 
de  Portug.^I  viera  a  buscar  este  dia  , 
que  esperava  fosse  muito  fermoso  para 
todos  ,  e  que  nesta  resolução  náo  que- 
rja  conselho  ,  só  na  forma  de  accom- 
mctter  lhes  pedia  consultassem  o  mo- 
do. A  lemeridede  do  General  desculpa- 5"/»// a  ít» 
ráo  eniáo  o  brio  ,  e  a  mocidade  ,  t^na, 
c  depois  o  successo.  Assempu-se  que  a 

gen- 


66  Vida  ÓE  D.JoAO  DE  Castro.' 

gente    passasse    aos  bateis  ,   e  que  no 
quarto   d 'Alva    pojasse    em   terra  ,  ain-^ 
dá  mal  declarada    a  luz  do  dia  ,   para' 
que  as  peças  do  inimigo  náo  podessem 
fazer    certa    a    pontaria;    Aquella   nóiié<' 
se    aperceberão     todos  ,     vendo   já    no 
semblante  do  General  huns  longes    da- 
victoria.    Deixada  guarnição   necessária- 
rtos     navios  ,     saltou    o    General     em; 
terra    com  oitocentos    homens  escolhi**-' 
dos  ,    e   com    tão  declarada    fortuna ,' 
que  dando    nos    bateis    muitas    bailas V* 
náo  houve  alguma    que    matasse  ,    oil- 
ferisse    soldado  ,    sendo   este  accidenté^ 
para     a    victoria  disposição  ,    ou   prinf* 
cipio.  •'^ 

ÚranAe-  E''^   a  Cidade  de  cinco  mil  vezi-J- 

s,j ,  e  nhos  ,  derr.^.mada  por  huma  estendi-'^ 
forças  da  da  planice.  As  c.^ísas  entre  si  desuni^?' 
Fraca,  das  ,  c  independentes  humas  de  ou-' 
trás,  sem  mais  poiicia,  união,  cu  me- 
dida que  a  que  ensinava  o  gosto  ,  ou' 
poder  dos  moradores.  Com  tudo  os' 
pateos  ,  e  eirados  de  cada  casa  repre-^ 
scntaváo  juntos  huma  magestade  bar^* 
bara  ,  como  de  homens  ,  que  edifica-.^ 
váo  com  mayor  ambição,  que  archi-V 
tectura.  Tinháo  ao  Norte  huma  peque-r 
ra  serra  ,  donde  desciâo  alguns  rios^ 
sem  nome ;  que  assi  servião  ao  delei-í 
te  ,  como    á  fertilidade    da  campa rvhaj* 

Fo- 


Li  V  í  o    r.  67 

Fora  a  Cidade  antigamente  habitada 
de  Brnmenes  ,  e  agora  de  Mouros 
mercadores ;  lugar  entre  os  Orientaes 
sempre  famoso  ,  enráo  pela  supersti- 
ção ,  hoje  pela  riqueza.  Náo  linha  o 
lugâf  defensa  de  muros  ,  ou  trinchei- 
ras ,  assegurados  seus  h.^bitadores  ou 
na  grandesa  de  seu  Senhor  ,  ou  na. 
paz  dos  Principés  vezinhos  ;  porém 
ao  presente  ,  como  a  guerra  <^ne  fa- 
zíamos ao  Hidalcáo  ,  começou  por  vi- 
ctorias  ,  viráo  os  Mouros  seu  perÍ2;o 
cm  seus  mesmos  exempins  ;  assi  trou- 
xeráo  para  defender  a  Cidade  dous  mil 
soldados  pagos  ,  que  com  a  milícia  da 
terra  fizeráo  numero  bastante  a  defen- 
delos ,  conforme  a   seu  discurso. 

Estes  vieráo  debaixo  de  suas  bnn-  ^-'-''/* 
deíras  impedir  a  desembarcaçáo  aos  ^f"'^/^ 
nossos  com  tanta  ousadia  ,  cjue  nos  '''* 
^«yÍMraçâráo  espaço  grande  ,  peieijan- 
do  n  pé  firme  ,  e  táo  travados  ,  que 
náo  podiáo  os  nossos  sold^dcs  ajudar- 
ce  da  espinç^ardiria  ,  da  (]ual  gó  rece- 
berão a  primeira  carga  com  notável 
constância.  Aqui  deu  D.  Álvaro  mos- 
tras de  seu  valor,  c  acordo  ,  infamando 
os  seus  na  peleja  ,  já  com  palavras ,  ja 
com  o  exemplo  de  suas  obr^/:.  Viráo- 
se  em  fim  ram  aperrados  os  noss.^s  ) 
^ue  mais  peleijavào  pola  vida  do  «^n^ 
F  po- 


nii?:a 


6S  VíDA  DED.JoX?5riJEvCASTRO. 

pela    vicroria  ;    por    espaço    de    humai 
^  hora  esteve  duvidoso  o  successo   ,    até- 

que  hum  grande  troço  dos  moradores  , 
cortados  do  temor  ,  e  do  rerro  ,  de-j; 
sem  pararão  o  campo  ,  mostrando  na- 
primeiro  confiicto  valor  mais  que  de- 
homens  ,  no  segundo  menos  que  d&. 
mulheres  ;  ccusa  muiro  ordmaria  nos; 
bisonhos  ,  succcder  o  mi'íyor  temor  ár 
mayor  ousadia.  Com  o  exemplo  d  e^ies-, 
se  foráo  03  outros  retirando  ti m idos  ,: 
e  desordeniidos.  IMesta  voha  recebèráoj 
os  Mouros  grande  dano,  porque  quasii 
sem  resistência  percciáo  ,  sendo  os  que, 
cahiáo  tantos  ,  que  e^torvavâO  a  fogi-^ 
da  aos  ourros,  ; 

Entrno  Entráráo  os  nossos  de  envolta  corri 

os  iws'  os  Mouros  a  Cidade  ,  onde  os  mise- 
sos»  raveií  se  detinháo  presos  do  amor ,  e 
lagrim.âs  das  mulheres  ,  e  filhos ,  que 
acompanhava©  já  com  piedade  inudiv 
mais  como  testemunhas  de  seu  sangue  ^< 
que  def^Ensores  d  elle  j  laes  houve  > 
que  abrsçrdas  com  os  maridos  se  dei- 
xa vão  rrespa^iar  de  nossas  Lnças  ,  in- 
ventando *j>6  miseráveis  no\\T  dor  ,  co- 
mo remédio  novo  ;  dos  nossos  solda^ 
dos  ,  huns  as  roubaváo  ,  outros  as  de- 
fendiáo  ,  quaes  se^uiâo  os  afrecios  do 
tempo,  quaes  os  da  natureza.  Algumas 
d'estas  mulheres  com  desesperado  amor 

i  SC 


L  I  V  R  o     I.  69 

se  metláo  por  entre  as  esquadras  aH 
m?das  a  buscar  os  seus  mertos  ,  mos- 
trando animo  para  perder  as  vidas  ; 
lastimosas  nas  feridas  alheas  ,  sem  las- 
tima nas  suas.  Ganhámos  em  fim  a  E  ga- 
Cidííde  com  mencs  dano  que  perigo  ,  nhõo  a 
porque  na  resolução  da  entrada  por  (^^dadc, 
baixo  da  artelharia  do  inimigo  ,  mais 
arrastou  a  D.  Álvaro  o  valer  ,  que  a 
disciplina.  Dos  Mouros  perece©  a  ma- 
yor  parte  ,  nuns  no  confiicto  ,  es  mais 
na  retirada.  Mayor  anim.o  mostrarão 
as  mulheres  ,  que  os  maridos  ;  elíes 
perderão  as  vidas  ,  que  não  souberáo 
defender  ;  ellas  podendo-as  salvar ,  as 
despregarão.  Dos  nossos  morrerão  vinte 
e  dous ;  foráo  mais  os  feridos,  em  quel 
entrou  o  General  de  huma  setcá.  Foy 
necessário  acabar  hum  estrago  ,  para^ 
começar  outro.  Gessou  a  ira  ,  corae»-Dí'-f?''wi- 
çou  a  cobiça.  Mandou  D.  Alvaró  dar' i''"  ^  ■^«" 
1  Cidade  a  saco  ,  onde  o  despojo  «^«^  ^^^^"^ 
igualou  a  victoria  ;  porque  náo  tinhão 
os  Moti''OS  posto  em  salvo  cousa  al- 
guma ou  fosse  confiança  ,  ou  des- 
cuido; e  até  a  gente  inútil  para  a  de- 
fensa guardarão  na  Cidade  ,  ou  por 
desprezo  de  nossas  armas,  ou  por  náo 
mostrar  sombra  de  temor  «los  defen- 
sores 5  foráo  em  fim  as  fazendas  tan- 
tas ,  que  se  náo  puderáo  recolher  aos 
F  ii  na- 


70  Vida  de  D  JoSo  db Castro; 

navios  ;  os  soldados  recolhiáo  as  mai5 
preciosâs  ,  e  deixaváo  as  outras  ^  eorro 
para  alimento  do  fogo  .  com  c]ue  se 
havia  de  abrazar  a  Cidade ,  a  qual  D. 
Álvaro  deixou  entregue  a  hum  lasiimo-^ 
so  incêndio  ,  que  fez  náo  pequeno  hor- 
ror nas  povoa çcens  vizinhas  ,  por  ser 
este  iugar  de  to*da  a  costa  o  mais  ri- 
co ,  e  defensável  ,  que  quasi  servia  aos 
outros  de  muro  ,  agora  de  miserável 
exemplo. 
Volta  LevGu-se  o  General   cora    toda  a 

D.  ///-  armada  ,  e  se  fez  na  volta  de  Goa , 
vare  a  a  descarregar  o>  navios  ,  que  com  a 
Goa,  mui: o  pe3o  hiáo  empachados  ,  deter», 
minando  deixar  ahi  os  feridos  ,  e  ai-, 
guns  enfermos  ,  para  cornar  a  conti-, 
nuar  a  guerra  ,  a  qual  de;ejaváo  o& 
soldíídos  ,  contentes  ca  liberalidade  y 
c  fortuna  do  novo  General.  Chcgoa, 
primeiro  a  nova  ,  que  os  navios  a, 
Goa  ,  e  o  Governador  fez  grande  cs- 
timaçáo  da  victoria  ,  a  plebe  doj  des- 
pojos. Logo  se  teve  aviso  ,  que  oS. 
que  escaparão  da  rota  toráo  represen- 
tar ao  Hidaicáo  o  miserável  destroço- 
da  Cidade  ,  e  entre  a  primeira  dor 
dos  filhos  ,  e  parentes  ,  contaváo  o, 
segundo  estrago  das  fazendas  ,  e  edi» 
ticios  ,  onde  a  voracidade  do  fogo  dcif 
xará    tara    confusas    humas  ,    c    outras 

cin- 


L  I  V  K  o    T.  71 

•cinzâs ,  que  não  podiáo  chorar  os  seus 
mortos  com  lagrimas  distinctast  Diziáo 
ao  Hidalcáo  ,  oue  sé  com  tal  gfnre 
dererminava  continuar  a  guerra  ,  iriáo 
habitar  os  deserto?  .  onde  náo  veriáo 
estás  fera^j  do  Occidenre  .,  nascidas  p?> 
ra  escândalo  ,  e  luina  dà  Azl^.  •■^sst 
contaváo  ,  e  mal  diziáo  nossas  victo- 
rias  huma  a  huma  ,  mais  engrandeci* 
àsiS  em  seu  remor ,  que  em  nossas  es- 
crituras. 

O  Hidalcáo  5  vendo    a  fortuna  de  Commet- 
nossas  armas  ,    as  queixas    e  o  estrago  te  o  Hi- 
dos  vezinhos,  e  muitas  vontades  aiheas  ^^ '"''•" ^* 
de  seu  serviço  ^    que   a  guerra  ,    e  os  P^"^' 
■successos    faziáo    rnais  atrevid?.s ,  incli^ 
nou   o  animo    á   paz  para  remediar   as 
discórdias  ,    e  sediçcsns    de  casa  ,  que 
podiáo    tomar    mr.yores  forças  com   as 
liberdades   de   gente    armada    ;    e    pon- 
tjo    em   conselho    o   est:;do  .das   cousas, 
presentes  ,  a   todos    pareceo  deviáo  co- 
brir seus  aggravos  com   huma   paz   fin- 
gida ,     esperando    que    o    tempo    lhes 
mostrasse     monção     m?.is    opportur.a  , 
para    com    as    forças    de   alguns    Reys 
Oiiendidos    commetter  o   Estado    junta- 
mente  :  e  como  estes  Mouros  mais  guer- 
reáo  poJa  conveniência   ,    que   poia    in- 
juria ,    mandou    o  Hidalcáo    Em.baixa- 
•dores     ao   Governador  ,  diseuipndo   a 


72  Vida  ds  DJoSo  de  Castro; 

guerra    que    fizera    com   frívolas    escu- 
sas ,  e  acordando  os  benefícios  cjue   de 
sua   amisade  recebera  o  Estado. 
CGover-        ^   Governador  ouvio  os  Embtixa- 
jwJar  a  ^^'^'^  ^^^  ^^^^^  piiblica  com  grande  au- 
acctíUa,    thoridade  ,     rc^pundendo-lhe    que   âssí 
Conio  náo  buscava   a  guerra ,  tão  pou- 
co a   sabia   engeitar  ;   que    a  prosperi- 
dade do  Estado  consistia    em  ter  mais" 
inimigos  ,     porque    com    despojos  ,    e 
victorias  se  engrandecera  sempre  ;  mas 
que  cambem    nunca    negara    2    paz    & 
quem    com  obras   ,    e    amisade    fiel    a 
merecia  ■■,  que  elle  queria  privar  a   seus  • 
soldados    das   commod idades   que  des- 
ta guerra  se  promcttiáo ;  mas   que  sou- 
besse ,  que   o   primeiro  dia   que    tinha 
de  Rey  ,    era  esie    em  que  capitulava 
paz    com  os  Pcrtuguezes.    Assi  despe-  • 
dio    os  Embaixadores   assombrados    de 
animo  ram  altivo  ;  e  com  este  mesmo 
desprezo    tratou    sempre    as  guerras  do 
Oriente  ,  nas  quaes  mostrou  valor  jguai 
à  sua   fortuna 
Trat(%  Volrou   logo    o  animo  ao   expedi- 

^c5  cm-  ente    dos    negocjos    particulares  i    pre-  • 
sas   do    miando  aos  soldados   que   haviáo  servi- 
Msíado.  rio  ,    aos  quaes   deixava   táo  sntisleiíos 
do  despacho  ,    como    do   agrado.    Dea 
Capitaens  ás  fortalezas  vagas  ,  em  quan- 
to   os  proví<l^>s   per    El-Rey    nam  en« 

tra' 


travão  ;  fazendo  do  merecimento  dos 
homens  estimação  tão  justa  ,  que  nem 
a  conveniência  ,  nem  ao  Estado  fica- 
va devedor  :  virtude  nos  Príncipes  di- 
ficultosa ,  e  nos  ministros  rara. 

Não  ardia  menos  no   zelo  da  hon- 
ra de   Deos  ,  qne    na  do    Estado  ,  por- 
que entre  a  confusão  da   guerra  ,  e  es- 
trondo   das  armas  ,    acodia    ho^  negó- 
cios   da   Religião  ,    como    se  só  p?ra 
os  zelar    fora   enviado  ;    e    porque  El- 
Key  D.   Joáo   assi  conhecia  seii  valor  , 
como    sua  piedade  ,    lhe   encomendava 
a  dilatação  aà  Fe   ,    c  culto  divino  j  e 
de   hua^a   carta  que  sobre   esta   matéria 
lhe    escrevco  ,    se    colhe    bem  ,    quão 
inrlmados  andavío  J4na   causa   de  Deos 
o    Rey  ,  e  o   MiniJítro  ;    de   qi'e   dare- 
mos    a   copia  ,  para   «jue  veja    o   Mun- 
do 5  que  nossas  armas   no  Oriente   irou- 
xerío  mais   hinos  á  Igreja  ,  que  vassal- 
Ics  ao   Estado. 

Cana  d'El'Rey  a  D,  João  de  Castra. 


G 


Overnador  amií^o.  O  muito  que 
,,  importa  olharem  os  i-'rincipes  Chris- 
„  t»os  polas  cousas  da  Fé  ,  e  na  con- 
,,  servaçáo  d'ella  empregar  suas  forças 
5,  me   obrij^a  avisaivos   do  gr.-mds  sen- 


74  Vida,  t)EDJoXoDjB  Castro; 

,5  limcnto    que  tenho  ,  <k  que  náo  sò 

5,  por  muitas    partes    da   índia    a  Nós 

3,  sujeitas,  mas  ainda  dentro  da  nossa 

35  Cidade  de  Goa ,  sejáo  os  ídolos  ve- 

,5  nerfído.s  ;    lugares   em  que  mais    fo- 

„  ra  razão  que  a  Fé   florecera;  e  por- 

„  que   também    somos    informados    da 

„  muita    liberdade    com    que  celebráo 

5,  festas    gentílicas  ,    vos    mandamos  , 

5,  que     descubrindo     todos     os    ídolos 

,,  por  ministros  diligentes  ,    os  exiin- 

,,  guais  ,    e  façais    em  pedaços  ,    em 

3,  qualquer  lugar   onda  forem  achados, 

3,  publicando     rigorosas     penas    contra 

3,  quaesquer    pessoas  que  se  atreverem 

„  a  lavrar  ,  fundir  ,  esculpir  ,   debuxar 

,>  pintar  ,    ou  tirar   á   luz  qualquer   fi- 

5,  gura   de  ídolo  em  metal  ,    bronze  , 

5,  madeira  ,  barro  ,    ou   outra   qualquer 

,,  matéria  ,  ou   trazelos  de   outras  par- 

3  5  icsj  ç  contra  os  que  celebrarem  yu' 

,5  biica  ,    ou  privadamente    alguns   jo- 

3,  gos   ,     que    tenháo    qualquer    cheiro 

„  gentílico  5    ou  ajudarem  ,  e  oeculra- 

,5  rem   os  Bramenes  ,  peícilenciaes  ini- 

5,  migos    do   nome   Chnsráo.    A  qual- 

3,  quer    de   todos    os   sobreditos  ,    que 

55  encorrerem    em  semelhantes  crimes  , 

3,   he  nossa    vontade   que    os   castigueis 

5,  com  a  severidade  que  dispuser  a  pre- 

^j  matica,  ou  bando  ^  sem  adraiiíií  ^P^ 

jpel- 


3} 


L  I  V  K  o    I.  7j 

5,  pellaçam  ,  nem  dispensar  em  cousa 
„  alguma  ;  e  porque  os  Gentios  se 
,5  sugeiccm  ao  jugo  Evangélico  ,  não 
3,  só  convencidos  com  a  pureza'  da 
55  Fé  5  c  alentados  com  a  esperança  da 
„  vida  fitcrna  ,  senáo  também  ajudados 
3,  com    alguns   favores  temporaes  ,  <]uc 


amansáo  muito  os  coraçoens  dos  sub- 
5,  ditos  ;    procurareis    com  muitas  ve- 
3,  ras  ,  que  os   novos   Christáos  d  aqui 
3,  a  diante  consigáo  ,  e  gozem  todas  as 
3,  exempçoens  ,    e  liberdades    dos  tri- 
35  buros   ,    gozando   dos  privilégios  ,  e 
3,  officios  honrados  5  que  até  aqui  cos- 
^,  tumavio    gozar    os  Gentios.    Have- 
3,  mos  também    sido    informados  ,  que 
3,  em  nossas   arm?das    váo   muitos    In- 
3,  d:os  forçados  5  fazendo  para  isso  des- 
3,  pesas  involuntárias;  e  desejando  Nós 
55  o  remédio    de  tam  grande   excesso , 
55  vos  mandamos  ,    que   d'esra   violen- 
5    cia    sejáo    os    Cíiristáos   isentos  ;    e 
35  sendo    a    necessidade   muy    urgente , 
35  prevereis  ,  como  ,  em  caso  que  váo  , 
3,  se  lhes    dè    satisfação    cada    dia  de 
3,  seu  trabalho  ,  com  a   fidelidade  que 
5?  de  vosso  cuidado  ,  e  diligencia  espe- 
35  ramos.     Hnvendo  lambem  sabido  de 
35  pessoas  graves ,  e  fide  dtgnas   (  com 
3,  p^irticulrir     sentimento    ncí^o  )     qi^s 
99  alguns    Pcrtu^c^ises    conipúo    escra» 
rt  „  vos 


76  Vida  DE  D JoSo  DE  Castro; 

,5  vos  por  pouco  preço  para  os  vcrn- 
„  der  aos  Mouro?  ,  e  outros  mercada^ 
5,  res  bárbaros  ,  por  interessar  algumí^ 
3,  cousa  nelles  ,  com  notável  detrimen- 
„  to  de  suas  almas  ,  pois  poderiáo  fa« 
3,  ciimente  ser  convertidos  2  Fé  ;  vo% 
3»  mandamos  empregueis  todas  vossas  • 
35  torças  em  atalhar  tamanho  mal ,  im- 
j,  pedindo  semelhantes  vendas  ,  pelo 
„  grande  serviço  que  nisso  se  faz  a 
5,  Deos  ,  e  nos  fareis  ,  se  com  o  rir 
3,  gor  que  o  caso  pede  ,  remediai$ 
.,  huma  cousa  que  tão  mal  nos  pare?" 
,5  ce.  Procurareis  ,  que  se  reíree  a  e:> 
3,  cessiva  licença  de  muitos  usurários  , 
3,  que  h;u'em-0s  sabido  andáo  ,  sem  em- 
3,  bargo  de  huma  ley  das  amigas  de 
, ,  Goa  .  a  qual  desde  logo  revogamos , 
35  c  vós  revogareis  ,  rirando-a  do  cor- 
^3  po  das  demais  ,  como  contraria  i 
33  Religião  Christáa.  Em  Baçaim  dareis 
3  3  ordem  ,  como  se  levante  logo  hum 
^,  Templo  com  a  invocação  de  Sam 
•5,  Joseph  ,  sinalando-lhe  por  nossa  con- 
^3  ta  renda  para  hum  Reitor  ,  e  al- 
5,  guns  Beneficiados  3  e  Capeliaens  , 
5,  que  nellc  sirvão.  E  porque  os  Prega- 
i,' dores  ,  e  Ministros  da  Fé  padecem 
5J'  írlgumas  necessidades  por  tratarem  da 
j,  conversão  dos  Gentios  ,  queremos, 
3,^  e  he  noss-a  vont-ade  j  que  se  !^es 
.  ,.  dem 


L  I  V  !i  o    I.  77 

5,  dem  algumas  ajudas  de  custo  ,  e  só 
5,  para  isto  lançareis  de  tributo  cada 
„  anno  ,  três  mil  pardáos  ás  Mesc|ui- 
5,  tas  ,  que  tem  os  Mouros  em  nossos 
„,  senhorios,  Tâmbem  por  conta  de 
5,  nossas  alfandegas ,  e  direitos ,  ciareis 
,,  trezentas  fanegas  de  arroz  perpe- 
„  tuas  5  para  alimentos  d'aque!les  ,  ^ue 
„  nas  terras  de  Chaul  ha  convertido  , 
■„  e  converter  o  Vjgario  Miguel  Vaz ; 
„  a  qual  quantidade  mardamos  entre- 
vi gar  ao  Bispo ,  para  que  elle  a  rep?r- 
9,  ta  ,  conforme  vir  a  necessidade.  Ha- 
55  vemos  tair.bem  sabido ,  que  nas  ter- 
35  ras  de  Cochim  são  defraudados  os 
55  pesos  ,  e  medidas  dos  Chri^táos  de 
5,  5.  Thomé  pelos  nossos  mercadores , 
,5  que  alli  vendem  pimenta  ,  e  que 
5,  lhes  tiráo  as  crescenças  que  com  jus- 
55  to  peso  5  e  medidt  se  daváo  de  so- 
35  bejo  5  conforme  o  antigo  costume  , 
5,  aos  quaes  por  muitos  respeitos  fora 
,5  melhor  favorecer  ,  «ue  aggravar  ; 
5,  pelo  que  dareis  ordem  5  que  se  lhes 
3,  guardem  seus  antigos  costumes.  As- 
5,  si  mesmo  tratareis  cem  EIRey  de 
5,  Ccchim  5  que  f^ça  tirar  cerros  ri- 
5,  tos  ,  e  superstiçoens  Gentílicas  , 
5,  Que  na  venda  da  pimenta  costumáo 
5,  fszer  seus  agoureiros  ,  pois  nisso 
35  lhe    vay    pouco    a   eiie  ,    e   he    de 

55Sraa. 


7?  V[DA  DE  D.  JoXo  DE  Castro, 

j,  grande  escândalo  para  os  Christlos-^ 
,5  que  alli  contra táo.  E  porque  ha  che- 
„  gado  á  nossa  noticia  a  violência  ^ 
3,  que  este  Rey  Í3Z  aos  índio*  .  que 
3,  recebem  a  Fé  ,  tomando-lhca  «s  íat» 
„  zendas  ;  procurareis  .  com  muitas  ve- 
3,  ras  ,  apartar  20  dito  Rey  (  a  quem 
,,  sobre  o  caso  escrevemos)  de  táo 
•5,  barbara  crueldade  ,  pois  d'ellâ  re- 
„  suka  ramo  mal  para  as  almas  ,  e 
„  corpos  de  seus  vassallos ;  o  que  fará 
„  per  ser  nosso  amigo  ,  por>do  vós  da 
3,  vossa  parte  o  cuidado  que  vos  en» 
53  comendamos.  E  no  que  por  vossas 
3,  carias  ,  e  informaçoens  «os  avisas- 
5,  tes  acerca  de  livrar  os  povos  de 
3,  Socotorá  da  miserável  servidão  cm 
,5  que  vivem  ,  nos  pareceo  remedialo 
'5,  de  maneira  ,  que  o  Turco  ,  cujos 
35  vassallos  sáo  ,  náo  infeste  esses  ma- 
3,  res  com  suas  armadâs  ,  o  que  pro- 
3,  vereis  ,  como  mais  convier  ,  com 
53  conselho  do  Vigário  Migiiel  V^az  , 
,,  cuja  experiência  vos  ajudará  mui- 
3,-  to  ,  assi  neste  ,  como  em  todos  os 
3,'  negócios  árduos  que  se  oíferecerem, 
,,!  Os  da  pescaria  das  Pérolas  ,  alem 
,,  de  outros  males  ,  c  aggravos  que 
yy.  padecem  ,  sabemos  que  recebem 
.,,  dano  em  suas  fazendas  ,  conscran- 
j,  gendo^os  nossos  Capitaens  com  pou- 


L  I  V  R  o    I.        79 

^,  CO  remor  de  Deos  ,  a  que  só  para 
5,  ellcs  façáo  a  pescaria  com  ccndi- 
>,  çcens  intoJeraveis.  Polo  que  dese- 
99  jando  Nós  ,  que  nenhum  de  nossos 
9,  vassailos  padeça  aggravo  ,  ou  vio- 
5,  lencia  ,  vos  mandamos  que  aos  taes 
3)  povos  se  lhes  náo  faça  semelhan-" 
>í  '•^  ^êã^^vo  ,  nem  nossos  Capitaens 
31  pretendáo  acquirir,  tam  injusta  pos- 
ij}  se.  E  assi  para  evitar  taes  vexaçoens , 
31  c  forças  ,  vereis  se  aquellas  costas 
35  estáo  sufHcientemente  guardadas  ,  e 
3)  se  he  po.-sivel  cobrarcm-se  nossos 
5>  direitos,  sem  que  alli  haja  armadas; 
3)  e  achando  que  isto  pode  ser ,  tira- 
3)  reis  nossos  Capitaens  ,  m;  ndando  que 
33  náo  se  navegue  por  aquellas  cos- 
3>  ias  ,  porque  d'ecia  maneira  rossáo 
3j  os  naturaes  gozar  suas  fazendas,  c' 
•1  se  escusem  aggravos  ,  e  exrof^jens. 
3j  Sobre  tudo  vos  encomendamos  , 
3«  que  em  tudo  o  que  se  oíferecec 
»  consulteis  ao  Padre  Francisco  Xavier , 
>«  e  principalmente  sobre  se  convém  ao 
9)  augmento  da  Christandade  da  costa 
1»  aa  Pescaria  ,  que. os  noNâmençe  con-' 
3)  vertidos  se  n.:j  cccupcm  nella  j  ou,' 
9>  quando  se  lhes  perm.itca  ,  que  seja' 
3>  de  maneira  ,  que  se  conheçáo  nci- 
»  Ics  ,  com  a  nova  Religião  ,  novos 
>,  costumes ,  iimitanuo-sc-ihes  a  grande 

/,  sol- 


3>  qi 

„  d- 


8o  Vida  de  DJoSo  de  Castro. 

,,  soltura  com  que  se  háo  nelU.    Ha- 
,5  vemos     tido   também     informação  , 
ue   os  que    de   novo    se  convertem 
a    Gentilidade    á   nossa    santa   Fé  , 
„  sáo    maltratados  ,    e  desprezados   ds 
5,  seus    parentes  ,    e  amigos  ,    de^rer- 
„  rando-os    de    suas    casas  ,    e  despo-- 
„  jando-os    de   suas  fazendas  com  tan-- 
„  ta    injuria  ,    e    violência  ,   que  lliey 
55  he    forçoso     viver     miseravelmente  , 
,5  com  grande  necessidade  ,  e  trabalho  v 
„  para  que  cousa  semelhante    se  reme- 
5,  dee  5  tareis  ,  com  conselho  do  Vigário" 
5,  Miguel    Vaz  ,    sejlo    soccorridos     á 
5,  nossa  custa  ,    entregando    o  que   ser 
i,  lhes    houver    de  dar   ao  Reitor  que- 
-5  delles  tiver  cuidado  ,    para  que   ca- 
5,  da  anno  lho  reparta  da  maneira  qu© 
,,  mais    convier.     Juntamente    havemos 
,,  sabido  5  que  de  Ceilão  se  veyo  para' 
,5  Goa  hum  mancebo  fugindo  á  fúria, 
5,  c  indignação    de  seus    parentes  ,    é 
5,  que  sendo  (como  he)   de  casa  Real , 
5,  lhe  pertence  a  successão  do  Reyno  y 
5,  sobre  o  que    nos   pareceo  ,  que  para- 
5,  exemplo    dos    mais   convertidos  5    ê'  - 
55  por   converter,    o   accommodeis  ,  já- 
5,  que    he  Christáo  ,    no   Collegio  dtf 
j,  S.  Paulo  d'essa  Cidade,  onde  á  nos- 
5,  sa  cnsra  seja  provido   de  tudo  o  que^- 
„  lhe  for  necéssaiio  para  sua  sustenta* 


Livro     L  Sr 

„  çáo  ,  e  regalo  ,  e  casas  onde  esre- 
5,  J2  ,  cm  maneira  ,  que  bem  se  veja 
„  nossa  grandeza  com  semelhante^s  pes- 
y,  soas;  além  do  que  tratareis  de  ave- 
„  rigi^uF  o  diroiro  que  pertende  ter 
5,  ao  Reyno  ,  c  o  que  acerca  deste  pon- 
,,  to  vos  constar  ,  nos  mandareis  au- 
y,  thentico  ,  para  provermos  o  que 
yj  mais  convier  ;  e  entretanio  he  nos- 
^  sa  vontade ,  que  com  todo  o  rigot 
,,  tom.eis  conta  ao  Tyranno  das  cmel- 
y,  dades  que  executou  nos  que  á  nos- 
n  sa  santa  Fé  se  converterão  ,  cbri- 
r»  gando-o  que  dè  satisfação  a  tam 
yt  grinde  insolência  ,  para  que  todos 
^  os  Príncipes  da  Índia  vcjáo  quanto 
55  nos  apraz  a  justiça ,  e  como  toma- 
t,  mos  á  nossa  conta  o  fí-.vorecer  os 
55  que  pouco  podem.  E  porque  nam 
55  He  conveniente  ,  que  ^s  ofriciaes 
„  Gentios  íundáo  ,  pintem  ,  ou  ja- 
,5  vrenv  (como  atcgora  se  lhes  permit- 
99  lio)  itTíagens  ,  e  figuras  de' Chri.s-. 
„  to  5'cnhor  nosso  ,  nem  de  seus  San- 
9,  tos  para  venderem  ;  mandamos  que 
55  ponhais  toda  a  dili^jencia  em  o  im- 
jj  p-dir  ,  pondo  penas  que  o  que  se. 
3,  provar  que  fez  alguma  imagem  das 
j)  sobreditas  ,  perca  sua  fazenda  ,  e 
5,  lhe  dem  duzentos  açoutes  ,  por- 
fs  que    wra    duvida    parecerão    muito 

„  mal 


82  Vida  de  D  JoSo  de  Castho.^ 

,,  mal  imagens  ,  que  representão  myi-^ 
5,  terios  tam  santos  ,  andarem  por 
yy  máo^  de  idolatras  Gentios.  Da  mes- 
5,  ma  maneira  sabemos,  que  as  Igre- 
3,  ias  de  Cochim  ,  c  Couláo^,  <^e- 
55  de  novo  se  começarão  ,  estão  por 
3,  acabar  ,  descubertas  ,  e  expostas  a 
5,  todas  as  inclemências  do  tempo,  o 
5,  que  náo  só  parece  mal ,  mas  ainda 
„  he  em  prejuízo  do  edifício  ;  pela 
5,  que  mandareis  que  se  continuem  até 
5,  SC  acabar  ,  sem  reparar  no  custo  ;  e 
5,  isto  por  mãos  ,  è  tríça  dos  melho- 
35  res  architecros  ,  e  oííiciaes.  Em  Na- 
3,  râo  mandareis  também  edificar  hu- 
5,  m^  ígfsja  ^rn  honra  ,  e  com  a  in- 
5,  vocação  do  Apostolo  S.  Tiiomé  ,  e 
,,  acabar  em  Calapor  a  que  esta  co- 
5,  meçada  ^com  o  nome  de  Sanra 
5,  Cruz  ;  e  '^na  ilha.  vezinha  de  Coráo 
,,  levantareis  outra  da  traça  ,  e  ma- 
„  gestade  que  vos  parecer  convenien* 
5,  te  ,  pois  h2  cousa  ,  que  nada  mais 
5,  despertará  nos  Gentios  a  devoção 
„  ás  cousas  de  nossa  sanra  Fé  ,  que 
3,  a  affeiçáo  que  de  nossa  pane  virem. 
5,  Além  do  que  vos  encomendo  muy 
3,  apertadamente  ,  que  em  lugares  ac- 
3,  commodados  fundeis  estudos  ,  c  ca- 
3,  zas  de  devoção,  às  quaes  em  cer- 
„  tos  dias  aeudáo  aos  Sermoens  e  pra- 


>i  "- 


L  I  V  R  o   r.       83 

5,  ticâs  espirituaes  ,  náo  só  os  Chri5- 
3,  ráos  5  mas  também  os  Gentios  ,  pa- 
3,  ra  que  por  esta  via-  se  afiei  coem  á 
,,  nossa  sanra  Fé  ,  e  ao  conhecimen« 
„  to  dos  erros  cm  que  vivem  ,  alumi- 
3,  ando-lhes  a$  alm^s  com  a  luz  do 
5,  Evangelho  ;  para  o  que  escolhereis 
5,  ministros  cm  que  haja  aj  partes  , 
I,  que  semelhante  ministério  requerc. 
5,  É  porque  sobre  tudo  grandemente 
,,  desejamos  ,  que  nesse  Estído  seja  o 
5,  nome  do  Senhor  Deos  conhecido ,  c 
5,  reverenciado  ,  e  sua  sanca  Fe  rece- 
,,  bida  5  queremos  ,  e  he  nossa  von- 
3,  tade  5  que  em  rodas  as  terras  de  Sal- 
35  sete  ,  e  Bardez  ,  sejáo  de  raiz  ar- 
„  rançados  todos  os  idolos  ,  e  o  cul- 
5,  to  infernal  ,  que  nelles  ainda  se  lhes 
3,  faz  j  e  para  que  isto  se  execate  com 
,3  menos  dilEculdade  ,  e  sem  ser  para 
3,  isso  necessária  força  ,  ou  violência 
3,  alguma  ,  ordenamos  que  0$  Préga- 
3,  dores  cm  seus  Sermões  ,  e  disputas 
,,  lavrem  com  tanta  prudência  ,  e  ze- 
3»  lo  os  coraçoens  dos  Gentios  ,  que 
35  com  o  fdvor  de  Deos  ,  conheçáo  o 
3,  o  bem  que  se  lhes  procura  ,  em  os 
3,  trazer  ao  conhecimento  de  seus  er- 
3,  ros  ,  e  tirar  da  miserável  servidão 
3,  do  Diabo  em  que  estão  ,  da  qual' 
j3  sò  se  podem  livrar  ,  abraçandc-se 
G  ,3  com. 


84  Vida  dê  DJoXo  de  Castro, 

5,  com  a  sanca  Fé  ,  que  he  o  caminho 
j,  único  de  conhecer  a  cegueira  em  1 
j,  cjue  os  traz  Sàtanís  ,  para  náo  ve-  ' 
„  rem  quanto  lhes  importa  a  salvação 
„  de  suas  almas  ;  e,  polo  muito  que 
„  importa  a  este  negocio ,  que  os  mi- 
3,  nistros  d'elle  sejáo  de  bca  vida  ,  e 
55  costumes  ,  e  letras  sufRcientes  ,  os 
5,  elegereis  taes ,  que  se  posa  esperar 
„  d  ehes  o  effeito  que  desejamos  ;  en- 
3,  comendar-ihes-eis  o  cuidado  ,  e  di- 
j,  ligencia  ,  que  importa  ponháo  da 
,,  sua  parte ,  e  da  vossa  procuray  attra- 
3j  hir  ,  e  favorecer  a  rodos  ,  em  pirei» 
5,  cular  SOS  nobres  ,  c  prlncipaes  (a 
35  cujo  exemplo  os  de  mais  se  movem) 
55  de  maneira  ,  que  reduzidos  estes  a 
55  nossa  santa  Fé  ,  pouca  difF.culdade 
55  haverá'  em  converter  a  genre  com- 
5,  mum  5  que  logo  fará  o  que  vir  fa- 
5,  zer  aos  seus  mayores.  Os  que  se 
3,  converterem  scjáo  bem  tratados ,  pa- 
5,  ra  que  os  mais  se  aíFeiçoem ,  favo- 
3,  recendo-os  náo  s6  em  geral  ,  mas 
3,  ainda  em  panicular  ,  por  pobres  ,  e 
5,  miseráveis  que  sejáo.  De  tudo  is: a 
35  nos  pareceo  dar-vos  coma  ,  para  que 
5,  segundo  a  confiança  que  de  vossi 
55  diligencia  ,,  e  cuidado  lemos  ,  deis  a 
5,  tudo  o  remédio  ,  de  que  resultará  & 
55  Deoi  nosso  iicnhor  muita  gloria  ,  e  ^ 

„Noi1 


L  I  V  R  o     I.  85' 

^5  Nós  vo-lo  Teremos  em  particular  ser- 
5,  viço.  Dada  cm  Almeirim  a  oito  dç 
55  Março,  anno  do  Nascimento  de  nos- 

:   5,  so  Senhor  Jcsu   Christo  de  mij  qui- 

.  „  nhentos  íjuarenra ,   e   seis. 

JREY. 
^D'cstâ    carta   deu  D.  Jcáo  á  e.ve- 
;  cuçáo  aquillo  que  com  as  armas  na  máo 
podia  obrar ,  p>Grque   foy    o   tempo    de 

•  »eu  governo  huma  continuada  batalha  , 
í  os  soldados  com  as  licenças  da  guer- 
a  estaváo  mais  promptos  a  estragar 
eys,  que  a  emendar  costumes;  portm 

;  i  historia   nos  m.ostrará    não    leves    ar- 
gumentos de   seu  zelo  ,    gratificado  do 
;  Zeo  com  sinaes,  e  maravilhas  ,  de  que 
;  eferirey  huma,  que  aconreceo  nas  ^ía- 

•  ucas  5    que  por  ter    a   direcção  de  seu 

•  ;overno   ,    substanciarey   o   caso  breve- 
:  ncnre  ,  como  he  meu   costume. 

Havia  naqueíias    Ilhas  resplandeci-  3;;/V. 
o  a  luz     do  Evangelho  ,    porque    S.  gros^ 
rancisco    Xavier  ,    como   fiel    obreiro  iuccesso 
a    vinha    do    Senhor    ,     alimpou    em  "^s  Ma^ 
rande  parce  aquelía  terra  das  e.pinhas ,  ^^*-^^^' 
cardos   da    infidelidade  ;  se  bem   de- 
emos    a   primeira     cultura    ao   grande 
ortuguez   António   G^lváo  ,    vale^-ça 
rovernador,   c  Apostolo  zeloso  d^aquel- 
■    paganismo.    Ao   valor    rcspondeo    o 
Oto  Ciíiii  mara vi' '>os a  conversão  de  al- 
^  "  mas , 


86  Vida  DF  DJoXoDS  Castigo; 

mas  ,  aue  receberão  com  o  Bautismo 
o  suave  jugo  ds  Christo  ,  assi  da  pie» 
be  ,  como  dos  Regalos,  e  Magr>ares  , 
todos  dóceis  á  obediência  do  Evange- 
lho. Sentia  o  Demónio  ,  qu?  naqueN 
hs  trevas  da  Gentilidade  appareces^e  a 
luz  do  Ceo  a  descobrir-lhe  os  cami» 
nhos  da  vida  :  e  armou  contra  a  in« 
nocente  Christandadfi  hum  Gentio  d* 
aquelhs  partes  ,  que  havia  tyranniza- 
do  a  Ilha  de  Moro  ,  e  se  dizia  To- 
lon  ;  o  q«al  com  zelo  infernal  come- 
çou a  perseguir  os  novos  convertidos « 
obri^?.ndo-os  com  inventadas  cruelda- 
des a  ser  apostaías  da  Fé  qu&  tinháo 
professado  ,  pela  qual  muitos  chegarão 
a  derramar  o  sangue  com  felice  •  mar- 
tírio i  porém  outros  com  fé  menos  ro- 
busta cedêráa  aos  tormgntos.  Crescia 
a  desaforo  da  Tyranno  com  iniuria  de 
nessas  armas,  obrigadas  ao  castigo  des- 
te idolatra  em  obsequio  da  Fé  ,  e  ser- 
viço do  Estado.  Os  perseguidos  ,  c 
os  temerosos  acudiáo  com  queixas  aos 
Porturuezes  ,-  que  estavão  em  Terna- 
te  ,  os  quaes  resolutos  a  domar  este 
Bárbaro  ,  se  dispuseráo  ,  com  m^»s 
zelo  ,  que  forças  ,  a  busca4b  cm  soí 
mesma  cas.i.  Náo  pode  ser  este  mo- 
vimento táo  occulto  ,  que  o  não  eu 
lendesic   o  ívranno  ,   que    se  apçrce 

bco 


L  I  V  R  o    I.  87 

beo    pafa     a    defensa  ,    forrificanno    a 
entrada     da    Ilha    com    trincheiras   ,   e 
estacadas  fortes  ;    e  quando    os  nossos 
ganhassem    estes  reparos  ,  tinha  cuber- 
tos    os  passos    qi:e    guiaváo    á    Cidade 
com  estrepes  ,    e  puas  de  ferro,  toca- 
das de  erva  ,  onde  passando   os  nossos 
itiriosos  da  coltra  ,  e  victoria  ,  se  per- 
deriáo   sem    remédio.    Assi   foy   ,    <^"s 
vencida   a   primeira  cstac?da   ,    que    os 
Earbaros  largarão  com  facii  resistência  , 
quiçá  fiados  no  segundo    engano  ,  que- ' 
rendo    a    nossa    gente   p:.5Snr    incauta  , 
cevada  mais    no  alcance  com    a  fugida 
<lo  inimigo  5    (  Císo  maravilhoso  I  )  ca- 
hio    do    Ceo  repentincmente    tanta  cin- 
za ,  que   tez  parar   os  ncssos  ,  até  que 
purificados    os  ares   seguirão   a  víctoria. 
por  sima    dos   estrepes  ,    onde  a  cinza 
abrio    caminho    sulido  ,  e  seguro  ;  assi 
o  refenáo  depois    os   mesmos   Bárbaros 
admirados  ,   servindo-lhes    este  milagre 
de  argumento  para  as  verdades  da  ley 
que  perseguiáo. 

Assi  se  daváo  as  mãos  na  Ásia  a 
Fé  5  e  o  Império  nos  dias  de  D.  jcáo 
de  Castro  ,  trazendo  em  huma  máo 
a  ley  ,  e  n'oiitra  a  espada  ,  d^ndo  que 
discorrer  ao  Oriente  ,  sobre  iiuma  ac- 
ção táo  grande  ,  como  fora  soster  hu- 
ma   gueira    voluntária    poia    tutela     de 

Mea- 


X 


88  VidadeDJoXo  db  Castro. 

Meale  ,  hum  Mouro  perseguido  ,  a 
quem  os  vassallos  negâráo  i  fé ,  e  os 
Príncipes  de  seu  sangue  hum  piedoso 
amparo. 

Pouco  tempo  o  deixou  reclinar  a 
Ásia  sobre  os  triumphos  de  suas  victo- 
rias  ,  porque  logo  o  começou  a  des- 
pertar Cambaya  com  os  rumores  de 
outra  nova  guerra ,  de  que  já  as  intel- 
igências do  listado  ouviáo  os  eccos : 
a  qual  referiremos  em  livro  separado , 
por  ser  de  nossa  Historia  a  porção 
m-iis  illustre. 


LI- 


LIVRO     11. 

C^  Om  a  morte  de  Soirão  Badur 
Rei  de  Cambava  ,  ficou  o  ncmie 
^  Portuguez  maís  temido  ,  que 
amado  dos  Príncipes  da  Asia  j  porque 
como  suas  culpas  eráo  occultas ,  c  o 
castigo  público,  tinha  Badur  em  favor 
de  seu  sangue  os  juizos  dos  homens , 
ou  pola  commiseraçáo  natural  dcs  que 
padecem  ,  ou  por  veneração  da  Rega- 
iia  ,  e  ódio  de  nosso  império  ,  táo 
aborrecido  por  estranho  ,  comO  por  po- 
deroso. 

Mahamud  Rey  de  Cambaya  ,  her-  Trata 
<íeiro  da   Coroa  ,  e  da    injuria  de  Ba-  ElRcj/ 
dur ,  cuja  morte,  succed-da    no  ^ov^r- de  Cnm- 
^0    do    grande  Nuno    da  Cunh^  ,    re-  haijc  de 
ferem    no>sas    Chrcnicas  ,    infla^imado  tomar 
iguahnenie    da    gloria  ,    e    da    vingan-  Dio» 
Ça   ,    emprendeo    tomar    aos  Po^f^g^c- 
zcs  Dio  ,  e  com  liga  de  outros  Prínci- 
pes   lança-los    da  índia  ;  negocio    (ao 
p::.recer    dos  seus )    náo    muy    diííicil  ; 
porque  discorriío  ,    que    o  Estado    era 
hum   corpo   monstruoso  ,  pois   tendo   a 
cabeça     no   Occidente  ,    nutria     mem- 
bros   distantes    de  si   mesmo   por  i^'íi- 
nito    espaço  com  tantos  mares  ,  e  ter- 
ras 


90  Vida  de  DJoSo  de  Castro.' 

ras  interpostas  ;  e  que  era  tão  gran- 
de o  poder  de  Cambaya  ,  que  tanto 
com  a  ruina  ,  como  com  a  victoria 
podia  cpprimir  o  Estado  ,  enfraque- 
cido então  por  vários  accidenres.  Os 
Grandes  ,  e  Satrapas  do  Reyno  se  par- 
tido em  pareceres  difierenres  ;  huiis 
ajuizaváo  já  por  fataes  as  armas  Por- 
tuguezas  em  dano  de  Cambaya  ,  ar- 
gumentando com  o  primeiro  cerco ,  do 
qual  ainda  tinháo  as  feridas  ,  e  a  me- 
moria fresca  ;  e  ainda  que  os  estimu- 
lava a  morte  de  Badur  ,  com  a  pa- 
ciência de  outros  ofFendidos  ,  descul- 
pava© a  sua,  Reprendiá )  os  primei- 
ros ,  que  assentarão  pazes  com  o  Es- 
tado ,  e  aos  qne  agora  intentavâo  que- 
bra-las i  estes  porque  não  sabiáo  guar- 
dar a  fé  ,  nem  aquelles  conhecer  a  | 
injuria.  Outros  (  como  £Óe  succeder 
nas  cousas  incertas  )  discorriáo  ao 
contrario  ,  e  achaváo  tantas  razoens 
para  a  guerra  ,  como  para  a  victo- 
ria. 
Per  sua-  Entre  todos  Coge   Çofar  ,  o  mais 

d  ido  de  poderoso  ,  e  aborrecido  de  C  ibaya  , 
Cj^eÇo-Q  que  da  privança  d  tUley  lograva  a 
far,  meihor     parte   ,    persur.dia    cauteloso    % 

guerra   ,    crendo     que     com     o    perigo 
Gommum  cessariÃo    as   envejas    de  sua 
fortuna  ,    e  as  emulaçoens     dos  Gran- 
des , 


JPof.  3f. 


L  I  V  R  o    II.        91 

des  ,  como  vicios  da  paz  ;  e  que  com 
os  postos  ,  e  meneyos  da  guerra  ,  fa- 
ria homens  de  novo  ,  que  como  crea- 
turas  5.uas  lhe  seriáo  fieis.  Darey  hu- 
ma  breve  noticia  deste  homem  ,  por- 
que diversas  vezes  nestes  escritos  se 
ha  de  ouvir   seu  nome. 

Foy  Coge  Çofar  de  nação  Alba-  (lucm 
tiez ,  filho  de  pays  Catholicos  ,  amda  <:^'(j  ^oge 
que  da  raiz  degenerou  o  fmto.  Ser-  Çif^i"» 
vio  alguns  annos  nas  guerras  de  Itá- 
lia ,  mais  conhecido  por  msolente  , 
que  soldado  ;  nos  morins  ,  e  rcbsl- 
liões  era  buscado  como  peyor  que 
todos  ;  assi  passou  alguns  annos  aqnel- 
la  vida  livre  ,  sem  premio  ,  nem  cas- 
tigo ;  e  como  homem  jnquieto  ,  que- 
rendo antes  buscar  a  fortuna ,  que  es- 
pcrala  ,  mudou  de  profissão  ,  pssando 
de  soldado  a  mercador ,  porque  era  in- 
telligente  ,  e  cobiçoso  ,  e  para  ^eus 
intentos  era  e^te  caminho  mais  bre- 
ve ,  e  mais  seguro.  Começou  em  pou- 
co tempo  a  crecer  nos  tratos  ,  co- 
mo qu^em  sabia  as  opportunidades  ,  e 
monçoens  do  commercio  ,  sendo  em 
hum  mc?mo  tempo  ,  liberal  ,  e  ava- 
ro ,  servindo-se  com  artificio  cos  vi- 
cios ,  e  virtudes,  ^^eyo  em  fim  a  me» 
drar  com  cabedal  ,  e  credito  ,  de  ?or- 
te  ,    que    navegando    o   Estreito    com 

três 


92  VíDA  DE  DJoXo  DE  Castro; 

três  serias  suas ,  carregadas  de  diffcren- 
tes  drogas  ,  encontrou  a  RaxSoIiniáo, 
General  do  So'dâo  do  Qairo  ,  que  o 
envestio  ,  rcndeo ,  e  despojou.  Foy  a 
presa  mayor  que  a  vicroria ,  e  Solimáo 
por  credito  de  sua  mesiTia  fama  ,  lhe 
íez  honrado  tratamento  ,  apresenian- 
do-o  ao  Soldáo  ,  como  prisioneiro  de 
mayor  porte  ,  fazendo  mayor  estima- 
ção da  pessoa  ,  que  da  presa.  Come- 
çou Coge  qofar  a  contcntar-se  ds 
SUA  desgraça  ,  como  se  a  buscara;  ti- 
nha suíticie*:ce  pratica  da  guerra  , 
aprendida  nos  exércitos  de  Itália  ,  c 
Flandres  ;  fa'lava  no  poder  dos  Chris- 
tács  com  odio  ,  e  desprezo  ,  como 
ensinando  ao  Soldáo  a  conhecer  suas 
mesmas  forças.  Com  estes  artifícios 
veyo  o  Soidáo  a  pôr  os  olhos  no  es- 
cravo para  cousas  mayores  ;  começou 
»  ouvi-io  ,  ao  princij^io  por  curiosida- 
de ,  logo  por  affeiçáo.  Approvava-lhe 
Coge  Çofar  os  erros  ,  e  os  acertos  , 
com  huma  lisonja  tam  encuberta ,  que 
parecia  h"berdade  ,  porque  náo^  mos- 
trava que  queria  agradar  ,  senáo  ser- 
vir. Encubria  a  graça  do  Soldáo  » 
e  evitava  favores  públicos  ,  mais  cau- 
to 5  que  m.odesto.  Chegou  a  ser  The- 
soure'iro  do  Cairo  ,  oilicio  de  grande 
coníianja  ,  que  administrou  com  juí- 
zo , 


i 


L  1  V  «  o    II.        93 

20  ,  e  verdade  ;  louvadas  pelo  Sol- 
dão  ,  como  virtudes  entre  bárbaros  no- 
vas. Era  o  seu  voto  de  mayor  pesa 
nos  conseLhos  de  guerra  ,  já  pola  pra- 
L  lica  ,  já  pola  valia.  Nas  facçoens  con» 
'  tra  Cnristáos  ,  votiva  com  grande  bi- 
zarria ,  particularmente  nas  ^ue  se  ha- 
viáo  de  executar  por  outros  ;  e  assi 
cresceo  de  maneira  ,  que  já  náo  po- 
dia com  sua  mesma  fortuna  j  e  náo 
querendo  conservar-se  com  as  mesmas 
artes  ,  com  que  havia  medrado  ,  veyo 
íi  descubrir  a  ambijáo  ,  e  soberba; 
fez -se  senhor  dos  lugares  ,  buscando 
com  mayor  attençáo  os  postos  ,  que  os 
amigos  j  os  quaes  já  náo  queria  para 
arrimo  ,  nem  para  companhia  ;  só  ào 
Soidáo  queria  parecer  escravo  ,  e  dos 
outros  senhor.  Empenhava  ,  e  des- 
truía os  mayores  com  pretextos  públi- 
cos ,  como  querendo  introduzir  Mo- 
narchia  de  dous  -,  até  que  can:ados  os 
Wouros  de  táo  servil  paciência  ,  co- 
meçarão a  publicar  queixas  com  que 
perturbar  o  animo  do  Soldáo  na  gra- 
V?.  de  Çofar ,  assi  lhe  representarão  com 
grande  sentimento  seus  aggravos  ,  di- 
zendo ,  que  já  era  escusado  ?.rmar  ga- 
les contra  Christáos  ,  se  depois  haviáo 
de  f?.zer  Senhores  a  seus  mesmos  es- 
cravos 5  quó.ndo  os  Turcos  mais  no- 
bres 


94  Vida  M  D. JoXo  DE  Castro. 

bres  recebiáo  dos  Christãos  rão  crueí 
trararaenío  ,  que  andaváo  por  Itália  , 
e  Hespanha  arrastando  cadèas  i  che- 
gando a  escrever-lhes  no  rosro  com  in* 
fames  letras  os  sinaes  de  cativos  ;  que 
não  era  tolerável  ,  qiie  tantos  Baxás 
Illustres  estivessem  recebendo  leys  de 
hum  vil  escravo  ;  que  ainda  qoe  viáo 
com  seus  olhos  cada  dia  su;is  mesmas 
injurias  ,  já  náo  podiáo  sofrer  as  do 
Prcpheta  5  náo  entrando  em  suas  Mes- 
quitas hum  vil  Christáo  ,  soberbo  , 
e  irreverente  ,  que  náo  faltava  já  mais  , 
que  nas  praças  do  C.iiro  ,  mandar  le- 
vantar Cruzes  ,  e  adora-las. 

Foráo  estas  cousas  ditas  com  tanta 
liberdade  ,  que  mais  pareciáo  con  u- 
raçáo  ,  que  queixa  ;  e  como  entre  os 
íggravos  particulares  cnvolviáo  a  cau- 
sa àd  Religião  ,  que  costuma  levar  trás 
si  a  justiíicaçáo  ,  e  amor  público  ,  fo- 
ráo bem  ouvidas  do  Soldáo  ,  privan- 
do a  Cjofar  dos  cargos  ,  e  mandando- 
Ihe  que  mudasse  de  crença  :  láo  ca- 
duca hc  a  ^raça  dos  Príncipes  ,  ain- 
da  com  suas  creaturas  mesmas. 

Vendo-se  Çofar  cabido  ,  tornou 
a  vestir  a  primeira  humildade  ,  c  as 
artes  ,  que  a  necessidade  do  tempo 
lhe  ensinava  ;  e  como  de  Christáo  só 
conservava  o  nome  ,   e   a    memoria  , 

foy- 


L  I  V  R  o    IL         95" 

foy-Ihe    fácil    trocar    polo    veneno    do 
y\Icoráo    a    saúde    Evangélica  ,  mudan- 
do  o    nome    imposto    no    Baptismo  , 
por  este  de  Coge  Çofar ,  que   lhe    de- 
mos    anticipadamcnte    ,     por     ignorar» 
mos  o  primeiro  que  teve.    Feito  Çofar 
cultor   de  Mafamedc  ,  começou   a   gran- 
gear  mayores  confianças  com  os   Mou- 
ros 5  saneando  o  ódio  dos   emuios  com  Com^ 
dadivas  ,    e    o  da    plebe    com   a  nova  vero  o 
apostasia  ,  com    que    purgou   as  sospei-  Camba* 
las     na   fidelidade  ,  obrando    com   am-  ya* 
biçáo    mais   cauta  ,  com    que   se  fa^ia 
mais    afíabel    aos    inimiiTos  ,    que    aos 
estranhos    ;    mas    conhecenco     a   msta- 
bilid:-.de    do  Soldáo  ,   temeroso    de  se- 
gunda   queda    ,    não    tendo    por  segura 
huma     vontade     já    reconciliad:!  ,    ma- 
tando huma   noite  á  iraiçáo  a  Rax  So- 
limáo  seu   mortal    inimigo  ,    com  hum 
filho  que   tinha  ,  juntou    as    joyas   ,    e 
dinheiro    que    pode  ,    e    se  passo};.  se- 
cretamente'ao  serviço  d'ElRey  ò.-^  Cam« 
baya  ,   de  cufa  grandeza ,  e  liberalida- 
de tinha    inteiras  noticias  ,    e  da    esti- 
mação   qiie    fazia     de    homens    estran- 
geiros ,    principalmente   d'aqu-clles    que 
linháo    alguma    pratica     das    guerras    , 
e   politica    de   Europa.     Respondeo  lhe 
o  success»  ao  pensamento  ,  porque  em 
fcrcve  tempo  checou  â  gozai  a  melhor 

j)ar. 


^6  VidadeDJoXo  dsCastbo. 

parte  da  graça  de  Badur ,  ou  já  pot 
sua  fortuna  ,  ou  por  sua  industria  j  sen- 
do companheiro  de  suas  victorias  ,  e 
de  suas  desgraças  ,  achando-se  na  uki- 
rna  de  sua  morre  ,  como  nossas  histo- 
rias referem;  porém  já  táo  engrandeci- 
do nos  favores  Reaes ,  que  em  poder , 
e  aurhoridade  ,  era  o  mayor  vassalio  ; 
conservando  com  Mahamud  successor 
da  Coroa  a  mesma  estimação;  ao  qual 
inHamniava  na  vingança  da  morte  de 
Badur  ,  pelos  fins  que  temos  referi- 
do ,  e  por  merecer  a  graça  do  novo 
Prmcipe  ,  com  o  amor  ,  c  fidelidade 
que  mostrava  ás  cinzas  do  defunto  j 
he  fama  ,  que  ante  o  Rey  ,  e  Satra- 
pas  de  Cambaya  fallou  nesta  substan- 
cia. 

Suas  ra-        ,,  As  mcícês  quc  pof  cspaço  de  dez 

3.0ens       „  annos  recebi  át  Soltáo  Badur  ,    sáo 

jtara  a    „  manifestas  a  todos ;  aos  de  fora  com 

<mprcsA    j,  espanto    de    sua  grandeza  ,    aos    d? 

iíc  Diff.   ^^  casa   com    enveja    de   minha    fortu- 

55  na  ;    poz-me  os  olhos  ,  e  levantou- 

55  me    como    vapor  da  terra ,  antepon- 

5,  do-me    estranho  ,   e    peregrino  ,  aos 

j,  que    lhe  nascerão    em   casa  j   sendo 

5,  vassalio  me  tratou    como  amigo  ,  e 

5,  me  amou    como   filho.    A  este   cie- 

5,  mentissimo    Prmcjpe    ( cujas    cinzas 

3>  venero   como  de  Senhor,  choro  co- 

'  _  mo 


L  I  V  R  ò    II.         97 

55  mo  de  pay )  ,  de  baixo  do  sp.grado 
,5  da  paz  5  tirarão  os  Portuguezes  a 
5,  vida  com  escândalo  de  todos  os 
3,  Reys  ,  e  náo  menor  injuria  de  seus 
3,  vassallos  ,  indignos  de  o  haver- 
j,  mos  sido  de  Príncipe  ráo  grande , 
3,  pois  insensíveis  ,  e  ingratos  esia- 
3,  mos  alimentando  os  homicidas  de 
,5  nosso  Monarcha  em  nossa  mesma. 
„  casa  ,  gozando  como  herança  a 
5,  praça  ,  que  assegurarão  com  táo 
3y  atroz  delicio  ;  hontem  hospedes  , 
s»  e  agora  senhores.  V^ós  ,  ó  Princi- 
9,  pe  herdeiro  ,  e  senhor  d'e3re  Impe- 
íj  rio  ,  vedes  vossos  vassallos  cada 
2,  dia  receber  leys  d-estes  insultuosos ; 
3)  á  vós  roca  di^terminar  a  «quem  ha- 
„  vemos  de  obedecer  primeiro  ,  se  4 
9,  nosso  Rey  ,  se  a  nosso.s  inimigos. 
y,  Crescerá  com  a  nossa  paciência  o 
5,  seu  atrevimento.  Depois  de  com- 
,}  niettido  o  mayor  delicto  ,  qual  n3.Q 
»  teráo  por  leve  ?  Quem  duvidará 
jj  ser  oifensor  onde  se  náo  vingáo  in- 
5>  jurias  ?  Acabemos  pois  de  dcsper- 
s,  tar  d'e?ie  mortal  lethargo  ;  mcta- 
5»  tr.os  até  os  cotovelos  os  braços  no 
>>  sangue  d'estes  cruéis  tyranno?  i  nes- 
Ji  te  veneno  banhemos  os  alf^inges  , 
5í  porque  percáo  com  as  vidas  a  glo- 
}>  ria    de    táo   grandes  insultos.     Com 


ç2  Vida  de  DJoXa  de  Castro. 

„  o  sangue  de  Badur  receberão  as  ar« 
„  mas  Fortuguezas  a  mayor  fama  do 
5,  mais  atrcz  delicto  ;  e  deixámo$4hes 
„  na  mio  a  espada  ,  com  que  nos  de- 
5j  golaráo  o  Rey  ,  para  que  com  el- 
55  la  mesma  nos  usurpem  o  Reyno; 
5,  tiremos  pois  d'enrre  nós  estas  vibo- 
3,  ras  nascidas  no  ultifno  Occiden- 
,,  te  para  inficionar  a  Ásia  toda  ,  co-* 
„  mo  se  verá  discorrendo  por  seus  es- 
5,  tragos  5  que  elles  ch^máo  victo- 
,,  rias.  E  começando  naquellc  primei» 
„  ro  Gama  ,  a  quem  os  mares ,  pa- 
,,  ra  perturbar  a  paz  do  Oriente  , 
5,  dcráo  faral  p.-^ssagem  ,  o  Qamorim 
3,  de  Calecur  foy  o  primeiro  a  quem 
3,  corrou  seu  ferro.  As  náos  de  Meca  , 
3,  que  no  amparo  do  Prophera  ,  e 
3,  paz  das  ondas  ,  navegaváo  seguras  , 
„  foráo  assaltadas  ,  e  rendidas  deste 
5,  feliz  Cossario  ,  que  tantos  annos , 
j^  como  monstro  d©  mar  ,  teve  por 
,,  casa  as  ondas  ,  e  por  abrigo  os  ven- 
5,  tos  ,  e  as  tormentas.  Pois  aquel- 
„  ie  D.  Francisco  de  Ahr.eyda  ,  que 
,,  em  hum  só  dia  ,  e  com  o  mesmo 
55  golpe  destroçou  as  armadas  de  Egyp- 
„  to  ,  e  Cambaya  ,  que  na  vingança 
3,  da  morte  de  seu  filho ,  parece  que 
,,  queria  beber  o  sangue  do  Oriente 
„  todo  ,  íe  hum  Albuquerque   succes- 


L  I  V  R  o    IT.         99 

3^  sor  de  sua  crueldade  ,  e  seu  go- 
55  verno,  lhe  não  viera  rinr  das  mãos  a 
5,  espada.  Esre  nasceo  para  injuria  àe 
-,  todas  as  Monarchias  ,  porque  com 
5,  senhorear  Mal^íca ,  poz  a  todo  o  Sul 
5,  írcyo  ;  rendeo  Ormuz  ,  empcrio  das 
5,  riquezas  do  Mundo  ;  tomou  Goa  ao 
5,  Sâbayo  para  cabeça  de  seu  tyran- 
5,  nizado  império  ;  e  sem  rrazer  os 
55  exercites  de  Xerxej ,  ou  Dário ,  feZ 
55  tributários  mais  Reyncs  do  que  ira- 
3,  zia  soldados  ;  levantando  o  pensa- 
55  mento  a  querer  tirar  de  Meca  o 
55  corpo  do  Propheta  ;  poz  em  con- 
55  sellio  mudar  ao  Niío  as  correntes , 
35  para  ajpgar  o  Egypto  ;  errprendcn- 
55  do  seu  espirito  fazer  duas  tão  famo- 
5,  sas  injurias  ,  huma  ao  Ceo  ,  ou- 
3  5  ira  á  natureza.  Náo  pcdercy  refc- 
35  rir  a  am.biçáo  de  tantos  5  que  com 
35  nossas  injurias  se  hizeráo  iiíustres  , 
35  porque  temo  me  náo  caiba  no  tem- 
5,  po  ,  ou  na  memoria  ;  pcrcm  lan- 
55  çay  pelas  mris  remctPo  partes  do 
55  Oriente  a  vista,  ou  o  juízo,  vereis 
3,  a  mayor  parte  do  Mu'.:do  receber 
55  leys  de  poder  tão  pequeno.  Elles  na- 
33  vegáo  daqueila  parte  de  Africa  , 
I  5^  que  corre  do  Cabo  de  Boa  Espe- 
-  3,  rança  até  ás  portas  do  Estreito  do 
3,  mar  Roxo  ,  dominando  por  aquella- 
H  ,5  par- 


loo  ViD.h.  DE  DJoSo  Ds  Castro 

5,  parrc  Moçiímbique  ,  Çofala  ,  Quí- 
5,  loa  ,  e  Mombaça  ;  e  discorrendo 
35  o  Cabo  de  Guardafii  ,  olhando  pa- 
5,  ra  as  gargantas  do  mar  Roxo ,  Adem  » 
5,  Xaei ,  Herit  ,  Caxem.  Temem  suas 
3,  armndas  as  Cidades  de  Dofar  ,  e 
3,  Norbete  no  Cabo  de  Fartaque  ,  e 
3,  logo  Curia  ,  Muria  ,  Rozalgate. 
,,  Aqui  fica  a  Cidade  de  Ormuz  j  alli 
3,  a  Ilha  de  Queixome ,  Curiate  ,  Ca-. 
3,  lay.ue  5  Mascate  ,  Orfacáo  ,  e  Li- 
33  ma  5  o  Cabo  Mocandáo  ,  e  ]âzque , 
33  que  formão  a  boca  do  Estreito  , 
,3  que  se  estende  até  o  rio  Indo  ;  b- 
3,  go  o  Cabo  Guzarate  3  e  Cinde  nes- 
3,  ta  nossa  Cambaya  ,  donde  até  o 
3,  Cabo  de  Comori  passeáo  suas  ar- 
,,  mada3  á  índia  por  espaço  de  tre- 
5,  zenras  legoas  ,  e  começando  dcs- 
j,  ta  nossa  Cidade  de  Cambaya  dls- 
„  correm  por  Madigáo  ,  Gandar  ,  Ba- 
5,  roche  ,  Çurrate  ,  R.eyner ,  Mosca- 
5,  rin  ,  Damío  ,  Taraper  ,  Baçaim  , 
„  Chaul  ,  Bandcr  ,  CiFardáo  ,  Galaii- 
ci  ,  Dabul  ,  Cortâpor  ,  Carepaiáo , 
Tâmega  ,  Banda  ,  Chaporá.  Senho- 
reáo  Goa  ,  assento  de  seus  Gover- 
nadores ,  logo  o  marítimo  do  Ca- 
nará  ,  com  Onor  ,  Baticalà  ,  Bra- 
çalor  ,  Bracinor  ,  e  Mangalor  ;  e 
„  lo^o  aquelU   parte  priiicijpal   do  Ma-» 

*•,  ia- 


Livro    IT.         lot 

5,  labâr  ,  que  acuenráo  suas  fretas  , 
5,  onde  está  o  Reyno  de  Cananor  , 
„  e  nelle  Cateconláo  ,  Marabia  ,  Tra- 
5,  maparâo  ,  Maim  ,  Parepatáo.  Com 
5j  náo  menos  soberba  assombráo  o  Im- 
3  5  pcrio  de  Calecut  com  seus  pór- 
5,  tos  de  Pandarane  ,  Coulate  ,  Cha- 
9,  ré  5  Capocste  ,  Parangale  ,  Tanor  , 
3,  Panane  ,  Bilcançor ,  e  Charua,  Nos 
„  Reynos  de  C^nancr  ,  e  de  Co- 
55  chim  quasi  domináo  com  absoluto 
5,  irrperio  em  Porca  ,  Couláo  ,  Cale- 
5,  couláo  ,  Ootorá  ,  Birinjáo  ,  Tiúvan- 
3,  cor.  Alcança  o  respeiío  de  suas  ar- 
35  mas  até  o  famoso  Cabo  Comori  , 
53  defronte  do  cjual  estcá  a  illustre  Ilha 
3,  de  Ceiino  ,  onde  carregão  as  n?.os 
3,  de  diíf^rentes  drogas.  Náo  perdoáo 
5,  á  enseada  de  Bengala  ,  ou  sêo  de 
5,  Ganges  ,  avistando  Tacancuri  ,  Ma- 
33  napar  ,  Vaipar ,  Calegrande  ,  Cher- 
3,  capale  ,  Tutucuri  ,  Calecare  ,  Bea- 
33  dala  3  Canhamorra.  Correm  Nega- 
53  paiáo  ,  NaSor  ,  Triminipatáo  ,  Tra- 
53  gunbar  5  Coloráo  ,  Calapare  ,  Sa- 
3,  drapatáo.  Amedrenráo  com  a  mul- 
5,  tidáo  ,  e  grandesa  de  seus  bai- 
3,  xeis  Bisnaga  ,  e  a  costa  brava  de 
53  Orixá  3  e  toda  aquella  distancia  , 
35  que  ha  de  Segopora  até  O  ri -tão  ^ 
33  e  as  bocas  do  Ganges.  Auaves- 
H  ii  3.  sáoc 


ic2  Vida  de  DJoão  de  Castro, 

„  S30  O  cabo  de  Negraes  ,  Arra- 
„  cáo  ,  e  Pegú  com  tantris  ,  e  ráo 
5j  maravilhosas  Ilhas.  Passáo  por  Va- 
3,  gatu  ,  c  Maitaváo ,  Tagala  ,  e  Fa- 
5,  vay  ,  Tanaçari  ,  Lungur  ,  Tairáo  , 
3,  Queda  ,  Solungor  ,  navegando  até 
„  sua  Malaca  ,  cabeça  de  todo  aquel- 
35  le  Archipelago.  E  logo  dobrando 
3,  o  cabo  de  Nincapura  ,  ancòráo  nos 
3,  porcos  dos  Reynos  de  Siáo  ,  Cam-í 
33  baya  ,  Champá  ,  e  Cochinchina,  E 
5,  passando  aos  Reynos  da  China  , 
3,  se  atreverão  a  olhar  aquelle  tão  re» 
55  Cc-.tado  Império  ,  que  nunca  fo- 
3,  freo  â  communicaçáo  de  gentes  es- 
3,  trangeiras  ^  aiii  fundarão  a  cele- 
3,  bre  Cidade  de  Macáo  ,  por  onde^ 
35  persuadem  aos  Chins  os  Miíterios 
3,  de  sua  ctença  fazendo  juntamente 
35  do  commercio  á  Religião  escada. 
55  D  aqui  se  divertem  para  as  innume- 
35  raveis  Ilhas  de  Japão  ,  visitando 
3,  Tava  3  Timor  ,  Borneo  ,  Banda  , 
,-,  Maluco,  Lequios  i  de  sorte,  que  as 
,  ,5  velas  Portuguesas  com  incansável 
3,  navegação  ,  rodeâo  a  mor  parte  do 
„  Miíndo  era  distancia  de  mais  de 
3,  nove  mil  legoas  j  que  a  táo  árdua 
^,  navegação  os  estimulou  sua  ambi- 
5,  çáo  ,  guiou  sua  fortuna.  Repeti  pro* 
3,  lixanisnte  todo  o  mariumo  daAsia^ 


Livro    TI.         103 

^,  onde  as  armas  Pcrrugucsas  ,  por 
5,  império  ,  ou  commercio  se  háo  fei- 
5,  ro  conhecidas  ,  porque  de  ráo  der- 
„  ramadas  Conquistas  ,  faz  o  Mun-^ 
,,  do  erradamente  o  mayor  argumen- 
5,  to  de  seu  poder  ,  e  eu  de  sua  fra- 
,,  queza  ;  porque  sendo  Portugal  hum 
^,  abreviado  Reyno  no  ultimo  Occi- 
j,  dente  ,  e  com  perpetuas  guerras  na 
„  Africa  vezinha  ,  onde  se  consu- 
„  mem  com  os  successos  pro^^peros , 
,,  e  adversos  ,  comendo-ihes  sempre 
5,  gente  a  guerra  nas  facçoens  ,  e  nas 
.,  praças  que  guarnecem  ,  e  agora 
5,  não  podendo  caber  aonde  nascerão  , 
55  como  abcrrecendo  o  Ceo  ,  e  o  cli- 
35  ma  ,  que  os  ha  produzido  ,  andáo 
>,  vagando  o  Mundo  ,  como  se  lhes 
5,  fora    usurp'ido     o    senhorio    dos    ho- 

3,  mens  ,  das  terras  ,  c  dos  ventos, 
5,  Agora  deixo  ao  mais  rasteiro  enten- 
.,,  dimento  ,  que  julgue  o  pouco  que 
-yj  se  podem  temer  forças  táo  divi- 
5,  didas  ,  as  quaes  na  mayor  prospe- 
55  ridade  váo  íicabando  suas  mesmas 
■55  vicrorias.   Que   temos  que  recear  à'2S' 

4,  te  império  de  loucos  ,  que  com  hi:m 

5,  braço  na  Ásia  ,  outro  no  Occidente 
.3,  querem  abarcar  o  Mundo.  Na  índia 
,,  tem  muiios  Príncipes  50;ei cos  ,  portm 
„  nenhum  «migo  ,    todos   os  dominan- 

„  tes 


104  Vida  de  DJoÂo  de  Castko. 

,,  tes  adoráo  ,  e  aborrecem  ,  porcjue 
3,  com  nenhum  assenraráo  os  Portu- 
35  ouezes  paz  ,  se  não  depois  de  vi- 
55  cíor,'as  .  e  estragos  j  desorte  que  náo 
5,  o  amcr  ,  se  não  a  injuria  os  tem 
5,  feito  conformes  ,  e  ledos  estes  ser- 
3  5  vem  em  quanto  náo  podem  often- 
35  der.  Mas  que  será  se  virem  a  Sol- 
5,  táo  IVlahamud  armado  na  campa- 
3,  nha  ?  Quem  duvida  ,  que  todos  os 
„  oftendidos  serão  nossos  soldados  ? 
35  Fizeráo  muitos  Reys  tributários  à 
„  força  de  armas  ,6  dado  ,  que  del- 
53  las  mesmas  hoje  recebem  amparo  , 
33  mais  facilmente  esquece  hnm  be- 
3,  nencio  ,  que  huma  injuria.  Selim 
jj  Senhor    dos    Turcos    ainda  vê    aber- 

ta*;  as  feridas  dos  seus  Janizaros  re- 
j  cebidas  em  Dio   ,    e  quem   está  táo 

pouco  costumado  a  receber  inju- 
,  rias  ,  náo  perdera  a  occasiáo  de  vin- 
35  §ar   a   primeira  ;  ou    sendo  author  da 

ojierra  ,  ou  companheiro  nella  ,  ambi- 
,  cioso  também  de  que  a  rr-elhor  par- 
j,  te  do  Mundo  conheça  seu  império. 
3  5  O  Çamorim  depois  que  entrarão  os 
,5  Portuguezes  no  Oriente  ,  náo  tem 
3.  porro  que  náo  fosse  theairo  de  vi- 
,5  cronas  suas  ;  e  apenas  tem  vassallo 
3,  que  náo  fosse  cort?.do  de  seu  ferro. 
5,  o  Hidiicáo   cada  dia  vê  regadas    de 


>an- 


Livro    II.         icj 

5,  ?ângue  as  terras  de  Bardéz  ,  e  Sal- 
35  sete  ;  e  depois  da  o  Governador 
5,  lhe  fazer  in)usta  guerra  ,  trouxe 
;j  Mep.Ie  a  Goa  ,  querendo  hcnesiar- 
5,  lhe  sua  luina  com  a  justiça  alhèa. 
55  Todos  os  outros  Príncipes  se  háo 
,5  de  armar  contra  o  commum  inimi- 
5  5  go  ,  para  poderem  respirar  na  anri- 
3,  ga  liberdade  em  qne  viviáo.  Polo 
5,  que  a  mim  roca  ,  os  filhes  ,  a  fa- 
5,  zenda  5  e  a  pessoa  offereço  à  esta 
3,  guerra  j  se  acabar  nella  ,  em  meu 
5,  sangue  vera  Badur  minha  fidelid> 
5,  de  ;  e  em  ambos  os  successo^  náo 
5j  terey  por  mer.os  honrnda  a  morre  , 
5,  que   a  victoria. 

As   r-zoens    de  Coge  Çofar    forão  O  SoU 
bem   ouvidas  ,    pelo   cdio    da  causa  .  e  ^^õo  os 
authoridade     da    pessoa.     EiR.ey  ,    de-  í^pr^-ova, 
pois    de  lhe  engrandecer    a  fidelidade  ,  ^  ^^^  ^'^' 
lhe    commetteo    a    empresa  ,    como    à  ^'""'"^?'' 
mayor  que  todos  no  zelo  ,  e  disciplina.  "  ^"^P'^^' 
Começou   logo    a  dar  calor    aos  apres-  "*^* 
tos  5  com  difrer^nres  missões  aos  Keys 
vezinhos ,  acordando-lhes    suas  mesmas 
injurias    ,    e  oíierecendo-lhes    as    armas 
de  seu   Príncipe  ,    como    em  benefxio 
dos     aggravos     de     todo-.     Despachou 
Embaixadores    a    Constantinopoia    con- 
vidando o   Turco  a  restaurar    o  crediro 
de  suas  armas  com  a  expulsão  dos  Por- 

tu- 


I06  VíDA  DE  D  JoXo  D5  CaSTRO, 
tuguezes  da  índia  ,  negocio  ião  im- 
porcanre  á  Religião  ,  como  ao  estado. 
Facilitava  o  soccorro  ,  que  lhe  pedia  , 
com  hurn  donativo  de  tanta  estima  , 
que  era  mais  apto  a  despertar  a  am- 
bição do  Tufco  contra  íurs  riquezas  ^ 
que  a  dar-lhe  armas  auxiliares  com  que 
as  defendesse. 
T>.Jono  Era    neste    tempo   D.   João    Mas- 

Mnsca-    carenhas  Capiíão  mór   de  Dio  ,  a  quem 
reuhíis     q  nascimento   fez  em  Portugal  grande  , 
Capitão  Q   yaior    no   Oriente  j  varão    tão   bene-  ■ 
dá  Dio.    jv^ej-ito  (je  sua  fama  ,  corno  de  sua  for- 
tuna,   Este  5    sabendo   por  ir.teiligencias 
secretas    os  desenhos   de   Coge  Çofr.r , 
e  que  todos  seus  apercebimentos  amea- 
çâváo      aquella     fortaleza     ,      escreveo 
Jvhfí.  o  ao    Governador    Dom   João     de  Castro 
Govci'-    os   avisos   que  tinha  ,    e  como    estava 
uador.     flilto  de  gente   ,    muniçoens  ,    e  petre- 
chos ;    descuidos    que   cobria  a  paz  de 
tantos  annos  ,  ou   quiçá  assegurados  os 
nossos  no  respeito  da  primeira  victoria, 
y^ccrescentava  5  que  os  apresios  do  Sol» 
dão    estaváo    muy    avante  ,    o  inimigo 
vizinho,  e   que  os   lei-Aporaes  do  inver- 
no não  rardariáo  muito  ,  com  que  íica- 
riáo    cerradas  as   portas  ao  soccorro. 
(Z(tc  cs^  Quando    D.  jcão    de  Castro   reçe- 

çrcvj  aoheo   este  aviso,  tinha   já   mandado  du- 
Svliião.    '/entOi    soldados  aqueila   fortaleza  ,    dc- 

bai- 


L  I  V  R  o    IT.         107 

baixo  das  Capitanias  de  Dom  ]oáo  , 
e  D.  Pedro  de  Almeyda  .  filhos  de 
D.  Lopo  de  Aímeyda  :  eráo  os  ou- 
tros Capitaens  Gil  Coutinho  ,  e  Luiz 
de  Sousa  ^  filho  do  Chanceller  mór  do 
Reyno.  E  para  conhecer  o  estado  em 
que  se  achava  o  inimigo  ,  despachou 
dous  enviados  práticos  no  mariíimo  ,  e 
sercáo  de  Cambaya  com  canas  a  Scl- 
láo  Mahamud  ,  em  c^ue  lhe  signiHcava 
as  noricias  que  linha  das  conduçoens  , 
e  aprestos  que  fazia  ,  de  que  lhe  devia 
dar  conta  ,  pois  como  amigo  o  queria 
acompanhar  na  emi-resa  ;  que  na  occa- 
siáo  presente  lhe  seria  muy  fácil  ,  por 
ter  prompta  no  m?.r  hurna  poderosa  ar- 
n'-ada  ^  e  que  também  na  fortaleza  de 
DiO  tinha  soldados  valercsos  com  mu- 
niçoens  sobejas  ,  nos  quaes  seria  mais 
grato  enriquecer  com  despejos  da  guer- 
ra 5  que  com  o  soldo  limitado  de  hu- 
ina  paz  ociosa,  E  lego  enccmendcu  aos 
enviados  ,  que  notassem  com  sagacida- 
de as  forças  do  inimigo  ,  os  soccorros 
que  tinha  ,  o  rum.or  do  povo  ,  para  por 
el!e  penetrar  es  desenhes  da  empresa. 
Mss  em  quanto  os  nossos  envic-.des  dáo 
á  vila  ,  poremos  hum  pequeno  silencio 
nas  cousas  de  Crmbaya  ,  por  dar  lugar 
aOi  successos  de  Maluco,  que  ti  verão  a 
diiccçío  des:e   mesmo  gcveino. 

Es. 


I  ÒS    ViDA  DE  DJoXo  DE  CasTRO; 

Direito  Esriver.^o    as   Malucas   muitos    an- 

dfli  Rcijs  "^'S  íí  obeáienaa  de  noisas  leys  ,  des- 
dc  Por"  cuberiras  ,  e  conquistadas  com  as  armas 
r.-'g-«/ í<j- d  esta  Coroa  ,  que  foráo  as  primeiras 
Ire  as  da  Europa  ,  que  virão  aquellas  Ilhas. 
Malucas  As  quaes  entra váo  na  nossa  demarca- 
ção ,  conforme  a  repartição  que  os  Pa- 
pas fizeráo  entre  os  Keys  de  Portu- 
gal, e  Casteila  ,  tendo  ElRey  D.  Ma- 
noel em  seu  favor  o  direito  das  ar- 
mas ,  e  o  das  leys  ,  nam  sendo  esras 
Ilhas  de  Portugal  somente  por  con- 
quista ,  mas  também  por  herança  ; 
porque  no  tempo  d  EiBey  Dom  Ma- 
noel 5  o  ultimo  ,  e  primeiro  d  este  no- 
me ,  corriáo  nnquelias  Ilhas  com  igual 
pros^^endade  o  divino  ,  e  humano , 
fesplandecendo  por  beneíicio  de  seu 
2slo  as  luzes  ao  Evangelíio  nas  tre- 
vas daquelle  Paganismo  ,  recebendo 
muitos  Reynos  de  táo  ditoso  Prmci- 
pe  Religião  ,  e  Império.  Foy  ,  entre 
outros  ElRey  Dom  Manoel  (  que  em 
Goa  recebeo  o  B autismo  )  K^y  j  e 
Senhor  das  principaes  ilhas  de  Ma- 
luco, o  qual  depois  de  bem  instruido 
nos  mysterios  de  nossa  crença  ,  vol- 
tando a  governar  ,  e  doutrinar  seus 
povos  ,  faleceo  em  Malaca  sem  des- 
cendência alguma  ;  e  por  gratidão  dos 
beneíicios  ,     que    d  esta    Coroa    havia 

rc- 


Livro    IT.         109 

recebMo   ,  deixou  a  ElRey  D.  Joáo  o 
Terceiro    d'este  nome  por  herdeiro  dos 
Reynos     de    Maluco  ,    em    tesrarr.enro 
solemne  ,     outorgado    com     todas     as 
legalidades     civis  ,     para     que    andasse 
vinculado  successivamenre  na  Coroa  Por- 
tugueza.    Esras    IlHas   descubertas    com 
trabalho  ,    defendidas    com    o  sangue  , 
possuidas    com   justiça  ,  viemos  a  dei- 
xar a  Castclla  contra  a  opinião  dos  me- 
lhores Juristas  5  e  Geographos.  ^  ^ 
Achou   o  Governador  D.  João  de  ^^J[^/2 
Catro    em    Goa    a  Cachil   de  Aeyro,yj^^^ 
pe<soa   de  grande  auchoridade   nas   Ma-  ^y,-/^^y. 
íucas  ,  benem.erito    no    serviço    do   Es-  ^.^^ 
tado  ,  e   da   linha  Real  do  ultimo  Prín- 
cipe  Dom  Manoel  ,    o    mais  conjunto 
çm   sangue  ,  porém    táo  pobre  per  va- 
lios  accidentes  ,    que  passou   á   índia , 
€nccmendsndo-se  á  clemência  dos  nos- 
so?. O  Governador,  parecendo-lhe  SL!as 
misérias  indianas  de   seu  sangue  (cren- 
do   que    ficava    a   mem.oria    de    nossos 
Reys  mais  honr.ida  com  dar  hum  Rey- 
no  5  do  que  recebe-lo  )  lhe  deo  a  En- 
vestidura    da   Ccroa  de    iVlaluco  ,  com 
que    ficasse    o   uso    da  Regalia    depen- 
dente   do  cerro   Portuguez   ,   nelle   ,  cl 
seus  descendentes ;  artribuindo  os  Reys 
dn    índia    táo    grande    donativo  ,    hnns 
a  prodigalidade  ,    outros    a    de^preso  ; 

es- 


I  IO  Ywk  DE  DJoSo  DÊ  Castro. 
.espanrando-se  ,  que  fizéssemos  unte 
por  acquifir  ,  o  que  sabíamos  larear 
tao   hcilmenre. 


^^0  Entretanto    as    cousas    de    Maluco 

Ih^lo]  .  ^''''''''   alteradas   com  a  vinda    de   três 
^--^^  navios     Castelhanos    ,    (^ue     derrotados 


avistarão     acjuell.s     Ilhas    ,     desembar- 
cando     na    de    Tidore     para    reparar-se 
das    fortunas    do  mar  ,    e   levar    a  seu 
Frincipe  sinaes  mais  certos  de  seu  des- 
cobrimento.     Deixarei     de     refenr     a 
cpposiçáo    que    os   nossos   lhe   fízeráo , 
por    cahirem     estes    successos    debaixo 
de   outro  governo  ,  e  andarem  já  com 
melhor     penna     escritos  ;    tratarey    sò 
precisamente     do    snccedido     nos    dias 
de   D.    Joáo    de    Castro  ,    o   qual  man- 
<iou  a   Maluco  a    Fernáo   de  ò"ousa    da 
Távora  para  desalojar    os   Castelhanos  , 
que    convidados    da  abundância  ,    e  ri- 
queza  da  terra  ,    querião  gozar    o    fru- 
to  dos    trabalhos  alheyos  ,  perturbando- 
nos    a    paz  ,    e    ccrnmercio    d'aqueilas 
lihas  j    de  que  a  conquista  ,    c   heran- 
dacpí      ça    nos    fizeráo    duas    vezes     senhores. 
eraCw   Governava  os   Castelhanos    Ruy  Lopcz 
fntiío       de   Villalobos  ,    homem    mais   cautdo- 
<ios  tas-. so  que    valente.  Este  havia    feito  osten- 
/c/,;a;;^i  façáo   soberba    das   grandes     forças    do 
Emper^dor  Car!os   V.   seu  senhor  ,    e 
dos  grandes  úteis  ,  que  podiáo   receber 
.  .  '  da 


Livro     II.         iii 

Ác  sua  amizade  aquelles  Reys  Gentios 
na  guerra  ,  e  no  commercio  ,  tra- 
tando a  fama  de  nossas  cousas  com 
grande  aba  cimento  ,  e  com.o  na  opi- 
nião dos  homens  he  mayor  o  espera- 
do 5  cjue  o  presente  ,  algumas  d^aquel- 
las  ilhas  tomarão  a  voz  do  Castelha- 
no ,  buscando  para  isso  motivos ,  ou 
aggravos  ,  huns  levres ,  e  outros  esque- 
cidos. . 

Neste   tempo  aportou    em  Maluco  /'."'"' 
Fernão   de   Sousa  ,  mandado   pelo  Go     ,  '  ', 
vernador   ,    que    mtormado    de    Jordão  ^jj^^^.^^ 
de  Freitas    Capitão  ciór    da   fortaleza  , 
do    estado   das  cousas  ,  enrendeo  ,  que 
o  partido    dos    Castelhanos    se   engros» 
sava    na  esperança    do  soccorro  ,    e  ri- 
quezas   que    promettiáo    de    Espanha   ; 
porém  logo  que  Ruy   Lopes    teve  avi- 
so da  vinda    de  Fernão    de  Sousa  ,  e 
do  negocio    a  que  era  mandado  ,    que- 
rendo  com  arte   escusar   ,    ou    entreter 
o  rompimento  com  nosco  ,    até  chegar 
o  soccorro  de  Espanha,  que  esperava  ;<?  Cíí^fí- 
o  mandou  viíuar ,  escrevendo-ihe    sau-  ^Sia'" 
daçcens    corteses  ,    lembrando-lhe   que  ^'■«^'''  'J''* 
estaváo    entre  Gentios    ,    desejosos    de  ^rett-lj, 
nossas   discórdias  ,  para   ficarem   senho- 
ras Je  si  mesa:os ,  que  assaz   de  gusr- 
f^is   ,    e  inimigos    tínhamos    na  índia  ; 
que  para  povoarmos    sós    hum  Mui^do 

tão 


1 12   YlD\  DE  D.  JcXo  DE  CASTKOé 

tão  gratTide  ,  éramos  muito  poucos ;  que 
nos  oíferecia  suas  armas  para  com  el- 
las  termos  o  Gentio  mais  obediente  , 
porque  com.o  Espanhóes  eráo  bons  pa- 
ra soldados  ,  e  como  Cacholicos  muy 
fieis  para  amigos  ;  que  considerasse  , 
que  era  mais  importante  a  Portugal  a 
paz  do  Emperador,  que  o  cravo  de  Ma- 
luco ,  porque  estas  dissençóes  entre  vas- 
sallos  podiáo  vir  a  ter  os  eííeitos  das 
minas  ,  que  rebentão  muito  distantes 
donde  se  pega  o  fogo. 
Heposta  ^   ^sta  carta  composta    de  feros  , 

^t?  Fcr-'  e  lisonjas  ,  respondeo  Fernão  de  Sou- 
TJão  de  sa  ,  que  elle  era  pequeno  de  corpo  , 
Sousa,  mas  táo  abreviado  na  resolução  ,  como 
na  estatura  ;  que  aquellas  lihas  eráo 
d'£lRey  de  Portugal  seu  Senhor  ,  que 
com  a  mesma  espada  com  que  as  ganha- 
ra podia  defende-las  ;  que  bem  sabia  que 
era  Espanhol  ,  e  Catholico  ,  porém  que 
isso  náo  lhe  dava  justiça  para  tomar- 
Ihe  a  capa ,  que  o  Emperador  náo  f.i- 
ria  guerra  a  Portugal,  sem  íer  primei- 
ro nas  Chronicas  de  Castella  os  sue- 
cessos  de  seus  antecessores;  que  ou  se 
havia  de  embarcar  para  a  índia  ,  ou 
meter-se  com  os  seus  naquelia  fortale- 
za ,  onde  lhe  daria  embarcação  segura 
para  Espanha. 

D'esra    carta  táo   dura  entendeo  o 

Cas- 


L  I  V  R  o    11.         1^3 

Castelhano ,  que  Fernão  de  Sousa  náo  Conti'* 
queria   curar  o  negocio    com   remédios  mm  a 
largos  ,    porém   vendo    que    náo   podia  Caste- 
resistir  ,    nem   lhe  convinha  obedecer  ,  i-u-r.o  n» 
escreveo     segunda    vez    a    Fernão     de  frinwir» 
Sousa  5    que    suspendessem    as    armas ,  '"'^''■»»<'' 
avisando    a  seus    Príncipes    do    estado 
das  cousas  y  p^^ra  que   elles  com  pacifi- 
co acordo  determinassem  a  causa  ,  por- 
qje  se  antes    desta  diligencia    se  der- 
ramasse   sangue  ,  ficaria   por  conta  dos 
Reys    vingar  a   injuria     dos    vassallos  ; 
que   entre  Portugal  ,    e    Castella   havia 
direito  ,    e  aggravos   ,    que    a   paz   cc» 
bria  ;  que    náo   quizesse   soprar   o  fogo 
sepultado  nas  cinzas  de  hum  Jargo  es- 
quecimento  i    que    se    os    Castelhanos 
se  reiirasscm  queixosos  ,  facilmente  os 
tornaria    a    trazer    sua  mesma  ofFensa  ; 
que    ainda    que    desbaratados   do  mar , 
c  das   doenças  ,    se    os    obrigassem    a 
condiçoens  injustas  ,  mayor    força    lhes 
faria  o  brio  ,  que  a  necessidade  em  que 
estavão. 

Fernão  de  Sousa  ,  entendendo  dos 
rodeyos  d'esta  carta  ,  e  de  outras  no- 
ticias ,  que  os  Castelhanos  se  queriáo 
remir  com  dibçoens  ,  respondeo  ,  que 
deixados  argumentos  ,  tratasse  de  de- 
íender  com  a  espada   seu  direito. 

Ruy  Lopes    de  Villalobos  ,  venda 

íi'es- 


114  Vida  deDJoSo  dsCastko. 

Ven:-se    doesta  reposta  c\uQ  o  entendiáo  ,  ou   (^ne 
os  (iuus    o  despreza  vão  5  escolheo  deixar-se  ven- 
Cíipita^    cer  da  razáo  ,  primeiro    que  da    força , 
*"^'         e   logo  re^pondeo  a  P^emáo   de  Sousa , 
que    se   vissem    ao   ourro    dia    ho  mar 
com  sós   rres  companheiro?   ,    para    as- 
senrarem    as    condiçoens   da   pc^ss.  gem , 
e   em.barcaçáo    ,    que    lhe  oííerecia  j    o 
^ue  assi  se  fez,  saindo  Fernão  de  Sou- 
sa da  forraleza    em    huma   embarcação 
lustroí-amenre  toldada  ,  e  emproardo  cem 
a   dos   Castelhanos  ,  que  já    o   aguarda- 
váo  ,  sobre  qu?.i  dos  Capitaens  havia  de 
passar    á   oucra  ,   em  ceremonias   proli- 
xas   gastarão    largo    tempo.    Entrou    o 
Castelhano  na  de  Fernão  de  Sousa  ,  on- 
de entre   saudaçoens   ,    e   urbanidades  ^ 
abrio   a  conversarão  porta  ao  negocio. 
JcorJo  Tragou  Fernão  de  Sousa  com  gran- 

íjifL'  to-  de  comedimento  das  razoens  de  sua 
mãa.  causa  ,  reduzidas  a  escrituras  outorga-;, 
das  entre  os  Reys  de  Portugal  ,  e 
Casrdia,  que  Ruy  Lopes  de  Villalo- 
bos  folgou  de  ver  ,  como  quem  de 
nosso  direito  havia  de  formar  sua  des- 
culpa. Assi  fcrão  acordados  ,  que  den- 
tro de  três  dir^.s  virião  os  Castelhanos 
meter-se  dentro  na  nossa  fortaleza  de 
Terniue  ,  ond^  lhes  dariáo  enfi barca- 
ç?.o  pára  a  índia  ,  levando  livremen- 
te -a  roupa  ,  dro^ss   ,    e  armas   que   ti- 

ves- 


Livro    IÍ.         iif 

vessem  ',  e  que  EIRey  de  Tidore  sen 
faccionario  íicaria  em  nossa  graça.  As 
solemnidades  com  que  rematarão  esta 
concórdia ,  foráo  hum  largo  b^inquere , 
brindando  alegremente  às  saúdes  dos 
Reys  :  beneficio  ,  que  lhes  repetirão 
muitas  vezes.  Ao  convite  accrescentoa 
Fernáo  de  Sousa  o  seu  çaguate  ,  ao 
uso  da  índia  ,  dando  algumas  joyas 
ao  Capitío  ,  e  companheiros  ,  com 
que  os  dei.TOu  mais  satisfeitos  do  tra- 
to ,  que  do  despacho  que  levavão  , 
porque  com  o  sainete  do  cravo  sabo- 
rcaváo  os  desabrimentos  da  terra. 
I    •        Despedidos  os  Capitaens  se  tornou  ^ 

'  Fernáo  de  Sousa  á  fortaleza,  conten-  ,"^^^', 
te  de  ainanar  num  negocjo  tao  esca- 
broso ,  por  meyos  tam  commcdos  á 
sua  honra  ,  como  ao  Estado.  Ao  ter- 
ceiro dia  ,  que  era  o  aprazado  para  os 
Castelhanos  se  virera  á  nossa  fortaleza, 
se  pôz  Fernáo  de  Sousa  muy  galante  , 
para  demonstração  do  gosto  com  que 
esperava  os  liospedes  ,  que  foy  bus- 
car ao  mar.  O  que  sabendo  Ruy  Lo- 
pez  despedio  huma  embarcação  da 
terra  ,  pedindo-lhe  suspeiides^e'  o  ne- 
gocio para  o  seguinte  dra  ,  porque 
andava  vencendo  alguns  inconvenien- 
tes ^  de  que  lhe  daria  conta.  Fern^.o  de? 
Souia  entendendo  ,  que  a  dilajam  e?a- 
I  cau- 


prcmus- 


Tl6   ViDA  DE  D  JoXo  DE  CasTRO, 

Eooite  cautela  ,  e  que  o  Castelhano  faltava 
riii to J^az  no  concertado  ,*  como  lhe  deráo  o  re- 
Fcrnão  cado  no  mar  ,  mandou  forrar  a  voga , 
de  Sou-  e  com  mais  páixáô  ,  que  iicoido  ,  se 
'«•  foy    meter    desacompanhado    entre     03 

Castelhanos.  O  que  visto  por  Ruy  Lo- 
pez  ,  o   veyo  esperar   á  pmyít  com  oi- 
tenta aíCtibuzeiros    que   trizia    de  guar- 
da, e  levando-o  a  seus  oposentos  ,  \ht 
deu    conta     da    aíreraçam  ,    que    entre 
DS  seui  havia  j  porque   D.  Alonso  Hen- 
iiquc2   Capiráo  de  hum  navio  ,  cobrin- 
do seu  particular   interesse  com  o  zela 
de   servir   a   seu   Príncipe  ,    náo  queria 
estar  polo  capitulado  ,   e  tinha    convo- 
cadas  ami^^os  ,    c   homens    inquietos  , 
que    susteniaváo    seu  partido  ,    persua- 
dindo  cousas    fantásticas    a    ElRey    de 
Tidore  5    e    a    pcírcs  ,    por    eaí;rossar 
seu   bando  ,  charruando  ,  a  sua    sediçáo 
■    zelo  ,  e  à  moderaçãa    do  General   fra- 
queza ,  pois  entregava  as    armas,  e   as 
bandeiras    de  Espanha,  que   jurara   de- 
fender   com    a  vida  ,  e  privava   o  Em- 
perador    do   Senhorio    de   táo  abundan- 
tes  ilhas  ,    e    aos    pobres  soldados    do 
fruto   ,    e    premio    de    navegação    tara 
perigosa  j    c  que    os  Portuguezes  ,  co- 
mo   nação  soberba  ,    e  sempre   oppos- 
ta  á  sua  ,  lariáo  riso  ,  ou  gloria  de  táo 
\ú    rendimento.     Porém    <^uç    ^\[q   sa- 

bia^ 


Livro    II.        117 

bia  ,  que  rodas  estas  bizarrias  armavão 
sobre  falso,  porc]ue  os  náo  estimulava 
o  serviço  do  César  ,  nem  o  zelo  da 
honra  ,  senão  o  amor  do  cravo  ,  de 
<^ue  rinháo  recolhido  quantidades  vian- 
des ,  e  náo  fiaváo  de  nós ,  que  lhes 
deixarjamos  levar  a  Espanha  as  novas 
d'esta  droga  ,  cuja  vaiia  lhes  havia  de 
compensar  os  pcrie^s  ,  e  trabalhos 
passados.  O  qiíe  enr/ndido  por  Femáo 
de  Sousa  ,  e  os  mais  ,  que  seguiáo  sua 
voz  ,  CS  z-^rse^urcu  ^esta  parte  de  todos 
seus  receyos ,  e  como  o  brio  dos  Cas- 
telhanos servia  de  cuberta  so  interes- 
se ,  se  vierão  ao  outro  dia  meter  na 
fortaleza  ,  esquecidos  dos  brios  com 
que   bizarreaváo. 

Mas    já  o  estrondo   d?sS   armas    de  ^rojia;^ 
Cambaya    náo    sofre    esta  pequena    di-  ^^   ^^ 
gressam    de  negócios  menores.    Gover-  ^'^^''  , 
nava    Coee  Cofar   esta  suerra  com   ab-  í'!    "f^' 
soluto  império  ,    livrando    o  bom    ?uc-  £,y^ 
cesso   delia  ,  parte    na   força  ,    e  parte 
nos   enganos.    Em  quanto   pois   juntava 
bafagens  ,  e  soccorros  ^  que  pela  «ran- 
deza    delies    neCessitaváo    de     espaços 
difFerentes   ,    escreveo    i^   D.  joáo  Mas- 
carenhas   ,    que  desejava    tirar   qunlquer 
escândalo    que   perturbasse     a  paz  capi- 
tulada   entre    o  Soltáo   ,    e    o  Estado , 
para    ^ue    se    lograssem    com    rccipro* 
I    ii  CO 


1 18  Vida  de  D  JoXo  de  Castro. 

CO  ?mor  os  frutcs  de  tam  justa  con- 
córdia ;  qus  na  ajustamento  p;issado 
tinhamos  dado  consentimento  a  c]ue 
se  fizesse  hxum  muro  entre  a  fortale- 
za ,  e  a  Cidade  ,  o  cjue  se  não  execu- 
tara por  não  mo^-rrrH*  de  confi.inças  em 
tso  tenra  amisade  ;  porém  agora  ,  que 
a  paz  de  tantos  annos  tinha  purgado 
qualquer  injusto  aííecto  ,  convinha  sa- 
tisfazer ao  povo  ,  que  pedia  esta  se- 
paração. Como  sinal  da  liberdade  em 
que  vivia  j  que  |]uando  por  aquella 
parte  desmanielimos  a  Cidade  ,  fora 
com  a  ira  ,  ou  licença  da  victoria  ,  e 
que  náo  queriáo  os  moradores  acor- 
dar-se  cada  dia  de  sua  injuria  com 
tão  fêú  memoria  ,  que  os  sinaes  do 
ódio  5  como  náo  esraváo  no  animo , 
mn  era  bem  que  se  conservassem  nas 
pedra-  derribadas  j  que  pois  éramos 
hospedes  em  Oio  ,  náo  convinha  dar 
]evs  como  Senhores  ; .  e  que  Jevariáo 
asperamente  os  moradores  o  que  lhes 
ordenaváo  seus  Reys  -  tolher  lho  seui 
vezinKos  ,  aue  de  v^ssallos  aiheyos  de- 
viamoi-  querer  amizade  ,  e  náo  cbe- 
dienoa  j  que  o  Solráo  lhe  dera  aquella 
Cioade  ,  a  qual  deíerm.inava  engran- 
decer couR- novos  moradores,  aos  quaes 
querii  moçrrar  que  aquella  fortale- 
za náo  escava  comq  fieyo  senáo  como 
..   í  am- 


Livro    II.       119 

amparo  de  seus  habitadores  ;    que  aos 
Portut;uezes  convinha  dar  grandes  satis- 
façoens  ao  povo  ,  pnra   as  egurar  huma 
paz  fundada  sobre   ag^ravoi. 
•       Por    esta   carta    enrendeo    D.  João  Rep.uta 
Mascarenhas  ,    que  Çofar  buscava  cau-  Je  Capí- 
sas    ao  rompimento  ,    havendo  ,  que  se  tão, 
lhe     concedia    o    muro    ,    facilitava     a 
empresa  ;    se   lho  negava  ,   justificava  a 
guerra   ;   e  assi  lhe  respondeo ,  que  em 
huma   paz  tam  assentada   ,    como   Ma- 
hamud  tinha   com   o   Estado  ,  mais   se- 
guro   ihc   seria   derribar    paredei  ,    que 
intentar    levantalas  j    que   o  muro   nem 
a    nós    seria    de    perigo   ,    nem    a    el- 
les    de  amparo  ;    que    entre    a   fortale- 
za  ,    e  a  Cid.ide    estava    outro   reparo 
mayor  que    a  defendia  ,    que  era  a   íi- 
delidade     Poi-tugueza   ;     que    do    novo 
Senhorio    lhe   dava    o  parabém,  e  que 
dos  Porcuguezes  >  que    alli   estaváo  ,  íi^ 
zesse   a   mesma   conta   que    dos   outros 
vassallos  ;    que   o  negocio,  que   propu- 
nha, tocava   ao  Govíirnador    da  índia, 
3    qual     estava    aprestando     a     armada 
para    vir   visitar   aquella    fortaleza  ,  que 
:hegado  e.lle ,  lhe  commnnicâria   a   sua  E  avisa 
proposta.    E  logo    avi^.ou    ao  Governa-  ao  Go- 
áor  do  Estado  das  cousas ,  que   já  ps-  ^^ma- 
os  enviados  ,  que  mandara  a  Cambiya  ,  ^'^"'^ 
iohd    do    cerco    noticia    mais    inieira  » 


corre 


120  ViDA-DEDJoSo  DKCâSTR(1í 

recebendo  do  Soltáo  hiima  reposra  in- 
certa ,  sem  declarar  nem  encobrir  a 
jornada  ,  fazendo  relação  intempesti- 
va de  pa:^sadíi5  oríensas  ,  coino  quem 
( sem  alterar  a  paz )  queria  começar ' 
a  guerra. 

Porém    o    Governador  ,    dando-se 
todo   a  este  negocio  ,  pesando  a  impor- 
Bio  com  tancia    daqueiia     pfaça   ,    res-olveo    so- 
gefnítf  ,  tf  bre    sua    defensa    empenhar    as    forças 
maniço-   todas   do   Estado  ,  sem   perdoar  a  des- 
cnj.         pesa  ,  perigo  ,    ou  dcligenc.ia.    A's  Ci« 
dadcs   de   Baçaim  ,  c   Chaui ,  que   eráo 
as   mais   vezinhas  ,    encomendou   aíFcc- 
tuosamente  os  soccorros  de  Dio  ,  lem* 
brando-lhes    a     honra  ,    o    premio  ,    a 
cbrie;açáo   ;    e  logo    em   Goa  mandou 
aperceber     hum    caraveláo    com    muni- 
çoens  ,  e   bastimentos   ,    e   duzentos    e 
cincoenta  soldados   ,   que    por  acharem 
jà    os    mares  grossos  f,  chegarão    a  Ba- 
çaim  com   trab:ílho  ,    c  tentando    atra- 
veísar   a  Dio  ,  íoráo  os  ventos  táo  pon- 
teiros ,  e  furiosos  ,  que   tornarão  a  ar- 
ribar  destroçados. 
Trfllção  Coge    qofar    em   quanto    nam   ti- 

intentã'  nha    as  forças  juntas  ,  nos  accommeitia 
da  por    com   ardís  differenies.    Com   largas  da» 
Çofar.     clivas  ,  c  promessas  mayorss  comprou  a 
fidelidade  de  hum  soidado  nosso  ,  para 
^ue  no  Silencio  da  noitCL  desse   fogo  á 


Li  V  RO    II.        lar 

pólvora  ,  ou  lançasse  peçotíha  na  cis- 
terna', e  cjjTe  náo  podendo  coDse- 
goir  nenhum  d^este^  intenros  ,  tentasse. 
dar  enrrada  na  fortaleza  aos  Mouros 
pelas  casas  em  que  vívía  ,  commodâs 
a  esta  maldade  ,  por  estarem  vezinhas 
ao  muro.  O  soldado  temeroso  ,  cu  irre- 
sohito ,  deu  parte  do  ne^ccio  a  hum 
Mouriíco  seu  fimiliàr  amtgo  ;  e  co- 
mo nss  traiçcens  mais  sec;uro  he  o 
premio  de  as  descobrir  ,  que  de  as 
executar  ,  delatou  ao  Capiráo  mòr  o 
caso  3  o  qual  tendo  noticia  òeAe  por 
duas  vias  mais  ,  e  considerando  qu3 
este  delicto  era'  feyo  p2r:\  exemplo, 
e  para  castigo  peuco  averigu.^.do  ,  e 
que  a  culpa  náo  merecia  perdáo ,  nem 
o  tempo  petmittia  castigo  ,  enviou  este 
Soldado  a  Goa  com  cartas  ao  Govei- 
nador  ,  significanaoJhe  os  indícios  da 
traição  imaginada. 

E    como    Dom  João   Mascarenhas  P''^"^^(«" 
tinha   a  guerra  por  certa  ,  ordenou  qne  ^,'"''íf 
se    comprassem     os    mantimetuos    que  V  -* 
na  Cidade  havia  ,    em   quanto   aquelia  ^'S^'^ 
paz  tingida   tazia  somora    ao  commer-  ^.^.^y^^^ 
cio  ;  diligencia    que    entreteve  ,  ou  re- 
mediou   a    fome    muitos   dias  ;    porém 
logo  se  alterou    a  segurança  do  trato , 
entrando      na     Cidade      hum     Capitão 
com  quinhentos  Turcos  ,    mais  a  dis- 

ror , 


m  Vida  DE  DJoXo  de  CAsTR^tt 

por  ,    que  â.  fazer  guerra.    Este   trazia, 

novas    ÇAnas.  de-   Co^e    Çofar   p.ira    o 

Capiiáo    mór  ,    nas    quaes   cauteloso  ,i 

e   importuno   ,    instava    em    levantar  o", 

inuro  i    a  que  D.  joáo  Masc^irèr.has  já 

nâm    qulz     ciar  reposta.  ,    dizenJo    ao^. 

Turco  ,  que    os   Poftuguezes   não  òqíC": 

riáo  a   psriçoens   escritas    com    o  arca»» 

buz   no  rosto.    Káo  foy  esre  dia  o  pri'» 

^f  meiro    d.^  guerra  ,  sendo    da  paz  o  ul-^-* 

Chee:a  ^  '         .  ^  ^« 

^^^,      timo  i  porque  ao  seguinte  entrou  Coge^. 

com  «^/í-  Ço^-^r  com  oito  mil  soldados  para  dar  i 
te  (ie  principio  ao  cerco  ,  tolhendo-TíOS  0$., 
'^uerra.  soccorros  da  terra,  porque  -ps  do  mar-^ 
Gomeçaváo  já  a  impedir  os  temporaes«> 
do  inverno  ,  que  era  o  mais  duro.ini-^ 
migo  ^ue.  a  fortaleza  tinha.  E  como:>. 
esta  praça  foy  o  theatro  em  que  os^ 
Poriuguezes  obrarão  maravilhas  tanxj 
gfjndes  ,  darencos  de  .  seu  .íitig  huma- 
breve  noticia.  .£{jj./.í..!íií..      •       ti 

jjescrlp'         ^^   í^^^    ^^    ^^^  >  ce'ebre   pela  ri-  . ' 
cão  Je    qneza   de  seu  trato  ,  lastimosa  pcU  rui-;| 
Dia,        na   de  seus  habiradores  ^    iilustre    p^Ui. 
fama    de  nossas  victorias ,,  está  situada  t 
em  buma  enseada ,.  e  ponta  5  que  limi-j 
ta  o  Reino    de    Cambaya  ,  em  -alrura  ' 
de  vime  dous  grãos  à:i  banda  do  Nor- 
te^    Da    antiguidade     de   sua    fundação 
fabnláo    os    nacuraes  ,  dando4he   princí- 
pios csiòis  .iiluscr^Síj  que  âveriguad-js  ,  cu- 
ja 


Livro    II.         125 

ja  memoria    conserváo    suas   tradiçoen? 
na  faita    dos    escritos.    Foy   semprs    o 
poito    da  enseada    a    principal  escala  ,1 
frequentada   das  nãos  ,    que   navegáo    a. 
Meca   5    cuja  viagem    fez    aos  Mouros 
^ata  a  Reli;:;iáo  ,  e  o  commercio.    He 
a  Cidade    apartada    da   lerra    íiimc  por 
hum  estreito,  que  em  tomo  a  \^y  Cin-. 
gindo  ;  pela  qualidade  do  terreno  he  for- 
te ,  e  ajudancio-se  da  arte   a  natureza,, 
a   faz  mais   defensável,  O   esteiro  ,  t]uc 
a  Todea  ,    faz  duas  bocas   ,    numa    ao 
Norte  5  que  por. ser   aparcelado,  c  bai- 
xo  ,    he   ao    serviço    inútil  ;    outra  aa 
Sul  ,  também    desacommodada   pela  as- 
pereza do  rochedo  ,  cm  que  baie.  Tem 
outro    canal    na   face    da  Ilha  ,    aonde 
podem    ancorar    navios  ,    e    deste    re- 
cebe   a  Cidade  mais   commoda    passa- 
gem.   Náo  segui    a   forma,  em  que  a. 
descreve  Joáo  de  Barros  ,  por  se  hsver 
alterado  com   a    dilierença    dos  Mouros 
que   a  senhorearão  ,  fonificardo-ii    cada. 
fiuns     d^elies     com     varia     ciscij  Una  , 
conforme    o  iwzo  ,    cu  vanedace    dos 
tempos  lhes   cnjinava. 

Entrado  Coge  CJofar  na  Cidade 
com  oito  mil  soiuacos ,  muitos  d'elJes 
Turcos,  trazidos  a  c^u  soldo  y  sessen- 
ta peças  grossas ,  em.  que.  entraváo  de* 
20Ú0   basiliscos  ,   com  n;uniçoens  ,.  ç 

bas- 


124   VíDA  DE  DJoXo  DE  CaSTRO. 

bastimentos  de  homem  que  antevia,  a 
dur.içáo  do  sitio-  Trazia  mj'  Janizaros 
no  campo  com  avantajado  soldo,  os 
c[uaes  com  sua  ordinana  soberba  dcs- 
prezaváo  a  empresa  ,  accu>ando  o  te- 
mor de  Çofar  ,  em  convocar  soccorroã  , 
e  inquietar  as  armas  do  Gráo  Senhor 
conrra  quatro  miseráveis  Christáos  ,  de- 
fendidos de  huma  haca  parede  ,  com 
os  quaes  nem  na  pereija  se  ganhava 
honra  ,  nem  na  vicroria  <fespojo.  Co- 
ge  Çofar  nem  louvava  ,  nem  repren- 
dia  o  animo  dos  Turcos,  mas  da  vi* 
croria  fazia  mais  incerto  juizo  ,  ensina- 
do do  temor ,  ou  da  experiência  ,  e  no 
abrir  as  trincheiras  ,  plantar  batarias  , 
formar  esquadroens  ,  mostrou  que  era 
soldado  ;  e  logo  que  teve  posto  sitio  à 
.  fortaleza  ,  fez  aos  Turcos  huma  bre\^ 
pratica  ,  dizendo : 
Trattcã  »'  Companheiros  ,  e  amigos  ,  nam 

</í  Ceo^e  5)  vos  ensinarey  a  temer ,  nem  a  des- 
Çofar  5  5  prezar  esses  poucos  Portuguezes  , 
Ú6S  s€us,  5,  que  d 'entro  d'aqueiíes  muros  es- 
,j  tais  vendo  encerrados  ,  porqae  náo 
5,  chegâo  a  ser  mais  que  homens ,  in- 
,.  dá  que  sáo  soldados.  Em  todo  o 
„  Oriente  arégora  os  acompanhou  ,  ou 
3,  sérvio  a  fortuna  ;  e  a  fama  das  pri- 
j,  meiras  victorias  lhes  facilitou  a? 
3j  outraí.    Com    hum    limicíido    poder 


Livro    II.         125^ 

',",  fazem  guerra  ao  mundo  ,  náo  po- 
33  denco  naruralmente  durar  hum  Im- 
55  peno  sem  forças  ,  sustentado  ra  opi- 
3  5  niáo  5  cu  fraqueza  dos  que  lhes  sáo 
j,  sujeitos.  Apenas  tem  quinhenics 
,,  homens  naquelía  forralezi  ,  os  mais 
,5  d'elies  soldados  de  presidio  ,  que 
jj  sempre  costumáo  ser  os  pobres  ,  ou 
5,  os  inúteis  ;  por  terra  náo  podem 
3,  ter  scccorros  ,  os  do  mar  lhes  tenn 
3,  cerrado  o  inverro.  Estáo  faltos  de 
35  muniçoens  ,  e  mânriíTiencos  .  asse- 
5-,  gurados  na  paz  ,  ou  na  soberba , 
35  com  c]ue  desprezáo  tudo.  Como  sáo 
5,  pcucos  5  senipre  nsquelle  muro  báo 
„  de  assistir  03  mesmos  defensores  , 
3,  sem  haver  soldado  reservado  para 
„  o  lugar  de  curro  j  falta-lhes  peona- 
3,  gem  para  reparar  as  ruinas  da  nos- 
3,  sa  bataria  ,  e  por  força  es  ha  de 
3,  render  o  trabalho  repartido  em  râo 
„  poucos.  Estáo  insolentes  com  o  des- 
3,  troço  que  íizeráo  nas  gales  do  Grão 
3  5  Senhor  no  cerco  d 'esta  mesma  for- 
3,  taleza.  A  láo  honrados  Turcos  ,  e 
3,  valentes  Janizaros  ,  como  estais 
55  presentes  ,  toca  acudir  pola  hcnra 
3,  de  vossa  gente  ,  e  de  vosso  Impe- 
3,  rio  3  co-mo  caus.i  m.ais  justn  da  ^u^r- 
,3  ra  3  que  fazemos  ;  que  ainda  que 
„  Cambaya    tem   excrcicçs  ,    e  solda* 

„  doi. 


1 16  Vida  be  D.JoXo  de  Castro* 

5,  dos  ,  náo  convém  á  repuraçáo  do 
5,  Grnin  Senhor  vingar  suas  injurias 
35  com  as  armas  aiheas.  Com  este  fim 
,,  vos  rrouxe  a  e?ta  em  preza  ,  porque 
3,  vos  náo  furtassem  outros  a  gloria  da 
3,  tam  justa  vingança..  íisra  mesma  rer- 
3,  ra  ,  que  a^ora  estais  pisando  ,  cobre 
5,  os  O: SOS  :  de  vossos  companheiros  , 
5,  parentes  ,  e  amigo.?  ,  que  a  c.^da  hum 
3,  de  nós  (  me  p;irece  )  estáo  chaman- 
5,  ào  por  seu  nome  ,  contando-nos  as 
5,  mortes  ,  e  as  teridas  ,  que  d'*esíes 
53  homicklas  receberão  ,  esperando  por 
3,  vosso  esforço  poderem  descansar  via- 
3,  ^adoí.  Estes  mesmos  sáo  os  mata- 
3,  dores  de  Badur  ,  ingratos  aos  bene- 
53  ficios  ,  atrevidos  á  iVIagestade  de 
3,  Príncipe  tam  grande  ,  cuja  vmgan- 
3,  ça  será  grata  a  rodos  os  que  se 
3,  chamáo  Reys  ,  precisa  a  todos  os 
„  que  somos  vassaLos, 
Jnsta  de  Acabada  esta  pratica^  ,  ou  queren- 

vcvd  ao  ^^  justiíicar  mais  a  guerra  ,  cu  ganhar 
CiíiHtão  tempo  p'".ra  esperar  soccorros  ,  tornou 
de  Dio.  a  tent.ír  o  animo  de  D.  Joáo  Masca- 
renhas ,  com  condiçoens  mais  graves, 
inNtanJo  na  poriia  de  levantar  o  mu- 
ro ,  e  p.ídinio  ,  que  as  náos  do  Sol- 
úo  3  seu  senhor  ,  pudessem  navegâc 
iivres  sem  caitazes  de  nossos,  Genç- 
n^  i   iryuria-3    ^ue  o  Soltào    tolerava 

CO- 


Livro    II.        127 

como  amigo  ,  e  não  podia  sofrer  co- 
mo .Monarchí.  Pedio  mai?  ,  que  as 
nãos  de  mercadores  nam  fossem  obri- 
gadas tomar  aquelle  porro  ;  liberdade 
que  devia  cnrorí!2r  em  beneficio  do 
commercio.  D.  Jcso  Mascarenhas  lhe 
respondeo  ,  que  entre  tambores  ,  e  ^^posta 
bombardas  náo  se  faziáo  acordos  de  ^^_  ^"P^^ 
amizade  ;    que  aquella  ícrrâleza    estava  ^^"^ 

•costumada  a  dar  leys  a  todos  ,  c  nam 
a     recebelas     de    ninguém    j     que    em 

•'breve  esperava  castigalo  ,  como  a  que- 
brantador  das  pazes  ,  e  que  entáo  so- 
freria a  seu  pesar  condi çdens  mais  du- 
ras ,  escritas  com  c  sangue  de  seus 
meí:mcs  Janizaros. 

Já  neste    lem^po  o  Governador  ti-  O  Go' 
nha    feito    aprestar    nove  embarcaçoen.s  ^'^rna- 
com    estranha    brevidade  ,  dizendo    aos '^^''^'"1* 
soidados    ,    que     occasiáo    táo    honrada  ^'^  ^  ^'* 
só  a  havia   de  íiar    dos  seus  mimosas  \  '!/^"t^'' 
que    elie    trocara   a;^()râ    as  prisoens    de  ^^ 
seu   cargo  ,   pola    .M herdade  ce  qualquer  ^^ 
soldado  ;  ^ue  ainda  que  estava  resoluto 
em    ir  descercar  Dio  ,    náo  podja    ne- 
gaV  ss  envjjas    que   tinha    aos  que  pri- 
meiro   que    elle    haviáo    de   vir    a  bra- 
ços com     os  Turcos.    E  logo  chaman- 
do a  seu  filho  D.  Fernando  ,  lhe  disse 
€m  sala   publica  ;    „    Eu  vos  mando, 

.  55  fiJiio  ,  .  com   este    soccorro    a  Dio  , 

>,  que 


lha   D. 


I2S  Vida  de  D.JoXo  de  Castpo* 

,,  que  pelos  avisos  que  tenho  ,  hoje 
„  estará  cercado  de  multiciáo  de  Tur- 
5,  cos  ;  pelo  que  toca  á  vossa  pessoa 
5,  náo  fico  com  cuidado ,  porque  por 
5,  €<'da  pedra  d  aquella  fortaleza  arris- 
5,  carey  huin  tilho«  Encomendo-vos  , 
,,/que  tenhais  lembrança  d'aquelles  de 
„  quem  vindes  ,  que  para  a  linhagem 
„  sào  vossos  avós  ,  e  para  as  obras 
,,  sáo  vossos  exemplos;  fazey  por  me- 
j,  recer  o  apellido  que  herda?tes ,  açor- 
^5.  dando-vos  que  o  nascimento  em 
„  todos  he  igual  ,  as  cbras  f-^zem  os 
^,  homens  disTerenres  j  e  lembro-vos  , 
5,  que  o  que  ver  mais  honrado  ,  es-e 
,,  será  meu  filho.  Esta  he  a  benção 
j,  que  nos  deixarão  nossos  mayores  9 
5,  morrer  gloriosamente  pola  Ley  , 
5,  polo  Rey  ,  e  pola  Pátria.  Eu  vos 
„  ponho  no  caminho  da  honra  ,  em 
5,  vós  está  agora  ganha-ln.  Com  isco 
lhe  lançou  a  benção  ,  e  o  enco- 
mendou a  Diogo- de  Reynoso  hum 
dos  mais  vaientes  Cavaileiros  que 
passarão  á  índia.  Neste  socCorrô 
foy  Sebastião  de  Sá  ,  filho  de  João 
Rudriguez  de  Sá  ,  "qiie  nesta  occa- 
siáo  ,  e  em  outras  d.en  de  seu  valor 
hum  testimuhho  illustre.  Com  elle 
passou  Dom  Francisco  de  Almeyda , 
íilho    de  Dom  Lopo   ,    a    acompanhar 

dous 


L  r  V  R  o    ir.        12^ 

dous  irmãos  ,  que  rinh^  já  cm  Dia, 
Com  o  mésniO  soccorro  for£o  ,*  Anto-' 
iiio  da  Cnnha  ,  Fero  Lopes  àc  Sousa  , 
Diogo  dã  Siiva  ,  Jorge  Mascarenhas  , 
António  de  .Mello  ,  e  outros  muitos 
fidalgos,  (jue  n^queile  tempo  anJ-.vâc) 
após  os  per];^03  ,  como  se  lhes  fu^'" 
rào. 

Escreveo  o  Governador   a  D.  Joáo 
Mascarenhas  huma  carta  muy  honrada  , 
dizendo-Ihe  ,    <]uanto    mayor    coosa  era 
nesta    occasião    ser    Cíipitáo    de    Dio , 
^ue    Governador    da    índia   ;    que     na- 
quelle   soccorro  lhe  mandava    seu  filho 
Dom  Fernando  ,    para    que    depois    no 
Reyno  ,  entre    ás   vanglorias    da  velhi- 
ce ,  contasse    que    fora    seu    soldado  ; 
que  estivesse  certo  ,  que   todas    as  for- 
ças    do    Estado    se    haviáo    de    empe- 
nh/ir    na    defensa     daquelia    fortaleza   9 
qwe    naquelles    navios    hiáo    muitos  fi- 
dalgos moços ,  cujo  orgulho  devia  mo- 
derar ,  porque  a  obrigação  dos  cercados 
só  era  defender-se  ;  que  alli  ihe  m.inda- 
va  muniçoens  ,  que  bastavio   a   esperat 
segundo    soccorro  ,    dous   engenheiros  , 
e  muitos   oíficiaes   mecânicos    para  re- 
parar as  rumas  da  bataria  ,  com  os  ins- 
trumentos  ,    e  mâterjacs   convenientes; 
íío  que    Dom    Joáo    de  Castro   não  &6 
»O3U0u     zelo    d«  na  inicio  ,  mas    pra- 


t^  VíDA  deDJoXo  dsCastpo; 

tica  de  soldado  ,  antevendo  as  necessi-» 
áades  do  sitio  ,  c  occonrendo  a' todas. 
Reparte  •.  Já  neite  tem]:K)  D.  Joáo  M:^sca* 
tf  Capi-  renrsas  tinha  mand  ido  »c^aebrdr  a  pon^ 
/^„  í/c-  re  ,  que  dava  stíventía  ,  por  sima  da 
i)Í£)  t>j  cava  do  baluarce  S.incci.'íi;o  a  outra 
jicstox  da  banda  ,  mandando  fazer  outra  levadi- 
jortaU-  ça,  A  corre  de  Sanctia^o  encreií-^^u  a 
z<7.  Alonsò    de   Bonifácio   Escnváo    da  Al- 

fandega 9  o  Baluarte  ò\  Thomé  a  Luiz 
de  Sousa  i  o  de  S.  Joáo  a  Gil  Couti- 
nho i  o  que  ficava  sobre  a  porta  ,  a: 
António  Freire  ;  e  outro  baluarte  San- 
ctia2;o  ,  que  descubria  o  rio ,  a  D.  Joáo 
de  Almeyda  com  seu  irmão  D.  Pedro 
de  Almeyda  ;  o  de  vS.  Jorge  a  Anco- 
-  nio  Peçanha  ;  a  Couraça  pequena  a 
Joáo  de  Venezianos  ;  a  grande  a  An* 
tonio  RodrigufZ.  Por  estes  Capitaens 
.repariio  cento  e  setenta  soldados  ,  fi- 
cando e'le  de  sobre  tolda  com  trinta  , 
para  soccorrer  as  estancias.  Corn  tío 
pequenas  lorcas  esperava  D.  joáo  tâo 
numeroso  v^íder  ,  como  contra  si  tinha  , 
dispondo  coHi  tanta  segurança  a  de- 
fensa ,  que  íht  não  fjzw  o  perigo  te- 
mer ,  ou  novidade.  Com  as  muni- 
çoens  ,  e  mantimentos  mandou  ter 
grande  conra  ,  peU  contingência  cm 
que  estava  de  poder  receber  outros  com 
os  estoJvos  do  tempo  ,  e  do  inimigo. 


L  í  V  n  o    II.       rjí 

Entre  os  escravos  ,  e  outra  gente  inú- 
til pira  tomar  as  armas  ,  repartio  o 
trabalho  de  aeudirem  ao  muro  com  lan- 
ças 3  p.^nelas  de  pólvora  ,  pedras  ,  e 
mantimento  ,  por  desviar  aos  soldados  . 
de  oarra  occupaçáo  mais  (^ue  a  da  pe- 
ieija.  Neste  serviço  enrreteve  os  mi- 
rtinos  ,  os  velhos  ,  e  as  mulheres  ,  pa* 
ra  que  na  fortaleza  náo  houvesse  pes- 
soa inútil ,  ou  ociosa  ,  pola  id:ide  ,  oa 
sexo,  E  logo  juntando  os  soldados  no 
terreiro  da  fortaleza  ,  lhes  disse  cem 
alegre  semblante.  v  ^  rá 

„  Esses  Turcos  ,  c  Jani2aros ,  qi:e  ^''  ' 
„  d'este  lu£;ar  estamos  vendo  ,  vem  a  ,  .  , 
5,  restaurar  com  nosco  a  honra  que  no 
^,  primeiro  cerco  pefderso  ;  porem  nem 
,,  elles  valem  mais  que  os  que  en- 
5,  táo  foráo  vencidos  ,  nem  nós  va- 
3,  lemos  menos  que  os  vencedores,- 
5,  Eu  vos  confesso  ,  que  me  cney  sem- 
5,  pre  com  a  cnvejâ  da  mrnor  solda- 
5,  do  que  defendeo  esta  píaça  ;  pois- 
5,  aind?í  agora  a  memoria  de  seu  va- 
5,  lor  honra  seus  descendentes  ,  qu* 
^5  menos  conhecemos  polo  appciiido , 
,,  parria  ,  óu  soiar  ,  que  por  filho-  , 
3,  ou  netos  d^aquelles  que  táo  glo- 
35  riosamente  acabarão  ,  ou  iriumpna- 
3,  ráo  em  DiO.  Os  mais-  iiiustres  hjn- 
,V  Wráo     sua    família  ;     os    mais    hu- 


igi  Vida  DE  DJoXo  DE  Castro. 

j,  mildes  deráo  a  ella  principio.  Trou- 
5,  xenos  a  fortuna  esta  emprega  ácjuel- 
3,  la  nada  dessemelhante;  náo  sepulta» 
5,  ráo  consigo  aquelles  valerosos  Portu- 
3,  guezes  toda  a  gloria  das  armas  ,  ain- 
55  da  nos  deixarão  esta  ,  que  nos  tara 
55  iilustrcs.  Náo  nos  assombre  a  desi- 
3,  gua Idade  do  poder  ,  porque  a  fama 
35  náo  se  alcança  com  perigos  vulga- 
5,  res.  Navegamos  cinco  mil  legoas 
5,  s6  a  buscar  este  dia ,  para  nelle  ga- 
5,  nhar  a  honra  ,  que  nos  náo  podem 
,,  dar  05  Reys  ,  nem  as  gentes  ;  por- 
„  que  os  Reys  dão  prémios,  náo  dáq 
5,  merecimentos.  Náo  nos  faltáo  muni- 
55  çoens  ,  nem  mantimentos  para  en- 
35  rreter  o  cerco  até  chegar  soccorro  ; 
5,  e  ainda  que  andáo  os  mares  le- 
5,  vantados  ,  por  serem  os  tempos  ver- 
3,  des  ;  temos  hum  D.  Joáo  de  Cas- 
5,  tto  ,  que  por  debai:<o  das  ondas 
5,  virá  com  a  espada  na  boca  a  soc- 
5j  corremos  ,  e  tantos  outros  lidalgos , 
5,  ô  Cavalleiros  ,  que  terão  por  inju- 
5,  ria  ganharmos  nós  sem  elíes  a  hon- 
3j  ra  que  se  nos  offerece  ,  com  a  qual 
5,  náo  temos  Que  esperar  mais  da  for- 
35  runa,  pois  seremos  contados  -  no  nu- 
55  mero  d  aquelles  ,  qup.  ao  Rey  ,  e 
5,  á  pátria  Hzeráo  algum  .  memorável 
35  serviço  ,  cuja    honra   vienics .  a  sus- 

„  ten- 


Livro    It.        í"? 

,;  tentar  do  ultimo  Occidenie  a  láo  re- 
3,  motas  partes.  E  o  ene  mais  he  oue 
,,  tudo  ,  peleijamos  com  inimigos  de 
5,  nossa  Fé  ,  e  náo  nos  pode  fslrar 
,,  favor  para  táo  justa  causa  ,  pois  set- 
5,  vimos   ao  Dcos  das  yictorias. 

Acabada  a  pratica  ,  se  ouvio  logo  ^"[''^* 
tiO    campo     dos    Turcos    huma    erossa  '""'^ 
salva  ,  com    que  Coge   Cofar   fc^íejava  •'^'^': '";'■<'* 
hum    soccorro  de    dous    mu  miântes  ,     .^ 
^ue  lhe  haviáo  che^sdo  de  Cr.mbaya  ,     ^ 
iodos    soldados  velhos  ,   que    faziáo    o 
soCGorro   mayor    na  qualidade ,  que  no 
numero.     Acompanhaváo    esta    gente   , 
entre  oiitros  ,  dous   Cr.pitaens   Ríogores 
pessoas  entre  os  seus  de  grande  nome. 
"No  mesmo  dia  entrou    gráo    parte    da 
nobreza    da  Corte   ,    que    se  alojou  se- 
parada  do  Campo  ,    em  muy  lustrosas 
rendas  ,    com    tal  concerto  ,    cue  náo 
deviío   nada  á   policia  de  Europa.    Os 
nossos  com  a  desesrimaçáo  da  vida  di- 
v^rtiáo    o   horror    de   tantos  app?.raí03 , 
tnimando-se   com    discursos    conformes- 
ao  tempo,  tirando  da  necessidade  con- 
selho  para  as  cousas   presenres. 

Ao  seguinte  dia  ,  que  foy  Quinta  <'^cmcça 
feira    mayor    deste   anno    de   mil  aui*"^''^'^^ 
nhentos    quarenta   ,    e   sei3   ,    amanhe- ^Z^"'^*^" 
eeo   vezinho  á   fortaleza    hum    balu;» rte  ^^^'^^ 
entulhado     de    lerra    amassada   ,    com 
K  ii  SIM& 


134  Vida  de  DJoAo  de  Castro. 

suas  bombardeiras  ,  e  hellas  algumas 
peças  grossas  ,  e  por  sima  do  muro 
quantidade  de  sacas  de  algodáo  ,  for- 
radas de  couros  crus  para  Fazerem  re- 
sistência ao  fogo  ;  maquina  que  espan- 
tou aos  nossos  ,  polo  silencio  .  e  bre- 
vidade com  que  se  havia  obrado  ; 
mostrando  bem  ,  que  náo  era  esiz  fa- 
brica desenho  de  multidão  barbara  , 
e  confusa  ;  porque  em  todo  o  con- 
fiicro  mostrarão  i;^'ial  o  va'or  á  disci- 
plina. Lo^o  começarão  a  bater  ditosa- 
mente a  nossa  fortaleza  ,  porque  nos 
cegarão  quatro  peças  ,  das  quaes  a  sua 
bataria  recebia  mais  dano. 
"Estratii-  O   bom    successo    d 'este    dia  lhes 

gema  do  dcu  para  Qs  outros  conselho ,  formando 
inimigo    em  cinco    noites  cinco    fortes  cm  pro- 
cm  huna  porcionada    distancia  ,  para    darem  ge- 
"^^'         ral   assalto   por    brechas  diíierentes  ,    a 
que    náo  podiáo    resistir    divididos    táo 
póucos     defensores.     Ao    desígnio    pu» 
dera  responder  o   successo  ,  se  o  nosso 
forte    do  mar ,  que  estava   a  cavalieiro 
dos  seus  ,  lhes  náo  fizera  tanto  dano  , 
que  julgarão  lhes  convinha  acudir  primei- 
V  ro  ao  reparo  ,  que    á  oiTensa,    Callarão 

as  bombardas  do.us  dias  ,  em  quanto  pa- 
ra segurança  da  primeira  fabrica  ,  ma- 
quinarão seí,unda.  Lançarão  so  mar  hu- 
ma.  náo  alterosa  chea    de  pólvora  ,  alr 

ca- 


Livro     II.        135' 

ie2!rão  ,  e  outros  materiaes  dispoçtos 
ao  fogo  }  estes  dispuseráo  na  primeira 
ciberca  ,  como  ardil  reservado  para  se- 
gmdo  intento  ,  por  sima  d'elles  tize- 
ráo  huma  grande  esplanada  ,  onde  po- 
diáo  peleijar  qnasi  duzentos  homens , 
para  com  elJes  intentar  a  escala  j  fica- 
va a  nao  senhoreando  o  forte ,  don- 
de com  a  vantagem  do  número  ,  e 
ki^ar  da  peleija  ,  entendiáo  que  seriáo 
os  nos5?òs  entrados  facilmente  je  quan- 
do a  resistência  fosse  táo  porfiada  , 
deixada  a  nao  ,  lhe  pegariáo  fogo  , 
que  Êteado  no  forte  ,  o  abrazaria  , 
sem  dano  ,  nem  perigo  dos  seus  ;  e 
que  lago  occupadrs  as  ruinás  ,  que 
deixssse  o  fogo  ,  sobre  ejlas  levânta- 
riáo  outro  ,  onde  se  pudesse  bater  a 
nossa  fortaleza ,  ficando  os  seus  baluar- 
tes seguros  d'este  padrasto  ,  com  que 
poderia  laborar  sem  díic  a  ?i?a  .^rre- 
Iharia.  Estratagema  inventado  cem  mi- 
lit.-ir  discurso. 

Da  obra  ,  e  do  invento  teve  o  Ca-  Vesfxf- 
pitáo    mór  aviso   por  espias   que   trazia  ratada 
no  campo,  e  chamando    o   Oritáo  do/'^^'-' 
mar    jf.come    Levte* ,  soldado    de   gran- ''"'^^» 
de  confiança  ,    lhe   disse,  que  Jhe  náo 
queria     roubar    a    honra    que   tocava     a 
seu  posto  ;  que    estimasse  .  que  a  pri- 
meira facçáo   doeste  cerco  foise  sua  ;  e 

pta- 


156  Vida  de  DJoXo  de  Castro; 

praticando-lhe    tudo    o    referido   ,    ll^e 
ordenou   ,    que    na     segunda    vigia    da 
noite  ,   tivesse    tudo   a    ponro.     Saliip 
Jacome     Leyte     na     Hora     çjerermina- 
àà   ,    com    dous   catures  ,  e   trinta  sol- 
dados ,    remando     a    voga    surda    ,    e 
emproando  com  a   náo  ,  a  começou  a 
servir    de    muitas   panelas    de    poivora  ; 
virão    os    Mcuros    seu    perigo    com    o 
*    mesm.o   fogo  ,    que    os  eslava   abrasan* 
do  5  e   acudindo    ás    armas   ,    turbados 
do    temor  ,    e  do  sono  ,  se  defendiáo 
com   huma    resistência    timida  ,  e  con- 
fusa ,    impedindo-se    huns    aos    omro$ 
com  3S  vozes,  e  desacordo  ,    causado 
do  Súbito  accommettimento.  Alguns  SQ 
começarão    a  lançar  ao   mar :  estes  fi- 
2eráo    aos  outros  caminho  ,    e  exem* 
pio  -,    em    fim  entre  queixas  ,    e  alari* 
dos  despej^lráo  a  náo  ,  fazendo  pôr  em 
Uc  tr.T  arma  o  campo  todo.  Teve  Jacome  Ley- 
iíí/j  á      te  tempo   para    dar  hum  cabo  a   nao  ^ 
JoriaUíO  e  rrazeia    atoada  ;    a   quem  o  Capiíáo 
mór    deu  muitos  abraços  ,  e  louvores  , 
estimando    t%iQ  successo  por  dai  á  guer-» 
ra     láo    ditoso    principio,     Qs    Mouros 
ordenarão    que    se    continuasse    a   bata- 
ria a  risco  aberto  ,    custando-lhes  cada 
pedra     que     dcrribavão     da    fortaleza  9 
soldados   ,    e   artilheiros.     Náo    fazia   a 
sua    bataria    dano   considerável  ,    só    o 

ba- 


Livro    II.         137 

baluarte  Sancriago  ,  ou  por  mais  fraco , 
ou  por  melhor  batido ,  estava  por  duas 
partes  aberto  ,  e  já  com  roturas  capa- 
zes de  se  entrar  por  ass?.Ito ,  se  bem  os 
de  dentro  se  reparavío  com  alguns  tra- 
vezes  ,  fazendo  reparos  do  entulho  que 
furtaváo  de  noire. 

Continuava  a  bataria  não  sem  cf- 
feito  ,  porque  já  se  via  o  muro  por 
muitas  partes  aberto  ,  por  todas  abai- 
lado  5  e  náo  podia  polas  ameas  asso- 
mar soldado  5  que  náo  fosse  encrava- 
do das  setas  do  inimigo  ,  ou  ferido 
das  bsllas  ,  que  eráo  tant;;  ,  que  pa- 
reciáo  huma  continuada  salva  :  doendo 
pouco  a  Cogs  Çofar  despender  mnni- 
çoens  ,  e  arriscar  soldados  ,  como  quem 
de  tudo  estava  prevenido  ,  e  sobrado. 
Também  da  fortaleza  lhe  respondia  a 
meudo  a  nossa  artelharia  com  mais  da- 
no ,  porque  como  era  tanta  a  HiUltidão 
dos  Mouros  ,  nenhuma  baila  se  jogava 
ptrdida. 

Instaváo  os  Turcos,  porque  se  des- 
se o  assalto  ,  porque  já  em  muitos  lu- 
gares poias  ruinas  da  bataria  ,  se  podia 
subir  ao  m.uto ;  porém  Ccge  Çofar  os 
detinha  ,  ou  esperando  mayor  poder , 
ou  querendo  ,  que  o  trabalho  ,  e  fe- 
ridas quebrantassem  o  orgulho  dos 
nossos  y  cuja  funa  esperava  dcmar  com 

hn- 


igB  VíDA  DsDJoXo  D2  Castro; 

lentas  -arrnas  ,  apurando  as  forças  ,  as 
muniçoens  ,  e  ainda  a  paciência  dos 
cercados  ;  discurso  ,  (]tie  náo  era  de 
rodo  errrdo  ,  porque  o  inverno  ,  aue 
começa víí  furioso  ,  im possibilitava  os 
soecofro3  necessários ,  e  forçosos  des- 
fie o  primeiro  dia  ,  em  razão  de  que 
os  descuidos  da  paz  ,  c  a  súbita  in- 
vasão do  inimigo  ,  tinha  os  nossos  me* 
nos  apercebidos  para  sosrer  o  peso  d'es- 
ta  guerra  ;  sendo  nesta  parte  táo  de- 
masiada a  nossa  confiança  ,  que  de- 
pois do  cerco  de  António  da  Sylveira, 
sò  com  c  respeito  d^aquelía  victoria  , 
se  defendia  a  praça  ;  e  D.  ]oáo  Mas- 
carenhas se  âchava  só  com  quarenta 
barris  de  pólvora  de  bombarda  ,  e  vin- 
te de  mosquete  ;  a  estreiteza  de  man* 
tmientos  ,  como  de  homens  ,  que  pri- 
meiro virão  a  guerra  ,  que  a  esperas- 
sem 3  os  defensores  eráo  duzento"  ,  os 
rnaís  d'el!es  soldados  de  guarnição  ,  a 
quem  a  gloria  deste  cerco  deu  a  pri- 
meira fama. 
Clv-zn  Traziáo  ao  Capitão  mor  solicito  o 

13.  Fer-   estado  à^.^  cousas  ,    e  a   incerteza  dos 
rn  ido  ti    scccorros    5     que     importava     encobrir 
i^i''*        táo    cautamente     aos    de    casa  ,    como 
aos    de   fora  :  e   náo   queria    nos    prin» 
cipioí    do  cerco    taixar    os    mantisien- 
tos  j  e  muniçosns  ,    ysndo    por   huma 

par- 


Livro    IT.         1^9 

parte  ser  danoso  ,  e  por  ourra  preci- 
so ;  qUrtFido  as  vigias  lhe  vieráo  dar 
sivjso  ,  oue  a  numa  vista  parec:áo  nove 
velas  ,  e  que  pela  feição  dos  vasos 
jDCstravão  serem  nossas.  Chegaráo  os 
soldados  todos  ao  muro  com  o  alvo- 
reco    d'esta    nova  ,  causando    variedade  ; 

nos  juízos  a  distancia  da  vista,  e  cer- 
laçáo  do  ten-po  ;  porém  dentro  de 
huma  hora  divisarão  as  bandeiras  de 
quadra  ,  e  logo  com  as  armas  Reaes 
a  Capitania  ,  ^uç  com  os  ventos  pon- 
teiros ,  vinha  forçando  as  ondas  erpi 
demanda  da  nossa  fortaleza.  Vinháo 
todas  com  flâmulas  ,  e  galhardetes  , 
empavezadas  ,  e  guerreiras.  Salvarão 
logo  as  torres  ,  donde  lhes  respon- 
derão com  a.  mesma  cortesia  naval. 
Os  Mouros  Jhe  tirarão  muitas  peças 
de  terra  ,  em  quanto  davão  fundo.  Po- 
rão desembarcando  as  muniçoens  ,  e 
mantimenros  ,  trás  elles  os  soldados  , 
e  o  ultimo  de  rçdos  D.  Fernando, 
ou  fosse  instrucçáo  do  pay  ,  ou  bno 
do  filho. 

O  Capitão  mór  depqis  de  receber  D.  Joõo 
aquelles    fidalgos  ,  como    companheiros  Mosca* 
de    suí     fortuna    ,    sabendo     que    vinha  vcnhas  o 
alli     D.    Fernando   ,    o  foy    buscar    ^^tccebe, 
navio  ,    e   o    encontrou    na    escada    da 
fcrt*!eza  ,    por  onde    já   sobia  ,    c  le- 
va n- 


T40  Vida  DE  D. JoXo  DE  Castro. 

vando-o  nos  braços  ,  lhe  disse  palavras 
acccmmodadas  ao  lug:--r  ,  e  tempo  ,  e 
oíterecendo-lhe  sua  mesma  pousada  ,  a 
nío  quiz  acceirar  D.  Fernando  ,  pe- 
dindo-llie  ,  cue  aquella  honra  lhe  pou- 
passe para  o  tempo  da  paz  ,  que  ago- 
ra o  baluarte  mais  arriscado  havia  de 
ser  a  sua  guardaroupa  ,  potcjue  lhe  nr.o 
prestaria  o  sono  hum  passo  desviado 
da  muralha.  D.  João  Mascaranhas  o 
tornou  a  abraçar  ,  espantado  de  ver 
espíritos  varonis  em  ânnos  tão  ver- 
des. 

Vinha  nos  navio?  quantidade  de 
pólvora  ,  armas  ,  e  bastimentos ;  com 
que  se  podia  entreter  o  cerco  até  ou- 
tro soccorro  ;  também  se  lembrou  o  Go- 
vernador de  mandar  aos  enfermos  , 
c  feridos  ,  remédios  ,  e  regalos.  Mos- 
trou o  Capitão  mór  aos  soldados  a 
carta  do  Governador  ,  em  que  ( com.o 
dissemos)  o  assegurava  de  sua  vinda, 
para  a  quai  se  ficava  aprestando  com 
a  mayor  diligencia  ,  e  forças  ,  que  so- 
fria o  Estado  ;  o  que  deu  coraçocns 
novos  aos  cercados  ,  com  que  já  as 
necessidades  ,  e  aprestos  da  guerra 
mostraváo  outro  semblante  ;  a  qual 
SC  hia  continuando  ,  recebendo  Coge 
Çofar  cada  dia  soccorros  ,  e  traçan- 
do artiíicios  ,  para  que  tinha  conduzi- 
do 


<!o    en-enhcircs     de    diferentes   rarrefi 

A]ue  a  emulação  ,   e  premio    incitsva    a 

jnveniar   cousas  novas  ,    que   f:'Ziao  os 

nossos   mais  auertos    ao  peiigo  cccul- 

10  ,  que  20  descubeito. 

,        Porém    o  Govemndrr  ,    lego  quf  P«^/'^^ 

^espedio  seu  fiibo  D.  Fernando  ,rr.n   cooG^ 

(dou    pregoar   guerra  ,    a    tOj,o  ,  e  s.n 
^ue  contra  ElK^y     de   Carf.baya  ,    co   ^^^^^^^ 
no  petiuro  ,    e  quebr.nradcr    da  psz  ,  ^-^^j^^, 
<que     tinha     com    o    L stc do  ,     e    isto  ^^^ 
cem  insmimenios    militares  ,    e  solem- 
nidades    jegaes   ,    p^a  f^zer  públicas   , 
c  justificndas    as  cr.usas    de  huma  guer- 
fa   ,    que    tinha   sttento?    os    ju.zos    do 
Orieme    iodo.     E^creveo    aos    mor?do- 
fes   de  Paçaim  ,    Umbrando-lhes  ,    <-\^'Q 
como  mais  vezinhos   lhe  tocava  a  obri- 
gação de  soccorrer   a   Dio  ;  que   ab  ou- 
tras praças  acodiáo  ro   perigo   do  Fsta- 
do  .  fcl-es  ao  seu  prcprio  ,  fcis   as  bcrri- 
bsidas  ,    que   baiiáo    a   Dio  ,    abak.\áo 
CS   edifícios    de   Baçaim   •,    que  elle  se 
aprestava  }.ara  ir  dercercar   a  íf  rtaleza  , 
e   fazer  a  Ccmb^ya  as  ho^tili.  ades  pcs- 
siveJs  ,    porque   o   Estado  rtrca   frcra 
guerra    defensiva    aos  Reys  do  Orien- 
te  ;    oue  lhe.;    pedia  c-ive-^^sem   prcn  p- 
tos    para    o    rconp^nhar    cí  m   rr-\ios  , 
e  gente  ,    con  o    de   làc  hcrudv^í:   C  i'» 
dadáos,    c  ices  Fciiugi-eLes    i>e  dtvi^ 


I4i  Vida  de  DJo5o  dís  Castro; 

C'perar  ;  que  o  servi;o  de  crda  hunt 
ceixAva  em  seu  me9mo  arbítrio,  en- 
tendendo ,  cjue  qualquer  d'e}le5  ,  ^com 
â  fidelidade ,  e  amo/  de  seu  Rey ,  ex- 
cederia a  possibilidade. 

Na  mesma  forma  escreveo  a  todas 
as  praças  ,    de  que  podia   receber  soc- 
corros  ,    achando    os  animes    dispostos 
a    servir  ,    e    despender    as   fazendas  ; 
felicidade   ,    que    conraremos    por    sin- 
gular em  seu  governo  ,  como  em  dif< 
ferentes  suceessos   mostrará    a  Historias 
Empres-  Começou  a  dar  grande  calor  aos  apres- 
íhno  ciciemos    da  srm.ida  ,    e  achando    o  Estada 
peac  cos  pobre    para  tanras  despesas  .    pedio  aos  . 
merca-     mefc?dores    grandes  sommas   sobre  suâ 
dores,      verdade  ,    que    era    o   ouro  ,  e  diamatr- 
tes  ,    que    só  enthesourara  ;  prenda   soj- 
J3re  a  qual    os  homens    de  negocio  lhe 
offereciáo    tudo  :    e   nâo    sey    se   entre 
03  poderosos  correm  hoje  fazendas   d  es-  . 
Ke^^cn'"  ^^   '^^y  ^^  ^^^''^  estima.  Mandou   fpzer 
^Dcos"  ^'^^çoens   piiblicas   ,    e   secretas,  pedin- 
c<fmPre'  ^^.  ^  ^^^^  amparasse  a  c^usa  dos  Fieis  , 
ces  pú'    P^'s    era  sua  ,  liando   mais  dos  sacriíi- 
hiicfis.     cios  5  que    das  armas    Discorria    de  or- 
dinário  com    os   soldados    de  experien^ 
cia  sobre  as  cousas   de   Dio  ,  não'  se  in- 
clinando ao  voto  mais  authorisado ,  se 
nâo  ao  mais  experto. 

£m  Oio  náp  descansava©  as  armas. 

Foy 


L  I  V  IR  o    II.         143 

Foy  o  Capiúo  mór  avisado  ,  c]U2  no 
exercito  se  esperava  por  Kuma  grande 
cáfila  de  mantimentos  ,  que  se  haviío 
de  carregar  per  aquelia  Costa  de  Bai- 
sar  aré  Damáo  ■■,  o  <^ue  entendido  , 
despedio  o  Capitão  áo  mar  Jacome 
Leyte  com,  três  navios  ,  para  que  a 
fosse  esperar  até  a  Ilha  dos  Mortos  j 
o  qual  sahindo  de  noite  pela  barra 
fora  correndo  a  costa ,  na  qual  tomou 
inuit2.s  Cotias  ,  que  vinháo  ba^recer  o 
exercito  ,  passou  os  Mouros  á  espaça  , 
excepto  alguns  que  reservou  ,  para 
irazer  enforcados  nas  vergas  dos  na- 
vios 5  quí-.ndo  entrasse  a  barra  ;  o  que 
assi  se  fez  ,  dando  com  elles  ao  exer- 
cito huma  lastimosa  vista  ,  certifica- 
do mais  do  succísso  com  o  fogo  em 
que  vio  arder  as  Cotias  ;  os  maaii- 
nicntos  se  recolherão  na  for:aieza  , 
que  era  a  droga  mais  importante  pura 
o   tempo. 

Tinha  já  Coge  C^ofar  perdido  mui- 
ta ger^te  ,  sem  ver  na  fortaleza  ,  nem 
nos  ânimos  dos  cercados  quebra  ,  que 
lhe  desse  esperanças  de  ganhala  ;  oá 
nossos  passeaváo  no  muro  com  gal  is  > 
e  plumagens,  que  mcstraváo  o  gosto, 
ou  desprezo  da  guerra  que  sostmháo» 
Vendo  Coge  Qofar  qae  estávamos  se- 
nhores do    mar    com  tíQ  pequenas  tcr^ 


144   VíDA  DE  DJoAO  DE  CaSTRCT^ 

ças  ,  e  que  as  provisoens,  que  recebia: 
o  exercito  ,  vinháo  furtivas  ,  e   arrisca- 
das  ,  mmdou    sanir  huma  armada    da 
bar-*!  de  Su-rare  ,  a  qu,.l  enccnirou  treá 
emj.^r  aço^ns  nossas,  que  da  Bayaim  , 
e  CHaul  vinháo  p.ovcr  a  fortaleza  j  pe- 
lei mzj     os    Portugueze>     desesperada' 
mente  ;    mas    como  era  láo  desigual   Or 
p?der  ,  os  mai?  íicará.)  morros  vcndenrio- 
Táo  ben   as  vind  ;s  ,  que  náo  tiveráo  os 
Mouro-í  ,  que  festejar   na   presa  ,  ou   na 
victoria    O.  Fernando  de  Castro   pedio' 
ao    Capitão  m'r  licença    para'    sair    ao-' 
f  inimigo  em  al;;;uns  navios  do   soccorro  , 

que  lhe  n^o  dju   ,    por    entender  seria- 
dilií^.encia  perdida  ,  porque  o  inimigo  feZ 
a-]uel}a  sabida  furtada  e  se  recolbeo  logo. 
€  CapU  Tratou    D.    Joáo   Aíascarenhas   de 

tõo   He     avisar    por  terra  a   Sua  Alteza  do  esta-- 
"Diit  aví"  do    das  cousas  ,  para  o  que  se  lhe  ofte-" 
ja  por     receo    hum    Arménio    pratico    na    lin- 
icrra  a   a,|ti  ,  e   costumes   dos  Mouros  ;  o  qual 
Elll<;y.    jfespKbou    em    hum  Catur  ligeiro  ,  pa- 
ri que   o  lançasse  na  costa    de   Por  i  e' 
d-abi    em   trajes    de   Jogue    ( que   entre* 
eMes    be   babiro    religioso  ,    e   pobre  y 
se  passasse    ao  Cinde  ,    e   d  abi   a  Or*' 
muz  ,  com  cartas  ao  C^.pitáo.  Kste  fez> 
a   jonada    em  companhia    de   mercaao-** 
res    de   Ba  corá  ,  que  o  passaiáo  a   Ba-^ 
bilonia    pelo    rio  F-ufrates  ,    onde  bá^ 

vi* 


L  I  V  R  o    II.        145' 

via  de  esperar  as  c^.filas  ,  para  âtraves- 
Síf  os  desertos  da  Arsbia. 

Conrir.uava    Coge  Çofar    as  obras 
áa    forcincaçáo    com    náo    menos   peri- 
go    Que    trabalho  ,    e  com    porfia    tso 
barbara  ,  e  cruel ,  que  os  mesmos  cor- 
pos dos  gastadores ,  cjue  os  nossos  ma- 
laváo  ,    lhe  serviáo    ao  enlulho  ,  usan- 
do   táo    deshumana    disciplina   ,    qvAçÁ 
por  encobrir    o   dano   ,    que   começava 
já    a  ser    conhecido    no   exercito   ,   se 
bem     se    restaurava     com     quotidianos 
soccorroj  ,    que    por  horas  engrcssaváo 
o   campo,    M.-indou   Coge  Çofar  asses- 
tar nas  estancias    sessenta    peças    gros- 
sas ,  em  que  entr?.váo    Basiliscos ,  Sal- 
vagens  ,  Águias  ,  e  Camelos  ,  sem  ou- 
tra  artilharia    miúda  ,  de   que    era   ma- 
yor    o   número.    Aos    cinco   baluartes  , 
que    havia    levantado  ,    assegurou    com 
novos  muros  ,    ccbrinj®    os    gast.^.dc:ís 
com    paredes  torcidas     em   rantaá    vol- 
tas ,  que  os  náo  podia   pescar  a   nossa 
artillaria.    Com   este  artificio    chegarão  S'^ '•!.:>* 
os  Mouros  a   senhorear  a  :ca vaxi a   for-'-'^-'  <^^ 
taleza  ,    onde  assentarão  dezoito  Pâsí-  ir.lnugo* 
li?cos   ,    com    que    tirarão,  quinze   di?.3  *-'  ^'' '•'■'*• 
contínuos   ,    fazendo    na    fortaieza    tal. 
estrago  ,    que    os  nossos    ,    por.  nitlmd 
remédio,  se  reparavío  .com  suas.  mes-' 
mas  luinas  ,    tazendo   coatrarr;c£2>s.v"^«' 

re- 


146  VíDA  DE  DJoSo  DECASTROr 

reparos    das    pedras    derribadas. 

Tínhamos    já   perdido    oitenta   Ito* 
mens  ,  c  mais  de  cento  feridos ;  e  pe- 
la   estreiteza  ,    e    ruim    (]ualidade    do» 
mantimentos  ,    muitos    andaváo    enfer- 
mos»   As   muniçoens    em  grande  parte 
gastadas  ,    tinháo   reduzidos    os    nossos 
a   perigoso    estado  ;    o    que    entendida 
por    Coge    Çofar    de  slguns  escravos  , 
^ue  fugirão    da  fortaleza  ,  mandou  re- 
forçar as  batarias  ,    crendo  ,   que  náo 
poderíáo  durar  os  ânimos    em  táo  qus* 
bradas    forças  ;  e   logo  como   homem  ,> 
que  queria  partir  com  seu  Rey  os  mi- 
mos de  sua  fortuna  ,  avisou  ao  Sokáo  ,- 
que  estava  em   Champanel ,  que  se  vi- 
esse ao  campo  para  lhe  enrregar  a  for- 
^,  ^       taleza    com  o  primeiro  assalto.    Na  fé 
c  ,f-       d  esta   promessa    acodio    o  SoJtáo   com 
com  mui'  ^^^  "^"  ^^  cavalíô,  e  grão  parte  de  sua 
ta  ^'cntç,  Corte  ,  onde    foy   recebido  com  huma 
*         salva  Real  ,    á  volta  de  muitos  instru-- 
mentos  de  guerra  ,  e  de  alegria ;  conso-- 
nancia ,  que  os  nossos  ouviáo  ,  aos  ani-" 
mos  temerosa  ,  aos  ouvidos  barbara. 

Pareceo  aos  nossos ,  que  a  alegria- 
ào  campa  solemnizada  com  duplica-' 
das  salvas  ,  seria  no  recebimento  dos» 
Turcos  ,  que  esperaváo.  Logo  D,  Joáoi 
Mascarenhas  ordenou  a  Fernão  Car- 
valho -Capicáo  do  forte  do  már  ,  que: 
:.^  man- 


t,  I  ^^  K  o    II.       147 

manjasse  huma  âlmadia  a  tomar  lín- 
gua j  para  saber  os  passos  do  inimi- 
go ,  porque  as  espias  que  traz  a  no 
campo  ,  ou  se  haviáo  feito  dobres  , 
ou  eráo  descubertas  ;  o  que  se  fez  na 
mesma  noite  ,  trazendo-nos  hum  jMou- 
ro  ,  que  referio  a  vinda  d©  Soliáo  , 
as  promessas  de  Cogc  Çofac ,  e  con fi- 
anças da  empresa.  Mandou  ò  Capiíáo 
mór  solrar  o  Mouro  ,  e  que  dissesse 
a  ElRey  de  Cambaya  ,  que  lhe  pedia 
se  detivesse  no  exercito  ,  porque  es- 
perava ir-lhe  pagj.r  a  visita  a  seus  alo- 
jamentos. O  Mouro  se  foy  contente 
com  a  liberdade  ,  e  assombrada  com  a 
reposta  do  Capirío  mór.  Foy  o  Mou- 
IO  levado  ante  M.ihamui  i  e  referindo 
as  palavras  do  Capitão ,  lhe  disse  ,  que 
os  Portuguezes  tinháo  a  fortaleza  derri- 
bada ,  e  os  ânimos  inteiros. 
^  Coge  Qofar  mandou  ;continuar  a 
fcataria  ,  e  dizer  a  D.  João  Mascare- 
nhas por  Simão  Feyo  ( hum  prisio- 
nciro  nosço  ,  que  contra  as  leys  àx 
guerra  havia  represado )  que  se  espan- 
tava de  o  ver  encurralado  ,  sem  suhir 
a  peiejjar  ao  campo  ,  tomo  f^izia  o 
bom  Cavalleiro  António  da  Sylveira , 
que  mal  resj-ondiáo  as  obras  as  pala- 
vras ;  á  qual  mensagem  os  soldados 
CQia  pelouros  responderão  do  muro,  Cm^ 

íé  CO 


148  Vida  de  D: JÔao  de  Castro. 

CO   horas  durou   a  bataria  ,  fazendo  no 
ediíicio    já    aballado  ,    estrago    grande. 
Porém    as  nossas    peças    lhe  resporde- 
ráo  €om   rrayor  dano  ,  e   com   melhor 
fortuna  ,    porque  dentro    na   tenda    do 
Retira-   ^^^^^^  >  huma  baila  perdida  matou  hum 
se ,  c  fi-  J^íouro  5    com   cjuem    o   mesmo  Soltáo 
cajuzar'  ^stava   praticando ;  e  como  eites   Mou- 
cão  em    tos  Or iene: es  sáo  crédulos  em  agouros , 
seu  lu'    tomando    FlRey    o   cnso ,  como  aviso 
l^sr,        de  algum  m:.o   successo  ,    quiçá  ,    cu- 
brindo  com.   a   superstição  o  medo ,  fa- 
hio   logo  do   can-^po  deixando  a  juzar- 
cáo  ,    num  Abexim   valente  ,    que  nas 
guerras    do  Mogor  tirara    soldo  contra 
Soltáo  Mahamud  ,  e  agora  como  solda- 
do mercenário  ,  fora  chamado    com  al- 
gumas venragens   a  servir  nesra  guerra. 
Partido    ElRey    do   arrayal ,    mais 
■    bellicoso    na   paz  ,    que    no   confíicro  , 
retirando-se    na    mesma    Ilha    á  quinta 
de    Melinue  ,    dava    calor    aos    scccor- 
ros    ,    que   cada  dia   relorç^váo   o  cam- 
po  i    porém     Dom  Joáo  Mascarenhas , 
que  polo    fiperto    do  sírio  ,    não    tinha 
avisos   cerros    dos  desígnios    do  inimi- 
go ,  praticou  com  os    Fidalgos  ,  e  Ca- 
Accão      valleiros    quanro    importava    romar    ai- 
votavcl    g'^tna  língua.  Ouvio  e^ra  pratica   Diogo 
de  Díj'   3e  Anaya   Coutinho  ,   hum  Fidalgo  que 
go  de     vivia    do   soldo  ,  porém    com  espirite» 

Ana^a,  muy 


Livro    II.         149 

inuy  dignos  de  seu  sangue  ^  e5te  se  of- 
fereceo  ao  Capiráo  mòr  ,  e  lançado 
do  muro  por  huma  corda  ,  assegurr.do 
do  escuro  da  noite  ,  eacaminhou  aos 
quartéis  do  inimigo  ,  e  a  poucos  pas- 
sos vio  junto  a  si  cous  Mouros  ,  que 
estaváo  praticando  \  duvidou  de  os  ac- 
commetter  ,  porque  trazer  dous  náo  era 
possivel  5  peieiidr  com  elies  náo  con- 
vinha ;  porém  tomando  da  cccs^iáo 
conselho  ,  deiribou  com  hum  bote  de 
lança  a  hum  d'clles  ,  e  abraça ndo-se 
com  o  outro,  que  se  defendia  bradan- 
do ,  mordendo  ,  e  forcejando  ,  o  le- 
vou até  ás  portas  da  fortaleza  ,  on- 
de achou  o  corpo  de  guarda  ,  que  en- 
tre louvores  ,  e  envejdS  o  levarão  ao 
Capitão  mór  com  o  seu  prisioneiro. 
Referirey  agora  a  circunstancia  ,  poc 
ser  mayor  que  o  caso.  Levou  Diogo 
de  Anaya  prestado  hum  capacere  de 
hum  soldado  ,  e  vendo-se  na  ícita- 
leza  sem  eile  ,  crendo  ,  que  com  a 
luta  ,  e  bracejar  do  Mouro  o  perderia^ 
se  tornou  poia  mesma  corda  a  derri- 
bar dó  mur©  ,  e  buscando-o  á  visí<i 
de  hum  exercito  já  alteiado  ,  o  reco- 
Iheo  .  e  trouxe  ,  tam  temerário  ,  como 
ditoso. 

Foloâ   avisos  do  Mouro  ,   soube  o 
Capitão   niór  ,    que    Co^e    Çoíar   ,    e 
L  ii  Ju- 


i5'0  Vida  de  DJoXo  dè  Castpo, 

Jnzarcáo  ,  hum  valente  ,  e  ouiro  des- 
confiaciO  ,  fizerro  reciproíX)s  juramen- 
tos a  Matoma  úc  canhar  Dio ,  ou  aca- 
bar na  empresa  ,  ciizendo ,  que  se  nos 
náo  podiáo  soportar  amigos  ,  mal  nos 
poderiáo  sofrer  victcriosos.  Com  a  con- 
tinuação da  bataria  ,  lhe  rebentarão 
militas  peças,  em  lugar  das  cjuaes  en- 
cavalgaráo  outras,  batendo  furiosamen- 
te os  baluartes  S.  Joáo  ,  S.  Thomé ,  e 
Sanctiago ,  de  (]ue  eráo  Gapitaens  Dom 
Joáo  de  Almeyda  ,  Luiz.  de  Sousa  ,  e 
Gil  Coutinho  ,  ofi  quaes  sempre  com 
as  armas  vestidas ,  sobre  cilas  mesmas 
tomaváo  algum  breve  repouso ,  sempre 
constantes  no  perigo  ,  e  ao  trabalho 
promptos. 

O  baluarte  Sanctiago ,  como  mais 
fraco  ,  fez  mayores  ruinas  ,  e  já  nelle 
podiáo  os  Turcos  peleijar  quasi  iguaes 
nos  nossos ;  náo  ficou  na  fortaleza  pa- 
rapeito ,  nem  amea  ,  que  náo  fosse 
arrasada  ;  c  do  baluarte  S.  Joáo  ate 
o  de  Sanctiago  ,  todo  o  lanço  cif>  mu- 
ro estava  aberto  ,  com  que  ao  trabalho 
CO  dia  succedJa  o  da  noite  ,  sendo 
impossível  ,  e  forçoso  ráo  poucos  de- 
fensores ,  .com  táo  quebradas  forças  , 
reparar  em  poucas  horas  o  estrago  de 
huma  fortaleza  por  tantas  partes  rota  ; 
poicm    todos   conformes    sp   dispunháo 

âO 


Lii  V  R  o    II.        lyi 

ao  rrâbAlIio  ,  que  náo  podiáo  vencer  , 
nem  escusar.  , 

Acudirão  as  mulheres  da  fortaleza  /'^'* 

j    ,-        (Lis  mií- 
â    acarretar   os  maienaes   para    a  deren-  ,,         . 

sa  5  sob  indo  sem  remor  ao  muro  j  iro-  ^^.^^ 
pecando  em  lanças  ,  empadas  ,  e  pe- 
louros ,  vencendo  a  natureza  ,  e  o  se- 
xo  ,  como  se  rrouxeráo  coraçoens  va- 
ronis em  hábitos  alheyos  ;  raei  houve  ," 
que  vestindo  armas  ,  fizeráo  aos  ini- 
migos rosto  ,  correndo  da  aguliia  á 
lança  ,  do  entrado  á  muralha  j  entre 
rodas  mereceo  mayor  gloria  Isabel 
Fernandes  ,  a  quem  nossos  Escritores 
em  lugar  de  elogios  ,  que  hcnrasseni 
sua  memoria  ,  chamáo  à  Velha  de 
Dio  i  celebre  por  este  nome  nos  an- 
naes  ,  ou  memorias  do  Oriente.  Des- 
pendeo  parte  de  seus  bens  esta  grande 
matrona  eiii  mimos  ,  e   regalos  ,    com  , 

que  no  mais  vivo  do  conflicuo  ,  alen- 
tava aos  soldados  ,  exhortando-os  á  de- 
fensa ,  e  á  peleija  ,  com  razoens  mayo- 
les  ,  que  de  hum  espirito ,  c  -juizo  fe- 
minil. Em  fim  a  deligencia  d'estas  ma- 
tronas servia  de  alivio  no  trabalho  , 
nos  perigos  de  exemplo  ,  acodindo  a 
qualquer  obra  servil  ,  ou  arriscada  que 
fosse  ,  promptas ,  e  opportunas. 

Vendo  Coge  Qofar ,  que  tudo  quan- 
to suas  armas  arruinavío   de  dia,  nos- 
sa 


x$2  VidadeDJoXo  deCastíio. 

sâ  industria  rep?.rava  de  noite  ,  maqui-. 
nou  hnm  2rtiP.cio  mais  íu  ii  pela  tra- 
ça ,  Que  útii  pio  successo.  Defronte 
do  baluarre  S.  Thomé  ,  aue  pela  rr.a-f. 
teria  ,  e  disposição  do  sitio  estava 
mais  aberto  ,  deíerminou  levantar  ou- 
tro ,  que  lhe  ficasse  igu  d  ,  ou  emi^ 
neare  ,  para  que  bAtiJo  pe:o  alto  der-? 
libasse  as  ameas  ,  tolhendo  peleijar 
<>os  defensofeí?  ,  e  ainda  ds  noite  , 
poder  fazer  reparos  ,  ficando  as  peças 
para  aquella  parte  assestadas  de  dia  , 
çom  pontaria  certa.  Mandou  logo  rra-- 
zer  montes  de  terra  ,  e  rama  pára  en- 
tulhar a  cava  ,  fortalecendo  a  espla- 
nada com  troncos  de  arvores  grossas 
para  lhe  assegurar  o  terrapleno.  A 
quantidade  dos  g?.£tadores  ,  que  ser- 
viáo  o  campo  ,  era  cutro  novo  exer- 
cito ,  çom  que  a  obra  medrava  sem 
tempo  ,  e  sem  medid^.  Entretanto  a 
artelharia  do  nosso  baluarte  jogava  com 
d^no  do  inimigo  ,  porque  como  esta. 
peonagem  servia  amontoada  ,  e  descu- 
berta  ,  náo  se  tirava  da  fortaleza  liroi; 
algum  perdido.  - 

Reparou  Coge  Çofar  no  dano  , 
por  ser  gr^.nde  ,  ordenando  ,  que  na- 
obra  se  trabalhasse  de  noite ,  para  que 
rirando  os  nossos  com  pontaria  incerca  , 
f  yag-i  >  fosse   menor   o    effeico ,  man- 

dan- 


Livro     II.        15^ 

dando  fazer  mayor  rmdo  onde  se  obra- 
va menos  ,  a  hm  de  que  os  nossos 
arulheiros,  guiados  pelo  ouvido  ,  apon- 
tassem as  pfças  ao  tino  do  rumor  ,  e 
dos  eccos.  O  que  entendido  por  Dcm 
]oáo  Mascarenhas  ,  mandou  cobrir  de 
luminárias  a  .^rtaieza  ,  para  que  os 
pstadores  ,  qae  trabalhiváo  amparados 
do  escuro  dá  no' te  ,  fic.issem  expostos 
ao  mesmo  perigo  ,  í]ue  de  d:a.  Porém 
Co^e  CjOÍar  ,  que  tinns  pratica  apren- 
dida na  miíicia  de  Furopa  ,  na  andou 
fazer  estradas  torcidas  ,  e  encu Se rtas  , 
por  onde  continuaram  es  Mouro*  m?is 
seguros  a  elevação  do  forte  ,  gasundo 
21  noísa  artelharia  balias  inúteis  ,  e  per- 
didas. 

Deu  o  negocio  âo  Capitão  mór 
cuidado  5  porque  crescendo  aquelJa 
maquina  ,  náo  licava  na  fortaleza  lu- 
gar algum  seguro  ,  jogando  a  arte- 
lharia do  inimigo  a  cavadeiro  dos  nos- 
sos baluartes  ,  com  que  dos  cercado- 
tes  aos  cercados  ,  náo  havia  no  lugar 
ventagem  ,  ficando  os  Mouros  com  a 
do  número  tain  desigual  aos  nossos. 
Posto  o  ci-so  em  conselho ,  todo*  co- 
nheciáo  o  perigo  ,  e  nenhum  o  remé- 
dio- Alguns  com  mayor  ouzadia  ,  que 
prudência  ,  votaram  que  sahissem  os 
QQssos  ,    e  lhes   estorvassem    a  obra  a 


154   VlDÁ  DE  DJoXo  DE  CASTROí 

risco  descoberto  ,  sem  ver  que  era 
mayor  o  perigo  que  accommettiáo ,  que 
o  de  que  se  livfaváo.  Poucos  appro- 
varáo  este  conselho  ;  nenhum  sabia 
dar  outro.  Fizeráo  os  nossos  algumas 
sortidas,  porém  de  pouco  cífeito,  por- 
que o  inimigo  pv^deroso  ,  c  vigilan- 
te,  tinha  com  grossa  escolta  assegura- 
dos os  postos  aos  gastadores ;  mas  co- 
Rio  nos  apertos  grandes  costuma  o  pe- 
rigo ser  o  melhor  conselheiro  ,  lembrou- 
se  D.  João  Majcarenlias ,  que  na  for- 
taleza havia  huma  eminência  ,  que 
sobrelevava  o  forte  S.  Thomé  ,  por 
sima  do  qaal  podia  jc^ar  a  artelharia. 
Aqui  mandou  enravalgar  algumas  pe- 
ças ,  as  quaes  tirarão  com  táo  ditoso 
efteito  ,  que  em  poucos  ^dias  derriba- 
rão aquella  maquina ,  levantada  ,  e  caí- 
da com  o  sangue  dos  que  a  fabrica- 
rão. Porém  como  esta  Hydra  tinha 
tantas  cabeças  ,  emprendeo  Coge  Ço- 
ht  a  cava  com  as  mesmas  ruínas  i 
o  que  lhe  era  mais  facil ,  por  ser  obra 
que  não  havia  mister  medida  ,  dispor 
siçáo ,  ou  engenho. 

Começarão  deus  mil  piaens  a  co- 
brir a  cava  com  os  materiaes  do  forte. 
Entretanto  hum  grande  troço  do  exerci- 
to com  dardos  ,  settas  .  e  espingarda- 
ria i.Tipedia  os  nossos  assomarsc  ao 
*  mu- 


L  I  V  R  o     II.         ijy 

muro.  Cresceo  a  obra  ,  e  perigo  nos 
cercados  ,  porque  como  os  altos  da 
fortaleza  esraváo  desmantelados  ,  pou- 
co que  subisse  o  terrapleno  ,  ficava 
igual  ao  mnro.  Desveú.va-ô'-  o  Capi- 
tão mór  por  lhe  frustrar  o  intento  , 
e  vaciliando  nos  meyos  convenientes  , 
alguns  velhos  criados  na  fort.-.Ieza  , 
íhe  disseráo  ,  que  no  lugar  onde  esta- 
vão  ,  tinha  o  muro  hum  rostii;o ,  que 
o  discurso  dos  tempos  cubrira  com  ter- 
ra movediça  ,  e  que  por  aquella  parte 
sem  risco,  e  com  fácil  trabalho  se  po- 
dia furtar  e  entulho.  Pedia  a  necessi- 
dade execução  prompta  ;  mandou  ca- 
var o  Capitão  mór  ,  e  achou  o  posti- 
go aceommodâdo  a  seu  intento,  Sahiáo 
os  nossos  de  noite  ,  e  furtavão  o  en- 
tulho por  baixo  ,  deixando  a  superfí- 
cie vãa  ,  que  cobria  os  vazios  ,  sólidos 
na  apparencia  do  inimigo  ;  porcPi  co- 
rno aquella  terra  estava  no  ar  violen- 
tada ,  trouxea  seu  mesmo  peso  ao  cen- 
tro ,  caindo  todo  aquelle  vulto  fantásti- 
co á  vista  do  inimigo. 

Foy  logo  avisado    Coge  Çofar  da  ^fort'e 
industria  5  com  que  lhe  frustramos  i?.m  ^(^^^  Ço- 
custoso  trabalho    ,    e   ícudindo    aquella.^''''  ^c 
pane    ,     impaciente     na     contraposição  ^^'"^^ 
que  achava  a  todos  seus  desenhos  ,   sa-  ^^^^'^* 
nio    da  fortaleza  huma  balia  perdida, 


1^6  VidadeDJoXo  dsCastko, 

que  no  meyo  de  hum  esquadrão  de 
Turcos  ,  lhe  levou  a  cabeça.  Houve 
no  exercito  sentimento  público  pela  fal- 
ta de  tam  grande  soldado.  Viráo  os 
nossos  com  destemperadas  caixas ,  e  ar- 
rastadas bandeiras  dar  sepultura  ao  cor- 
po com  todo  o  funeral  militar ,  e  po- 
litico ,  que  ensinou  a  vaidade  da  guer* 
i^.  jurou  lo^o  seu  fiiho  Rumecáo  so- 
bre o  sangue  do  pay  tomar  justa  vin- 
gança !  que  entre  elies  a  dor  ,  e  ir^ 
lie  a  uíiima  piedade  ,  que  oíFerecem 
em  sacrifício  a  seus  defuntos. 
SucceJe-  Succedeo  Rumecão  ao  pay  no  ódio , 
Ihé  Rw  e  cargo  ,  continuando  a  guerra  com 
jnccão  a  obrigação  de  General  ,  e  sentimen- 
étu  fi.  to  de  lilho  ,  tno  em.penhado  pela  dor  , 
iho.  como  pelo  omcio.  Mandou  continuar 
por  seis  partes  o  entulho  da  cava  ,  sen- 
do por  Koras  soccorrido  o  cxerciíc  de 
gastadores  ,  basti  mentos  ,  muniçoens  , 
e  soldados  ,  crescendo  por  toda  a  par- 
le a  obra  que  Rumecáo  esforçava  , 
como  disposição  para  nos  dar  o  assal- 
to. Tratou  também  de  continuar  a 
maquina  ,  que  o  pay  começara  ,  con* 
trapcndo  hum  artificio  a  outro  ;  la- 
vrou seis  estradas  encubertas  ,  que  to- 
das hláo  a  parar  no  postigo  da  forta^ 
leza ,  por  onde  os  nossos  lhe  limpaváo 
o  entulho  \  estas    hião   fechar  sobre   a 

pon- 


Livro    II.        i$7 

ponte  de  madeira  ,  que  naqueUe  lu- 
gar tínhamos  levantado  para  o  mesmo 
intento  de  lhe  fintar  a  terra  ,  sobre 
gue  armaváo  a  macjuina  ,  que  temos 
referido  ;  e  sobre  a  ponte  lançarão 
pedras  ,  e  traves  ,  de  tamf-nha  gran- 
deza ,  que  a  fizeráo  encurvar  com.  o 
peso  j  e  logo  vir-se  a  terra  ,  não  sem 
dano  dos  servidores  ,  que  por  debaixo 
d'ella  andaváo  recolhendo  a  terra.  O 
que  visto  pelo  Capiíáo  m.òr  ,  mandou 
cerrar  o  postigo  ,  por  ficar  jj  esta  ser- 
ventia inútil  ,  e  evitar  alguma  súbita 
invasão  do  inim.igo  ,  o  qual  sem  estor- 
vo continuava  a  obra  ,  cm  cuanto  os 
nossos  vacillaváo  em  descobtir  algum 
engenho  ,  ou  força  ,  com  que  pudes- 
sem contrastar  fabrica  táo  danosa  ,  por- 
que os  Mouros  com  festas  ,  e  algazar- 
ras ,  mais  mosrraváo  gozar  já  da  vi- 
ctoria ,  que  esperala, 

A  estes  cuidados  succediáo  outros 
não  menos  pesados  ,  porque  já  náo 
havia  na  fortaleza  duzentos  homtns 
defensores  ,  huns  rendidos  do  trí^ba- 
lho  ,  outros  de  enfermidades  ,  e  fe- 
ridas ;  m?.is  necessitados  de  reparar  as 
forças  ,  que  de  oíFerecelas  a  segundo 
trabalho.  E  nos  soldados  ordmarios  já 
a  desconfiança  hia  abrindo  porta  ao 
temor,    Faltavâo  muniçoens  ,    e  hjan- 

ti' 


if8  Vida  de  D JoXo  de  Castro* 

tJmentos ;  os  mares  verdes  ,    o  inverno 
furioso  5  tiraváo  toda  a  esperança  de  soe- 
corro,  pois  nem  para  o  pedir ,  nem  pa- 
ra o  receber  era  o  tempo  opportuno. 
C  Vi^a-        Era  Vigário  da  fortaleza  Joáo  Coe- 
riú  Joiío  lho  ^    Quc  sobre   as  virtudes    do  Sacer- 
Coclho     docío  ,    linhri   resolução    para  empren- 
v<jy  ao    der  qualquer  jusro  perigo.  Este  se  oire- 
Gcvai-    receo    ao  Capitão  mor    (a  quem    era 
nader.     singularmente    aceito)    para,  a  despei- 
to   dos  temporaes   ,    tentar    os  mares  , 
e  aportando    em  Baçaim  ,    ou  Chaui , 
significar  aos  Capitaens  ,    'com   certeza 
de  vista  ,  o  estado  das  cousas  ;  e  dahi 
avisar    ao  Governador    por  correyes   de 
terra  ,   prometendo    na    fé    do    habito 
voltar  a   Dio   com  a   primeira   reposta  , 
como  fiei  companheiro    da   fortuna    de 
lodos.    O    Capitão    lhe    manaou    logo 
escjuipar    hum    Catur    com    doze    Ma- 
rinheiros 5    onde  o  deixaremos    lutan- 
do com    as  ondas  ,    até    darmos    razão 
do  successo  5  que  teve  viagem  tão  ani' 
mesa ,  e  pia. 

Os  Mouros  trabalhaváo  por  força 
no  entulho  da  cava  ,  mas  Rumecáo 
cruel  ,  e  imperioso  os  mandava  mor- 
rer ,  ou  aturar  no  trabalho  ,  de  que 
recebião  por  premio  ,  na  mesma  obra  , 
miserável  sepulchro.  Em  fim  chegarão 
a  igualar  a  cava  i  e  pelo   baluarte    de 

Gil 


Livro    II.         15^9 

Gil  Coutinho  9  que  se  não  podia  cn- 
iulh?.r  ,  atravessarão  grandes  rtiastos 
cem  tciboas  pregadas  ,  que  lhes  scr- 
viáo  de  ponte  ,  para  picar  o  muro ,  o 
que  se  lhes  náo  pode  defender  com 
a  artelharia  ,  por  trabalharem  cubertos. 
Ordenou  Jogo  D.  Joáo  Mascare- 
nhas humas  cadèas  gros^sas  ,  que  do 
riuro  alcançassem  a  ponte  ,  das  quaes 
pendiáo  muitas  sacas  de  gunes  envol- 
tas em  pólvora  ,  salitre  ,  e  outros  ma- 
teriaes  fáceis  ao  fogo  ,  as  quaes  lan- 
çadas 5  atearão  na  ponte  com  tal  bra- 
veza ,  que  logo  a  desfizeráo.  Acudio 
Kumecão  a  sustentar  a  obra  com  novo 
rrisdeiraraento  ,  e  mayor  copia  de  ser- 
vidores ,  e  soldados  ,  huns  que  «ssis- 
tiáo  á  defensa  ,  outros  ao  traúilho  ,  a 
que  os  nossos  se  oppuzeráo ,  dandc-Ihes 
tniudas  cargas  de  arrelharla  ,  e  espin» 
gardaria  ,  de  que  o  inimigo  recebeo 
grande  dano  j  mas  insistia  Rumecáo  na 
obra  tam  porfíadamente  ,  que  por  sima 
dos  mortoá  fazia  sobir  outros  ,  que  in- 
da  que  violenuidos  ,  vencia©  o  perigo 
com  a  obediência.  Chegou  em  fim 
por  mevo  de  tão  custoso  trabalho  a  «  -i 
igualar  a  cava. 

Conhecendo  pois  Rumecao  o  estado  iig^sos 
cm   que    nos    achávamos    poios    poucos  oferece 
ilcfensorôs    que  occupaváo    c$   postos  ,  Kunic- 

nos    CM0, 


1 6o  Vida  de  DJcÂo  de  Castro. 

nos  quiz  tentar  os  ânimos  ,  crendo  , 
que  em  táo  perigoso  c.raJo  nos  ensi- 
naria a  razão  ,  e  a  riatnreza  ,  a  náo 
engeitâr  as  vidas*  Cerr:.da  a  noite  , 
ouvirão  os  do  baiuirte  òV.nctiago  bra- 
dar pela  vi^ia  ,  em  lingua  Poffjgus- 
sa  ,  djzendo  ,  que  era  ^'imáó  Feyo  , 
<^.ie  t]ueria  fallar  ao  Capitão  mór  em 
negocio  importante.  Foy  logo  avisa- 
do Dom  Joio  Maicireníias  ,  e  pc^ndoJ 
se  com  o  soldr.do  a  fidli  ,  elle  lhe  dis- 
se ,  que  era  :S^mío  Feyo  ,  que  vinha 
mandado  por  Rumecáo  ,  que  aíiei- 
çoado  ao  valor  de  táo  grandes  sol- 
dados. ,  lhes  queria  poupar  as  vidas, 
que  agora  desesperadamente  deFendi- 
áo  j  que  bem  via  a  fortaleza  arruma- 
da toda  -,  a  mayor  parte  dos  defenso- 
íes  enfermos  ,  ou  fendòs  ,  sem  espe- 
rança alguma  de  soccorro  ,  faltos  de 
mi:jniçoen3  ,  e  mantimentos  ;  que  náo 
quizessem  perecer  obstinados  ,  arèandj 
com  a  temeridade  dos  fracos  o  muito 
que  tínhamos  obrado  ;  que  nos  ren- 
dêssemos ,  porque  para  gloria  sua  de- 
sejava conservar  vivos  táo  valerosos 
inimigos  ;  que  nos  faria  todos  os  par- 
tidos honrados  ,  deixandc-nos  com  á 
liberdade  as  fazendas  ,  e  os  navios  par 
Tà  nossa  passagem  i  o  que  náo  aceitan- 
do passaríamos  peias  leys   da  guerra 


9 

e 


Livro    IT.        i6i 

e  pelas  licenças  cjue  dava  nos  estra- 
gos a  ira  ,  e  a  victoria.  D.  Joáo  Mas-  Reposta 
c.irenhas  lhe  re^-pondeo  ,  oue  a  forta»  «^  ^"P^' 
leza  onde  esrsvão  Portuguezes  ,  náo  '^^  "^^''' 
havia  mister  muros  ,  c]ue  no  campo 
raso  a  ceter.deriáo  ao  poder  do  Mun- 
do ;  que  esta  verdade  conheceria  no 
primeiro  assalto  i  que  tratasse  de  pedií 
í-.o  Solcáo  mais  gente  ,  e  melhores 
soldados ;  que  os  Fortuguezes  dííspre- 
iaváo  victonas  tão  peciíenas  j  que  as 
rui  nas  da  fortaleza  esperava  reparar 
com  cabeças  de  Turcos  ;  que  se  lhe 
fahaísem  mantimenxos  ,  ao  seu  arrayal 
os  iria  buscar  como  despojos  ;  que  em 
quanco  seus  soldados  linháo  armas  , 
náo  lhes  podia  faltar  nada  entre  seus 
inimij.os  ;  que  a  boa  passagem  que 
lhes  oíferecia  ,  esperava  fazer  cedo  com 
a  espada  na  mão  por  meyo  de  seus  es* 
quadroens  armiados  ;  e  a  elle  oimáo 
Feyo  dizia  ,  que  ainda  que  repetia  for- 
çado palavras  alheas  ,  náo  tornasse  com 
segunda  mensagem  ^  porque  o  manda- 
ria   espingardear  do  muro* 

Vendo  pcvs  Rumecáo  ,  que  dos  pe-  ^^s/^Jf^ 
rigos  ,    trab.ilho^  ,    e   fomes  ,  nos  ser-  ^^  ^'i""^- 
vÍ3mos    como    de    alimentos,  injuriado  f*^  "/''i* 
no  desprezo  d'e«ta   reposta   ,    de^ermi     '-^f'^^* 
nou   dar  o   primeiro   assalto.    Anirírre-*^*^"' 
ceo  aos  nossos  hum  temeroso  dia  ,  que 

fuy 


102  Vida  DE  DJoSo  DE  Castro. 

foy  aos  dezanove  de  Julho  doeste  an- 
DO  de  mii  quinhentos  quíicenra  e  seis  ; 
cm  roda  da  fortaleza  rppareceo  o  ex- 
ercito inimigo.  Juzarcáo  com  mil  e 
quinhentos  soldados  escolhidos  accom- 
metteo  o  baluarte  S.  João  ,  de  que 
era  Capitão  Luiz  d-j  Sousa  ,  acompa- 
nhado de  D.  Fernando  de  Castro  ,  5'e- 
bastiáo  de  Sá  ,  Diogo  de  Reynoso, 
Pêro  Lopez  de  Sousa  ,  Diogo  da  Syl- 
va  5  António  da  Cunha  ,  e  de  outros 
Fidalgos  ,  e  soldados  ,  que  náo  passa- 
váo  de  trinta.  Estes  esperarão  o  pri- 
meiro iqipeto  do  inimigo  com  tanta 
gentileza  ,  que  rebaterão  os  primei- 
ros oitenta  que  subirão  ,  mostrando  o 
dano  que  receberão  nas  vozes  ,  rio 
sangue  ,  e  nã  caída.  Logo  lhe  succe- 
derâm  outros  ,  fazendo-lhes  a  subida 
mais  facii  os  corpos  dos  que  cahiráa 
mortos.  ]uzarcáo  os  inflammava  com 
a  honra  ,  com  o  premio  ,  com  a  vin- 
gança. Os  ares  feridos  de  instrumen- 
tos de  fogo  ,  e  de  vozes  humanas,  ía- 
ziáo  nas  paredes  da  fortaleza  huma  im- 
pressão medonha.  A  bataria  continuava 
nos  outros  baluartes  ;  em  S.  Joáo  ,  e 
S.  Thomé  o  assalto  j  porque  fossem 
mais    fáceis    de    render  força»  ,   sobre 

Z  c  cteS.  fe:]uenas  ,  divididas. 

Thomé,  Runiecão  com  os  Turcos  assaltou 

o 


Livro     IT.         165 

o  baliiarte  .S,  Tliomé  ,  de  (]L!e  crãô 
C:pitaert5  í>om  João  de  .^Injeyda  ,  e 
C-ii  Courinho  9  e  como  geníe  peio 
v-c-or  escolhida  .  pe]^  nação  snberba  , 
arremeterão  tam  fi:riosQs  ,  oue  pelas 
Lnç.?s  dos  ncs^os  inrenravso  subir  atra* 
víssados,  buscando  pela  morre  a  victo- 
nn,  Elics  tinháo  a  vantagem  do  nu- 
mero i  a  do  lugar  os  nossos  j  e  os  que 
tinháo  cavalgado  o  muro  ,  ou  haviáo 
d?  enrrâf  victoriosos  ,  ou  morrer  es- 
trepe idos  ,  porque  lhes  era  mais  pe- 
rigosa a  retirada  ,  que  a  peleija.  O 
inimigo  serTipre  com  nova  gente  re- 
forçava o  assai :o  ,  os  nossos  valendc-5e 
de  humas  mesmas  forças  ,  se  rfiosCra- 
váo  'superiores  a03  primeiros  ,  ?§uaes 
aos  últimos.  As  mulheres  acudi.ío  com 
armas  ,  e  panelas  de  pólvora  ,  vestin- 
do os  espiruos  do  tempo  ,  n5m  os  da 
natureza.  Algumas  com  regalos  ,  e  be- 
fcidas  alenta váo  aos  soldados  ,  e  náo 
podendo  mostrar  esforço  próprio  .  ser- 
viáo  ao  alheyo.  Taes  houve  ,  que  com 
exhortaçoens  os  animava  o  ,  merecedo- 
ns  de  forças  varonis  em  coraçoens  ta- 
manhos ;  mas  nos  feitos  desie  cerco 
contaremos  os  seus  peios  mais  raros  , 
senáo  pelos  mjyorea,  \^ia-se  hum 
monte  de  corpos  mortos  aos  pcá  dos 
baluartes  ,  huns  desan^^rados  do  íerro  , 
M  e 


164  Vida  de  DJoÃo  de  Castro. 

e  curros  abrazados  do  fogo.  Alguns 
agonizando  entre  a  ira  ,  e  a  dor  , 
pediáo  vingança  j  e  tal  vez  os  (]ue  hiáo 
a  satiáíizelos  ,  acabaváo  primeiro.  Em 
fim  os  nossos  este  dia  fizeráo  cousas 
maravilhosas  ,  mais  fáceis  de  ajuizar 
pelo  successo  ,  do  que  pela  escritura  ; 
porque  sempre  no  particularizar  acci- 
denres  ,  he  a  verdade  incerta  ;  mormen- 
te nos  acontecimentos  de  guerra  ,  onde 
a  ira  ,  ou  o  temor  ,  e  outros  affectos , 
arrebatío  o  juizo  de  maneira ,  que  ape- 
nas poderia  cada  hum  ser  Chronisra 
fiel  de  suas  mesmas  obras. 
Resls'  ^'    F^'"s"do    ^2   Castro    mostrou 

tenda  ^^^^  ^^^  esforço  igual  a  seu  sangue  , 
dos  rioi'  niayoí  que  seus  annos.  Sebastião  de 
Sa  nos  deixou  de  seu  valor  numa  cla- 
ra memoria  ,  até  que  atravessado  de 
huma  serca  ervada  por  hum  joelho  , 
cahio  quasi  mortal  ;  e  não  podendo 
sustentar  a  peleiía  ,  náo  q^jeria  deixa- 
la.  Foy  em  Hm  retirado  dos  companhei- 
ros com  lastima  ,  e  enve  a  ,  deixando 
já  nos  inimigos  seu  sangue  bem  vin- 
gado. Todos  em  fim  obrarão  tão  va- 
lerosaraente  ,  que  este  só  dia  bastava 
para  os  fazer  soldados.  Depois  de  duas 
horas  de  pelei ja  ,  parecia  que  come- 
çaváo  o  assalto  ,  obrando  Rumecáo, 
como    quem    queria     acabar    a    guerra 

eni 


SOÍ» 


Livro     IÍ.         165- 

em  hum  só  dia  \  rr.anccu  peleijar  as 
nações  dividíd;is;  ou  para  que  a  emula- 
çso  as  incitasse  ,  ou  por  conservar  me- 
lhor a  obediência  ,  c  e  le  ir.andanio  , 
e  pelei jando  ,  com  a  voz  ,  e  com  o 
ex-emplo  os  obrigava  ^  e  náo  sa  farran- 
do  do  sangue  ,  que  via  derramado  , 
louvava  os  ouzados  ,  'afrontava  os  re- 
missos ,  mostrando  entre  o  hsrror^dcis 
armas  ,  cólera  com  acordo.  O.  jo5o 
Wascarenhss  se  m.Oitrou  náo  só  Capi- 
tão ,  mas  ainda  companheiro  de  to- 
dos nos  mayores  perigos  ,  peleijando , 
e  governando  táo  sj.biamente  ,  que 
náo  ficou  devendo  nada  ao  valer  ,  me- 
nos  á   disciplina. 

Vendo   Rum^ecáo    os   muito?  mor   Rclra-- 
tos,  que  csíavlo    em  torno  dos  bailar- -«'/^^  ""' 
tes  j  e  que  os  seus  acodiáo  ja  com  obe-  "''^^' 
diencia  rnsis   remissa  ,  mandou    iccar  a  ^^^''^  •'^'" 
recolher  j  retirando  com  pressa  os  mor-  ^"" 
tos  ,  e  feridos ,  comO  pc^ra  cobrir  ;:os  seus 
o  dano  ,  aos  nossos   a  victciia  j  rorcíri 
d'"elles   mesmos  scubemios  ,  que    perde- 
rão quinhentos    soldados    neste  assrho , 
muitos  mais  os  feridos  ;  dos  nossos  mcr- 
reo    hum    só  soldado  ,    os    ftndos    fo- 
ráo    m*enos     de    vince.      Nesta    díspro- 
pofy-áo    se  vé  ,  que   náo  se  rdc<inçou  a 
vice  orla     só    com    fcrçjs   hum?  nai   ,    e 
Deos    defendia    a    c  usa    como    sua  , 
M  11  Swn- 


i66  ViDA  D»  DJoXo  DE  Câjtro. 

sendo  de  seu  poder  nossas  armas  fe- 
lices  ii-iítruiTentos  ;  de  que  ainda  ncs 
mostrará  a  Histeria  argumentos  màyo- 
res. 

Recolhido  o  inimigo  ,  chamou  o 
Capitão  niór  os  nossos  a  segundo  tra- 
balho;  o  qnal  lhes  fez  mais  íacil ,  ou 
a  necessidade  5  ou  a  victoria.  Era  pre- 
ciso reparar  as  rain^s  da  fortaleza  ; 
sendo  as  pedras  ,  e  o  barro  os  leites 
moies  5  em  que  os  nossos  haviáo  de 
resraufír  as  forçíis  já  táo  quebradas  i 
acodiráo  todos  fáceis  ,  e  alegres  ao 
serviço  .  a  que  o  Capitão  mòr  os  obri- 
gava com  seu  próprio  exemplo  ,  ven- 
cendo ,  depois  dos  inimigos  ,  a  mes- 
ma nraureza.  Amanheceo  a  fortaleza 
em  parte  reparada  ,  respirando  ;os  nossos 
no  trabalho  ,  como  em  novo  descan- 
so ,  não  lhes  fazendo  o  peso  dí*s  ar- 
mas dííK-rença  da  noite  ao  dia.  Fi- 
cou o  inimigo  táo  cortado  deste  as- 
salto ,  que  se  não  atrcveo  em  muitos 
dias  vir  com  os  nossos  a  braços  ;  fa- 
zendo-o  a  experiência  mais  cauro  j  cu 
temeroso  Tentava  a  fortaleza  por  m.o- 
mentos  com  algumas  arremetidas  le- 
ves para  quebraniar  os  nossos  com 
rebates  coniinuos  ,  e  notar  a  dispo- 
sição dos  ânimos  no  occupar  êos  pos- 
tos ;    não     cessava    porem    a   bataria  , 

in- 


Livro    IL        i6j 

intentincío  enfraquecemos  com  hum  len- 
to assedio  ;  mas  como  cada  dia  engros- 
sava o  caTjpo  com  diversos  soccorros , 
c  o  Solráo  si^^niticava  o  empenho  em 
que  estava  nesta  guerra  .  resolveo  Ru- 
mecáo  d  ir  segundo  assalto  a  forta- 
leza. 

Considerando  porem   ò  dano  ,  ^ue  Kecorre 
havia     recebido  ,    peleijanjo     com    táo /-/-^.t- 
superiores  forças  ,  entendeo    (ixít  o   es-  ^^^o  ^ 
trago  dos  seus   devia  ter  c^íusss   mayo- ■^"/•'^'*^»'' 
r^s  5  para  o  que  convinha  F.pL-íc.r  o  Pro-  ^^'^^* 
I  -eta.    Ordenou    logo  ,    que  se  tirasse      ^ 
^.imâ    bandeira  com    a    figura    de  JMa- 
ÍMTia  ,  e  com   ella  desse  o  exercito  di- 
versas   voltas    em    torno    da  Mesquita , 
e   com   outras    expiaçocns    barbaras  ,  e 
ridicuias   ,    tivessem    â  Mafamede  apla- 
cado ,    e    propicio  ,    cii-a    ira    r€r:irdava 
:.03  seus    a    victoria.    Fernão    Carvalho 
Ccipitáo  do  baluarte   do   rrr.r  ,  vio   dis- 
correr aquelía  noire  o  exercito  com  gr:.o 
copia   de   luzes  ,  ouvindo    a   tempo   as 
vezes  ,    e  cianiores  ,  que  logo  p.T:iváo 
em   súbito   silencio  ,    e  torn^vão    a   re- 
benrar   em    huns   gemidos   de  muhidáo 
ccnfuss  ,    siiccedendo    aos  ais  ,    e  a!^- 
i"idos  insrrumentos    de  guerr.i  ;    e  nesta 
supersticio.^a    vaida.ie  occuparáo   muitas 
heras    da   noite.     Deu    a   Fernáo    Car- 
valho   cuidado    a    novidade  ,    de     que 

nao 


i68  Vida  DE  D.JoÂo  DE  Castro. 

náo  pode  fazer  juizo.  Avisou  com  tu- 
do a  D.  Joáo  iMascarenhas  do  que 
vira ;  que  entendeo  senão  disposiçoens- 
para  o  asfalto  ,  a^udaJas  dtí  algum  bár- 
baro culto,  ou  supersticioso  rito  ,  com 
qne  entendiáo  conciliar  a  indignação 
de  seu   f^.lso  PropHsta. 

Apsrccbeo-se  o  Capitáo  mór  para 
esperar  esta  segunda  invasão  co  inimi- 
go ,  achando  a  rodos  es  soldados  espi- 
riros  sáos  em  forças  táo  quebr^dns  ;  os 
feridos  ,  e  eníermos  deseaipsraváo  os 
leitos  ,  e  os  remédios  ;  mais  promp- 
tos  a  buscar  o  perigo  ,  que  a  sauie. 
Outro  ^*  ^^'^^  jMascsrenhas  obrava  ,  e  dis- 
ossaho.  pu^^-^  ^3  cousas  necessarias  á  defen- 
sa com  valor  ,  e  juizo.  Amanheceo 
o  inimigo  sobre  a  fortaJeza  ( ainda 
n"'al  declarada  a  luz  do  dia  )  com  vo- 
zes ,  e  alaridos  medonhos  ,  enire  cel- 
licos  instrumentos  ,  que  fazia  mais  te- 
merosos o  silencio  da  noite.  \''inha  o 
exerciro  dividido  em  três  esquadras  ; 
traziáo  diante  ,  entre  ourras  ,  hum»a 
bandeira  ,  em  que  estava  figurado  o . 
seu  Propheta  ,  para  que  03  incitasse 
»»j"5tamenre  a  Religião  ,  e  a  Regalia.. 
Ao  meímo  tempo  asScilraráo  os  baluar-, 
tes  S  joáo  ,  e  S.  Thomé,  e  a  guarita, 
de  António  Peçanha  ,  com  tanta  íu- 
riâ  ,  cuc   ihes    náo  deiícava  vei  ,    netii 

le- 


Livro     II.         169 

temer  o  perigo  ,  porém  fcrao  recebi- 
dos dos  nossos  de  maneira  ,  que  volta- 
rão mais  depressa  do  que  haviáo  svibi- 
do  ,  caindo  muitos  morres  ,  os  mais 
feridos  ^  e  outros  abrazados  do  fogo. 
Ouviáo-se  as  vozes  de  Juzarcáo  ,  e  Ru- 
mecáo  ,  que  incitaváo  a  curros  a  escahr 
os  baluartes.  Estes  subirão  de  refresco  , 
favorecidos  da  escopetaria  do  exerci- 
to 5  innumeraveis  settas  ,  e  ouiros  ti- 
ros missivas.  Aqui  se  areou  cem  gráo 
calor  o  assalto  ,  instprdo  es  Turcos 
pí^r  restííurar  a  opinião  perdida  ,  pe- 
Icii^-^váo  estimulados  da  íuria  ,  ou  da 
vergonha  ,  pornando  a  sobir  por  en- 
tre o  ferro  ,  e  fogo  ,  como  homens  qua 
cstimaváo  a  vida  menos  que  a  vicco- 
ria  ;  s^^si  chegarão  a  igualar-se  com  os 
nos. 05  ,  peleijando  corpo  a  corpo  sobre 
o   baluarte. 

Luiz  de  Souza  ,  D=  Fernando  de 
Castro  5  com  os  Fidaigos  ,  e  soldados 
de  sua  companhia  ,  derão  este  dia  no- 
vo credito  à  nossas  armas  ,  obrando 
de  maneira  ,  que  Kumecâo  03  nomea- 
va aos  seus  ,  humas  vezes  para  exem- 
plo 5  e  outras  para  in  r.ria.  Os  Tur- 
co«;  rinháo  por  momjcníos  soccorros 
successivos  -,  os  nossos  sempre  os  mes- 
mos ,  tão  valentes  se  mosiraváo  aos 
últimos  3   como   aos  primeiros.    Fcrviji 

a 


Enfrõo 
Tnrc.^s 

te    S, 


170  Vida  DE  D  JoXo  DE  Castro. 

fl  guerra  em  todos  os  lugares.  Dos 
inimiííos  erio  ja  muitos  mortos  ,  ou 
estropeado9  ;  porém  o  furor  ,  e  a  ira  , 
ou  encobriáo  ,  ou  desprezaváo  o  dano  ; 
porque  sobre  o  ccrpo  ci'ãqueííe  cue 
cihia  ,  estribava  outro  o  pé  para  arro- 
jar a  i^nçâ  ,  011  peleijar  mais  firme , 
inventando  o  ardor  ,  e  â  impaciência 
(id  víctorii  ,  novas  finezas  ,  ou  cruel- 
dades novAs. 

Entrarão  em  fim  o  baluirte  S^ 
Thomc  ,  que  sustentarão  por  iium  es- 
p;iço  lari^o  ,  caindo  huns  ,  e  succe- 
deiido-lhes  outros.  Aqui  íoy  grande  a 
TJicíué,  ^^f Ji  <^^  inimigo  ,  e  também  o  estrago. 
Os  três  irm-TrOS  ,  D.  J020  ,  D.  Francis- 
co ,  e  D.  Pedro  de  Almeyda  ,  se  mos- 
trarão t30  irmãos  no  valor  ,  como  no 
s;»ngue  ,  sustentando  o  peso  de  tan- 
tos iaimi^os  o  tempo  (^ue  durou  o  as- 
salto. 

0>  Turcos  do  terço  de  Rumecáo 
p^leijav^o  com  o;  nossos  corpo  a  cor- 
po ,  iguaes  ifo  sírio  ,  no  número  mayo- 
res  ,  o  p-ri^.;o  accresceníou  o  cúotro.  Dos 
one  entriráo  o  brtluarre  ,  poucos  bai- 
xr.ráo  vivos  ,  mas  como  tmhJio  já  esta 
porca  paM  a  victoria  aberta  ,  a  rodo  ri>- 
co  qiieri^.o  suste^^.tala.  Rumecáo,  como 
Cite  era  o  primeiro  favcr  que  lhe  derío 
as  armr^s  nesra  gue'.ra  ,  com   Icuvore^  , 

c 


\ 

L  I  V  n  o    II.        171 

ç  promessas  acendia  o  orgulho  dos  Tur- 
cos Entre  03  nossos  se  derramou  huma 
voz  ,  que  o  baluarre  era  ganhado  j  e 
e:ta  fama  ,  ou  íosse  ardil,  ou  caso  9 
padera  perder  a  fort^tlezi  ,  porque  os 
que  nas  outras  estancias  peleijaváo  , 
cLiasi  tinháo  desemparado  os  postos 
por  soccorrer  o  baluarte  ,  ane  íiavião 
perd'do  ;  principalmente  os  que  guar- 
daváo  as  casas  da  banJa  à\  rocha, 
acodiráo  com  tanto  iirípeto  ao  soccor- 
ro  ,  que  se  aliviarão  cm  \^'^.n^  os  com- 
p?.nhei=-os  ,  que  do  trabalho  ,  e  feri- 
das .  lirJiáo  já  as  forças  iassas  ,  e  que- 
bradas. 

D.    João  Mascarenhas     andou   pe- 
las estancias  certificando  a  todos  ,  que 
est.^.va   por  nós    o  baluarre  ,  e  do  valor 
ccin    que  nclie    se  pelei ;ava  ;  que   l\u- 
niecáo    estava    vendo    no  destroço   dos 
se'Já  ,    que    banhados     em    sangue    3e 
p-ecipitavâo    do    muro    ,    acabando    de 
perecer  na  queda.   Durava  o  assalto  ;   c  r^,,,^^,, 
com     as    morres  ,    e    feridas  ,    p?rece  ,  ç-^  ^,,^ 
que  cresciáo    em   hnn5  ,    e  outros   mi-  ^,^s!e  ,i 
migos    as  força?  ,    e  a  braveza  :  o  que  cpamça. 
ccni^icjerando     jnznrcáo    ,     crendo     que 
os     poucos    defensores    ,    que    tinha    a 
fortciieza  ,  estariáo    nos   baluartes    esca- 
lados ,  s?.indo  do  conBicto  ,  se  fcy  cera 
aij^uns    soldados    torneando   o  muro  ,  e 

che- 


f 

172    VíDA  DE  D.JoXo  DE  CaSTBO, 

checando  áquelia  parre  da  fortaleza  , 
qne  chamáo  a  Couraça  ,  a  qual  a  na- 
tureza ^]2era  defensnvel  ,  sem  arte  , 
pela  altura  ,  e  asperez?.  do  rochedo  , 
em  cjue  o  mar  bana  ,  e  vendo  que 
esrava  deserta  ,  sem  presidio  ;  cu  vi- 
gia ,  entendeo  ,  que  a  qualidade  do 
sitio  nos  tinha  assegurados  ;  e  man- 
dando chamar  hum  Sangiaco  de  cem 
Turcos  ,  e  prevenir  escadas  ,  come- 
çarão .a  sobir  por  a^uella  p?.rre  sem 
(]ue  fossem  vistos  ,  nem  resistidos  .  por- 
que os  soldados  que  cstaváo  alli  de 
guarda  ,  com  a  nova  do  baluarte  S. 
Thomc  ser  perdido  desamparando  o 
posto  ,  que  guardaváo  com  mais  va- 
lor ,  qus  disciplina  ,  se  furão  a  soccor- 
relo. 

Subirão  os  Tu'Cos  ousadamente  a 
rocha  5  e  foráo  demandar  humas  cas.i;  , 
que  eõtaváo  encostad;ís  á  Igreja  de 
Sanctiago  ,  e  da  vão  pa.íSO  a  huma 
varanda  baixa  ,  em  que  logo  arvora- 
rio  escadas  p<ra  subirem  outros  i  e 
Juzarcáo  de  fora  os  animava  ,  crendo 
que  havia  roubado  a  Runiecáo  a  hon- 
ra ,  e  a  victoria.  Ganharão  os  Tur- 
pelas  quaes  foráo  des- 
cendo a  fortaleza  ,  e  hum  mais  arre- 
Poitu-  ^^^0  5  ou  diligente  entrou  em  casa  de 
guiza.      huTiia  Diuliíer  casada  ,    pedindc-lhe  di- 

nhei- 


Vnl 


Livro    IT.         17? 

nheiro    com  seguro   c!a  vida  ',    a  pobre 
iia   mulHer    cercada    do  temor   mostrou 
c-iesahia   a  buscalo   ,    e    cnrrando    na 
cV.a     de    outra    vezinha   ,    lhe    contou 
drsmaynda   o   perigo    em   que  esraváo  ; 
e  er.a    com    o  sobresalto    da  nova  deu 
£vi'0    a  outta   ;    a  qual    com    acordo  , 
e  forças  de  varão  ,  tomou  huma   chuça 
e  indo  -a   demandar  a  ca^a   em  que  os 
Turcos  estaváo  ,  vio  Ivum  d'eiles   a  por- 
ta ,  como    vigi^^ndo    o    que   passava  fo- 
ra  ,  e  remetendo  a  elle ,  tjrando-lhe  al- 
guns botes    de  chnça   ,    o  fez  recolher 
denrro,  licando-Ihe  o  ju/zo  táo  livre  no 
perÍ50  ,  que    teve  acordo   para  cerrar  a 
porca  ,  e  ;.nimo  para    esperar    os    i  ur- 
C03  ,  e  impedir-lhes    a    sabida  ;    di;^na 
per  certo  ,  que   entre    os   varoens  mais 
claros  ficasse  sua  memoria, 

A s  mulheres,  que  vivião  para  aquel- 

la  parte  ,    assombrad2s    de  hu'n  temor 
tam  justo   foráo  em  demanda  do  Capi- 
tão mor  gritando  :  Turcos  na  tcrtaleza  ; 
o  qual   acharão  com  três  soldados  cor- 
rendo os  baluarres   ,   e  ouvindo  as  vo- 
Z'=s   das    mul>ieres   ,  nam   menos    açor-  Jcocíe  o 
dado  .   que  animoso  ,  mandou  ,  que   se  Capitãa 
cailassem  ,  ievando-as  ccmsi^^o  por  guia  '"«r. 
à  casa  onr^e  esraváo  os  Turcos  i  e  des- 
pedindo hum  soldavio  dos  que  o  acom- 
ranhaváo  ,  lhe  mandou    que  tirasse  al- 
i  gu- 


174  VíDADEajoXoDECASWo, 

g-unia  gente  dos   bMuarres  ,  oue  menos 
aperrasse  o   inimigo ,  cdl^So  o    peri-o 
d^i  .or^leza   aos  que  peleiíaváoj  e  lo?o 
despeufo    omro  soldado  ,  para   que  Jíie 
trouxesse  a  gence  que  achasse  derrama- 
cia  por  fou  d,s  estmchs.   No  caminfio 
se  l.ie  ajuntou  André-  Bayfo    com   cu- 
tro  C3mpanhejro  j    e  chegando    á  ca -a 
onde  esraváo    o.  Turcos  ,    vio  ,cpelU 
nu  her      cue  os  rinh,  encerrados,  de- 
fendendo-ihes     a    sahf^a     com    esfcrço 
mai.  que  varonil;  falt.ndo-lhe  na  vida 
premio,  nesra  Historia  nome. 

D.    Jg.3;,    A^ascrenhas   ,    havendo 
por    pre.a.>m    da    vicroria   ,    achar    em 
hun^a    mulher  valor    rào    novo  ,    saben- 
ào  d  ella  ,  qne  estaváo    os  Turcus    en- 
cerrados  na  casa,  mandou  a  hum  Ahe- 
^^m    ,    que   .caso  alli  appareccra  ,    que 
ihe  trouxesse  huma  panda  de  polvor^ 
_e  porque    se    despachava    lentamente   ' 
ihe    travou     de    hum     br.ço    a    tempo 
S^e    aoe;rado    da   igreja,  onde   já  es^ 
t3v.o  -aignns   Turco.  ,    .ahio  hum  pe- 

oo  .0^  cap/rao  de  escudo.  Chegou  Jo- 
go^  num  soldado  com  huma  paneJa  de 
pólvora  ,  e  tar..ando-Iha  das  máos 
i^.  Jo:o  Mascarenhas  ,  lançando  de 
^^'^  va.vs^ii  as  poua.  dentro  ,  a  que- 
t.ou    eatr;:    os   Turcos  ,    onde    o  fogo 

abra- 


Litro     II.         1-^5' 

íbrazou  os  majs  de  lies  ,  sem  lhe  to- 
c?.rem  .  muitcs  pelouros ,  que  de  den- 
tro tinráo  com  pcnti^ria  ceita  ;  o  que 
a  muitos  pareceo  fortuna  ,  a  outros 
mysrerio  ;  e  mostíando-se  este  dia  igu» 
íí'menre  Ca^;iráo  ,  que  soldado  ,  cu- 
berro  de  huma  rodeia  com  a  espada 
ra  máo  j  envestio  os  Turcos  cem  ."^.íiis 
quatro  que  o  acompanhariío  ,  e  á  ior- 
çà  de  cutiiad-^iS  os  levou  cté  á  varan- 
da ,  onde  os  aperrou  tanto  ,  que  os 
íez  precipitar  da  rccha  cem  igual  pe- 
rigo ao  de  que  fuc,iáo  ,  porque  os 
irais  d'elles  mortes  ,  ou  estropeados  , 
perecerão  na   queda. 

Aqui     foy    D.    Jc?.o    MsiSCàx^nh:,s  Sobem 
r^isado  ,  que  sobre  o  eirado    da  ígrejci  Turcos 
te  viáo  muitcs  Turcos  com  deus  guio- c  J^íí>, 
ei«s  arvorados  ,  os  quaes  do  sIlo  ccme- 
ç:;váo   a  escopeiear    os  nossos  ,  que  já 
vinháo    chegando.    Foy   aqui   grande   o 
perigo  ,  porque   como  tudo"  erso   frmas 
c'j  fogo  ,   obrava   menos   o  valor  ,  cue 
a  contingência.  Cs   nossos  eráo  menos 
de   sessenta  ,  os   Turcos   mais  de  ceni. 
E  vendo    D.  Joóo  Mascarenhas  "5    que  K.^y  0 
em   qu.into    aque!!es    sustenraváo    o   lu   CSpi::iô 
gar  ,  crescLáo  outros  ,  mr.ndou  qvie   lhe  '-^''  a 
trouxessem     escadas  ,    ordenando  o  ca- ^^•*''^« 
so ,  e  a  necessidade  ,  que  na   sua  mes- 
ma  íoitaleza    desse  elle  o  assalte»    Kn- 

cos- 


176  VíDA  DE  D.JoSo  Díi  Castro. 

cosraráo  os  nossos  ao  muro  huir.3  pc- 
í^uena  escada  ,  e  o  prirí:-eiro  soldado  , 
que  se  lançou  a  ella  ,  voltou  logo  dtr- 
ribado  de  muitas  lançadas  que  o-^  Tur- 
cos lhe  der?.©.  Checarão  logo  esc  d  s 
mais  capazes  ,  e  arrim.idc.s  ao  rriurn  ; 
querendo  o  Capitio  mor  sub  r  pri- 
meiro ,  lhe  fizeráo  os  soldados  jr..-ta 
força  para  que  nâm  passasse.  Accom- 
metteráo  os  nossos  a  subida  pelas  pa- 
re.ks  do  /*po';toio  Sanaiago  ,  cuja  a 
Igreja  era  ,  assegurando-lhes  o  lugar 
a  victorja.  O  sitio  fazia  des^gud  a 
peleiia  ;  huns  firnries  ,  outros  depen- 
durados quebrarão  duás  escadas  ,  por- 
que encre  os  nossos  a  competência  ,  e 
o  ardor  de  qual  havia  de  subir  p  i- 
m.eiro  ,  era  outra  nova  guerra.  O 
Capitão  mor  com  as  palavras  ,  e  com 
o  exemplo  animava  os  soldados  ,  mais 
por  oíFiCio  ,  que  por  necessidade,  i^n- 
dava  a  briga  muy  travada  ;  dos  nos- 
sos alguns  cahiráo  mortos  ,  nenhum 
se  rerirou  fendo.  Nos  que  esraváo  de- 
baixo^ a  impaciência  de  não  ter  iu^ar 
para  subir,  causava  mayor  dor  ,  que 
as  feridas  que  viáo  receber  aos  com.- 
panheiros  ,  porque  ainda  «n  táo  pro- 
lixo 3  e  perigoso  cerco  os  náo  farta- 
va a  guerra.  Cortaváo-se  huns  aos  ou- 
tros com   estranha   crueZvi. 


Livro     IÍ.        177 

Juzarcáo  animava  ,  e  soccorria  os  £  rett' 
seus  com  nova  gente  9  assi  encheo  bre  rão-sc, 
vcmenre  de  soldados  o  lugar  donde 
pelííijava  ,  (]ue  era  o  eirado  ,  011  ibo- 
beda  da  Igreja.  Em  fim  os  nossos  a 
preço  de  seu  sangue  cavalgarão  o  mu- 
ro ,  depois  de  portiada  conrenda  ,  mos- 
trando a  diiferença  do  v^Ior  i>a  desi- 
gualdade do  lugar  ,  e  do  número.  Três 
horas  largas  durou  a  briga ,  na  qual  os 
poucos  cjue  nelia  se  acharão  ,  obrarão 
de  maneira  ,  cic  merecia  só  esta  fac- 
ção parricuíar  Historia  ,  porem  nem  ain- 
da os  nomes  lhes  achamos  escritos  ,  ha- 
vendo merecido  com  seu  sangue  mais 
distincra  memoria.  Foráo  mortos  c]uasi 
todos  os  Turcos  ,  huns  na  (]ueda  ,  ou- 
tros na  resistência  ;  e  sempre  seriáo 
os  mielhores  os  que  merecerão  ser  es- 
colhidos para   facção   tam  grande. 

O  Capicáo  mór  entendendo  ,  que 
nos  baluartes  inda  durava  o  assalto  , 
levou  os  conipanheiros  a  descansar  em 
segundo  perigo  ;  e  visitando  as  estan- 
cias achou  03  nossos  tam  em»penha- 
dos  na  resistência  ,  que  parecia  ,  de- 
pois de  quatro  horas  ,  começar  o  as- 
salto. Ao  pé  dos  baluartes  estaváo  t.-n- 
ío^  mcrtos  ,  que  lhes  fá-tava  a  terra  , 
cujos  corpos  facilitaváo  a  subida  do 
muio.    Rumecáo  de  íóra  animava  ,  ou 

ÍC- 


173  VíDA  deDJoXo  DF:  Castro. 

rep;en:iia  aos  seus,  segundo  o  brio, 
Gu  íraqueza  com  que  se  combarrâo ,  in- 
cirsndo-os  com  prémios ,  ou  castigos, 
nlostfando  em  rodas  as  ílcçoens  d 'este 
cerco  vaior  ,  e  disciplina.  Dom  jo::0 
Mascarenhas  náo  descançava  ,  orde- 
nando ,  e  provendo  o  necessário  em* 
todas  as  esr.incias  ,  de  sorte  ,  que  em 
nenhum  perigo  o  achavão  os  compa» 
nlifiiros  menos.  Neste  dia  ,  Qiie  foy 
do  Aposrolo  Sancrip.go  ,  parece  que 
nos  quiz  mostrar  o  Santo  ,  que  era  a 
vicroria  sua  ,  náo  menos  poderoso  con«r 
tra  Mouros  agora  na  Ásia  ,  que  antes 
na  Hespanha. 
Morte  Durava  a   briga   de   huma    e  outra* 

de  Ju'  P^rte  cruel  ,  e  teTierosa  ,  e  juzarcâo 
zarcão»  com  a  dor  viva  de  náo  effeituat  a  e* 
Câlâ  da  fortaleza  ,  que  lhe  foy  tão  cus- 
tosa ,  vinha  com  os  soidados  de  si:a 
obediência  dar  calor  ao  asfalto  ,  porém 
de  hum  pelouro  da  fortaleza  ,  que  lhe 
deu  pelos  peitos  ,  cahio  atravessado  ,  e 
morto.  &  como  era  pessoa  de  tanta  con- 
ta pelo  valor ,  e  po>to  que  occupava , 
foy  logo  a  nova  derramada  pelo  exer- 
cito ,  e  checando  nos  ouvidos  de  Ru- 
mecáo  ,  a  rccebeo  com  grande  se^-ti- 
mento  ,  cu  toose  temor  ,  on  piedade  : 
mandou  loí^o  tocar  a  recolher  .  e  re- 
tirar   o  corpo    ue   Juzarcáo  ',  perda  qu» 

se 


Livro     IL        if^ 

se  não   pode   encobrir    aos  seus   ,    oue 
como   fo^se  sobre  outras  muitas  ,  aiui-' 
z?.váo  ,    que  já  a  vicroriá    náo  valia  o 
Gue    tinha  custado  j    e   quando, l^em  a 
alcançassem  ,  quem   havia  de  ficar  que' 
lograsse  o  triumpho  ?  Que  bem  se  mos-"- 
trava  o  Prophcta  estar  contra   elies   rnV 
dignado  ,    pois    sofria    ver   sua  bandei- 
ra ignominiosamente    roca  ;    e   a  estas 
consideraçoens   juntaváo  outras  ,    accu- 
sar.do  a  fortuna  do  General  ,  e  as  cau- 
s:^.s  da  guerra  ,    avaliando  como  culpas 
25  desgraças  presences.    Rumecáo  cura- 
va estas  deiconíianças  com   vários  arti- 
fícios ,    cubrindo   a  perda  dos  seus  ,  e 
encarecendo  a  nossa  ;  pondo-Ihes   dian- 
te dos  olhos    as  mercês    do  Solráo  ,  e 
afama,  como  parte  melhor  do  premio 
que  esperaváo.  Em  este   assalto  perde*  £  ^^ 
liios    sete  soldados   ,    e  feridos  trinta ;  „iuitos    í 
áos   Mouros  passou    de    mil  o  número  Tufcjs^ 
dos  mortos  ,  e  foráo  perto  de  douâ  mil 
0S  feridos. 

■  D.  ]oáo  Mascarenhas  ,  depois  àt'~o  Copl^ 
dfden?.r  o  enterro  dos  morío^  ,  e  cu  túo  nu,^ 
h  dos  feridos  ,  em  que  não  faUou  cjm  avisa  o 
o  cuidado  ,  e  menos  com  a  fazenJa  ,  Gov, 
<jue  despendeo  sem  conca ,  avisou  por  '^**^-' 
bum  Catur  ao  Governador  do  estado 
das  ccuíias  ,  significando-lhe  a  faltá: 
que  tinha  de  gente  ,  munir:ocns  ,  c 
X  min- 


iSo-  Vi  DA  DE  DJoXo  detCastroí 

mantimentos.  Nesta  fusta  ,  ou  Caíur 
$e  embarcou  Sebsstiáo  de  Sá  a  rogo 
do  Capitão  móc ,  e  amigos  ,  dizendo 
elle,(]ue  só  no  baluarte  onde  fora  feri- 
do ,  podia  ter  saúde  ,  a  qual  lhe  âeic- 
javáo  poupar  todos  ,  porque  naquelle 
cerco  merecerão  suas  obras  fama  ,  e 
vida  muito  mais  dilatada.  Chegou  a 
Baçaim  com  a  fusta  quasi  soçobrada  , 
accdindo  ao  receber  ,  e  hospedar  D. 
Jeronymo  de  Menezes  Capitão  da  for- 
taleza 5  enviando  logo  ao  Governador 
as  cartas  com  cj  avisos  de  D.  ]oáo 
Mascarenhas. 
Cuida-  Andava    nesre  tempo   D.  João    de 

des  do     Castro    muy    cuidadoso    dos    suecessor 
Gõver-    de  Dk)  ,  porque    os   tcmporaes    do  in- 
7i/íí/í>rjé»- verno    lhe  impediáo  rcr  novas,  e  des-, 
bre  soe  pachar  soccorros  j   porém  sem  perdoar 
€orrcr     a   dôspeza   ,    ou  perigo  ,  qu-asi    por  de- 
^'<''        baixo  dos  mares  ,  lhe  acodjo  com  mu- 
niçoens  ,  e  gente  ,    nos  mayores  aper- 
tos  ,    como  logo  mostrará    a    Historia, 
.  Tinha    aballado    todo    o   poder    da  In» 
dia  com  animo   de  ir  em  pessoa  a  des* 
cercar   Dio  ,  e  parece  cjue  os  successos 
lhe  respcndiáo   ao   intento  ,    porque  os 
Reys    da  índia  lhe  faziáo  muy  honra- 
das offertas  ;  e   os   Fidalgos  ,    e  solda- 
dos j  sem  soldo  ,  cu  mercê ,  se  lhe  of- 
íereciáo. 

Ne$-  • 


Livro    II.         i8i 

Neste  tempo  ,  que  era  já  na  entea- 
da do  mez  de  julho  ,  chegou  á   barra 
de  Goa  a  náo  Espirito  Santo  ,  Capitão 
Diogo  Rebello  ,    a  qual    era   da  con- 
serva    do    Governador  ,     e    por   roim 
riavegaçáo     havia    ixivemado    em    Me- 
Jinde  ;    e    ainda    que   chegou   com     al- 
guma gente  enfernía  ,  os  ares  da  terra  , 
o  cuidado    do  Governador   ,  e  o   alvo- 
roço da  jornada   de  Dio  ,  lhes    fez  em 
breve    reparar    a  saúde.    Alegrou-se  D. 
Joáo    de    Castro     com    táo    opporcuno 
soccorro   para   engrossar  a  armada  ;  po-  Cfiega- 
rcm   tarda váo  novas    -da    fortaleza  j  cue  lhe  "o 
o  povo    interpretava    como   indicio    de  «vZ/o  í/o 
algum    mso   succes«:o_,;    quando   cHet',.'»- ^''g^^r/é», 
ráo    as  cartas   enviadas    peio    Vigano , 
das    quaes    o  Govern^or    entendeo    o 
aperto  do  ^irio  ,  a?  forças  do   inimigo  , 
a   falta  em  que    os  nossos    escaváo   de 
gente,  e  bastimentos  •  e  como  o  tem- 
po  pedia   mais   conclusão  ,    que   conse- 
lho ,  assentou  consigo  enviar  a  sen   fi- 
lho   D.  Álvaro    de    Castro    com    hum 
troço    da  armada   contra   o  p::recer  dos 
mareantes  ,    que   haviáo    por  temfrario 
este  accommeitin^ento   no  principio    do  ,, 
inverno.  Porém  D.  João  de  Castro  sem      ^^'"^f 
deÍKar-se    vencer    do    amor    do    fdho/jH-j^' 
nem    dos  medos   do  tempo   ,    resolveo  ^41-,-,'^ 
enviar    o   soccorro^;    o    que    enten  JiJo  J^,,,"i^,. 

^'  ii  pe-     corro. 


iíl  ViuA'DEf)JoXo  DE  Castro. 

tóbs   sòláiáo?  í'^ie  ;Fid3lgoá  ,    se  lhe 
ííerâo    ofí^rarèt  s    í^'^^a  -aquelles-,  4iie 
belos  annòs'  ,  e  aurhòriJatie  ja  estavao 
p  ,^:      f-cu^os.    tnire  esies  foy  D.  Francisco 
,ncL  .  aé  iVieneze.í   ,    que    depois    de   occupat 
P.Fran-  grandes    posios  ,    se   oífercc^o'  ao  soe- 
.ii..^.    corro    com  praça    de  soldado;    o  Cio* 
Menezes  yQinàdoí    O   leveis  nos  braços  ,    pedm- 
com  í^rcao-lne    se  guardasse  para  passar  na  ar- 
navios,     mâda    ein  sua  companhia  ;  mas  vendo 
que    estava   resoluto  a  ir  neste   soccor- 
ro  ,  lhe  dcvi  oCte  navios  ,  para  que  com 
elies  tentasí.e   o  |olíáo  ,  com    os  quaes 
pircio    D.  Francftco    com   muitos    sol- 
"  ::daddrde  brio,,  é  al-ans  parentes  seus, 
''    **  ^'  '  amigos  de  ganhar  honra  ,  -^,ue  o  acom- 
panharão, j^'  .       r-»      Al 
p    rt    T>                D'-^^'     ^    "^^    ^^^^    P^""^'^     ^'  ^^* 

^/vL  *  TO,  reconciliado  lá  cem  o  pay  da  que,. 

...,„  de^  xa  de  enviar  seu  irmao  D.  Fernando 
primeiro  ,  como  se  ihe  toca.sem  por 
herança  os  primeiros  peri^o:^.  Neste 
soccorro  se  emb.rcou  jrao  parte  da 
nobreza  ,  a  quem  o  P.osto  da  empre- 
za  ,  e  O  d.í  conipanha  áo  General, 
fazia  desprezar  o^  Turcos  ,  e  as  tor- 
mcniAs.  O  Gov-rv-dor  lhe  iançou  a 
benção  ,  e  o  enb.ircou  com  -grande 
saudade  do  povo  ,  entregando  os  h- 
lhos  oola  pátria  ,  de  quem  se  mostrou 
íT.ais  'amoroso  pay  , ,  que  de  ^cu  mes> 

xno 


80 


->?ít?aL'L  I  V  r  o    II.  i7  ^§i 
mo  sáíígúe.    Depoii  de.   o  Govarnador   ^^^  ^^ 
(lar  ao  íilho  algumas  insimccoens  .secre-  ■    viv^Al 
las. ,  lhe  Oídeno.u  ,  .ç]ue,  estivesse  íi  obe-  ?■,} 

drene  ia  Je  D.  João   MascarerJi^^s  y,,sem 
erabargo   ■dQ,,,o   eximir  o  pasia,;e,   a^ 
si   lho   escrsveo  3    porque    foy  sempre 
D.  Joáo   de  .  Çaácro .  justo   estimador  de  Capita- 
viitudes   aiheas. .  EráOj  dezanove   os   nsi- ens  çue 
vios    da  arruada.,    cujos   C^piíc.ens    ío- com  ellc 
íáo    D.  Jorge    ck,  Mer.e«íe^  ,    IX  Du-  hiãc, 
arte    de   Meriezes  '.f^iiip.. dQ,;CQP,dc    da 
Feira  j'ijnjz  de  A-Jeilq;  d^.  Mendoça  , 
e  Jorge    tie  Mendpça   seu   iimáo  ,    D. 
Anronio   de,  Attayde   ,    Garcia    Rodrir 
gnez    de    Távora    ,    Lo',10    de    Sousa  , 
Nwno  Pereira    de  Lacerda  ,    Athanasio 
Freire  ,  Fero    de   Actayde   Inferno,  D. 
joáo   de   A  trayde  ,    Baltiiasar  da  Sylva  , 
,0,    Duarte  Deça  ,    António    de    Sá   , 
Belchior     Monis  ,    Lopo   Vaz    Couti- 
íího  ,  Francisco  Tavajre-i  ,    e;  Francisco 
Guilherme.  ^     ._   .  -^,.1^,,^  \ 

^,';     Logo  que  o  Governador ^dfspachçu  ^pre^fes 
esta   armada,    jicou    aprestando  ^,.^a   em '"'  <^"- 
.<|Me  derermin:.vp.  passar  ,  [>usc:;nd9   br|s-  '^•''^'^^' 
:iimentos    ,    e  dinheiro   ,    pedido  sobre  '^<"*' 
•sua    verdade  ,  que    çra  rSÓ    p  thesouro  , 
rf^iàQ   conservou    na   L^din  ,  com  que  se 
|ez    senhor    dos  corpçucns  ,  e  fazendas 
de  rodos    ;    o    ouc   cenihcpr^mos    cem 
OS  exemplos  y  como   argumentos   vivoo. 

:.  As 


184  VioadeDJoXodsCastbo. 

Js  ma-  As    donas,  e  donzellas  de  Chaul  ^ 

Iheres  de  movidas  de  hum  mesmo  espirito ,  jua- 
Chactlof-  taráo  todas  as   joyas  com  que  se  ador<í 
fcrecem    naváo  ,    de  ouro  ,  e  pedraria  ,    e  com 
f"^^         liberalidade  ^  mayor  <]ue   de  muiheres  , 
joyas,       25    enviarão    aó  Governador,  sem   pre- 
ceder obrigação   ,    ou  rogo  ,  significan* 
do-lhe    que   de  seus   próprios  filhos  ,  e 
mnridos    tinhão    menos    saudades  ,  que 
inveja  ,  pois  o  acompanhaváo  ;  náo  le- 
mos nos  Annaes  dos  Césares  acção  mais 
generosa  das   matronas   de  Roma.   -': '' 
Oferta  Acaso    se  achava    em  Goa   huraa 

e  cjvta    dona  de  Chaul  ,  chamada  Carharina  de 
de  hfí!t3í7  Sousa ,  quando  chegou    o   presente  ,  e 
Dona.     juntando  em  huma  boceta  todas  as  joyas 
que  tinha   ,    as  enviou    ao  Governador 
com  esta  carta  :   „  Senhor  ,    eu  soube 
5,  como  as  mulheres   de    Chaul  tinhão 
35  offereci do   a    V.    Senhoria    as    suas 
,,  joyas   para  a  guerra.    Ainda  que  eu 
5,  me  achasse  em  Goa  ,  náo  quiz  per- 
,5  der  a   parte  da  honra  ,  que  me  d'âhi 
3,  cabe.  Por  Catharina  minha  filha  man. 
3,  do.  as  minhas  joyas  a  V.  S.  Náo  jul- 
,,  gue  ,  em  quam   poucas  são,  as  que 
„  pode  haver  em  Chiiui  ,    porque  lhe 
3,  certifico  ,  que    eu   sou  a  que  menos 
,,  tenho  ,    porque    as    tenho    repartido 
5,  por  minhas  filhas,  E  crèa  V.  S,  que 
j,  só  das  joyas  de  Chaul,  pode  fazer 

5>  a 


^rsAJL  I  V  R  o    ih    '  i8^ 

jjá^^gtiWrá    dez   anncs   rém"    sé  acab.v 
5,  rem  de  gastar.   E  a  mtrcè  <]ue  peço 
.3  a  V.  S.  fie,  gastar  logo  c; ta j  minhas 
3.^- na  Má    do   Senhor   D.   Alvarp  ;  por- 
'jV^gue  eu  espero    em    Nossa  Senhora'', 
^y  (]ue    haja    élle'  tananhas    victorias  , 
j,  aué  se  escuse'  a  ida  ,   e  trabalhos  á 
3,  V.  S.    Isto    peço    em    minhas    ora- 
3,  çoens  ,  e  assi   que  'acrescente  a  vid> 
^i,  a  V:  S.  e  o  deixe  ir  a  Portugal  dian- 
J,  te  áos  olhos  da  senhora  sua  mulher  3 
3V  é*  filhas^.    Escrita  em  Gca  tias  casas 
'j>  de' Dona   Pvlaria  minha   filha  ,    hoje 
3,  onze  de  junho.   Minha  filha   Cat!ia- 
y,  fina  empenhátey  ,  se  fcr  necessário, 
^3,  para  o  serviço  de  V.  "S.   ,,'Náò  sey 
se  do  amor    da  pátria  ,  se  da   benevo- 
volencia  db'  CiOvemador  ,  nasciáo   estes 
■Jésrremos.  Vimos  igur.es  necessidades  na 
índia  ,  m;is    nâo  -jgunes   finezas  ,  como 
nos  dias   de   D.  joáo  de  Castro.   Mui- 
tos   Fidalgos  que  "ncí: barão    ce  ser  Ge- 
beraes",   e  os  velhos  arrimados  nos  bor- 
dqens   se  'vmháo    orfí^recer    para  solda- 
3os ;  porque  náo  havia  corpo,  que   po- 
la  auihoridade ,  ou  poios  annos  pareces.- 
se  pesado. 

Despedido  hum  ,  e  outro  soccor- 
ro  ,  ficou  o  Governador  juntando  cres- 
to do  poder  ,  dispondo  o  governo  da 
Cidade  em  sua  ausência  ,  e  sem.pre  com 

huni 


j86  Vida  osPJaXa  DE  Castro. 

hum  bra.ço  na  paz  ,  e.  outro  na~  S"^''; 
ra  ,  't^cf^s.as  occurrencias  do  'Estagio  o 
iacíiavÁo  prese^nte.  E  porque  de  niuni- 
çoenx\  ,e  mantimentos  havia  na  forta; 
leza  falta  ,  al,em  dos  j^ue  ja  tinha  en- 
viado ,  carregou  ,  Kura  ;círaveiáo  gran- 
de ,  (|ue  por  ser  embarcação  pesada, 
'podia  mal  sçTrer'  os  mare^.  Alguns 
|oldaJo.>  lha  j^rijíihâo.  engeitado  ,  parè- 
cc^do-lhes  risca,  serâ;  gloíia  5  lutar  com 
o%  elementos,,  mas  pola  impcrtancia 
do  negocio  ^ese.i^va  ;:enrregar  a  çara- 
reia  a  pessoa^  decpnt^a  ,  a  quem  a  Hon- 
j-a  fizesse  o  rperigo  .R)ais  facil.  Com- 
municou  .est^  negocio .  com  Manoel 
de  Sousa  de.^Sepui veda  ,  Fidalgo,  que 
pelo  valer  ,  e  juizo  lhe  era  muito 
<jíieiio  ji^estc  lhe  disse  ,  que  António 
'Moniz  Barreto  tinha  brio  j^  c  indus- 
rria  .paça^-cv)l>sps  maiores  ;  que  ainda 
que  tiiahâ  d-elle  Governador  alguma  le- 
ve. queixa  ,  seria  para  náo  pedir  ,  ma? 
náo  p.ra.  engeitar  o  serviço  Real  em 
oçcasiáo  tão  árdua  •,  que  elle  p  tenta- 
ria e  da  respluçáo  traria  reposta.  As- 
si  foy  ^  q?3e .  eíTitendido  por  AntoniO 
Moniz  o  gosto  do  Governador  ,  e 
que  Xhe  dava-  hi^nia  viai^em  engeltad^ 
Jnionlc  de  aí^iins  só  p..r  d.íRculrosa  ,  a  acer 
M^iiz  tou  pron.ptamente.  Do  successo  -,  e  pe* 
flceiía  ,v. figos  que  teve,  diremos  a  seu  tempo» 
fl  Dio.       ,  Com 


L  ry  R  o    Ilè'  •    1^7 

;         Com  a  vigilância    do   Gcvernador  v 

.Jiaviáo     entrado     na     fortaleza     alguns 
SQCCorros  ,    com   <]ue   o  perigo  ,  e  tra-  ^ 

balho    carregaváo    sobre    forças    mayo-       .    lV 
ires  ,    bem    ^ue    não  tinháo   proporçáo 
jcqm    as    do  inimigo ,  porcjue   o  ultimo 
fsoccorro,  que  chegou  ao  exejeito  ,  er^ 
.^è  treze   mil   infantes,  conduzidos  por 
outro  jLizarcáo  ,  não  menor  no   vâlor  ,  Vem  ou* 
ptm  melhor  na  fortuna  ,  que  o  primeiro,  troju-,^ 
l*"ste  trouxe  apertadis  ordens  do  Soltáo  tarcáo^a^^ 
para  estreitar  o  cerco  ,  escrevendo  a  Ru-  covti- 
.mecáo ,  que  náo  era   possível.,  que  vi- ""'^'*  *  . 
essem  quatro  miseráveis  do  fim  do  mun-  '^'^'"^^' 
cio  fazer  aos  Principes  Je  Cambaya  in- 
jiirias^m   sua  mesma   casai  que   mor- 
j:e>sem    todos    na  empresa,  porque  an- 
xcs  queria    hum   Império    deserto  ,  que 
jBOJeitQ  j   que  pois  nas  ruinas  da  forra- 
Jezâ -.estavâo    p  os  Pcrtuguezes   m.eyos 
enterrados    ,    quando  qs  náq  pudessem 
lender    como   a  homens,  os  matassem 
<òmo  a  leoens  em  suas  mesmas  covas. 
Ruftiecáo    nam   responde©    com    mais  , 
çjne  ^apontar    para   r.s   muralhas  ,    e  bs- 
lusrtes  ,  todos  posíps  por  icrra  ,  já    pa- 
rn  £,]oria  ,  jár  para  desculpa  j  furioso  de 
ihe   parecer,   que.  o    íioitào    çsiaya    mal 
5âtisfeiio    do    que  tinha   obrado  ;    mai» 
irritado   da  dcíconfiança  ,    que  do  pre- 
mio ,    ^pmeteo    saiisfazer-]he    com   a 

mor- 


1 83  Vida  de  OJoXò  de  Castri^. 

Levanta  morre ,  OU  com  a  victoria  ,   e  como  a 
c  ininii'  crueldade  o  fazia  mais  obedecido  ,  que 
go  hinn  o  cargc  5  mandou  leví^.ntar  hum  bastião 
bastião,   defronte    do  baluarte   Sahc^Í2go  ,  que  se 
obrou    com   incrivet   presteza   ;    o    qual 
guarneceo    de   arteíharia  ,  e  gente  ,  que 
íicando  ^a   ^valleiró    dos    nossos ,  náo 
podiáo   assomar-se  ,  que  os  nâo  pescas- 
'^'^         sem  as  bàliàs  do  inimigo. 
Os^os"  Deu  este  negocio  ao  Capitão  mor 

fús"^.ò' :^  «'Tn  pequeno  cuidado  ,  porque  se  Ru- 
é^sfpy  mecáo  dera  por  aqueila  parte  o  assal- 
zcm/  '  lo  ,  corno  era  seu  desenho  ,  não  po- 
diáo resistir-lhc  os  nossos  defensores, 
Sèh7  que  ficassem  descubertos  ás  bailas 
do  inimigo ;  e-  resoluto  a  derribar  ei»- 
tí  maquina  ,  encomendou  a  facção  aos 
dous  frmáos  D.  Pedro  ,  e  D.  ]oáó 
de  Almeyda  ',  os  quaes  saindo  com 
cem  soldados  no  quarto  da  modorra  j 
acharão  os  Mouros  huns  dormirtdo  , 
e  outròr  'desc^uidados  na  confiança 
do  lugar  ,  e  da  hora  ,  e  dando 
subitamente  nelles  ,  fizeráo  em  pequei 
no  espaço  estrago  ç;ran<ie  ;  potquè 
desacordados  se  meíiáo  nas  lanças  ,"  c 
espadas  dos  nossos  ,  sem  conhecer  a 
morte  ,  ou  ò  inimigo.  Os  que  pude- 
ráo  escapar  fogindo  ,  despertarão  o 
arrayai  com  gemidos  ,  ,e  vozes  ,  sem 
saber  affirmar  cousa  certa.  Gom  a.  mes. 

ma 


.õn:  ■       L  I  V  R  o    IL        189 

raa  confusão  chegou  a  Rume  cão  a  no- 
va i  e  como  os  perigos  cia  noite  se 
fazem  parecer  mayores  ,  eniendeo  ei- 
Ic  ,  que  o  atrevimento  dos  nossos  es- 
tribava em  forças  grandes  trazidas  em 
algum  soccorro',  que  havia  chegado. a 
furto  de  suas  sentineilas.  Chamou  os 
Gabos  a  conselhft  ,  em  quanto  se  pu- 
nha o  exercito  em  arma  ,  e  resoluto 
fem  soccorrer  o  bastião  com  o .  poder 
iodo,  entre  ordens,  e  aprestos  gastou 
o  tempo  de  obrar,  e  quando  ja  che- 
gou 5  achou  a  fabrica  de- feita  .  dego- 
lado o  presidio  ^  os  nossos  recolhidos ; 
facção  náo  menos  ditosa  ,  que  impor- 
tante ;  mcrrêráo  ^co  inimigos  ,  ne- 
nhum dos  nossos. 

Rumecáo     mandou    logo    levantar 
'humas  grossas  paredes  defronte  do  ba- 
luarte  S,  joáo  ,    asseguradas    com   hu- 
ma  tropa  de  IVl ouros   ,    que    por  quar- 
tos faziáo  senti ne! la  ,    e  sobre  o   terra- 
pleno hia   plantando  alguma  aitelhnria, 
para  d'aQuelle   sitio,  em    miis   propor- 
cionada   distancia  ,    bater    o    baluarte. 
Porem    D.    ]oáo  Mascarenhas  ,    ccmo 
'andava   vigi^antç   em   impedir   os   dese- 
nhos   do    inimigo   ;     em    huma    noite  jr^/^^ 
tormentosa   ,    e   esciira  ,  b.nçou  q-ator- f/^  ,  ,,rt- 
7e   Sv^ldados    por    hnma    bombardeira   ,  tc-re 
que  dando    de  súbito   nos  Mcuros  ,  os  wlttudos. 

lan- 


ipo  ViD AÍ dkD JoXo  DÉ  Castro* 

^Ançaráo  do  posto  ,.  eiíi  quanto  es 
Servidores  coiii-j>3coens  ,  er  outros  ina- 
trumenres  -de^izeráo  ,a  .ohra.  i  do  .qu$ 
scTijo'  iRximfisâo  oJWLstdo  -,-  resolveu  ^S" 
saltai -.a  forra^tózaíiiíionn  força  descuber- 
ti  ,  oí^jeaa tido  irara  assalto  geral  par»i 
o- segnince;dia.-;Loo  quívl  fez  huma  pra^ 
tica  aos-jsoldados;^  incitai^<^ijs  CQ.aia^ 
injuriais  que  útijiáo  'fecgbido  de  ,JÇ'|^ 
paucps  o  inimigo*  ,  j^nq.si  dcsbanua^Qj 
dos^ trabalhos  ,  .da  torriç  ,  ^c  <^'^s  /erii.is  j 
<píè:  rr.jiis  honrados  esc^v^o  05  que  ai- 
"J-í  acabauáo  ,  que  os  qi)erfica/âo  vivo,i  ^ 
se"Jo  no,;  .Mundo  teâterauhhas  infames 
de  huma  afrontosa  :^íí§&íí  ;  ^ue  .era 
seus  .  braços  estava- s<'ii»yaÊ-:#.  honra  <1ô 
seu  Rey  ,  vingar  seu$>,  opiaipanheiros^ 
■fe  deix::r  4>  si  no  Qrieate  ,huma  clara 
roemoria  i.  que  da.s.  merí>ê^  do  Soltáo 
estivessem  -jseguíps  ^  pof^ue  havia  de 
premiar ->  e.çont^.huftra  íí  hun-ia,í;$ 
feridas  de' -todos  ^;  que;...TSÇ  aí^um  se 
atrevia  -a  goveraar  ,o  bastão  de  Gene- 
rú  ,  prometria  como  soldado  ser  o  prL 
meiro  que   subisse  no  rnuro,  -^  , 

Assi  o*  despedio  igualmente  irrita- 
dos da  gloria ,  jÇ  da  Lojuriâ.,  Logo  ao 
outrj  dia  ao  çomper.  Ja^  3Íva  se  abal- 
loií  o  exercito  ao  som.  de  muitos  instru- 
m^-nros  beíi,i.çpSr  com  as.  bandeiras  de- 
searoiadas,^^;  c^  se  viáo^  tremoiar  dos 
:  "  '  nos- 


L  IV  RO    II.  s      191    • 

nossos  ,  e  chegando  ;aos  muros  ^  co-  Jssdt^i 
meçaráo  em  torne  da  fotcalezaja  ^í-^^iuI.^ 
vorar  escadas  ;  favorecidas-  do  ccrpo 
do  exercito  cem  innumeraveis  ,  e  cií- 
ferenres  tiros  de  sectas  ,  pelouros  ,  e 
cjtras  armas  ,  ijjuJando  o  horror  d'es- 
t2  conflicio  confusas  ,  e  duplicadas  vo- 
zes ,  quj  incitando  iuriosaménte  os  âni- 
mos ,  e  turbando  os*  juizos  ,  impediáo 
mandar ,  e  obedecer.  Subirão  os  Mou- 
ros ousadamente  os  muros ,:  c  os  Tur» 
cos  por  outra  parte  ,  como  envejandc^ 
cada  hum  o-  perigo  alheyo  .  trabalha-, 
vão  louos  por  ser  primeiros  no  risco, 
e  nas  feridas.  Os  nossos  ,  ainda  cue 
poucos  ,  sendo  cada  hum  Capicáo ,  e 
despertador  de  si  mesmo  ,  obraváo  de 
maneira  ,  como  se  esíivesse  por  conta 
de  cada  hum  a  honra  de.  todcs.  Os  - 
primeiros  (]ue  snbiráo  com  o  spno;ue , 
e  as  vidas  pat;aráo  a  ousadia-;  mas  lo- 
^o  com  o  inesiTiO  ardor  lhes  succediáo 
oarros  ,  incitado-o  r»uns  do  vaU  r  ,  ou- 
tros do  Generai  ,  cjue  debaixo  louvava  ^ 
ou  reprendia  aos  que  subiáo  ,  sej^iindò 
o  animo ,  ou  tunueza  ^  tjuc  nciies  >áes- 
cobria. 

Lançav^.o  os  Mouros  nos  balur.ítes 
granadas-  ,  panelas  ,  e  alcanzjas  de  fo- 
^o  em  íania  quantidade: ,  c]uj  os  no>50i 
peleijaváo   erine  as   chaniâSi.vjue  prcm- 

deii- 


•   tçí  Vida  de  DJoXo  de  Castro. 

Repara    dendo     nos    vestidos    os  abrazaváo    vi- 
dos  710S-  vos,    Occorreo    o    Capiráo    mór    neste 
SOS  con-   perigo    com    algumas    tinas    de    r.^ua  , 
tta  o       que    em   parte  extingiiiáo  ,    ou   refrii;e- 
f*'o^*       raváo    o   ardor  do  fogo  ;  porém  como 
o  inimigo  entendia   o  dano  ,  continuou 
o   ardil    em   todos    os  assaltos  ,    a  que 
os  nossos  inventarão  hum  remecio  mais 
fácil  5  que  elíicaz   ,    vesnndo-se  muiioi 
de  couro   ,    em  que   o  fogo   náo  podia 
prender  tão  levemente  ;  e  D.  Joáo  Mas» 
carenhas  da  colgadura  de  guadamecins  , 
que    tinha  ,    fez   reparar   a   muitos ,    íi- 
cando-lhe  as  paredes  nuas  ,  e  os  solda- 
dos venidos. 

Fervia  a  guerra  ;  apenas  se  divi- 
sava a  fortaleza  ,  escondida  entre  nu- 
vens de  fumo  ,  e  só  a  descobria  com 
breve  luz  o  continuo  fuzilar  dos  ti- 
ros ;  fazia  horror  o  que  se  via  ,  e  o 
que  se  ouvia.  Estaváo  ao  pé  do  muro 
innumeraveis  corpos  ,  huns  mortos  9 
outros  agonizando  j  e  tudo  o  que  se 
represenirva  á  vista  ,  e  ao  juizo  ,  er^ 
hum  feyo  especraculo  de  morres  ,  hor- 
rores ,  e  feridas.  Em  todos  os  baluar- 
tes se  pelciiava  em  ambas  as  partes 
com  grande  valor,  ainda  que  desigual 
pola  desporporçáo  do  número  entre 
cercadores  ,  e  cercados.  Mas  o  baluarte 
de  Luiz    de  Sousa ,  onde    estava   Dom 

Fer- 


L  I  V  B  o    lí.         19^ 

Fernando  de  Castro  ,  quasi  esteve  per- 
dido ,  porque  o  tomou  o  assalto  com 
mayores  ruínas  ,  e  foy  accommettido 
pela  geme  mais  eicolhida  do  campo. 
Porém  fizeráo  os  defensores  i Ilustres 
provas  de  valor,  pelei jando  entre  cha- 
mas de  fogo  com  láo  nova  constância, 
<jue  nenhum  desamparou  o  lugar  , 
mostrando-se  sobre  valentes  insensí- 
veis. Aqui  se  singularisou  Dom  Fer- 
nando de  Castro  com  esforço  de  mayo- 
les  annob  j  parece  que  o  valor  náo  es- 
perou a  idade.  Obrarão  este  dia  os 
Portuguezes  cousas  dignas  de  melhor 
penna  ,  e  m?.Í3  larga  escritur;?.  E  es 
mesmos  Turcos  forão  testemunhas  fieis 
de  suas  proezas  ,  dizendo  ,  cjue  só  os 
Frangues  mereciáo  trazer  barbas  no 
rosto. 

Em  quanto  d;irou    o  assalto  ,  deu  Recolhe- 
o   baluarte    do   mar  muitas    cargâ>     ao  ^''  *^ """ 
inimigo   ,  que   como   peleijava  em  irc)-  '■''è'*- 
pas  descuborto  ,    recebeo   grande   dano. 
O  que   advertido   ror  Rumecáo  ,  veiado 
suas  bandeiras  roíp.s  ,    perdidos    Os   me- 
líiOres    soldados   ,    e  que  os   Pcrtugue- 
ze3   haviáo  defendido  as   ruínas  de    sua 
fortaleza   ,    sem    perder    huma    pedra  , 
m.-^.ndou    roçar     a    recolher     ,     sentindo 
o  dano  menos   que  a   injuria.    Fcy  es- 
te dia  á  nossas  armas  muitas  vezc^  fe- 

ii. 


tos^ 


194  VíDA  DE  D JoXo  DE  CajTÍ^O. 

Com  lice  5  porque  morrendo  dos  inimigos 
morte  de  rrezentos  ,  e  levando  doas  mil  feri-' 
írezen^  dos  ,  nam  faltou  nenhum  dos  nossos  , 
ainda  que  alguns  ficarão  bem  sangra- 
dos. Provco  Jogo  o  Gapitáo  rrjòr  na 
cura  dos  íeridos  ,  sendo  a  benevolên- 
cia com  que  lhes  assistia  ,  o  piímeiro 
remédio  acodindo  aos  enfermos  com 
as  despesas  ,  e  também  com  a  dor , 
e  sencimen  os  ,  parecendo  pay  na  paz  , 
na  guerra  companheiro.  Logo  ao  pe- 
rigo succedeo  o  trabalho  ,  reparando 
todos  de  noice  o  que  as  batarias  der- 
ribaváo  de  dia  ,  porém  acodiáo  todos 
tão  alegres  ao  serviço  ,  que  parecia 
'vinháo  a  descansar ,  accarretando  as  pe- 
dras ,  a  terra  ,  e  a  faxina. 

Vendo  Rumecáo  o  risco,  e  a  dif- 
fículdade  que  tinha  loniar  a  fortaleza 
por  escala  ,  mandou  correr  com  o  en- 
tulho da  cava  do  baluarte  S.  Joáo  até 
fava,  o  de  Sanctiago  ,  obra  que  encomen- 
dou aos  Janizaros  ,  os  quaes  por  opi- 
nião ,  ou  por  valor  soberbos  ,  busca- 
váo  com  ambição  os  mayores  perigos 
d-este  cerco.  Eráo  já  mortos  quairo- 
cencos  ,  deixando  entre  es  seus  fama  , 
e  sentimento  ;  os  que  resraváo  assis- 
tiáo  a  esta  obra  ,  que  para  elíes  foy 
de   nenhum    fruto  ,    e  de   grande    pe- 


Trata 

^ão  en- 
tulhar a 


11)^.0 


porque 


a    noása 


artelnaria    os 
pcs- 


Livro    IT.       195: 

jpescavâ  ,  e  a  muitos  servidores  ^  cu- 
jos corpos  Jançaváo  no  entulho  coni 
disciplina  barbara  ,  e  cruel.  Crescia  a 
obra  ,  como  era  de  faxina  ,  e  terra  , 
quasi  amassada  com  sangue  dos  mise- 
laveis  que  neila  trabalhaváo  ;  chega- 
rão a  encavalgar  algumas  peças  ,  coni 
<]ue  faziêo  dano  aos  baluartes  ,  prin- 
cipalmente ao  de  S.  Thomé  ,  onde  nos 
cegarão  hum  Camelo  ,  e  mo? trava  já 
a  bataria  disposição  para  cousas  ma- 
yores. 

Nestje  tempo  chegou  á  fort?.Ieza  o  Toma^  a 
Vigário  João  Coelho  com  npve  sol-  Visdri» 
dados  em  huma  embarcação  pequena  j  **  ^^*'* 
e  ainda  que  achou  os  mares  grossos  , 
e  os  ventos  ponteiros  ,  o  trabalho  ,  ô 
a  necessidade  fez  vencer  o  perigo.  Re- 
ferio  ,  que  o  Governador  se  aprestava 
com  vivas  diligencias  pnra  acodir  ao 
cerco  ,  e  os  grossos  soccorros  ,  que 
já  tinha  enviado.  Que  em  Baçaim  íi- 
caváo  quinh-incos  homens  ,  que  com  o 
primeiro  tempo  esperaváo  atravessar 
o  goUáo  ;  e  que  muitos  impacientes 
na  tardança  tinháo  tentado  os  mares. 
Pela  fortalezi  se  derramou  logo  e^ta 
nova  ,  que  foy  festejada  dos  soldados 
com  folias  ,  e  musicas ;  c  pondo  todos 
os  olhos  no  màr  ,  as  nuvens  lhes  pare- 
çiãó  navios;  táo  crédulos  são  os  homens 
O  «m 


ipá  Vida  de  D JoSo  de  Castro. 

cm  cjuálquer  esperança.  Foráo  os  Mou- 
ros sabedores  das  novas  do  soccorro  , 
e  antes  quç  os  nossos  se  engrossassem 
com  as  forças  que  cspííraváo  ,  dispu- 
zeráo  hum  assako  geral  ,  reso!ucos  a 
entrar  a  fortaleza  ,  ou  dar  ao  Mundo  , 
e  ao  Soliáo  desculpa  com  as  mortes  , 
com  o  sangue ,  e  com  as  ruínas. 
Nova  Começou  a  bataria  aqueile  dia  com 

asiaitQ.  vinte  e  três  canhcens  ,  e  alguns  basi- 
liscos ,  e  a  continliaráo  até  o  por  do 
Sol  ,  e  no  seguinte  dia  até  ás  rrcs  da 
Tarde.  Arruinarão  a  mór  parte  dos  mu- 
ros ,  sem  cjue  os  nossos  se  podessen^ 
cobrir  com  alguns  reparos  ,  ca  travezes  , 
pelas  contK.uas  c.r^as,  que  dava  a  es- 
pingardaria do  inimigo.  Chegarão  lo- 
go os  Turcos  a  cavalgar  o  baluarte 
5>.  Thomé  pelas  ruinas  da  bataria  j  po- 
rém o  Capitão  Luiz  de  Sousa  ,  Dom 
Fernando  de  Castro  ,  e  D.  Francis- 
co de  Almeyda  com  outros  vUero- 
sos  soldados  ,  que  o  guarneciáo  ,  os 
receberão  nas  lanças  com  tal  funa  , 
íjue  os  fizeráo  voltar  ,  huns  mortos  , 
outros  estropeidos.  Succederao  logo 
Curros  d«  rtovo  ,  oae  corcados  do  nos* 
so  ferro  ,  tizerâo  aos  primeiros  com- 
panhia. Nos  outros  batuarre.s  se  pe* 
íeijava  com  a  mesma  fortuna  ,  sendo 
O  dano    i^usl  nos  Mouí05  ^  e  o  valor 

QOg 


L  I  V  n  o    II.        197 

nos  nossos.  Estava  tão  raza  a  bataria, 
que  os  Mouros  peleijaváo  com  os  nos- 
sos iguaes  no  sitio  ,  como  em  c«mpo 
partido  5  servindo-lhes  as  ruinas  de  es- 
cada ,  mas  com  grande  vcmagera  do 
número  ,  e  inscmmentos  de  fogo.  Po- 
rem os  nossos  merecerão  este  dia  hu- 
«la  immonal  memoria  ,  sustencando 
muitas  horas  o  peso  de  táo  desigual 
batalha  ;  porque  dos  inimigos  aos  can- 
sados ,  ou  feridos  ,  lhes  succedláo  ou- 
tros ',  os  Portuguezes  sempre  os  mes- 
mos ,  náo  mostraváo  no  valor  ,  ou  no 
tempo  diíFerençâ. 

Ds  João   Mascarenhas   andava    por  R*?^'/- 
todas    as  estancias   mandando  ,    e    pe-  '^''*'<» 
leijando  ,    humas    vezes    Capitão  ,    e  '^^^  ''**' 
outras    companheiro   de   todos  ;  e   ven-  "'* 
do  que    o    baluarte  S.  Thomé  tinha  o 
mayor   perigo  ,    por  ser  mais   carrega- 
do do   inimigo  ,    mandou    trazer    mui- 
tas   panelas    de    pólvora     por    aquellas 
honradas    matronas  ,    que    desprezando 
o  risco  ,    e   o  trabalho  ,    acodiáo    op- 
portunas    a    servir    entre   as   lanças  ,   e 
os  pelouros  ,    cem  nur.ca  visto   exem- 
plo ,    e  algumas  exhortaçoens  aos  sol- 
dados com  juizo,  c   valor  grande;  ou- 
tras com  regalos,  e  mimos   os  esforça- 
vam ,    parecendo    que    buscaváo   ,    ou 
mcreciâO    fama  i::^ual    com    elles.    Ti- 
Q  li  nha* 


198  Vida  DE  D. JoXo  DE  Castro. 

nhamos  o  vento  contrario  ,  e  Icvart- 
tando  nuvens  de  pò  da  terra  movedi- 
ça 5  que  os  Mouros  pisaváo  ,  quasi  ce- 
gava os  nossos  ,  que  estiveráo  a  risco 
de  pcrder-se  só  por  este  acci<iente  j 
porém  elles  peJeijando  com  os  olhos 
cerrados  ,  accomraertíáo  os  Mouros  , 
mais  atrentos  a  offender ,  que  a  repa- 
ra r-se.  Os  inimigos  peleijaváo  desespe- 
Tadamente  ;  acordando-!hes  Rumecáo  por 
momentos  a  rionra  de  seu  Rey ,  e  a 
sua, 
j  Juzarcáo  com    os  soldados  de  stía 

''-  obediência    accommetteo    o   baluarte  S. 

vaitc  <y  J^^^  ^^^  tanto  vaior  ,  que  estjverao  os 
^^/^^.^^  nossos  em  grande  perigo  >  porque  depois 
S.Jo^o.  ^^  derribar  os  primeiros  que  haviáo 
subido  ,  tornarão  ourros  a  cavalgar  as 
paredes  com  tanra  fiiria  ,  que  susten- 
tarão a  pelei ja  igual  por  muitas  horas, 
até  que  dcsangraòtis  do  nosso  ferro  , 
huns  mortos  ,  outros  desalentados  , 
perderão  o  lugar  ,  e  as  vidras.  Aqui 
íoy  mayor  o  esforç'0 ,  e  também  o  pe- 
rigo ,  porque  estando  os  nossos  com  as 
forças  já  Ias*as  ,  e  quebrr^Jas  ,  sobrevte- 
ráo  ourros  Mouros  de  ncvo  j  porém  el- 
les 5  como  se  tiveráo  poupadas  as  for- 
ças ,  e  o  espirito  para  o  mayor  traba- 
lha, assi  rechaçarão  os  ultmios  ,  como 
os  primeiros. 

Na 


L  I  V  R  o    II.        199 

Nâ  guarita  de  António  Peçanha  se  Perr/d 
j^eleijou    com    náo  menor    v?.lor ,  nem  grande 
desigual  fortuna   ;■   e  sem   prirticularizar  ^^"^  '"^''' 
accidentes  ,  podemos   ajuizar    peio   sue- '"'a*^^* 
cesso  ,  os  casos  deste   dia  ;  porque  dei- 
xou   o   injmigo  mil    e  seiscentos  mor- 
tos ,  fora  inaumeravel  copia  de  feridos  j 
cousa  incrível  de  pouco  mais  de  duzen- 
tos  soldados  ,    que    seriáa    os  nossos ; 
assi  o   achamos  escrito  nas  Relaçoens , 
e  Hisrorias  deste  CeiA) ,  í]ue  rendo  nos- 
sas ,   costumáo    escrever  louvores    pró- 
prios com   penna  muy  escaca.    Nós  fi- 
cámos com  três  soldados  menos ,  e  com 
trinta   feridos. 

Da  bataria  ,  que  precedeo  a  este 
assalto,  ficou  a  fortaleza  quasi  em  ro- 
da arruinada  ,  e  aberta  ,  faltando-no$ 
para  reparala  tempo ,  matcriaes  ,  e  gen- 
te i  porém  furtaváo  os  nossos  as  horas 
ao  descanso  ,  trabalhando  de  noite ,  e 
derribando  as  casas  da  fortaleza  ,  se 
serviáo  das  pedrns  ,  e  madeiramento  , 
fazendo  huma  forma  de  defensa  sú- 
bita ,  e  furtiva  ,  mais  conforme  ao 
tempo  ,  que  á  necessidade. 

Faltâváo  as  muniçoens  ,  c  os  man- ^'í,-íj/t 
timentos  ,  porque  nam  havia  mais  pol-  J/icíes  ar. 
vora  .    que    a  que    se   podia   fazer  dia.^r/ú/j- 
por  dia  ,    pouca  ,  e  mal  enxuta  ;  falra  -«. 
que  ja  começaváo  a  conhecer  os  Mou- 
ros ,' 


200  Vida  de  DJoXo  de  Casttro- 

ros  ,  concebendo  esperanças  >  e  ouzzdia 
pára  aturar  o  cerco  ,  avisados  ,  <]ue  a 
esta  necessidade  rcspondiáo  as  outras  , 
porque  já  valia  a  três  cruzados  Hum  al- 
iqueire  de  trigo  ,  e  ainda  a  falta  delle 
era  mayor  ,  que  o  preço.  Os  doentes  , 
na  falta  de  gallinhas  ,  comiáo  gralhas , 
que  acodiáo  â  cevar-se  nos  corpos  mor- 
tos ,  as  qup.es  os  soldados  mataváo  9  « 
vendiáo  por  excessivo  preço.  Chegou 
em  fim  á  tanto  extremo  a  fome ,  que 
pam  perdoaváo  a  caens  ,  e  gatos  ,  ô 
outr«  viandas  semelhantes  ,  nocivas , 
c  immundas  ;  e  com  tam  miserável 
alimento  repara váo  as  forças  ,  despre- 
zando perigos  ,  é  trabalhos  ;  vencen- 
do com  a  grandeza  dos  ânimos  as 
paixoens  ,  ou  aíFectos  da  mesma  natu- 
reza. 

Entre  dutros  instrumentos  ofFensi* 
Cômose  ^^^  ^  ^^^g  faltaváo  ,  eráo  panelas  para 
'"'""'l!'    a  pólvora  ,  de   que    se  serve   a  mihcia 

ta  de         ^^    ^"^'^     ^^'^    ^^^    '    ^    ^^"^    '  ' 

rnnch^i    ^'^''^^    ^*^^^^    ^^    ^^^    pcqueno    effeito^ 

depjlva^'^''^   fa!ra    se    reparou  ^    juntando  duas 

^.^      ''     telhns    com  os  vr^zios   para    dentro  ,  e 

breadas  por  fora  ,  de  que  p:ndiáo  mur- 

roens    com    as  pontas    rcesas  ,  e  arro- 

jando-;íS   entre    os    inimi^^os  ,  ?.brazaváo 

'     "a  muitoi   ,    e   com    esre    fácil  engenho  ; 

aiudaráo  os  nossos  a  victoria,  ' 

De- 


L  I  V  K  o    II.        lor 

Desejava  o  Capitpo  mór  tomar  Jin- 
p}^  para  saber  os  passos  do  inimigo  , 
<]ue  sa^nz  ,  e  ardiloso  nos  encubriá 
seus  desenhos  com  entranho  recrto  ; 
aJém  de  que  do  fone  do  mar  havia  ti- 
do aviso ,  *.]ue  as  mais  das  noites  che- 
gaváo  alguns  Mouros  até  á  pente  da 
fortaleza  ,  onde  par.Jvr.o  ,  como  gente 
(]ue  vinha  a  medir  ,  ou  reconhecer  o 
sitio  [vara  algum  eucito  ;  o  silencio , 
a  hora  ,  e  a  continuação  mosiraváo 
não  ser  a  diligencia  a  caso  i  polo  que 
D.  ]oáo  Mascarenhas  encomendou  a 
Martim  Botelho  ,  soí.iado  de  confiança  , 
que  com  dez  companheiros  se  fosse  hu- 
ma  noite  lançar  na  ponte,  e^que  por 
força  ,  ou  manha  trabalhasse  por  lhe  tra- 
zer hum  destes  Mouros.  Foy  lançado 
Martim  Boreiho  com  os  mais  compa- 
nheiros ptlas  bombardeiras  da  Coura- 
ça no  quarto  da  modorra  ,  levando  só 
espadas  ,  e  rodelas  ,  e  chegando  ao 
lugar  determinado  ,  se  bpqueArao  em 
terra  p^ra  náo  ser  vi.tos  dos  Mouros  , 
c  a  pouco  espaço  appiicando  o  ouvi- 
do sentirão  gente  ,  que  vinha  a  de- 
mandar a  ponte  ,  e  levantados  <iccom- 
metteráo  subitamente  os  Mouros  ,  que 
cráo  dezoito  .  que  como  se  virão  de 
improviso  ass.iltados  ,  voit.^ráo  as  cos- 
tas aos  primeiros  golpes  ,    ficando    só 

hum 


202  Vida  de  D.  JoXq-de  Castuo* 

Tonião     hum  Nobi    no  campo  ,  que    se  defen- 

ús  nossos  dia    com    huma    lança    muy    valerosa- 

h:;ma       mente  j    porém  Marti m  Botelho  ,  ven- 

liii^ua.     c]q  que  era  mais  ur;porrante  prende-lo  , 

que   mata-lo  ,    lhe    desviou    hum   bote 

de  lança  com  a  espada  ,  e  arcando  com 

elle  ,  o  trouxe  apertado  nos   braços  ?.ré 

á  fortaleza  ,   onde  foy  recebido  com   a 

honra  ,  que  merecia  o   felio. 

Deste  prisioneiro  soube  o  Cr.pítáo 
<lue  no-  mor    o^   intentos    do    inimigo  ,  servin- 
^'^'.  *í^   do-se  do  aviso  para  se  vigiar  de  alguns 
ardis  -     que     maqumavao     os    1  urcos, 
^         Mais  Ine  djsse  ,  que  taitav^o   do  exer-^ 
cito  cinco  mil  homens  mortos  ao  nos- 
so ferro  ,   sem  outros  Cabos  de  nome  , 
c  que    os   soldados    de   melhor    voto  , 
desconfiavío     da    empresa  ,    entenden- 
do   seriamoi     soccorndos    com    a    pri- 
meira  vaga  ,    que    o  m.ár  fizesse ;  po- 
rem   que  Rumecáo  cõm  as  perdas    re- 
cebidas   estava  mais  obstinado  em  pro- 
seguir   o  cerco  :    como  homem    empe- 
nhado   na  honra  ,    e  na  palavra  ,  que 
luvia  dado   ao  Soltáo,    E  assi  aconse- 
lhado   de    hum  engenheiro    Turco    de 
^:i"fí'S€  Dalmácia  ,  ordenou   que    se  minasse   o 
ri(7/.'..j;'- baluarte    S.  Thomc  ,    onde   estava  D, 
teS.       Fernando  com   Diogo,   de  Reynoso  j  « 
Ihúiné,    outros  Capiraens  ,  e  Cavalleiros ;  o  q^e 
se  fez  com  estranho  silencio  ,  sem  qi^e 

os 


Livro    II.       20^ 

CS  nossos  pudessem  rastrear  o  intento , 
quiçá  por  lhes  parecer  ,  que  os  ins- 
tiumenros  de  fogo  não  eráo  táo  pra- 
ticados na  Ásia  ,  como  na  nossa  Euro- 
pa ;  mas  como  os  principaes  Cabos  do 
exercito  eráo  os  Turcos  ,  parece  c]ue 
assi  rrouxeráo  o  valor ,  como  a  disci- 
plina. 

Em  quanto  se  trabalhava  na  mina  , 
mandava    Rumecáo  picar    o  muro    por 
oifFerentes  partes  ,  para    que    os  nossos 
atteníos    ao    perigo   público  ,    não  des- 
.sem     no    secreto   ;    e   por    no^   divertir 
a  atrençáo    com   outra    industria  ,  m,an- 
dou   fabricar  algun?  cavalics   de  madei- 
ra ,  e  postos  naqueJla  parte,  cue  olha- 
va  o    baluarte   ^\  Thomé  ,    dava   huns 
longes    de   o   tomar  por  esca^t  ,    e  de- 
terminando   dar    o  assalto  aos   dez    de 
Agosro  ,    aos   nove   msndou    recolher  a 
artelharia  ,  que    tinha    nas   estr.ncias  ;  e 
porque    desta    novidade    lhe    podiamos 
rastrear   o  intento  ,  tratou  de   nos  asse- Tr^/a 
gurar   com  outro  novo  engenho.    Man-  Ruim* 
dou    na   mesma  noite  hum   Abexim  á  ^^"^'^  ^i' 
fortaleza   ,    industriado    de    hum     sotil  v^'*^'?'- 
engano   ;    o    qual  chegado    ao  muro  ,  "'^^* 
fingindo    hum    temeroso    recato    ,    hra» 
dou   pela  vi^ia    ,    dizendo   ,    que  o   re- 
co:'!e3sem  dentro    ,    porque    queria    tra- 
tar com    o    Capitão  cousas   de  grande 

pe- 


204  ^^^^  DB  DJoXo  DE  Casyrò- 

pe^o.  Recolhido  ,  e  escutacío  por  D. 
Joáo  Mí^scarenhqs  ,  começou  a  are:> 
gnr  discretaiT5ente  ,  execrando  a  per- 
dição do  estndo  em  que  se  achava, 
pois  nacido  de  pays  Chrisiáos  ,  per- 
jurara a  fé  pateína  ,  em  (]ue  fora 
cre.ido  ,  como  fruto  aborrivo  de  Ca- 
tholicas  plantas  ,  e  que  agora  já  com 
os  olhos  abertos  vinha  bater  ás  por- 
tas da  Igreja  ,  para  que  os  Sacerdotes 
Latinos  encaminhassem  ao  curral  de. 
Christo  táo  p*rdidá  ovelha  ;  que  esta- 
era  a  miserável  relaçam  de  ráo  des- 
concertada vida  i  que  nos  particulares 
de  Cambaya  lhe  aftirmava  ♦  que  o  Sol- 
táo  tivera  aviso  ,  como  o  iVíogor  com 
podero-io  exercito  entrava  pelos  con- 
fins do  F.eyno  ;  pondo-ihe  iiido  a  fer- 
ro ;  e  que  Juzarcáo  ,  que  pouco  antes 
viera  ao  exercito  com  treze  mil  in- 
fantes ,  trazia  ordem  para  se  unir  com 
Rumecáo  ,  e  juntos  fazerem  cpposi- 
çáo  ao  inimigo  ;  que  com  esta  resolu- 
ção mandara  recolher  a  aitelbaria  ; 
porem  que  estivesse  avisado  para  es- 
perar hum  assalto  geral  ao  seguinte 
dia  ,  porque  queriam  os  Turcos  que 
aqaella  guerra  acabasse  com  algum  es- 
tampido. Dom  Joáo  iVascarcnhas  lhe 
louvou  ,  e  coníirm.ou  a  resolução  Ca- 
thoin^   ,     que    havia    tomado  ,   e   no 

mais 


L  I  V  n  o    II.         lof 

ronis  lhe  agradcceo  o  aviso ,  tornan- 
do-o  a  lançar  pelo  muro,  para  que  o 
fizesse  sabedor  de  qualquer  novidade  que 
houvesse  no  campo. 

Derramou-se  pela  fortaleza  a  r.o\'a 
de  levantar-sc  o  cerco  com  a  certeza 
do  future  assalto  ,  e  os  soldados  ale- 
gres vestirão  aquelle  dia  galas  ,  huns 
festejando  a  vinda  do  inimigo  ,  outros 
o  fim  da  guerra.  O  Capitão  mqr  achou 
a  gente  muy  disposta  a  esperar  o  as- 
salto ,  que  como  na  opinião  de  todos 
era  o  ultimo  de  tão  prolixo  cerco  ,  ca^ 
da  hum  queria  deixar  de  suas  obras  a 
memoria  mais   fresca. 

D.  Fernando  de  Castro  estava   de  jd.  Ttri 
cama  ,  curando-se  de  febres  ,  e  saben-  nnndm 
óo  do  assalto  que    se  esperava  ,  se  le-  doente 
vantou  ,    fazendo  força   o  brio  á  natu-  acode  tr» 
teza^  o  que  D.   João   Mascarenhas  tr:\' l^nhiar- 
tòu  de  lhe  impedir ,  humas    vezes  co-  '^« 
mo  Capitão  ,    e  outras    ccmo  amigo  ; 
mas    como    nesta    parte   a  desobediên- 
cia   parecia    virtude  ,    quiz   antes  errar 
contra  a  saúde  ,  que  contra  a   opinião  , 
vestindo    arm.as  ,    e   acodindo    ao    ba- 
luarte. 

Amanheceo  o  dia  do  glorioso  S, 
Lourenço  ,  dedicado  com  sua  felice 
batalha  a  martyrios  de  fogo.  Acudi- 
rão a  suas  estancias    Fidalgos  ,   e  sol- 

da- 


2o6  Vida  de  DJoXo  de  Castro; 

dados  ,  com  r?.nto  alvoroço  ,  como  se 
já   tiveráo    pos'Q  èo  premio ,  c  da  vic- 
F/n^f  o   ^^fia-      Logo    viria   de   longe   abalar-se 
inimiga    O  ex'erv'ito  inimigo  com  ordenada   mar- 
novo  as-  cha  ,  derramando-se    em  torno   da  for- 
4aIto^      taleza.  Laborava   a  nossa  artelharia  com 
nam    pequeno    effeiro  ,    porque  o  ini- 
migo  ,  como    soldado  ,  sofrco    a  carga 
sem  descompor  a  ordem    com  que  vi- 
nha marchando  ,    até  ganhar  o  posto  ^ 
e  arvorar    escadas  para    dar   o   assalto. 
Chegarão    a   accommetter  os    baluartes 
com  resolução  grande  ,  querendo  cevar 
os  nossos  na  peleija ,  para  .que  a  coníu^ 
são  do  con flicto  servisse  de  cuberti   ao 
engano   do  fogo  ,    que    rinháo    maqui- 
nado.   Faziáo  os  nossos   grandes  genti* 
lezas  nas  armas  ,  como  quem  se  apres- 
sava  a   descansar  na  vicioria-  prometida 
no  termo  doeste  dia. 

No  baluarte  S.  João  se  resistia  i 
violência  do  ferro  ,  sem  remer  í\  do 
fogo.  Peleijaváp  os  inimigos  tibia- 
mente  até  que  lhes  chegou  o  sinal 
de  se  dar  fogo  á  mina  ,  retirando-se  a 
hum  mesmo  tempo  todos  ;  porém  o  te- 
mor igual  ,  e  súbito  nos  descobrio  o 
engano.  Bradou  logo  o  Capitão  mòr 
dizendo  ,  que.  deixassem  o  baluarte, 
para  que  sem  dano  rebentasse  a  mina  , 
já  conhecida    na  improvisa  retirada   do 


ini 


Livro    IÍ.        207 

inimigo.  Obedecerão  todos  ás  vozes 
do  Capiráo  mór  ,  deixando  o  posio  ; 
porém  Diogo  de  Reynoso  ,  com  de- 
sordenado valor  sustentou  o  lu^ar  , 
tratando  de  covardes  aos  que  o  de- 
samparaváo.  A  estas  vozes  toriiaráo 
lodos  a  occupar  o  posto  ,  nam  queren- 
do seguir  2  razáo  senão  o  exemplo. 
Rebentou  Jogo  a  mina  com  espan- P"^  Z""^* 
toso  estrondo  ,  e  aquelles  valerosos "  ^'"*'* 
defensores  sustentarão  mortos  o  lugar, 
que  defenderão  viv05.  Aqui  acabou  Pessoas 
Dom  Fernando^  de  Castro  em  idade  ^"^  p^- 
de  dezanove  annos  ,  levantado  de  hu-  rccerãa 
ma  doença,  que,  a  natureza  pudera  fa- "^*^''* 
tQT  leve  ,  e  o  valor  fez  mcrrai.  Mor- 
leo  D.  Francisco  de  Almeyda ,  conti- 
nuando-ge  nelle  o  valor  ,  e  as  desgra- 
ças dos  de  seu  apellido.  Aqui  licaráo 
também  sepultados  Gil  Coutinho  .  Ruy 
de  Sousa  ,  e  Diogo  àe  Reynoso  ,  que 
pagou  com  huma  vida  tantas  mor- 
tes ,  de  que  havia  sido  generoso  ,  mas 
fatal  iniírumento.  D=  Diogo  de  Sor- 
tomayor  ,  voando  com  huma  lança 
nas  mãos  ,  cahio  em  pé  na  fortale- 
za ,  sem  receber  lesão  do  fogo  ,  nem 
da  queda.  Alguns  cahiráo  no  arrayal 
dos  inimigos  ;  quasi  sessenta  homens 
perecerão  nesta  desaventura  ,  e  treze 
que  escaparia  cem  a  vida  ,  ou  fica- 
rás 


2o8  Vida  de  D  JoXo  de  Castro. 
ráo  feridos  ,  ou  disformes  do  fogo.  Es- 
crevem outros  com  dilatada  penna  o8 
casos  d'este  incêndio.  Nós  por  náo  las- 
timar a  attençáo  de  cjuem  ler  esta  His- 
toria ,  quizeramos  nos  successos  de  ráo 
ilustre  cerco  deixar  antes  em  siJencio 
este  infelice  dia.  Admiraráo-se  os  nos- 
sos de  ver  ,  que  foy  táo  grande  o  ef- 
feito  da  pólvora  opprimida  ,  que  as 
pedras  da  fortaleza ,  arrebatadas  do  vio- 
lento impulso  ,  matarão  muitos  no  c^m- 
po  do  inimigo,  obrando  o  fogo  mais 
á  vontade  da  natureza  ,  que  ao  regula-? 
do  limite  do  inventor  da  mina. 

Passado    algum   espaço ,  logo  que 
p  fumo  desassombrou  a  fortaleza ,  man- 
oou  Rumecáo    entrar    quinhentos  Tur- 
cos pelas  ruinas  do  baluarte  abrazado, 
Vahr     scguindo-os    de    tropel    o    restante    do 
notas)el   campo  ;    porém    acharão    cinco  valero- 
de  cinco  SOS  soldados  ,    que    lhes  fizcráo  rosto  , 
soldados  sustentando    largo    espaço    o    peso    de 
-iíêfios,    tão  nova    batalha.    Verdade    táo  estra-' 
nha  ,  que  necessita    de  tanto  vslor  pa- 
ra SC  escrever  ,    como  para    se  obrar; 
porém  cal i ficada   então  na  confissão  dos 
próprios    inimigos  ,    e  agora    nas    cans 
de    tantos  annos.     Acodio    logo   áquei- 
la    parte    D.    João    Mascarenhas     com 
quinze    companheiros    ,     e    vio    dous 
espectáculos  i    hum    que  meiecia    las- 

ti- 


Livro    II.        209 

tima  ,  outro  espanto  ;  c  soccorrendo 
aos  cinco  soldados ,  fizeráo  todos  lào 
dura  resistência  ao  inimigo  ,  que  bas- 
tarão a  retardar  a  fúria  de  hum  exerci- 
to já  quasi  victorioso  ;  caso  que  reteri- 
do  só  com  a  verdade  nua  ,  excede  tu- 
do o  que  escreverão  ,  ou  fabularão  os 
Gregos,  e   Romanos. 

Correo  voz  pela  fortaleza ,  que  os 
Turcos  estaváo    ja  senhores  do   baluar- 
te abraZAdo    ,    com    o  que  alguns    sal- 
dados 5  que    nas  outras    estancias  pclei- 
javáo  ,    correram  áquella   parle  ,  como 
de  mór  perigo  ,  e  quiçá   que  este  fal- 
so rumor    salvasse    a  fortaleza  ,  porque 
formr.ráo    hum    grosso  ,  que   bcísiou    a 
fazer   rosto  a  treze    mil    infantes  ,  que 
tantos    contáo    nossas    Historias   ,     que 
commetieráo   o   baluarte    da  mina.    As  Erf^rçã 
mulheres,  como    ensinadas   a  despresat  (•<;  íjá/lí/ 
as  vidas  ,   acodir.ío   a   ministrar  lanças  ,  Femeri^ 
pelouros  ,  e  panelas  de  pólvora;  e  aquel-  dcs  ,  c 
la   valerosa    Isabel   FernanJcs    com    hu-  "^^t^ 
ma  chuça    nas  máos  ,  ajudava  aos  sol-  niulhc- 
dadoj  com  as  obras  ,  muito  mais   com  '''^^' 
o  exemplo  ,    e  com    as  palavras  ,    di- 
zendo   em    altas    vozes  ^    Peleijay    por 
vosso  Deos ,  peleijay    por  vo^so  Key  , 
Cavalleiros    de    Christo   ,    porque     elle 
esiá  comvosco.    Os  inimigos  ,  como  o 
successo  da  mina  Ihc^  havu  abórío  pa- 

IA 


210  Vida  DE  DJoSo  DE  Castro; 

ra  a  victoria  huma  táo  larga  porra  ,  da* 
terminarão  este  dia  concluir  a  empre- 
za ,  incitados  do  General,  e  da  occa- 
siáo  ,  peleijando  já  como  favorecidos  ^ 
os  que  combatiáo  no  baluarte  >  poía 
ambição  de  ser  primeiros  em  facção 
táo  illustre  ,  se  portaváo  com  mais  ar- 
dor 5  que  os  outros  ;  e  como  eráo  Ja- 
nizaros  ,  e  Turcos  queriáo  só  para  si 
a  gloria  d'cste  dia.  Rumecáo  mandou 
nas  outras  estancias  reforçar  o  assalto, 
para  com  a  diversão  ,  em  poder  táo 
pequeno  ,  facilitar  a  entrada. 

Esteve  por  muitas  vezes  perdida  a 
fortaleza.    Os  inimigos  muitos  ,  e  des- 
cansados ;    os  nossos ,  sobre    táo  pou- 
cos y  vencidos  do  trabalho  de  resisten- 
C  Fi^<»-  cia  táo   desproporcionada.    Aqui  acodio 
rio  a/li'  o  Vigário  joáo  Coelho  com  hum  Ghris- 
ma  os      to    arvorado    ,    dizendo   ,    que    aqueile 
soldados,  Deos  5    cuja    causa   defendiáo  ,    era    o 
Autor   das   victorias  ;    com    cuja    vi  ta 
íilenrados    aqueíies  fieis,  e  foites  com- 
panheiros ,   parecia    que    obraváo    com 
forças   mais    que  humanas  ;  porque  ne- 
nhum   mostrava    das   feridas   ira^uezi  , 
ou  sentimento  ,  durando  na  bat.ii/ia  com 
o  mesmo  ardor  ,  e  espirito  com  que  a 
começarão. 

Jâ   declinava    o  dia  ,  e  os  Turcos 
,    com  os  nossos  mcnalmente  abrazados , 

por 


Livro    IL       m 

por  humas  mesmas  feridas  vertiáo  san-^ 
gue  próprio  ,  e  alheyo  ;  e  como  hum 
exercito     inteiro    carregava     sobre    táo 
poucos  defensores  ,  chegarão  os  nossog 
jold.dos   a  receber  muitas  lançadas  cm 
huma    só  ferida.     Parecerá    exageraçam 
o   que    como    verdade    referirrjos.      Os 
grandes    feitos  ,    que     os    Portoguezes 
obrarão  neste  dia  ,  o  Oriente  es  diga , 
cu   cuido  ,    que  da  i ilustre  Dio   ,    lhes 
será    cada    pedra    hum    epitatio    mudo* 
Porém  dos  cinco  Cavíilleiros  ,  que  ha- 
vemos referido ,  náo    deixaremos    com 
ingrata    penna    os   nomes  em    silencio. 
Estes  foráo   Sebastião    de  Sá  ,  António  Nomes 
Peçanha  ,    Benio    Barbosa  ,    Berthola  Ví^j  <^i'»- 
rtieu    Corrêa    4.    Mestre    Joáo   Cirurgião  ^<^  solda' 
àè  nome.    Com  a  peleija   se  acabou  o  ^^^^^ 
áia  -y    mandou.  Rumecáo  tocar   a  reco- 
lher •  depois    de  .  haver    perdido     ncsie  Refira- 
assalto    setecentos    soldados    ,    e    sem  se  Rn- 
conta    os    feridos    ,     de   que    morrerão  mccão. 
muitos  mal   assistidos  na  cura  ,   porque 
pola    multidão    cansaváo    os    mestres   , 
c  faltaváo  os  remédios.  Dos  cinco   Ca- 
valleiros  ,    que    defenderão    o    baluar- 
te ,    morreo    só  Mestre  Joáo  despeda- 
çado   de    muitas    feridas   3    que   deixou 
bem  vingadas   ,    sem    querer    deixar    a 
briga  ,  nem  obedecer  aos  amigos  ,  que 
o   retiraram    como    pessoa    táo    impor- 
P  tan- 


212  ViDá  deD.JoSoi^eCastio, 

tente  pola  arte  ,  polo  v^lor  não  me-. 
Partlcu-  nos.  Isabel  Madeira  sua  miilhcr  aco- 
lar  va-  So  a  atar-ihe  as^  feridas  morraes ,  e  de- 
Itír  He  pois  de  o  enterrar  por  suas  màos  com 
Isabel  poucas  lagrimas  ,  e  grande  sentimen- 
Mc.dci'  to,  acodio  ao  trabalho  das  tranqueiras 
»•«.  com    as  outras  matronas  ;    valor   estra- 

nho ,  on  raras  vezes  visto  amda  no  va- 
láo  mais  constante. 

Logo  que  se  retirou  o  inimigo  , 
mandou  D.  Joáo  xM?.scarcnhas  enter- 
rar os  morros  ,  que  estaváo  nas  ruí- 
nas do  baluarte  ,  sendo  levados-  de 
hum  sepulchro  a  outro.  Foráo  enter- 
rados juntos  pela  estreiteza  do  lugar  , 
e  do  tempo  ;  talrando-  fúnebres  hon- 
ras ,  e  piedosas  lagrimas  a  táo  hon- 
radas cinzas  >  porém  dormem  com 
saudade  mayor  da  pátria  cm  humilde 
jazigo  ,  que  aquelles  ,  que  em  urnas 
de  alabastro  deixarão  de  huma  vida 
sem  nome  ociosa  memoria.  A  D.  Fer- 
nando de  Castro  depositarão  em  se- 
parado emerro  ,  por  se  o  Governa- 
dor seu  pay  qiiizesse  trasladar-lhe  os 
ossos  a  lugar  diíFerenre  ;  lavtar-lhe-Kia 
tumulo  mais  soberbo  ,  porém  náo  mais 
illustre.  Depois  que  o  Capitão  mor 
cobrio  aos  companheiros  d&  piedosa 
terra  ,  acodio  a  rep:^rar  o  estrago  ,  que 
deixara    o    assalto    nas  paredes,  a  que 

aju- 


Livro    II,        2J3 

aiudmo  as  mulheres  companheiras  do 
trabalho,  e  perigo.,  sem  reservar  tem- 
po ,  e  lu^ar  para  a  dor  ,  e  lagrimas 
dos  filhos  ,  e  maridos  ,  què  viráo  es- 
pirar com  seus  olhos  ,  e  cilas  mes- 
mas haviáo  sepultado  ,  encobrindo  o 
sentimento  natural  com  nunca  visto 
exemplo. 

Reparados  os  baluartes  com  as  pe-  ^eter-^ 
dras  ainda  quentes  do  sangue  ,  e  do  "J^"^Ç'^<' 
.incêndio  ,  chamou  o  Capitáo  mór  a  !  '^/" 
conselho  os  poucos  companheiros  ,  que  ^'^^  '"*''* 
sobreviverão  ao  estrago  ,  representan» 
do-lhe  o  miserável  estado  em  que  se 
achaváo  ;  a  mayor  parre  dos  defenso- 
res mortos  -,  os  que  ficavão  eicfermos  , 
e  feridos  ;  destroçadas  as  armas  ;  cof-^ 
«rupto  o  mantimento,  as  muniçv^ens  gas- 
tadas j  a  fortaleza  posta  por  terra  ;  os 
mares  com  os  temporaes  do  inverno 
cada  vez  mais  cerrados  ,  o  inimigo 
vigilante  ,  e  soccorrido  por  horas  , 
com  a  noticia  de  todas  estas  faltas  i  e 
que  considera Jo  pedia  a  todos  ,  que 
náo  se  lembrando  das  vidas  ,  o  acon- 
selhassem ,  como  melhor  pcderiáo  sal- 
var a  honra  de  seu  Rey  ,  e  as  suis  ; 
que  entendessem  ,  que  esravao  como 
espectáculo  áo  mundo  ,  e  tinháo  so- 
bre si  os  olhos  do  Orienre  todo  ,  expos- 
tos z  merecer  a  mayor  fama,  ou  a  mayof 
V  ii  in- 


^4  VióA  DE^D; jdliô  DÉ  Castko. 

infâmia  j  4^6  se  nlo  podiád  alcançar  a 
yiçíona  5"'pociiáo'  privar"  áella  aos  ini- 
migos ,  pois  estava  nas  mios  de  rodos 
p  poder  ?.cabar  gloriosamente ,  ganhan- 
do mayor  honra  destroçado^  ,  que  os 
Mouros  victoriosos  j  qiie  os  havia  cha- 
naado  para  lhes  communicar  a  resolu- 
ção cm  que  eslava  ,  esperando  ,  que 
todos  a  approV':Hí>sern  ,  a  qual  erá  que 
em  se  gastando  '  esse  pouco  mantimen- 
to ,  e  muniçoens  ,  que  havia  ,  quçj» 
mar  a  roupa  ,  cravar  a  arrelharia  ,  e 
sair  com  as  espadas  nas  mãos  a  buscar 
o  inimigo  ,  parx  que  náo  pudesse  cha- 
mar vict0'ia  aqaeíla  ,  em  que  não 
acharia  cativos  ,  nem  despo;os.  Ou- 
vido D.  joáo  Mascarenhas  ,  não  hou- 
ve soldado  a  quem  náo  parecesse  que 
tardava  o  eííeito  de  resolução  tão  vâ- 
lerosâ.  Diga  Roma  ,  se  acha  nos 
sens  Annaes  escrita  huma  acçáo  tão 
illustre  dos  seus  Fabios  ,  Seipioens  , 
'OU  Marcellos. 

Em  quanto  estas  cousas  passavao, 
^ '^^^'^^  andava  D.  Aivaro  de  Csitro  com  as 
^'^    '  j'  tormentas   do  inverno    a   braços  ;    poí- 

voro  de  ,  ^      i      l 

CiJtro.  S^^  sendo  vinte ,  e  quatro  de  Junho  , 
tempo  em  que  se  náo  deixa  navegar 
aquelles  mares  ,  eile  ,  temendo  o  pe- 
rigo da  fortaleza  ,  e  d.?sprezando  o 
4a  armada  ,  lorçava  o  rerao  navegan- 
do 


.-^^x^A-^í^  l."^-.?!    O      II.  215' 

òo  por  debaixo  das  onda?.  Era  o  ven- 
to travessão  ,  e  es  nitres  andaváo  táo 
cruz.tdus  ,  c  soberbos  ,  que  cçmiáo  o^ 
navios  ,  huns  abertos  'com  a  força  do 
venço  ,  outros  sem  mastos  ,  e  desen- 
xarcea dos  anJaváo  sem  governo  á  von- 
tade d:is  ondas  ,  e  se  hiáo  alagando 
por  hum  ,  e  outro  bordo  ,  sem  ne- 
nhum obedecer  ao  leme.  D.  Álvaro 
obstinado  em  soccorrer  a  Dio  ,  anda- 
va a  huma  ,  e  outra  parte  errando , 
vendo-se  por  momentos  soçobrado  ; 
até  que  com  o  trabalhar  do  navio  ,  Arvlha 
lhe  sal  [OU  o  leme  fqra  ,  com  o  cjue  Ba^êin 
impaciente  arribou  a  Baçaim  destroça- 
do com  alguns  navios  de  sua  conser- 
va y  outros  tomarão  difFerentes  por- 
ros ,  e  ensead.ts.  Aqui  achou  D.  Ál- 
varo a  D.  Francisco  de  Menezes  ar- 
ribado com  j  mesma  fortuna  ,  de- 
pois de  haver  huma  ,  e  outra  vez  ten- 
tado o  golfáo  ,  que  achou  com  ral  bra- 
veza ,  que  alijou  ao  mar  as  muniço- 
ens  ,  e  mantimentos  qwe  levava  ,  por 
salvar  o  casco. 

Neste  tempo  chegou   Anronio  Mo-  ^^^5** 
riz  Barreto   com  o  caraveláo    d.^s   mu-  ^■^"•^  -"^ 
niçoens  ;    e  cor.^.o  era  táo  geral  a  tor-  '^^^"''  ^ 
menta  ,    esteve  muitas  vezes  perdido  ,  ^^f»^*"'- 
C  surgindo   o    entregou     a     D.    Ai  varo 
com  animo  de  pa?saV  a  Dio  ,  a  despei- 
to 


ii6  Vida  de  DJóXo  de  Castro. 

to  dos  mnres   ,    em   qua!(^uer   embarca- 
ção que   achasse   ,    como  saboreado   dç 
hum  perigo  par^.  entrar  em  curro.  Es- 
te dia  ,  crescendo    o  tempo,  começou 
a   çnssear   o   caraveláo  ,   e  trincou  duas 
«marras  i   e  como    era  baixel   táo  im- 
portante 5  por   trazer    as  muniçoens  do 
soccorro  ,    remou    D.     Álvaro    acodir- 
lhe  i    e   por  mais    que    trabalharão    os 
marinheiros  ,    náo    puderáo    çhegsr-lhe 
Snlvíi  o  c°"^   ^  ^"^'^v''^   ^^  tempo.    Porém  Anto- 
caravç'    "»c)    Moniz   Barreto  ,    metendo-sc    em 
-jâa   M  huma  G  ai  veta  ,    que   acaso  achou    na 
manti-      prava  ,  os    de  terra  o  viráo    mil  vezes 
msntos.    soçobrado  ;    mas    com.o    era    embarca- 
rão   táo    leve   ,    e  nio    fazia   resisten-» 
cia    aos   m.ares  ,    sobre  elles   vagamen- 
te  se  festinha.    Em  íim    chegou  »  deu 
cabo  ao  caraveUo  ,  o  qu'*!  contra  o  juizo 
de    todos  ,    com  mais  forcuna   qnç  ra- 
zío  ,  trouxe  ateado. .  E  f.zendo  discur- 
so qje  só  aquella  embarçíjçáo  ,  por  le- 
v5  ,  c   pec3uena  ,  poderia    penetr.ir    ma- 
res   t£0   i^rossos  ,   na   qual  faria  menos 
impressão^  o  choque    e  embale  das  on- 
e-á5  ,  a  comprou    a   hum  mercador   ce- 
creramenre  ,    e  com    alguns    marinhei- 
ra   .       ros  p:5s;g^  á   sua   vontade ,  se  veyo  em- 
J/;;T    barcar    nel!a.    Estna     ac:^so    ng    prayi 
2ii^:'i     <^-''CÍa  Rodriguez  de   Távora   ,    e  ven- 
pnra        do    a   lesoluçáo    de    Antomo  A:oniz  , 


L  I  V  R  o     IL        217 

IfíC  pedio  o  levasse  ccnsigo ;  escuscu-se 
o  Moniz  dizendo  ,  cjiie  iKe  não  con- 
vinha acoinpanhar-se  de  homem  láo 
grande  ,  que  lhe  fizesse  sombra  ,  por- 
que «queria  só  pira  si  este  peric;o  ,  sem 
que  na  sua  embarcr.çáo  parecesse  se- 
gundo. Garcia  Rodrigues  lhe  affirmou-, 
que  em  toda  ?.  parte  confessaria  ,  que 
clle  era  o  que  o  iQvava  ,  e  que  disto 
lhe  passaria  e?criro;i.  Com  tanto  escrú- 
pulo se  trataváo  naquelle  tempo  os 
pontos  da  opinião.  Satisfeito  António 
Moniz  d'esie  comedimento  ,  deu  lu- 
^ar  a  Garcia  Rodriguez  ;  e  vendo-os  Aí/*tfír/ 
hizer-se  ao  mar  Miguel  de  Arnide  ,.hum  ile  Jrni- 
soldado  de  corpo  ai;igantado  ,  c  mayor  «^  ('s 
ainda  no  brio  ,  que  na  estatura  ,  bra-  ^cempa- 
dando  lhes  de  terra  ,  lhes  disse  :  Como  ,  "^^* 
senhores  ,  sem  mim  passais  a  Dio  ?  Náo 
cabeis  cd  ("  lhe  respondeo  hum  delles.  ) 
Mas  o  valeroao  soldado  ,  lançando-se 
ao  már  vestido  ,  com  huma  espingar- 
da na  boca  ,  hia  nadando  demandar  a 
Galveta.  E  vendo  António  Moniz  ráo 
grande  gentileza  ,  pairou  para  o  reco- 
lher dentro  ,  dizendo  ,  que  levava  hum 
bom  soccorro  a  Dio  ,  em  táo  bom 
companheiro. 

Foráo  aquelles  Fidalgos  navegan-  Perlrot 
do  com  tempos  tão  rijos  ,  que  an-  «^a  vm- 
daráo    todo   aqyeUe    dia  ,    c    noiíe    à  g^^' 

mi- 


2t8  Vid/^  de  DJoXodé Castro. 

misericórdia    dos    ventos    ,     obedecen» 
do  a  Galvera   aos  mares  sem  carreira  , 
ou  govemo.  Huír.as  vezes  a  faziáo  sur- 
•^ir  as  ondas  ,  outras  perder    o  <]'ie  ti- 
mháo     canjado.     Foráo    correndo     com 
huma  monera    ao  pé    do  masto  á  dis- 
xriçam'  dos  mares  ,  a^ue  a  alagaváo  por 
hum  ,   e  outro  bord-^  ,    os   quacs   ape- 
arias  podiáo    vencer  com  baldes.    Nesta 
íadií^a   ,    e  risco  passarão    a  noite  toda 
fendidos    do    continuo    trabalho  ,    sem 
•que  com    a  escuridão    d^ella  ,    e  cerra- 
ção   do    tempo  ,  pudessem    conhecer  a 
paragem    em  que  estaváo.    Amanheceo 
o  dia  com  pouca  differença   da  noite, 
e    elles    continuando    com    a    luta    das 
ondas  ,  aic  que  sobre  a  t:rde  houveráo 
vista  da  fortaleza  ;    porém    táq   arrasa- 
C/jcoão    da  ,    que  apenas     se  dava    a  conhecer 
a  Dio,     polas  ruinas.    Chegarão    cm   íim  a  dar 
fundo ,    sem   que   fossem  sentidos    das 
vigias  i    argumento  de   ser   a  fortaleza 
perdida.    Bradou    António  Moniz   alto , 
e  sendo    ouvido    dos    de    dentro  ,    fo- 
ráo    correndo    dar    aviso     ao    Capitão 
-Dtsc^n-  rnbt.    Aqui    se   conta   ,  que  perguntan- 
fianci     do   as  vigias  ,    quem  erâo  ?  Responde- 
bvlo\r.      ra  hum    soldado  ,    que  Garcia    Rodn- 
</<".*fj      guez  de  Távora  ;  o  que  António   Mo- 
tfotis  /1%-niz  sofrendo  mal  ,  disse  j  que  eile  era 
dal^os.    o  que   aUi  vinha  i  e  pudera  a  descon- 


Livro    II.        219 

fiança  chegar  a  mayor  rotura  ,  se  Gar- 
cia Rodrigues  cortez  ,  e  comedido  » 
não  temperara  o  animo  de  António 
Moniz  justamente  sentido  ;  se^  bem  o 
tempo  ,  e  o  motivo  puderáo  fszer 
desprezar  queixa  táo  leve.  Chegoa 
D,  João  Mascarenhas  ,  e  levando-o$ 
nos  braços  ,  lhes  disse  ,  quanto  esti- 
mava táo  opportuno  soccorro.  Per- 
guntou a  António  Moniz  ,  onde  se 
achava  D.  Álvaro  de  Castro  ,  o  qual 
lhe  respondeo  em  voz  alta  ,  que  os 
soldados  ouvirão  :  Aqui  senhor  ,  em 
Madrefabat  o  tendes  com  sessenta  na- 
vios ,  e  com  a  primeira  vaga  do  tem- 
po lhes  vereis  as  bandeiras.  E  em  se- 
creto lhe  disse ,  que  ainda  ficava  cm  Dco  no- 
Baçâim  arribado  ,  depois  de  rentp.r  o  vas  de 
golfo  muitas  vezes,  mas  táo  impacien  ^.  --í»* 
te  na  t^,rdança  ,  que  náo  esperaria  tem-  ^aro^ 
po  para.  vir  soccorrelo.  Esta  nova  foy 
festejada  de  maneira  ,  que  os  soldados 
com  danças  ,  e  folias  ,  esqueciáo  os 
trabalhos  ,  passados  ,  na  esperança  do 
soccorro  vezinho  ;  e  os  que  haviáo 
miJitndo  com  D.  Álvaro  ,  com  a  ex- 
periência de  seu  brio  ,  certific2váo  a 
vinda  a  despeito  dos  mares  e  dos  ven- 
tos. 

D.    João    Mascarenhas    agasalhou 
05  hofpedes    no   baluarte    S,  ]oáo  ,    e 

S. 


líio  VídadeDJoSo  ds Castro. 

S;  Thomé   (^ue  eráo    os   mais    arruina^ 
dos,  dando-ihes  estes  mimos   da  guer* 
ra  ,   como    a   beneméritos    dos  mayo- 
res  perigos.    Náo  era  neste  tempo  me- 
nor   o    risco  ,    mas  já  menos  te?niJoi 
Mandou   António  Moniz  a   embarcação 
cm  cjue  viera  ,    a  seu  primo  Luiz    de 
Mello  de  Mendoça  ,  que  li^a  havia  pedi- 
Uvlsa  o  do.  Passarão  nella  alciuns  soldados    es» 
cnpittio  tropeados    com  cartas   do  Capiráo  mor 
tnór  a     a  D.   Alvaro   de   Castro   ,  cm  que  lhe 
V.  Al*    (j;iya  conra    de  todo    o  succedido  ,  re- 
Vúr9,       ferindj-lhe   em  summa   as  necessidades 
que   temos   relatado.    Chegou  a  Galve- 
ti  a  Bíçiim  com  grande  alvoroço  dos 
que   n  viráo  ,  polas  novas  de  estar  ain- 
da   por   ElRey    a    fortaleza  ,    se   bem 
miítur.^das  com  as  fezes  de  tantas  mor« 
te>  5    entre  as  qnaes    foy   muy  sentida 
íj  de   D.  Feinando  de  Castro  ,  que   em 
táo  verdes  annos  deixou   de  si  táo  hoix- 
rada    memoria.    D.    Alvaro    a    recebeo 
com  a  constância  de  soldado  ,  tomando 
por   alivio  achar-se    com    a   espada  na 
O  (juaJ     mio  para  vingaia.  E  logo  aquella  mes- 
sahc  de    ma   tarde  mandou  sahir  a  armada  com 
haçainu  ordem  ,   que    todos    puzessem    a   proa 
em  Dia  ,    e  qns  nenhum  navio  aguar* 

Conú'      ^^'^^^  F^*^  outro. 

v.^n  R«-  E-ãret?,nto  Rumecão  vendo  ,   que 

k;í^í,íV)  ííj  obravão  mai3  as   minas,  que  os  assaU 

minas,  ^OS  > 


Livro    H*       ^^i 

tos  ,  sabendo  de  alguns  escravos  ,  qn« 
da  ío.-talcza  haviáo  fogido  da  fome  ,  e 
Ao   perigo  5  o  «emimemo  com  que   os 
nossos  estaváo  pela  fcAlta  de  tantas  pes- 
soas illusires  5  ^ue  acabarão    na    mina  , 
e  a  estreiteza  com  que  se  repartiáo  as 
n)uniçoens  ,  e  mantimentos  ,    resolveò 
conuinuar    as   minas   ,    que  se   obrâváo 
<;om  menos  risco  ,    e  com  maycr   et- 
feito  i    para   cujo   intento    mandou   pi- 
car o  baluarte  5'anctiago  ,  e  o  lanço  de 
muro  que   para  elle   corria   ,    tudo  por 
estradas    torcidas,  e  encubertas  ,    para 
fios  esconder  o  desenho   ,    e  assegurar 
os  seus    trabalhadores.    D.    ]oâO    Mas- 
carenhas   cauto  ,    e  prevenido  ,    argu- 
indo   d'aquella    breve    pausa    que    fa- 
ziáo    as  armas  do  inimigo  ,  que  traba- 
lhava  em  outra  nova  mina  ,  temendo- 
se    do  baluarte    de   Amónio    Peçanha ,       ^^^^ 
!nandou-Ihe    fazer   alguns   rep.-^iros  ,    ^  J^lHl 
íibrir  escutas  ,  por  onde  conheceo  ,  que  ^^^^^  ^^ 
por  aquella  parte  se  picava  o  muro  :  o  ^.^^^^^^ 
qual  o  inimigo  achou  táo  forte,  que  o  j^iias. 
ráo  podia  romper  o  picão  ;  difficuldade 
que  venceo  com  vinagre  ,  e  fogo.  Dori- 
de  se   vc  que  a  estes  inimigos  da  Ásia 
náo  falrava  valor ,  nem  disciplina  ,  como 
erradamente  escrevem  ,  os  que  cm  aba- 
timento   de   nossas  victorias  ,  imagirín- 
ráo    os  Mouros  Orientaes  bárbaros  ,  e 

bi- 


212  VíDA  DE  DJoXo  DE  Castro. 

bisonhos.  Com  este  artificio  começou 
a  arruinar  o  muro  ;  e  logo  entre  o 
baluarte  S.  Thomé  ,  e  o  Gubello ,  or- 
denou Rumecáo  ,  que  se  lavrasse  a  mi?« 
na  ;  a  qual  sendo  conhecida  dos  nos- 
sos 5  lhe  fizeráo  contramina  ,  e  alevan- 
taráo  por  dentro  huma  parede  forte  ;  c 
como  esraváo  faltos  de  materiacs ,  e 
gente  ,  acodirão  aquellas  honradas  ma- 
tronas ao  serviço  de  táo  pesada  obríi 
em  beneficio  dos  feridos,  e  enfermos  , 
que  náo  podiáo  suprir  este  trabalho  9 
nem  táo  pouco  escusalo. 

Logo  que  Rumecáo  teve  posta  em 
perfeição  a  mina ,  determinou    á  som- 
ÍDta    delia    dar    hum  geral   assalto  ,   c 
chamando  a  si  03  Cabos  do  exercito, 
e  os  que    estaváo    escolhidos    para   es- 
calar o  muro  ,    escrevem  que  lhes    fez 
Jnlma     ^^ta    falia  ;    „    Aquellas    ruínas  ,    que 
Rume-     9>  estais  vendo  ,    tintas    no  sangue  de 
caã  os      ))  nossos  companheiros  ,    háo    de   ser 
seuspa-    „  hoje  nosso  sepulchro,  ou  nosso  alo- 
rã  outro  „  jamento.    Cem  soldados  sáo  os  que 
assalio,    „  guardáo    aquellas    estragadas     mura- 
5,  lhas  ,  aos  quaes  a  fome ,  e  as  feri- 
„  das   tem   tirado    as   forças  de  sorte, 
5,  que  só  peleijamos  com  as  sombras  , 
^  dos  que  já  foráo  homens  ,  ofFerecendo 
„  os    miseráveis     aos    nossos    alfanges 
„  vidas    sem  sangue.    A  honra  ,    que 

,,  nes- 


Li  V  r  o    II;  '     iij 

^3  neste  cerco  tem  ganhaáo    com  v.ilor 
5,  infelice ,  ha  de  ser  toda  nossa  ,  por- 
55  que    do  fim  da  guerra   tomáo  nome 
5,  as    empresas  ;    que    o  mundo    julga 
„  sempre  o  yalor    da  parte    da  ultima 
,,  fortuna.  Acabemos  de   f,anriar   aquel- 
j,  lá   fortaleza  ,  subamos  a  este  m.onre    .. 
^j,  de   triumphos    ,     vingaremos    infini- 
'jy  tas  injurias    com   hum  a    só   victoria. 
"^f  Livremos    esta  escrava    da  Ásia  das 
Vj  prisoens   do  tributo  ;  livremos  nossos 
f^  mares ,  qcie  debaixo  de  suas  armadas" 
^,  violentados  gemem.    Com  este  uiti- 
-,,'Tno  assalto  porem.os  fim   à  táo  illus- 
*^3r,  tre  empresa  ,  e  se  acordará  o  Orien- 
•„  te  idades  largas  com   alegre   memo- 
'i,- ria  de  tâo   fermoso   dia. 
'  ^■"     Acabada  a  "pratica  ,  frjliou  ,  e  ani- ^j'''''^^- 
fnou    aos  particulares    com  razoens  ac- ''^'" '^ 
commodadas  ao  tempo,  e  ás  pessoa  j  ,  ^f^"^']'^ 
sinalando    premjos    aos    primeiros    que '^^''''*^^'*' 
subissem    ao  muro   ,    como    poderá  '  o  '^^' 
mais   sábio  ,    e  pratico  capitáo  da   Eu- 
ropa. No  mesmo   dia  ,    que    foy  o  de 
áezaseis    de   Agosto,  sahio   o   inimigo 
com    todo  o  poder,  de   seus  aíojamen- 
tos   ,     e    repartmdo-se     ordenadamente 
pelos    baíuart-s ,  deixou  o   mayor  gros- 
so do  exercito  ,  para  accommetter  o  de 
Sanctiago   ,    por    onde  esperaváo    abrir 
a  poru  á  victoru  ,  -ao    qual    se  àrfo»»- 

ráo 


22-4  VíoaoeD.JoXo  DE  Castro, 

fáo  tumukuariamente  ,  dando  cspar.» 
tosas  voses  ,  e  tirando  sobre  elles 
grande  copia  de  armas  .de  arremesso- 
para  chamarem  á  defensa  a  mayor  for- 
-,  .  ça  dos  nossos.  Ateou-se  por  e^ ia  parte 
com  mayor  calor  a  bri>a  ,  ate  que    na 

n  mina       r  j  -^  n-  r       •    i         ^.    ■      : 

com  da-  ^^^Ç^  "^  conHicro  ,  hngmdo  o  mimi- 
iw  das  S^  '  ^"^  ^^^'^  ^  nossa  resistência  ,  se 
inimi'  xetirou  subitamente,  como  à  sinal  cer- 
gci,  to.  Os  nossos  ,  que  esta  vão  sobre  ayi* 
so  ,  conhecendo  o  engano  no-  temor 
simulado  ,  com  <]ue  se  feirahiáo  ,  se 
àparraráo  também  do  baluarte  ,  espe- 
rando c]ue  rebentasse  a  mina.  Deráo-ííie 
os  Mouros  fogo  ,  o  qual  achando  re- 
sistência T)os  repjxos  ,  e  escarpas  da 
muro  ,  que  lhe  contrapuzeráo  ,  reben- 
tou pela  face  de  fora  retrocedendo  ;. 
e  voando,  a  cortina  do  mtiro  ,  a  lan- 
çou sobre  os  Mouros  cora  tão  grandp^^ 
vidência ,  que  matou  mais  de  trezen- 
tos ,  e. muitos  mais  ficarão  estropea- 
dos. 

Ficou  a  fortaleza  espaço  grande  es- 
condida  em  niivens  de  pó  ,  e  famo^ 
sem  que  de  huma  ,  e  outra  parte  se 
conhecesse  o  d.\no  y  mas  logo  que  se 
começarão  à  adelgaçar  os  ares  ,  aco- 
dio  o  inimiga  em  tropas  z  subir  pelos 
estragos  ,  e  rtxíiias  do  fogo ,  com  tanta 
certeza   de  vicroria- ,  qju^-  hims.  aos  ou- 

tsoa 


L   í  V  B    o      II.  21? 

tros  fsziío  impeuimento  ,  espmulacios 
da  cobiça  do  premio  ,  ou  da  imbiçáo 
da  honra.  Porem  os  nossos  os  rece- 
berão nas  lanças  ,  fazendo-os  voltar  em 
pedaços  sobre  os  opprimidos  da  mina. 
Trás  estes  accon^mei terão  outros ,  oue 
depois  de  peleiiarcrm  gra;ide  e  paço  , 
foráo  também  derribados  dos  nossos  ; 
aos  qudcs  des.'itinaváp  muitas  seitas  , 
chuços  ,  e  alcanzi.-.s  de  fogo  ,  que  ti- 
raváo  do  campo  ,  com  que  nos  encra  • 
vaváo  alguma  gente ,  e  impediáo  a  de- 
fensa aos  soldados  attenrps  a  hum  c 
outro  perigo  ;  porém  assi  abrazados  ,.^^ 
feridos  ,  náo  Houve  algum  ^ue  largasr 
se.  o  iugar  que  sosiinha  ,  onde  fizeráo 
táo  heróicos'  feitos  ,  como  se  deixáo 
Ter  no  succe^so  ,  e  na  desigualdade  da 
peleija.  O  fo^o  ,  que.  os  Mouros  lan- 
ç£váo  no  baluarte  ,  era  tanto  ,  que  os 
BOssGSívpeleijaváo  em,  hum  incêndio  vi- 
vo i  a  f;ue  o  Capitão  mór  occorreo  man- 
dando trazer  rin«s  de  agua  onde  mi- 
tigaváo  ,  ou  exringuiáo  os  vestidos  ,  e 
corpos  ahrazadcí.  Como  a  esta  parte  ^c' 
inclinou  mais  o  poder  do  inimigo,,  i:\^^ 
bem  aqui  lhe  fez  opposiçáo  mayor  "a 
Éttrça  dos  no>sOi  ,  com  que  se  í.cendeo 
í  peieija  mais  viva  ,  soccoriida  dos 
Mouros  por  momento;  com  ger.ce  de 
refresco  j,e  assistida  com   a  pKSírnça  , 

ç 


■.v.:^ 


ii6  Vida  de  D JoÂo  de  CastrOit 

e  voz  do  General  ,  que   os   esforçava. 

António  Moniz  Barreto  ,  e  Garcia 

Rodriguíz  ^de  Távora  ,  deráo    aqui  de 

seu  valor   huma   illustre  prova  ,  soscen- 

do  o   peso  dos   inimigos  com  constan-.- 

cia   não  vulgar ,  mostrando  os   mesmos 

brios  nos  perigos  da  terra,  <]ue  nos  do 

mar.  Muita  parte  da  honra    d''estQ  dia 

coube    áquellas    nunca    assaz    louvadas 

matronas,  não  só  companheiras  no  tra- 

Contlnu'  balho  ,   mas  também  no  perigo.  A  boa 

mo  as      velha  Isabel  Fernandes  com  huma  chu- 

mullieres  ça    nas  máos  ,    animava    aos  soldados 

icu  Vil-    com  palavras  ,  e  melhor  com  o  exem- 

ior,  pio  ;    e  as  demais  entre    as  secras  ,  as 

lanças  ,  e   pelouros,  ou  mostraváo  seu 

esforço  ,  ou  serviáo  ao  alheyo. 

Nos  outros  baluartes  náo  estaváo 
as  armas  ócio jas ,  porque  em  todos  se 
f eleijava  ,  para  com  a  diversão  facili- 
tar a  entrada  pelo  de  Sanctiago  onde 
havia  febent.ido  a  mina.  Ordenou  tam- 
bém Rumecáo  ,  que  se  batesse  a  Igreja 
da  fortaleza  ,  qiie  podia  ser  arrazíida  poc 
estar  emineme ,  crendo  naqueile  lugar, 
seria  mais  sensitiva  a  oíFensa.  Poiém 
os  nossos  deráo  tão  grande  pressa  aos 
inimigos  5  que  chegaváo  já  troxos  ,  e 
tíbios  a  escalar  o  muro  ,  detidos  na 
horror  de  seu  mesmo  estrago. 

iVhndou  Rumecáo  tocâr  a  recolher 

im- 


L  I  V  11  o    II.        127 

impaciente   ,    deixando   sobre  quinhen*  Rstirão- 
tos  mortos  ,  sem  eonto  os  feridos.  Qual-  i^  osini- 
<]uer  dos  nossos  se  podia  contenrar  com  ^n^os 
a  honra  ,  que   ganhou  este  dia.  Miguel  ^^'^  P^'" 
de  Arnide  ,  aquelle    valercso    soldado  ,     * 
se    assinalou    tanto  ,    que    mostrou    ser 
ainda    aquelle    corpo    pequeno  para  ta- 
manho   espirito  ;  e    como   a   táo  creci- 
da  creatura    acompanhaváo    forças    pro- 
porcionadas ,    o  que  alcançava   com   o 
primeiro   golpe  ,    escusava    o   segundo.  MojatC' 
Moiatecáo   ,   que  tinha   vindo    ao  exer-  cão  low 
cito    Com   hum  soccorro    grosso  ,  e  io  ^^  ^  '"<*' 
valor  dos  Portuguezes  faliava   com  des-  ^^'*  ^*^ 
prezo  ,  formando    differenre  juizo  com  ^'^^^'''' 
as  experiências    d'esce    dia  ,  dizia  ,  que 
eráo    dignos    de   que    os    servissem    as 
gentês   ;    e    que    a   fortuna    do   mundo 
estava    cm    serem    elles    tam    poucos  , 
porque   a    natureza  ,    como    a  leoens  , 
os   tmha    feito  raros^,  encerrando-os  nas 
covas  do  ultimo  Occidente. 

Este  dia  perdemos  sete  soldados ,  e 
fcarâo  vinte  e  dous  abrazados  ;  e  já 
os  sáos  eráo  táo  poucos  ,  que  náo 
bastaváo  a  curar  os  feridos  ,  e  menos 
â  repairar  as  ruínas  da  fortaleza  ,  pa- 
ra que  faltava  tempo  ,  materiaes  ,  e 
genre  ;  mas  como  Rumecáo  achava 
nos  assaltos  táo  dura  resistência  5  fazia 
de  nossas  forças  differenie  concei- 
Q  to. 


228  Vida  DE. D JoÂo  D£  Castro. 

AvUado  to.     Neste    tempo  fugirão    para   o  ini- 

"Rume-  migo    três  escravos   nossos  ,    os   quaes 

cao  de  Jevaccs  a   Rumecáo  ,    lhe  afnrmaráo  , 

^'^\^^~  (]ue    na    fortaleza    náo    havia    sessenta 

í"'^''/  soiJados  ,  que  pudessem  tomar  armeis, 

iíi^  idos,  ^     ?  1     i    ■ '  •        1      ■  r 

e  estes  muito  debiiitados  com  a  rome , 
e  continuo  trabalho  das  obras  ,  e  vi- 
gias 1  nos  cjuaes  náo  acharia  mais  que 
obstinação  sem  forças.  Com  a  certeza 
c'-e^iQ  aviso  ,  resoiveo  Rumecáo  assal- 
tar-nos  com  rodo  o  poder  para  o  se- 
guinte dia  ,  dechrando  aos  seus  o  es- 
tado em  que  nos  achávamos  ,  e  ma^^ 
dando  ,  que  todos  o  ouvissem  da  boca 
dos  escravos  ;  os  quaes  discorrendo  pe- 
lo exerciío  ,  espt^.lhaváo  alegres  a  rela- 
ção de  nossas  misérias. 
Dâoiiíro  Logo  que  amanheceo  ,  se  ordenou 

assaho,  o  exercito  para  dar  o  assalto  ,  no  qual 
como  o  ultimo  da  guerra  ,  se  qu  ze- 
ráo  achar  todos,  e  alguns  vestirão  ga- 
las 5  crendo  .  que  hiáo  mai«  à  uium- 
pho  ,  Gue  a  peleija.  Snhiráo  de  seuá 
alojamenros  ,  com  todas  as  insi/.nias 
arvoradas,  tocando  d!ve?-;cs  instrumen- 
tos .  q'J;?  alternados  cem  a'  vozeria 
do  campo  ,  articulavão  eccos  barba 
fos  ,  e  medonhos  j  e  como  frãzião 
vencido  o  medo  com  as  noiicras  ,  que 
lemos  referido  ,  de  longe  se  avança- 
íáo   ao  baluarte    ;b\  Thgmé  ,   c^ue  por 

CS- 


Livro    II.        229 

estar    quasi   todo   arrasado    ,    as   ruinas 
lhes  serviáo   de  escadas.    Era    de   Tur- 
cos  esta   primeira   tropa  ,    que   arreme- 
leráo    confiados  ,  como  a   dar    a  victo- 
ria ;  porém   os    nossos   qnebr?.ndo   enire 
elles  algumas  panelas  de  pólvora ,   os  n- 
zeráo    retirar    abrazados.    Com   a   mes- 
ma  fúria   chegarão    outros  ,  que   depois  V^lerosa 
de   peleijarem    slgum    espaço  ,  voltarão  rcsisten- 
tambem    como    os  primeiros  ,    sar.gra-  '^^^  °^^ 
dos    do  nosso  ferro.    Mas    Rumecâo  ,  "'^^*^*'' 
crendo  ,    que    táo    continua    resistência 
nos    teria  consumidos ,  como    o  ferro  , 
que   cortando  se  gasta  ,  ajuizando   nos- 
sa   fraqueza    do   seu   mesmo    estrago  » 
bradou  aos  seus ,  que  subissem  à  tomar 
posse   da   fortjJeza  ,  qne    já    náo   havia 
(]uem  se  lhes   opuze^se.    Aqui   arreme- 
teo    lumultuariamente    hum    ^iráo  troço 
de    Mouros  esforçado;  ,  ou   crédulos  ás 
vozes    do  General.     Estes    com  o  pri- 
meiro   alento    cavâlgnráo    o   muro   ,    e 
começarão    a   pe!ei;ar    com    os   nossos 
braço    à   braço   ,    muitos ,  e   descansa- 
<3o3    contra    poucos  já  lassos  ,    e  feri- 
dos 5    porém    tirando    torças    do    brio , 
e   necessidade   ,    se    mostraráo    táo  va- 
lentes aos   últimos  ,  ccmo   aos  primei- 
ros.   Alguns   dos    inimigos   cahião    ,    e 
succediáo  outros   ,    com    que    esievc    :; 
forralezi     a>ulias    vezes   perdida.    Aqui 
Q  ii  acg- 


130  VíDA  deDJoXo  deCastro. 

accdio  D.  João  Mascarenhas  animan- 
do os  seus  ,  como  gráo  Capkáo ,  pe- 
leiiando  como  o  melhor  soldado  ,  e 
próvido  a  todas  as  occurrencias  da 
guerra .  tinha  prompto  todo  o  género 
de  armas  ,  de  que  se  ajudavão  os  nos- 
sos ,  niinisrradas  por  aquellas  valero- 
sas  mulheres.  Luiz  de  Sousa  ,  Capi- 
tão d'aquelie  baluarte  ,  fez  grandes 
gentilez-ís  nas  armas  este  dia.  Antó- 
nio Moniz  Barreto  ,  Garcia  Rodriguez 
de  Távora  ,  D.  Pedro  ,  e  D.  Francis- 
co de  Almeyda  ,  íizeráo  obras  dignas 
de  mjâvor  escruuva  ;  e  todos  os  mais 
Cavaíieiros  ,  e  soldados  ,  que  aqui  se 
acharão  ,  ajcançaráo  bem  merecida 
fama= 
j.  Mandou  Rumecáo  accommetter  o 

baluarte  S.  João  ,  crendo  pela  informa- 
^  çao  dos  escravos  ,  que  acha^^se  a  entra- 

cão  o  ha-  ^^  rranca  ,  mas  obrarão  tanto  os  pou- 
Itujvte  S.  ^^^  defensores  que  tinha  ,  que  obriga^- 
loãu  y  e  ^^^  ^  retirar  o  inimigo  com  perda  ,  e 
rdira-  com  vergonh?.  Rumecáo  assombrado  do 
^s^  que  via  ,  afíirmavà  ,  que  eram.os  instriir 

mentos  da  indignação  do  Ceo  cunrra 
Cambaya  ,  e  se;>unda  vez  tratou  de 
applacar  JVlafoma  com  algumas  ex- 
piaçoens  barbaras  ,  e  ridicuias  i  e  por- 
que nos  assaltos  perdia  muita  gente 
seiíi  frutQ  ,   e  os  soldados   já  tímidos 


L  I  V  n  o     II.        231 

tíespreznvão  2  obediência  com  o  hcr- 
Tcr  de  tão  ouondiano  estrago  ,  lor- 
fiCU  a  tentar  as  minas  ,  corno  arri- 
fiCio  ,  ou  mais  eíHcaz  .  on  mais  se- 
guro E  prir^.^iro  mandou  abrir  moi- 
tas sérteirns  na  parede  ,  que  dividia  o 
exercito  da  nessa  torraloza  ,  por  onde 
r€cebiáo  os  nossos  inuko  dano  ,  por- 
que peleijavão  como  em  campo  raso ; 
sem  abrigo  da  muralha  ,  que  estava 
arruinada.  Começarão  a  laborar  os 
seus  arcabuzes  ,  dando  continuas  car- 
gas. 

Ordenou  que  com  hum  Qucrráo  se  ^ntenía 
batesse  .-i  cisterna  ,  a  qual ,  se  chegara  orrorr.laf 
z   arrombar-se  ,  nos    perderíamos    com  ^  '  -'^íí^''- 
SQÒQ  j    covcto    mal  sem  remédio.    Esta  "^• 
cisterna    *isrá  á   enrrada    de  huma  rua  , 
que  chamamos   a  Cova  ,  que   foy  a  ca- 
va   antiga    dos    Mou^ros  ,    onde    se  re- 
colhia a  gente  inuiií.  Aqui  cahiáo  mui- 
tos pelouros  com  dano  dos  m.iseraveis , 
que  alli  se  abrigaváo  ,  e  perigo  da  abo- 
teda  que  cobria  a  c  sterna.  A  e  te  pe- 
rigo occorreo   o  Cr^itáo  mór  ,  ordenan- 
do  huma  tranqueira    atra    de   vigas  ,  e 
entulho   ,   com    qne  remediou    hum  .  e 
entro  dano  ,  furando  as  ca^as  pela   par- 
te  de  dentro  ,   -com-   que  de    hum  as  a 
outras  se  d. mi    serventia   «;egura. 

Enuetaiuo   traball:iav<iO  os   Mouros 


2^52  Vida  de  DJoXo  dh  Castro. 

na  r??ina  ,  que  h ia  demandar  o  baluar- 
te   Sanctia^o  ,    o    que    entendido    dos 
nossos  ,  ordenarão    por  dentro  repuxos 
forres ,  e  abrirão  algun*;   vaons   por  on- 
de se  vâzasse  o  fogo.  Chígado  o  termo 
de  rebentar   a  mina  ,    achou    tal  resis- 
tência nas   escarpas,   que  deu  com  par- 
Reuenta  te  do   batuar:e    para  a    banda  de   fora, 
outra       n^.arando    quantidade    de    soldados    ,    e 
mha       mineiros  ,    que  assistiáo  na  obra  ,  sem 
com  cííT'  (jue    dos   nossos   perigasse    algum  ,   íi- 
110  dos      cando  inteira   a  cortina    do  muro  ;  se- 
iniml'      fia  caso  ,    mas    tão  raro   ,    que  parece 
S"^^'        milagre.    Em  rebentando    a  mina  ,  su- 
_    .         biiáo    de  tropel    os  Mouros   pelas   rui- 
'ff^     nas    do   baluarte  ,  donde  se  lhe  oppu- 
^''^'^  ^_    zeráo    os  nossos  ,  desvelados    das  con- 
^^^^  tinras  vigias  ,    debilitados   das  fomes  , 

e  feridas  ,  sustentados  mais.  na  gran* 
deza  do  espirito  ,  que  em  forças  naru- 
raes  j  mas  ainda  assi  os  í^nimou  a  hon- 
ra-,  e  o  perigo  ,  de  sorte  ,  que  pare- 
cido peieiíar  com  forças  descansadas  , 
c  inteiras  ,  detendo  a  furiosa  corren- 
te do  inimigo  á  custa  d'eile  mesmo. 
Era  o  lugar  capiz  de  peleijarera  mui- 
tos ,  e  a  desigualdade  do  número  fa- 
zia o  perigo  mayor.  O  ruido  das  ar- 
ma? ,  a  confusão  das  vozes  ,  impediáo 
T^ andar  ,  e  obedecer.  Cairão  muuos 
IVIouros  ^  luíxs  pela  diligencia  dos  Ca- 
bos , 


L  I  V  n  o    II.        233 

bos  5  lhes  sr.cccc:i5o  outros  ,  com  o  que 
náo  deixavso  respirar  es  nossos  ,  accom- 
mettidos  de  longe  com  Armns  de  arre- 
messo ,  e  de  perro  p3'ciÍP.r.do  biiço 
a  hrp.ço.  Assi  aturarão  muitas  horas^ 
nebta  dura  contenda.  Tlveráo  os  ini- ^'''''"''f 
m.igos  íiií^ar  de  --arvorar  ire-,  bandeiras  **  '"*'"*' 
no   baiuarre  ,  defendidas-   de    boa-  copia  f  ^'/* 

j  .  ,    .  r^,  1  r     -      bondei' 

■de    espiniíarJejros.     u  este    íui:ar   torço 
cecendo  r.o  rnr.ro  ate  a  lgre|a  do  .'^pos-  '._,/, .^,.^^ 
rolo  Sanctir.go   ,    que    ficava    encostada  ^^^nctla- 
^.o  mesmo  B-iJiiarte  ,  m.etenco-se  ncs  ai-  ^^^ 
tos   da  casa  ]    com  o  que   írcou  o   ba- 
luarte ,  e    a- rareia  ^5     amerácfé    susten- 
tado   dos  Mouros  ,  e  a  ourrà  dos   nos- 
sos. 

Sob reveyo  a  noite-  ,   foriào  termo  tui^nd*. 
i  discórdia  ,  não    a  paz  ,    sénáo  a  na-  do  Cani" 
rúreza  ;    ainda  assi  com  gõlres  vagos  ,  '^^  "•'•''' 
e  ir^ceríos    continuarão    hurra"  cega    ba- "^-^  '-T^' 
raih^.   'Ordenou  logo    o    C?  pirá  o    mór  ''^^* 
hiima    fraca    trincheira  ,  qne   mais  nos 
dividia    ,    que    amparava    do    inimigo  ; 
a  qual    <■-&    obrou    com    as    armas    nns 
mãos  ,  quasi    furtiva  ,   ficando   por   alo- 
j.imeniG     dos  moldados    o  lu5:riT    da   b:i- 
talha  ;  onde,  nem  sobre  as  í^rmas  ,  po- 
diáo    ter  se.>uri>s   hum    pequeno    repou- 
so ,    pcroue    nem   para   curar    as    feri- 
das rín.h:.o    tempo    ,    cn  luf:»?r  cpporru*' 
no.  \áo  descansava  o  Capuáo  mor  com 

as 


234  Vida  de  DJoXo  de  Castro; 

as  armas  ,  e  menos  com  o  espirito. 
Mandou  aquella  noite  assestar  hum  Ca- 
melo á  porta  da  Igreja  ,  que  íicava  a 
cavalíeiro  do  baluarte  ,  e  com  elle  va* 
rejava  os  Mouros  ,  que  recebiáo  mui- 
to dano  ,  em  quanto  conservaváo  a 
posse  do  que  tinháo  ganhado ,  até  que 
se  cubriráo  com  huma  trincheira  gros* 
sa  ,  que  os  assegurava. 
-  .     ,  Náo  se  passava   menos  perigo  no 

íMe  aí  mar,  do   que    na   terra  ,    porque   logo 
Li^h'de  ^^^  chegou    a  Baçaim    a  Galveta    de 
Melld,     António  Moniz  ,   ao  outro   dia  ,    que 
se  contaváo  quarorze    de  Agosto  ,    se 
embarcou  nella  Luiz  de  Mello  de  Men- 
doça   com    quinze    companheiros    ,    e 
*.  apôs    elle    em  hum    Catur   D.  Jorge  9 

e  D.  Duarte    de  Menezes    com    deza- 
sere  soldados  ;    e  D,  António  de  Ac- 
tayde  ,    e    Francisco   Guilherme    cada 
hum    em  seu    navio    com    quinze  sol- 
dados.   Luiz  de  Mello  se  foy  logo  en- 
golfando, sordindo  pouco,  porque    le- 
vava   o    vento    pelo   olho  ,    e    quanto 
Perigos  mais  se  afastava  da  terra  ,  via  os  mares 
(jue  lem  j^^jg  g^ossos  ;    6  como  a  Galveta  era 
"^ '-'^     pequena  ,    e   estroncada,    e    as   ondas 
^'^"^'       tão  soberbas  ,  que  rebcntavão  em  flor , 
qnebrando-se  cruzadas  com  a  força    do 
temporal  ,  começou  a  entrar-íhe  a  agua 
por  hum  ,  e  outro  bordo ,  que  os  mari- 
nhei- 


L  I  V  R  o    IL         235* 

nheiros  despejavam  cem  baldes  ,  ven- 
do-se  por  momencos  soçobrados  ;  com 
que  já  areados  ,  e  timidcs  ,  grume- 
tes ,  e  soldados  requeri áo  a  Luiz  de 
Mello  ,  que  arribasse  ,  dizendo  ,  que  sa- 
biáo  peleijar  com  homens ,  e  náo  com 
os  elementos  ;  que  )a  náo  era  valor  , 
senão  porfia  ,  perderem-se  sem  fruto  j 
que  contra  a  indignação  de  Deos  náo 
valia  esforço.  Porem  Luiz  de  Mello 
os  applacou  ,  dizendo  ,  que  naquella 
Galveta  ,  e  com  a  mesma  tormenta 
passara  António  Moniz  ,  que  náo  le- 
vava melhores  comp-inheiros  que  elle , 
liem  lhe  tinháo  m?Às  cortesia  os  mares  j 
que  ninguém  acabara  cousas  grandes 
sem  perigo  ;  e  que  quindo  seus  com- 
panheiros 5  e  amigos  estaváo  ás  lança- 
das com  os  Turcos ,  náo  haviáo  de 
esperar  os  mares  leite  ,  e  os  ventos  ga- 
lernos p?,ra  ir  a  soccorrellos  ;  que  quan- 
do as  ondas  lhe  comessem  o  navio,  so- 
bre a  espada  havia  de  chegar  a  Dio; 
que  trabalhassem  ,  que  Deos  os  havia 
de  ajudar. 

O  temor  ,  ou  o  peio  d*estas  pala- 
vras,  fez  por  enráo  aquierar  a  todos  ^ 
a^si  foráo  aquella  tarde  ,  e  noite  lutan- 
do com  a  tormenta  ,  e-peranJo  que 
Cada  onda  os  soçobrasse  ;  e  nso  po- 
dendo  já   as  forças    com    o   trabalho  ^ 

ven- 


2^6  Vida  de  D.Joí^o  de  Castt^o. 

vendo    crfcer    o    tempord    por   instan- 
tes ,    se  conjurarão    os    marinheiros  ,  e 
soldados    a  obrigar    a    L-uiz     de   Meilo 
por  força  ,  que  arribasse;  dó   que   sen- 
Resiste    úo  avisiido    por   hum   Gomez   de   Qua- 
cos  ijue    dros  ,  so]d;ído    de   sua  obrigaçam  ,  ro- 
o^u-^reni     ^Qyy   gg  atmas    todas  ,  e  recolhidas    no 
arribar,    payd  ,  se  poz  em  si  ma  com   a  espnda 
na  máo  ,    dizendo  ,  que  aueni  lhe  fal* 
lasse  em  arribar  ,  ás  estocadas    lhe  ha- 
via   de  d.ir    a  reposta  ;  que    a  vida   de 
nenhum    d"'ellc3    era    de    mayor    preço 
que    a    sui   ,    para    se    não    quererem 
perder  ,    onde    elle   se  perdia  ;  que   pu- 
zessem  os  olhos   em  Dio  ,  porque  nem, 
a  honra    ,    nem    a   silvaçáo    tinháo    já 
outro    porro.     Vendo    os  soldados    esta 
resoluçáj  ,  e   os   marinheiros    mais    te- 
merosos   ào  Capitão  ,    que   da  tormen- 
ta ,    seguirão    sua  viagem   sempre    ala-, 
gados    ,    e  com    a   morre    bebida  ,  pa- 
recendo  ,    que    cada    ra)ada    de    vento 
£ke^<-t  n  ^^   sepultava.     Assi   forão    em   contin-jo 
Vlo^y  >i    naufrágio    navep;ando    ,    até   que    sobre 
JAnjvc:^  a    tarde    houveráo    vista    da    fcrraleza  , 
í/c  D.Al-  donde    forpo  olhados   com  cpanto    ,    c 
&aro.       alegria.    O"   Mouros    lhes   ciraráo    rr.ui- 
tas   bomba rdadas    20    entrar    da  barra  ; 
surgirão   sem  dano    na    Couraça  ,    onds 
o  Capitão  os  vcyo  a  receber  com  gran- 
de ^ivorcço  ,    a    quem    I-uiz    de  Mel- 
lo 


Livro    II.         2^7 

Io  âffirmou  ,  one  náo  pcderia  tardar 
dous  dias  D.  Aivnro  de  Castro  ;  nova 
que  foy  festejada  de  toJos  com  demons- 
traçoens  que  os  Mouros  entenderão  , 
de  que  fizeráo  juizo  >  que  p.ndaria  já 
no  mar  o  scccorro  ,  á  cuja  C2usa  deter- 
minou Rumecáo  apertar  mais  o  cerco, 
Luiz  de  Mello  com  os  seus  foy  apo- 
sentado no  baluarte  5anctiago  ,  de  que 
o  inimigo  tinha  a  mayor  parte  ,  que 
Kâvia  guarnecido  com  os  solciados  mais 
escolhidos  do  campo  ,  apostados  a  mor- 
rer na  defensa  do  que  tinháo  ganha- 
do. Ao  seguinte  dia  che;^nráo  D.  jor-  Chegai 
ge  ,  e  D.  Duaite  de  Alenezes  ,  ha-  «/'''-^'J 
vendo  passado  03  mesmos  riscos,  com-^^^^S^'* 
a  mesma  constância  ,  que  Luiz  de 
Mello.  Com  estes  scccorros  ,  mayores 
na  qualidade  ,  que  no  número  ,  pare- 
cia que  tinha  já  outro  semblante  a 
guerra. 

Imporrunavro    os    novos   hospedes 
a  D.  joáo  Mascarenhas    ,    que  os  dei- 
xasse ver  o   rosto   ao  inimͣ;o ,  tentan- 
do deitaio   lora    do   baluarte "5anctiago  , 
o  que  ç\Iq   concedeo    levemente  ,    que- 
rendo  tombem    acompanha-los.    A  prés- p,/,./;;^, 
taráo-se    para  o  outro  dia,  e  em  ^^^-senolnt- 
nhecendo    sobiráo    pelos    m»uros  ,    cem  luarte 
que    o   inin-iigo    se  ccbna  ,  lançando-^e  .v^-u-Z/d- 
aos  Mouros    táo   impetucsamence  ,  q^*e  ^0. 

os 


2,38  VíDA  DEDJoXoDECAsTKa. 
os  deitarão  fora ,  sem  lhes  valer  o  es- 
forço ,  e  resistência  com  que  se  de- 
fenderão, O  estrondo  das  armas  che- 
gou aos  ouvidos  de  Rumecáo  primei- 
ro ,  que  o  aviso  ,  e  acodir^do  com  to- 
do o  poder  áquelia  parte  ,  tornou  a 
travar  com  os  nossos  com  igualdade  no 
lu^nr  ,  e  venragem,  no  número.  Aqui 
se  peleijou  de  ambas  as  partes  ,  braço 
a  braço  ,  e  corpo  a  corpo  ,  ferindo-se 
com  ns  armas  curtas ,  sustentando  ca- 
da hum  com  o  sangue  ,  e  com  a  vi- 
íia  o  lugar ,  que  occupavn.  Os  nossos 
com  táo  inferior  partido,  fizeráo  tan- 
tas gentilezas  nas  armas  ,  que  os  Mou- 
ros os  olhaváo  de  fora  com  temor  , 
e  espanto ;  porém  como  eiáo  táo  de- 
siguaes  as  forças  do  inimigo  ,  tornou 
a  recobrar  aqueJia  parte  do  baluarte  , 
que  já  tinha  ganhado  ,  e  reforçando-a 
com  guarnição  dobrada  ,  mandou  dar 
hum  assalto  geral  á  fortaleza.  Pelei- 
java-se  por  todas  as  partes  com  ])uma 
mesma  fúria  ,  cahiáo  m.uitos  Mouros  , 
huns  cortados  do  ferro  ,  e  outros  abra- 
zados  do  fogo  ;  mas  no  mais  vivo  d 'es- 
te conflicto  se  começou  a  escurecer  o 
dia  com  huma  cruel  borrasca  de  ven- 
tos ,  agua  5  trovoens  ,  e  relâmpagos  , 
parecendo  ,  que  no  ar  se  âccendia  ca- 
íra nova  batalha. 

Os 


Livro    II.        159 

Os  Mouros  Vendo  que  a  agua  nos  Perigo 
apagava    as   cordas  ,  e  que  náo  podiâo  dajjrta^ 
ser  oíFendidos  com  as   panelas   de  pol-  leza  ,  e 
vora  ,   nem  outros   insrrumentos   de  fo-  '"^^^''  ^'*' 
go    ,    interpretando    a    favor    divino    o  '•^-■f^**' 
curso  ,  ou  variedade   dos    tempos  ,  per 
entre    espessos    chaveiros    se    cliegaváo 
aos  nossos  sem  medo  ,  com  vozes  ,  e 
algazarras  ,  como  de  quem  tinha  o  Ceo 
propicio,  Foy  este  o  dia  ,  em  que  mayor 
valor    mosiraráo   os  nossos  ,  e   em  que 
a   fortaleza  revê  mayor  perigo  ,  porque 
GS  Mouros    se   meriáo    pelas   lanças  ,  e 
espadas  ,  ca  brutos  ,  ou   valentes.  Du- 
rou seis   horas  tão  porriado  assalto  ,  sté 
que  tornou  a  abrir  o  dia  ,  e  os  nossos 
se    começarão    a    aproveitar    das  pane- 
las   de  pólvora   ,    ccrn    que    abrazavão 
muiros  ,    cuja  vista   aos  outros   resíricu        , 
o    orgulho   ,    peleijando    mais    cautos ,     '"i'^*' 
ate  que  se  Lhes  acabou   o  dia  ,  e   Ku-    . 
mecao  tocou  a  recolher ,  deixando  qua-  ,^^^,;^^ 
íTOcentos  mortos   ,    e  mais    de  mil  fe-  ^  '_^^ 
ridos  i  dos   nossos    faltarão    sete,  foráo 
mais  os  feridos.  "Neste  assalto  re  acharão 
rodos  os  Fidalgos  do  soccorro  ,  mostran- 
do no  valor   2S  mesmas  qualidades  que 
no  sangue.    D.    Joáo   Mascarenhas    fez 
as  vezes    ds  Capitão  ,    e  de  soldado, 
sabia,  e  valero=!amente  ;  assistindo  sem- 
pre   ao    perigo  ,  sem    f:^it^L-    «o  s:ov-t.- 


joc corro 
ao  in- 


240  Vida  de  D. JoXo  de  Castro. 

no.  Fsta  noiíe  passarão  os  ncssos  muy 
vigiados  pola  vezinhança  do  inimigo  , 
que  havia  recebido  do  Solráo  novas 
honras  ,  poios  apertos  ,  em  que  tinha 
03  cercados ;  e  Jne  havia  entr.ido  hum 
soccorro  de  cinco  mil  infantes  com 
muitos  Cabos  Turcos  ,  cjue  Rumecáo 
mi^o.  ^'^-^  ^^cP  ^visur  com  os  nossos  ,  para 
lhes  mostrar  os  contendores  que  ti- 
nha ,  como  em  prova  do  que  havia 
cbriído. 
Che^rto  ^°  seguinte  dia  depois  do  assalto , 

c  Dio       entrarão    pela    barra    D.    António     de 
mais ji'  Attayde  ,  e  Francisco  Guilherme,  que 
doidos,    náo  acharão    menos    bravos   os  mares  , 
que  os  outros  ,  que  temos  referido.  Dis- 
seráo  ,  que    não   podia  tardar   hum  dia 
D.  Álvaro  de  Castro  ,  porque   se  tinha 
já   levado   a  armada    com   ordem  ,  que 
nenhum  navio  esperasse  por  outro»    Os 
soldados    festejarão    a   nova  ,  e  o  soc- 
corro   com    musicas    ,    e    folias    conti- 
nuas ,  com    que    já  pareciao  passatem- 
pos os  perigos  do  cerco. 
r)íf'ã--  Entendendo  Rumecáo,  que  vinhão 

chegando  á  fortaleza  alguns  scccor- 
ros  ,  e  que  em  abrindo  o  tempo  náo 
senão  os  Portuguezes  tardos  em  dar- 
^;v.a.  se  huns  aos  outros  a  máo  nos  mayo- 
res  perigos  ,  começou  a  desconiiar  da 
empreza ,  vendo    que  os  trabalhos  náo 

Que- 


f.a 

Ru- 

-ms. 

\'io 

~da 

cnj' 

Livro     II.       241 

quebraváo  os  ânimos  dos  nossos  ,  e  aue 
os  seus  soldados  nas  conversaçoens 
náo  rinháo  par  jusii ficada  a  causa  does- 
ta guerra  ,  accusando  aos  quebraniado- 
jes  da  paz  por  nós  íielmenre  s;iiarda- 
da.  Temeo  a  disposição  que  via  pa- 
ra alí;r.m  mciim  5  a  que  atalhava  enca- 
recendo o  miserável  estado  dos  nossos  , 
e  a  infailibilidads  que  tinha  da  victo- 
lia.  Fez  pagas  aos  soldados  ,  e  man- 
dou pié;;ar  pelos  CaCizes  a  certeza  da 
gloria  para  todos  os  que  morressem 
nesta  guerra  ^  e  as  mercês  com  que  o 
Sokío  havia  de  remunerar  aos  liber- 
tadores da  r.  rria  ■  náo  se  esquecendo 
do  temporal  á  volta  do  divino.  E  por- 
que as  minas  eráo  de  rnenos  rioco  que 
os  assaltos  j  e  obraváo  com  rr.avvreá 
eíiciros  5  de-.e;miroa  de  as  ir  prose-  Mreotf- 
guindo.  Com  esie  desenho  mindou  tra  nurr^ 
abrir  huma  grande  mina  no  lanço  do  '/""  '* 
muro  ,  que  hia  do  baluarte  S.  joáo  ^^"^^t^- 
Á  íechar  na  guarita  de  Antomo  Pe- 
çânha  y  porém  como  os  nossos  anda- 
vao  sobre  aviso  ,  ainda  que  Riimecáa 
cauto  ,  e  ardiloso  fazia  aos  cuíros  ba- 
luartes pontaria  ,  mandando  trabalhar 
nelíes  de  noite  com  estrondo  ,  para: 
com  esta  diversão  cobrir  o  intento  j 
com  tudo  D.  ]oáo  Mascarenhas  teve 
noticias    òà  mina  ,    cc-n:ra    a    qual    se 

^s« 


24^  Vida  de  D  João  de  Castro. 

assegurou  como    das  outras  vezes ,  tra- 
balhando  os  Fidalgos   nos   reparos  .  cu- 
jo exemplo  fazia  aos  soldados  o  traba- 
lho mais  leve. 
^^.^^^  Chegado  o  termo  de  se  dar  fogo 

ihe  fc^o  ^  "^^"^  '  ^^  abalou  o  exercito ,  e  co- 
t  os  nos''  m-çou    a    tornear   a  fortaleza.    Vinháo 
áos  d<i-    <iiante  dous    Sanjacos    capitaneando  hu- 
fendcm     ma  tropa  de  Turcos  ,  (juc  eráo  os  que 
íis  roíw  haviáo    de    entrar    pelas    roturas  ,   que 
Tas,        se  abrissem    ao   rebentar  da  mina  ,    a 
qual  com  tremendo  estampido  levou  pe- 
los ares  ioda    a  face   do  muro.    Corre- 
rão  logo  os   Turcos  ,  ainda  cegos    do 
fumo  ,    e    da    terra  levantada   nos  ares 
com  o  impulso  do  fogo  ,  porem  acha- 
rão ourro  muro  contraposto  ,    a  que  o 
fogo  ,   ou  náo  chegou  ,  ou  achou  resis- 
tência j  viráo  com  tudo  ,  que  a  guarita 
de    António    Peçanha    ficara    por    três 
partas  aberta  ,  e   voltando   áquella   par- 
te  as   armas  ,  inrentaráo  ganhala  ;  mas 
os  nossos  acodiráo  a  defende-la  ,  corno 
lugar  mais   fraco  ,  retardando  a  corren- 
te do  inimigo. 

Aqui  andou  por  lium  espaço  a  bri- 
ga muy  travada  ,  peleijando  cercado- 
res  ,  e  cercados  como  em  campo  ra- 
so. E  crendo  Rumecáo  ,  que  estava 
naquelie  lugar  todo  o  poder  do?  nos- 
soi  ,  mandou  accon;rr»e:ter  qs  outros  ba- 

lu- 


-  t  I  V  R  O     II.         24  J 

luartes  ,  onde  também   os  Portuguezes 
lhe    mostrarão    o    ferro.    Meterão    este 
dia    os  inimigos    infinitos  pelouros    na 
fortaleza    ,    dos    quaes    náo    recebemos 
dano  ,  estando  ella  quasi  arr'jin?,da  ;  ca- 
so ,  que  por  ser  raro  ,  pareceo  miiagro-í 
so.  Durou  em  fim  o  combate  algumas  Rctlrn" 
horas   ,    retirando-se   o  inimigo   com   o  se  o  ini- 
iiíesmo  dano  que  outras  vezes  ,  03  nos-  mi^o, 
SOS  com  a   mesma  fortuna. 

Kumecáo  ,  que  ja  tinha  por  injuria 
a    dilação    do    cerco   ,    como    homem 
que  buscava  os  perigos ,  e  o  dano  por 
desculpa  ,  accommetteo  o  outro  dia  o 
baluarte  S.  Thomé  cm  pessoa  ,  fazendo  Accorrt' 
com    seu    risco    exemplo  ,    c   mandou  rnette 
por  diíFerentes  Capitaens  escalar  os  ou-  Rw/^i^- 
iros    baluartes   ,    parecendo     a    invasão  '^^°  ^ 
d'estes  dias  hum  successivo  assalto.  A-  ^  Jíf!"'* 
qui    peleijaráo    os   Mouros  ,    mais  co-  ^\^'^*'' 
mo    desesperados  ,    que    valentes    cor-  '"^* 
rendo  atravessados   pelas  lanças  ,  e  es- 
padas dos  nossos  a  morrer ,  e  a  matar 
juntamente  j    mais  promptos    a   offen- 
der  ,    que    a  reparar-se  >    buscando    a 
morte  ,  como    porta  para  a    imaginada 
gloria  ,    que   lhe  prometiam    os  Caci- 
zes   ,    maquinando    este    diaboliso    in- 
centivo  em  beneficio  da  empresa  ,     e 
despreso    da   vida.  Com  esce  ardor  so- 
frerão o  peso  da  batalha  muitas  horas , 
R  per- 


144  VidX  de  DíJoXô  ok  Castro, 

perdendo  óitenra  cios  seus  ,  sobre  cu- 
jos corpos  peleijaváo  ,  incitados  di 
doT  ,  e  da  injuria  dos  companheiros 
Hiortosi  ■Bc;éijaráo  cm  Em  com  ral  por- 
fia y  que-  iusiemaráo  aquelia  parte  do 
baluarte-,  onde  se  combatia  ,  e  nelie 
arvorrtráo  bandeiras  ,  cobrindo-se  com 
vallos  ,  e  estacadas. 
Succes-  ^^^  andaváo  menos  quentes  as  ar- 

sos  na  rn2s  HO  baluarte  Sanctiago.  Duas  vc- 
haluarte  zes  o  tivcráo  ganhado  os  inimigos  , 
Sanctlã'  mas  foráo  táo  valerosamente  resistidos 
go,  <|ue    o    tornarão    a   perder    depois    de 

bem   sangrados.    Aqui   foy   tanto  o  fo- 
-:;•'       go  ,    que  os    inimigos    lançarão  ,    que 
os  nossos    pelei javáo   abrnzados  ,    soe- 
correndo-se  ,    por    único    remédio,  das 
tinas    de  agua    para   refrigera r-se.    An- 
tónio Moniz   Barreto  com   dous  solda- 
dos  se   achaváo  sós  no  baluarte  ,    de- 
*     tendo    a   furia    do   inimigo  ;  e  queren- 
do  o  Moniz  sahir-se    a  mitigar  nas  ti- 
Vabr      "^^    ^   ardor    do   fogo   ,    travou    d*elle 
vartlcu'  ^""^   soldado  ,  dizendo  :    Moniz  ,  dei- 
lar  de     xais  perder  o. baluarte  d'ElKey  í  Vou- 
Aími  j^/- rne    banhar    n'aquellas    tinas    (lhe  tor- 
dado,       nou  elle  )  que  estou  ardendo  em  fogo. 
Se  os  braços  estáo    sáos  para  "peleijar , 
tudo   o  ai    he  nada   ( lhe  rs.spondeo  o 
soldado, )    Cuja    advertência   aceitou    o 
J/joniz  ,    táo    pagado  do  valor   que   o 

sol- 


Livro    II.        245: 

sold.ido  mostrava  ,  que  o  trouxe  com- 
sigo  para  o  Reyno  ;  e  lhe  alcançou 
despacho  ,  confessando  generosamen- 
ce  o  seu  desar  para  credito  alhcyo  j 
chamando-lhe  seFnpre  com  honrado  ap- 
pellido  ,  o  soldado  de  fo£;o  ;  nem  as 
reíaçoens  d*este  successo  no  lo  dão  a 
conhecer  por  outro   nome. 

Nesres   ,    e    nos   outros    baluartes  Kitlra- 
se  pelejjou   este  dia  com  valor  ,  e  pe-  ^c  en- 
rigo   Igual  ,    que    não  podemos  relatar  '''^  ^^' 
por  extenso  ,    por   serem  os   casos  táo  ^  '"''"'" 
semelhantes    ,     que     parecendo     huma  S'''* 
mesma    couza    repetida  ,  se  escrevem  , 
e   se  lem  com  fajcio  ;  porém  ainda  que 
a  rélaçáo  deste    cerco  náo   deleite  com 
a   variedade   ,    quem    negará  ,    que  foy 
esta    facção    huma    das    mais    illustres 
que   se  acháo    nas   hisiorias    humanas  , 
da  qual  fizôráo  estimação  justa  as  m:íis 
beilicosas   nações  da  Ásia  ,  e  da   Eu- 
ropa ?  Retirado    do   assalto  o  inimigo  , 
se    fortificou    nas   ruinas    da  fortaleza  , 
donde    continuamente    se  mosíraváo  as 
armas. 

Ao  seguinte  dia  despedio   D.  João  Stic  An- 
Mascarenhas    cm  hum  Catur    a  Antq-  tonh 
"'O  Corrêa  ,  com  vinte  companheiros ,  Coma  ã 
soldado  de  grande   valor  ,  a  quem   níofazeml- 
sabemos   o  nascimento  ,    se  bem  suas  §1^"^'^ 
obras  o  mereciáo  ,   ou    suppunhão    il-/""^=^<^* 
R  ii  lus- 


f4^  VíDA  DE  £?.j[oSoDH  Castro, 

Justre.  Sanio  d^  barra  ,  ç  torneando 
a  ilha  ,  como  lhe  foy  ordenado  ,  sc 
xecoiheo  sem  presa  ,  e  como  os  sol- 
dados de  valor  se  náo  contentáo  com 
obrar  bem  ,  scnáp  diiosamenre  ;  tor- 
nou o  Corrêa  ao  mesmo  negocio  cin- 
co vezes  (  mais  desconííado  ,  que  obe- 
dienre  )  a  tentar  a  fortuna  j  ai^s  como 
o  que  parecia  caso  ,  era  mysterio  ,  or- 
denou ,  ou  pe  mittio  o  Ceo  ,  que  o 
vaíeroso  soldado  fizesse  da  empreza 
poríia  5  o  qual  ,  como  se  a  desgraça 
fora  culpa  ,  se  accusava  a  si  mesmo. 
Tornou  em  fim  com  mais  importuna 
experiência  a  rogar  ,  ou  conhecer  sua 
sorte  ,  e  dando  volta  á  Ilha  ,  divisou 
ao  longe  hum  fogo  ,  que  a  dist^mcia. 
fazia  mais  pequeno  ,  e  remando  con- 
tra aquella  parte  ,  deixando  os  con>- 
panheiros  no  Gatur  ,  saltou  em  terra  , 
caminhou  algum  espaço  só,  até  que  a 
mesma  luz  do  fogo  lhe  descobrio  do- 
ze Mouros  ,  que  cm  tomo  d*elle  re- 
•  paravão  o  frio.  Voltou  logo  aos  com- 
panheiros alegre  ,  dizendo  ,  que  sahis- 
sem  ,  porque  tinháo.  cqmo  nas  máos 
a  preza  que  busca  vão  ^;  porém  os  sol- 
dados ,  ou  esquecidos  de  si  mesmos , 
ou  servindo  a  Providencia  mais  alta  , 
o  náo  acompanharão  ,  como  dando  lu- 
gar á  fortuna  do  Capitáo  y  o  qual  ven- 
do 


àó^  a  fea  resdítçâo  dos  soldados ,  se 
foy  só  a  denVandar  tís  Mouros  ,  bas- 
tando-Ihe  o  animo  para^^^ccommetter  o 
periso  ,  que  não  podia  vencer.   De  re-  ^'^'^^^^/^ 

^       ^  '        .  *    -K -f  '  com  do' 

pente   envescio    os    Mouros,   os  quaes 
amedront;^dos  com   o  súbito  accommet-  ^^^         . 
limento  ,  huns  fugirão  ,  outros    $'e  de-  '^  "^^!^,^. 
fendíáo  tímidos,    e  sobresaltidos  :  rhas  ^/,.'^^ 
tornados  em  si  ,  e  vendo-se  acucilados 
díj^  ha^n  sò  homem  ,  começarão    à  fa- 
zer-me  rosto   )á  com  mais  ousadia,  vol- 
tando   os  que    fugirão  ,   a  defender-se 
Unidos  :  e  em   quando    Antónia  Corrêa 
se   acutilkvâ    com    hunff ,  outros   o    so- 
jugarso    pelos    lados  ,    e^  ainda    depois 
de  preso,  como  a  fera  ,^  o  temiáo  ata- 
do; "assi    o   levarão  a  Rumecáo  ,  mos 
tr.^ndo  as   feridas ,  que  receberão  ,  em 
Giediío  do  preso*    ' 

c  '   Mandou  Rumecáo  que  o  solra  sem  ,  iie  pre- 
perguntando-lhe'  ,     <^ue    gente    haveria  sentado 
nâ    fortaleza  :    se   viria    o    Gevemadof "  Kiimc- 
a  Dio  ,    com    que  poder  .    e  em  que  <^'^^- 
lerino!    se    esperava    o    filho.    Elle  lhe 
respondeo    com  grande  segurança  ,  que 
na  fortaleza    havia  seiscentos  homens  , 
que    cada  dia   impòrtunavão   o"  Capitão 
que"  os'  levasse    ao   campo  ;  que  espe* 
KíiVa  ■  brevemente  '  a    vinda    de   D.    Al- 
ta ro- com   oitenta   baxeis  ,  o  qual  cm 
f^-fsembarcando  •  ^hiria    á    campanha  , 

por- 


14^%  Vida  DE  DJoXo  lÍB  Castro. 

porque    algumas    galés  que  trazia  ,  ha- 

viáo  mister jçhusma  de  Turcos:  que  q 

Governador    aprestava    mayor  ^  poder  , 

=  porque    queria-r  acabar    de    huma    vez 

Ctter     "com  as  cousas  de  Cambaya.  Rumecâo, 

persua-    9"^  sabiar  a  verdade   de  nossas  forças, 

dito  a     envejou   hum  coração  tão   livre  emráo 

deixar  a  balxa   fortuna  ,  fazendo   esiimaçáo  (co- 

fé,  mo  soldado )    de   quem   entre   prisoens 

o  desprezava.    Rogou4he  ,    que  ^  Ji> 

zesse  Mouro,  porque  com   múhSrCíy_ 

teria  melhor   fortuna  ,    e  conheceria    % 

diiTerença    de  ,  servir    a    hum    Monarca 

rico  ,    ou   a  Piratas   pobres.    Porém  a 

valeroso   Cav.:^Ileiro   ,    escandalizado  na 

injuria    de  favores   táp    feyos  ,  lhe  res-, 

pondeo ,  que  os  Portuguezes  ,  pola  Ley  , 

e  polo   Rey   estaváo   sempre   promptos 

a  derramar  o  sangue  ;    que  Mafamede 

fora  hum  enganador,  infame  por  obras  , 

e  doutrina  ;  que    se    em  Cambaya    ha^ 

via   renegados.  ,    seriáo    de   optras    na- 

çoens  5  qual  a  fora  seu  pay  Coge  Ço- 

far ,  que   como  monstro    da  terra    em 

que  nascera ,  os  pays  ,  e  a  pátria  o  ne-? 

gaváo  de  filho. 

Rumecáo  não  podendo  sofrer  de 
hum  escravo  as  injurias  da  Ley,  e  as 
da  pessoa,  inrtammado  do  zelo,  e  áo 
^espresQ ,  o  mandou  ante  si  afromaf 
no  .íQstQ,)  jprimeixo.  que    Ihç    tirabsem 


a  viia^ ,  .cr<»f!dp  3    í^e  lhe    $eri^.  mais 
JeyeV   pena,  ,    que'  a   injuria  ,•  eilo^ó 
encre    balccens/a;,  C/mofas  ,  a  ^m^ndou 
passear    ííú  í»s- ruas.  .da /Cidade  j-^inveri' 
tor    bárbaro    de/  táo    novo    sup'j/iicio  , 
já   contra  o  horaem  ,   J9   contra  a  hu- 
manidade.     Porém     o,    Cavalieiro     dt 
Christo  ,    como   soldado    iá    dé   ontra 
milícia,  com  mais  castigado  Vijlor  ven- 
cia .sofrendo.    Rumecáo    df^pois  d 'estas 
injurias   ,    dizendo  que  pedia  satisfação 
fie.  sangue   a  honra  do  Propheta-,   man-  j^ínncta-o 
Qvii  cue  fosse  de?,oIado  ,   e  a  palma  ,  de^oUr» 
que   começou    a   merecer   soldado  ,  zh 
cançou  rnartyr.    F«5y  levantada  a   cabe- 
ça   em  numa    pica  .  e  posta   em   lugar 
onde   os  nossos  da  fortaleza   a  vjs^em  ; 
os   quaes  com:  sem imenro  B3tturíilv(  mias 
inju^ro  )    como   ;Sold idos-  Ihq  yin^«ráô 
o  sangue  ,  como   Cviihòlicos  lhe    tove-^ 
jaráo    a  moice.  ■  Emn-ráo    ao   outro  dia 
os    soldados    de    sua     companhia   ,    os 
quaes    o  Capiíáo    mor   náo    quiz  v*r  , 
nem  castigar  ,  tQi^do   respeito   ac   tem- 
po i  porem  elles  remirão  a  culpa  ,  com 
searriícar  em  todas  as  occasioens ,  co- 
mo  homens  ,  que  aborreciam  liuma  vi- 
^ia    serp   honra.    Muitos    d'elles    morre- 
jáo    quasi    voluntariamente  ,    accusadcs 
de    seu    mesmo    delicto.     Os  Mouros 
nos  faziam  rr-ofas',  e  al^azarilas  de  lon- 


tyo  ViDÁ  t)E  D. JoXo  DÉ  Castro. 

fie ,  apontando  para  â  cabeça  de  Att^ 
lonio  Gorrca  ,  havendo  por  satisfação 
de  tantos  danos  aqueila  fecompensa  , 
c  já  ■mais  atrevidos  faziam  a  respeito 
dos  nossos   aigumas  -gentilezas.. 

Entre  o  baluarte  S.  Thomé  ,  e  o 
de  Sanctiago  estava  huma  b^indeira 
íirvorada ,  a  qual  desejou  arrancar  hum 
Mouro  ,  crendo  o  poderia  fazer  sem 
risco,  por  ser  o  muro  baixo  ^e  pou- 
co vigiado  ;  áo  qual  chegou  fanado 
sem  ser  visto  dos  nossos  ,  e  subinio 
pelas  fuinas  ,  travou  da  haste  ,  e  ainda 
<jue  ar  abalou  forcejando  ,  nunca  pode 
levala  ;  e  soltando-a  temeroso  ,  a  dei- 
xou encostada  ;  e  vendo  o  pouco  cfit 
lhe  custara  a  primeira  ousadia  ,  tór* 
nou  com. o  mesmo  recato  a  buscar  a 
bandeira  ? -porém  ao  tempo,  que  para 
pegar  aella  ,  hia  soltando  o  braço  j 
hum  soldado  nosso  lhe  encarou  a  es- 
pingarda ,.e  o  derribou  morto.  Acon- 
teceo  isto  á  vista  do  arrayal  ,  que  lhe 
linha  festejado  o  primeiro  accommetti- 
mento  com  gritas  ,  e  louvores  ;  agotci 
o  olhaváo  cabido  com  hum  profundo 
silencio  ;  correrão  os  nossos  com  grão 
velocidade  a  cortar-lhe  a  cabeça  ,  que 
arvorarão  ,  avistando-a  com  a  de  Antó- 
nio  Corrêa. 

O  5  Mouros  3  que  esta  vão  fortifica- 

dos 


Livro    Ifv        ^^i 

^os  no  entulho  do  baluarte  S.  Tho- 
ifi-é  ,  foráo  'j,?.nh2nào  terra  ,  palmo  e 
palmo  ,  á  custa  de  seu  sangue  ,'  levan- 
do sempre  di.-nte  mentes  de  terra  ^  e 
lamn  ,  qi?e  os '^cobria  ,  e  íbfrificava; 
Porém  -  D.  •  -jbâo  M  aiCârén hásr " "iiiandóu 
íevar  hum  ~B'aíii!^xo  'ás  ftortaf  da  Igre- 
ja, qtíe  como  IiT^hr  eminente  lhe  fica- 
váõ  ern  t)ar:'.Fí-â"  ò's  Mouré^  ,'' donde  os 
varejou  com  tánr.i  fiiriã  ,  -cae  lhes  rom- 
peo  as  defensas  i  e  coal  hrèiríe  dé  mui- 
tos   fotáo   desalojados,  •  ^3'^^"'"-   «'  ^'.^^ 

Já  nesre  fernpo  esrava  arrasâ'<3a  a  for-  Extre- 
taleza  ,  e  os  Poffuguezes  ,  em  lug-r  de  '"^^  ^"^  ^ 
tnuros  ,  defendiáo  suas  mesmas   ruinas  i  7"-'  '''^'^ 
o  inimigo   dentro   dos  baluartes  ás  por-  '^  f^rta- 
tas  da  victoria  ,-  os  mantimentos  ,  huns  '■'"'^* 
eráo    polo    fempo    corruptos  ,'  -outros  , 
pola    t]ualida\iè  •  nocivos   ,    de   que    re- 
sukaváo  doenças  de  táo  ma  qualidade  , 
que    os    sáos   recebiáo    m.nyor  dano  do 
contagio  ,   Que  da   hostilidade. 

Tinha   partido  de  Baçaim    D.   Al-  Toma 
varo  de   Castro   com  cincoenta  navios  ^  d   Al- 
( assi  chamáo  quaesquer  baxeÍ5  na   In-  vura  a 
dia  ;  inda   que   sejam   caravelas   latirnís  ,  arribar, 
ou   embarcciçoens    de  remo  )  ;    e  con-;o 
-vinham    empachados    com    muniroens  , 
e    bastimenros    ,     náo    podendo    sotrer 
ííiares    táo    grosso?  ,  tornarão    a  arribar 
em   popa    destroçados  ,  e  abertos  ^  to- 
■-'■•  man-        .'     , 


z^z  Vida  de  D  JcXo  de  Castro. 

mando  diversas  angras  ,  e  enseadas, 
onde  o  temporal  os  iançava.  Entre  os 
mais  navios ,  cjue  foráo  correnio  com 
a  lornnenta  ,  foy  o  de  (]ue  era  Ç^^picáò 
Athanasio  Freire  ,  o  qual  indo  ti<:ríian- 
dar  a  terra  ,  se  foy  metendo  na  ,€nsea- 
da  de  Cambtya  cjuasi  ak^^?.clo  ,  e  táp 
perdido ,  que  de  commuin  acordo  se 
assentou  varar  na  primeira  terra  que 
avísfassem  . ,  havendo  que  precedia-.  íi 
vtàà  i  liberdade  ;  assi  fufio  encr.Ihar 
jonio  a  Surra  te  ,  onde  foráo  cativo.^^, 
e  levados  a  Soltáo  Mahaniud  ,  que  es 
mandou  aprisionar,  e  meter  na •  masr 
morra  ,  onde  tinháo  Simão  Fcyo  com 
outros  Porruguezes. 
Ch^o'^  Ruy  Freire  ,  que  vinha  na  con^civ 

Bí/f/        va  de   D.   Álvaro  em  hun>  navio  seu, 
FrifiVe  fí  com    soldados   pagos    á   sua  custa  j  SO' 
X>f0.        freo  melhor    os   mares   ,    e    navegando 
aquelíe  dia  ,  e  curro  corn  fortuna  ,  avisr 
roti   a  costa  de  Dio  ,  para  onde  se  foy 
chefiando  até  ir  demandar  a  fortaleza;  e 
enrr.Ando  .  pela  barra   foy  surgir  na  coura- 
ça ,  onde  foy  bem  recebido  de  rodos  ,  e 
deu  ao  Capitão    mór  as  novas  da  vinda 
de  D.  Álvaro  ,  tão  esperada  ,  como  im- 
Trcs"     pc^^fa^f^   »    porque  itida    náo    s^bia    da 

"j)     arribada  ,  de   que  daremos    conta. 
^Alvará  D.  Álvaro  de  Castro ,  e  D.  Fran- 

cisco   de  Menezes    airibaráo    com   tor- 

men- 


rara 

0  via 


Livro     II.         i^^ 

jTienta    gejaí     a    A^^çúm    perdidos  , 
aonde    se.  reformarão    brevemente    ,   e 
tornarão    à  commetrer  o  goifáo  com  a 
niayor  parrt   dos  navios  de  sra  conser- 
va ;    e  vencendo    a   hiria    do   remporal  , 
houveráo    vi  ra    da  outra   costa  por  jun- 
to  de  ^\^òl€I^whL    Ne?ta    paragem  ap- 
pareceo  de  Jon^e  huma  náo  2,rossa  ,  cjue 
se    vinha     furtando     á    nossa  .  arrrada. 
Mandou    D.  Álvaro    ao   Mestre  ,    oue 
arribasse    sobre  eKa    ,    o    (]i^e    ôzeram 
naais   dous    navios  ,  que   vinháo  na  sua  Toma 
esteira.  Amainou   logo  a  náo  ,  que  era  /i-''"^ 
d'EIRey  de  Cambava  ,  e  vJnba   de  Gr-  '''•'•'  '/^ 
muz  ,    lançou    dous    mercadores    fora  ,  C.-mi^u- 
que   ^.ieráo  apresentar  a  O.  Alvitro  hum  y^' 
Çfirtaz  passado  antes   da  guerra  ;  o  qual 
fez   reprefaiia    na    nao   ,    e    a    mandou 
levar  a  i^oa  ,  para  que  visse  o  Gover- 
liador  se  era  de  presa.    Ás  drogas  que 
trazia  ,    eráo   coral  ,    chamelctcs  ,    la- 
rins  ,,    e   aJcatifc-ís   ,    que   rudo   foy   jul- 
gado   por    perdido.    E   logo    D.    Álva- 
ro   de  Castro  ,  seguiido    sua  denota  , 
íomou    a:  barra    de    Dio   com   quarenta 
navios     empavezados    ^   -traziáo     todos  Chc^^  A 
flâmulas  ,  e  gal'i/'detes  ,    d.^rdo  de  s\fcr'alc- 
huma  mostra   bcilicosa  .   e   ales^re.  Sau-  ia   cem 
dou  a  fortaleza   comi   toda  a  artelhatia  ,  (jíiorinta 
que    também     lhe    respondeo     com    a  navios» 
mesma  ,    tocando   todos    os-instrupienr 

tos 


25*4  Vida  deDJoSo  i>g Castro, 

Como  he  los.  de  guerra.  Mandou  o  -  Câpkáo 
recehldo  mór  abrir  as  portas  da  forcaleza  para 
doCapi-  receber  D.  Álvaro  ^  baixando  todos 
tãomsr.Q^  Fidalgos,  e  soldados  a  receber ,  e 
fesrejar  a  armada  ,  em  que  de  mais 
da  pessoa  dg/ D.  Álvaro  ,  vinliáo'  Fi- 
dalgas ,  e  Cavalleiros  de  muita-con- 
ta»  Traziam  muniçoenâ  ,  e  bastimen- 
los  para  rauy  lar2,o  tempo  ,  porque 
náo  quiz  o  Governador  deixar  á  cor- 
tesia dos  mares  ,  negar ,  ou  abrir  pas- 
s?.gem  a  segundo  soccorro.  Aposen- 
lou-se  D.  Álvaro  no  baluarte  ,  en? 
que  acabou  seu  irmio  D,  Fernando ; 
passaráo-se  a  elle  os  soldados  de  sua 
milicia ,  e  os  mais  dos  Fidalgos  ,  huris 
como  companheiros  de  sua  dor ,  outroá 
de  suis  victorias  ;  e  como  a  Gene- 
fal  do  mar  lhe  híáo  pedir  ô  no"mé'í 
sem  querer  separa r-se  de  sua  obediên- 
cia ;  opinião  encontrada  com  o  tem- 
po ,  e  mais  com  a  disciplina.  Porérrt 
D.  Álvaro  disse  ao  Gapitáo  mór ,  que 
elie  vinha  sojeito  ás  suas  ordens  ;  o 
que  parecendo  lanço  de  urbanidade  íí 
D.  ]oáo  mascarenhas  ,.,lhe  respondea 
corn  a  mesma  cortesia ';  mas  D.  Al- 
v.iro  lhe  mostrou  a  instrucçáo '  que 
tr?.2Í3  ,  que  entre  as:-  excellencia?  do 
Governador.  ,  ná©  foy  '  a  mais  peque- 
pa  ,   níi  qual  diiia  ,  que    a  jurisdição 

do 


Livro    IÍ.        25:5' 

do  cargo  ,  e  as  provisoens  Reaes  o 
eximiáo  de  qualquer  suboriáinação  , 
que  nso  fosse  a  do  Governrdor  da  ín- 
dia i  que  clle  mandava  a  seu  filho  D. 
y\ivaro  ,  que  estivesse  ás  ordens  de 
D.  Joáo  Mascarenhas  ,  porque  assi  o 
pedia  a  muita  honra  ,  que  n'í:quclÍ€ 
cerco  tinha  ganhsdo  :  teniperança  de 
varão  verdadeiramente  grande  ,  porque 
onde  havia  perdido  hum  filho  ,  e 
aventurava  outro  ,  da  fama  ,  qu« 
aiudara  a  ganhar  com  seu  sangue  , 
râo  quiz  para  si  nada  ;  sem  duvida 
mayor  neste  desprezo  ,  que  depois  na 
vicroria. 

Rumecáo  sabendo  da  vinda  de  D. 
Álvaro  ,  disse  ,  que   já  tinha    na   íorca- 
jeza  prisioneiros  para  honrar  seu  trium- 
pho  ,    mandando    traballiar    com    mais 
calor    nas    minas,     Despcdio    logo    D.  Avlsão 
Álvaro  o  seu   navio  cem  cartas  tiO  Go- ambos  ao 
vernador  ,   do  estado  em  que  achara  a  Go-cer- 
fortaleza   ,    e    D.  joáo   Mascarenhas    o  riaàcr  do 
avisou  de  todos   os  successos  passados,  ^íW*» 
Haveria  já   na  fortaleza    seiscentos   ho-^'^^*''** 
mens  ,  todos  soldados  de  opini/io,  com  **'^^^^« 
os  quaes   lhe  pareceo  a   D.   Joáo  Mas- 
carenhas    que    podia     intentar     cousas 
mayores  que    a  defensa.    Mandou  logo 
assestar  três  Camelos  contra    as  estan- 
cias do   inimigo ,  que    ns    br.iiráo   láo 

fii- 


Sf 


2^6   VíDA  DE  DJoSo  DE  CaSTRO. 

furio?amenre  ,    que  Rumícáo    reforçou 
as  íoniHcaçoens  c]ue  r.nha  ,    táo  a  tiri- 
to a  oííender,  como  a  defender. 
Enveste         Dos  assakos  p,is^.-?,G03   Íícgj  na 5  rui- 
o  tiúml'  nas    do  baiuarre  S'.  T.Momé    hum   Bâsi- 
go  ouu-a  lisco    soterrado    de   estranha    grandeza  , 
v^s  ,  c  o  qual   Q   Capitão   mór  dese  ou   subir  á 
''^*'''^'    fortaleza  ,    e    ordenando    cabresrantes  , 
e  engenhos  ,    nunca  lhe    foy  possível; 
e  'Querendo    ao   menos    se^^urslo  ,    para 
que  os   inin)i;;os  se  não  servissem  òJqV 
le  ,  o  mandou   liar  com  viradores  gros- 
sos :    porem    os  Mouros  foráo  cavando 
por  baixo    das  paredes  do  baluarte  ,  e 
picando  ss   pedras  do   alicesse ;  até  que 
faltando -íhe    os    fundamenTos    ,     vieráo 
as  paredes   a  terra ,  íicando  o  Basilisco 
atado  ,    e    suspenso   nos  ares.     Acodi- 
rao  logo  os   Mouros  a  entrar  o  baluar- 
re  ,    aos   quaes  fez  rosto  D.  Francisco 
4a  Menezes  com  os  de  sua  companhia  , 
que  ahi   se  achavão,  travando  com   os 
Mouros  huma  pendência  assaz  de  bem 
renhida  ;  e  como    este   era    o  primeiro 
dia  ,  c]ue   viráo  a   cara  do   inimigo  ,  o 
carregarão  com    as   mãos    táo  pesadas  , 
<jue    houve    a    seu    pesar    de    retirar-se 
deixando     muiros     dos     companheiros 
no   campo  :    mas    no  tempo  que  mais 
fervia  a  briga  ,  liarão  outros  o  Basilis- 
co com  hum   caíabrote   forte,  e  o  le- 
va- 


L  r  V  K  o     li.        25-7 

varão  arrasuincio  ,  quasi  a  furtO-  dos 
nossos  ,•  que  atrentos  á  pelei  ia  ,  náo 
d/^ráo  fé  da  obra  que  os  Mcu;os  fa- 
zião. 

Andava   D.  Joáo   Mascarenhas  com  Deter- 
grande     vigilância     ^obre    os     desenhos  rumíia 
áo  inimigo  ,  remendo  mais  as  minas  ,  ^^  ''^^' 
que  ser  acconimertido  com  força  descu-  '^^  ^^' 
berta   ;    o  que  entendido    pelos    solda-  '^^' 
dos  de  D.  Álvaro    ,    temerosos   com  o 
exemplo    fresco    de    D.    Fernando   de 
Cistro  ,    e  curros    Fidalgos  ,    e   solda- 
dos j  que   morrerão  abrazados  ,  se  con- 
juraram   era  sair   a  peleiíar  com  o  ini- 
migo ,    rimidos    no  perigo    duvidoso , 
lemerarios    ao  certo. 

Diziào  ,  que  náo  queriáo  com  obe-  q  Capi~ 
disncia    inuiil   perecer  abrazados  ,  quan-  ^-^  j,]^^. 
do    podiáo     morrer     na    campanha    vi-  iruta 
ctoriosos  ,    ou  vincados  ;  que    pois  sa-  àtsuM- 
biáo    peleijar    como  homens  .  náo  que*  diios, 
riáo  acabar  como  feras  ,  atados   ao  pe- 
■Kgo  ;    que   de   dous  escolhiáo    anrei    o 
<^UQ  podiáo  vencer  ,  que  o  de  que  náo 
jjodiáo     fcgir.       D,    João    IVÍascarenhas 
òs    dissuadio  ,  quanto  lhe  foi  possível, 
primeiro  com  razcens  ,    depois  com  a 
authorídsde    do   cargo   ,    e  da  pessoa  ; 
mas    tudo  foy  sem  fruto ,  porque  esta- 
váo  táo  váos  j  e  altivos  com  sua  mes- 
ma  culpa  ( como   tinha  semblíinte  de 

vir- 


jy.  Ál- 
varo ,    e 
jy.Fran- 

cis CO  fa- 
zem   o 
wesnio. 


Prose- 
íTitem  os 

o 
soldados 

seu   in- 
tento. 


IjS   VlDADED.JoXoDSrCASfRO; 

virtude  )  que  esperaváo  da  desobediên- 
cia prémios  ,  e  Icuvore^s.  D.  Álvaro 
de  Castro  acodio  a  derelos  ,  estranhan- 
do-lhes  resoluçáo  tão  fêa  ,  dizendo  , 
que  ElRey  sentia  mais  a  desobediên- 
cia de  hum  soldado  ,  que  a  perda  de 
huma  fortaleza  ;  que  ao  Capitão  mór 
só  tocava  o  governar  ,  a  elles  obe- 
decer ,  e  peleijar.  D.  Francisco  de 
Menezes  lhes  disse,  que  fossem  embo- 
ra a  infamar  o  nome  Portuguez  ,  que 
a  honra  levavam  já  perdida  ,  a  vida 
^grandemente  arriscada  j  que  quando 
escapassem  das  armas  de  seu  inimigo  , 
náo  poderião  livrar-se  da  indignação 
justa  de  seu  Pvey,  ao  qual  desprezaváo 
na  pessoa  de  seu  Capitão  mór  com  se- 
dição tão  fèa.  Porém  elles  fatalmen- 
te obstinados  ,  se  ordenarão  para  dar 
a  batalha  ,  dizendo  ,  que  de  nenhum 
delicto  se  engeitava  a  victoria  por  dis- 
culpa  ;  e  quando  se  perdessem  ,  fica- 
v2o  fora  do  premio  ,  e  do  castigo  i 
que  elles  acodiáo  pola  honra  do  Esta- 
do ,  que  estava  mais  costumado  a  to- 
mar praças  aos  Mouros  ,  que  perder 
as  suas. 

O  'Tiais  que    se  pode  acabar  com 
os  amotinados  ,  foy  ,  que  ficasse  a  in- 
vasam  p-ra    o  seguinte  dia  ,  deixando- 
ihes  por  conselheiro  aquelle  breve  tem- 
po, 


Li  V  b  o    II.       25'9 

teir.po  j  em   ^ue.  ^podiáo"  considerar    o 
(jue    convinha    á   honra   ,    e    saúde    de 
todos.    Porém  cUes   fatalmente    confor- 
mes,  amanheceram  resolutos ,  e  promp- 
tps.    á    baralha   ,    dizendo    ao   Capitão 
mór-,    c^ne    se  os  náo  (juizes se   gover- 
nar ,    entre  si  rnesnios   escoiheriáo    ca- 
beça,   -Vendo    pojs .  D.    ]oáo.  Ajascare- (7  r^;,,*. 
ahas  ,    <]ue    já    acompanhar   aos   desati-  ião  mór, 
nados  ,  erá    hum  lanço  forçoso  ,  e  que  ^  fidal- 
os  de  tora  sernpre  julgáo  melhor  a  cau- g'<'^  os  • 
sa  dos   temerários   ,  que  a   dos  prudenr  ^<^ompa- 
tesj  elle  ,    D.  AIv?.rp  ,  e  ps  mais    -^i^^hõopoi^ 
dal^os    resolverão   seguilos  ,  .onde    com  ^^"^^'^^ 

nova   disciplina  ,  obedeciáo    os  Capita-  ^  "^^'jor 

j      '  111'  r  verivff^ 

e.ns ,  man.-avao  es  soldados.  ^     * 

Haveria  na  fortaleza  ícomo  temos  r^t. 

ito)  seiscentos   homens  ,  dos  cju.^.es  n- „^jj^, 

ç.aráo    nas  estancias   çemo  j    dos  outros  c  cm  que 

fez.    D.    Joáo    Mascarenhas    três    bata- ^rí/?,,;. 

líias.j    as    duas    deu.  à    D.  Álvaro    de 

Castro  3  e   D.   Francisco  de   Menezes  , 

e  ourrà  tomou    para    si   ;  -  jogo  sahiráo 

da    fortaleza   ,    ,e    com   o   primeiro    mi- 

pero    ganharão    as    estancias  ,    (]ue    os 

Mouros  tinháo   feito    na  cava  ,  deixan^  _ 

do-lhas  com  facií  resistência.    Per   esta  ■'■■>  '-■ 

sombra    de  viccoria  começou  a  luina  , 

porque    os  nossos    altivos  ,  e    desorde-  ^^.^ 

nados  remeceráo   ao  muro,    O  pruneiro  "' ."-^ 

^us    sobio    foy    D.    Álvaro  ,    ajud.-ido  :a 

..y  S  dos  :^t 


2 6o  V;da  de  DJòXo  de  Castíio. 

dos  deus  irmãos  Luiz  de  Mello  ,  e 
Jorge  dè  Mendoça  ,  que  tris  el!e  so* 
biráo.  D,  Francisco  de  Menezes  en- 
trou por  ourra  paue  ;  sendo 'dos  pri- 
meiros António  Moniz  Barrero ,  Gar-' 
cia  RocrÍ9;uez  de  Távora  ,  D.  Jorge  ,- 
.e  Dom  Duarte  de  Meneze»  ,  Dom 
Francisco  ,   e.  Dem  Pedro  dé  Alrney- 

j,  ^.  ^         :    Rumecão   ,   Jiízárclo'  ,    è  Mdate- 
^    ".       cão,    vieráo    com   í;to^"sas    companhias 

iene  ia  .  '  --  ' 

dos  ini'  ^  encontrar-5e  com  o^  nossos ,  entre  os 
vii^us,     ^"^2s   se  começou  a  batalha  ,    susten- 
tada  de  nossa  parte    com    mais  valor  , 
què    disciplina.    D.  Francisco'  de    Mef-' 
nezes   foy  levando  do  campo    os  Meu-' 
los  ,  que   náo    podendo  sofrer    o-  p:sQ 
doeste   encontro  ,    perderão    muita    ter- 
ra ,  até  Que  soccorridcs  de  outros  rnuv*"^ 
tos  ,  detiveráo    a    corrente    dOs    no  sos,; 
^eprci-  E)'  Joáo    Mascarenhas   sobinJo    o  :  mii"^ 
í/c  o  Ca-  ro   ,  quasi  ao  mesmo  tempo  ,    que  os 
^iião       outros    Cabos   ,    vio    muitos'    iodados" 
mór  CS    do    motim  ,    que    estaváo   ao  pé  d'elle 
íjrnoii-     sem  ouzar  cavalga  Io  ,    e  em   voz  alta. 
iiíiíhs.     ]|ies     accuson     com    palavras     fèas     a 
desoledienci.s  ,  e  a  fraqueza  ;    os  quses 
callados    ,    como     qiierendo    responder 
cam  as  obras  ,  o  sej^uiráo.  E    logo  ac- 
ct^mmettendo  es  inimigos,  que  andaVáo ' 
briraih^s    cem   D.   iVlvaro  ,    lhes    fi* 

ze- 


Livro    II.        261 

zerão  perder  pârte  do  campo  ;  mas 
como  o  partido  era  táo  desigual  ,  os 
Mouros  se  foráo  melhorando  ,  e  car- 
regando os  nossos  de  sorte  ,  que  se 
desordenarão, 

D.  i^lvaro    fez   obras    que  respon- V^/í^r   e 
aerão  bem  ao  sangue ,  i   opiniam  ,    e  disclpU- 
âo  valor  j  não   fnkou  á  disciplina,  dií' "^  (''^  Ty. 
ficil    de  conservar    nas  desgraças  ;  por-  -^^'■jartf, 
c[ue    foy    ordenando  ,  e    recoihendo    os 
seus   ,    quanto    lhe   foy  possível  ,    reti- 
lando-se    muy  acordado    com    o   rosto 
sempre    no  inimigo ,  o  qual    lhe  havia 
degolado    alguma    genre   ,    e    outra    se 
desmandava   ,    nlo    podendo    sofrer    o 
Ímpeto    dos    Mouros    :    o    que    vendo 
Jorge    de    Mendoça  ,    inda    que  estava 
já    ferido    ,     tomou    a   D.    Álvaro    nos 
braços    para    o    sobir    ao    muro  ^    mas 
podendo-o  mal  f-izer ,  por  estsr  desan- 
grado  ,  foy  aíudado   de  seu  Irmão  Luiz  ^ohc  o 
de  Mello  i  e  estando  D,  iilJaro   já  so- '"^^í' 
bre   a   parede  ,  lhe  derão   huma   pedra   dond<:  ca- 
da   ,    que    o   fez  cahir    da  outra    pane  ^'^   ^'^ 
sem  sentido.  ,y'' 

Depois  de  Luiz  de  Mello  acoJir  2,'^''''^^' 
D.   Álvaro  ,  salvou    também    o  irmão  , 
ficando     clle    com    Gdrcia     Rodriguez  p^j^^ 
<le  Távora  ,    António  Moniz   ,    e    ou-  ^^,^  ^_ 
tros   Fidcilgos  ,    derendo    o   impei  o  dos  l^^^J.^  ^ 
Mouro^ ,  em  quanto  os  mais  subiáo ,  até  Luiz  de 
S  li  que    Mdh, 


262  Vida  DE  DJoXoDS  Castro» 

cjue  foy  pâssac^o  de  hum  pelouo  ,  de 
c]ue  cahio  mortal.  Oi  comp  nhetros  o 
levantarão  ,  e  puzeiáo  em  ;imi  da 
parede  ,  donde  foy  levaJo  á  fortaleza  , 
e  d'ahi  á  Chaiil ,  onde  acabou  da  fe- 
rida ,  merecendo  seu  singular  esforço , 
senão  mais  gloriosa  morte,  mais  dila* 
tada  vida. 
-,  D.  Franclíco   de  Menezes  ,  pelei- 

^^    ^      jando   muy  valerossmenre  ,  c:íhio  atrsi- 
Francis-  ^'^^sado    de    hum    pelouro   ,    com    ci:ja 
^^  ^^       morte    os  de   sUa  companhia    se  come- 
Mtntix.es  Çaráo   a  retirai  desordena -amente.  A^ui 
foy  o  estriígo  mayor  ,  prcjue  o  in  mi- 
go ,  conhecendo  o  desarranjo    dos  n.s- 
SOS    ,    carregou  sobre  cíies    com  mayor 
ousadia. 
Acordo  ^*    ^^^^    Mascarenhas    se    portou 

do  C'j^H'  ^^^^^  desgraça  com  vaor  ,  e  acordo  , 
ião  mòr.  ^"^^^^s  vezts  reíir?-ndo  os  seus ,  outras 
fazendo  voltas  ao  inimigo  em  qu  .nco 
se  recolhido  os  de^^mandados  ,  com  ^ue 
evi*ou  grande  parte  do  dano  ;  e  ten- 
do já  sa.vado  as  paredes ,  se  derramou 
huma  voz  ,  que  era  a  fortaleza  perdi- 
da j  em  que  os  soldados  se  começarão 
a  espalhar  per  diifèrcntes  partes  ,  co- 
rno gente  de  baratada.  Nests  táo  aper- 
tado conRicro  brauoiT  D  joáo  ?vlas-v 
carinhas  aos  icus ,  afcando-Ihes  a  reii- 
lada  ,    e    peieJjando    táo    valerosamen- 


L  I  V  R  o    II.       263 

te  \  que  só  com  alguns  pouco?    que   o  Fid^l- 
seguiac)   deteve    o   inimigo.     Os  Fid3l-  gos  que 
gos  ,  que   aqui     se    ach.iráo  ,  alcançaTáo  s-  ossi- 
cm  d-a  úo  infelice  ,  illusire  nome.  Lopo  ^Tolr.rCio 
de   Sousa  ao    pé   do  muro   se  defendep  '";'^^« 
de  hum  gráo  tropel  de  Mouros ,  faz-^n-  '^''*' 
do-os  afasuir  muitas  vezcò-  ,  coir*  tal  va- 
lor 5  (]ue  o  acrommettiáo  de  longe  com 
armas  de  ^rreme-so  j  aié   que  atravessa- 
do pelos    peitos    de    hum    dardo   cahlo 
morro   deixando  bem  vingado  seu  san- 
gue. António  Moniz  Barreio   ,    Garcia 
Rodrigues    de  Távora  ,  D.  Duarte  ,  e 
D.  jorge    de  Menezes  ,  que  trazia  de- 
zasete  feridas  ,  fizeráo  ao  inimigo  muy 
cusro?a   a  victoria. 

Rumecáo  ,  querendo    tirar    mayor  Enveste 
friuo  de  ntsso  desatino  ,  m.^ndou  a  Mo-  NojãU- 
jatecáo  ,  que   íossc  demardar  a  fortaleza  cão  n 
com   cinco    mil    soldaCos  ,  cor; ando    ofortah- 
p?sso  aos  que  se  lecolhiáo  dcstioçados  ,  -«^  >  c 
e  accommetcendo  o  baíu^irrc  S.  Thomé, ''^- '■"'«• 
achou  nel  e  a  Luiz  de  Sousa  ,  que  cem  ■^*'** 
a   arreiharia    ,    e   e^pingardr.ria   lhe  ma- 
tou muita  gente  ;  porem  o  Mouro   atre- 
vido   com   o  calor   da  victoria  ,  insistio 
na  escalada  i  mn^  foy  tno  valerosarrcn- 
te   resisndo  ,    que    se    tornou    a    rei  irar 
Com   dano  conhecido.    í).   ]oáo  Masca- 
renhas   rrabsl^ou    tanto    9     que    rornou 
a   (írd:nar   os   soldados   ,    c^ue    andaváo 

der- 


264  Vida  deDJoXo  ds  Castro: 

Crdena    derramados    ,    dos  quaes   fazendo  hum 
o  Ca  pi-    batalhão    cerrado  ,    guiou    à   fortaleza  , 
tão  mói'  e    encontrando    muytos    Mouros  ,  des- 
os  solda-  rnancados    na    segurança    da    victoria  , 
dos,         jçQ  nelles  tão   vaicrosamente   que  mui- 
tos deixarão    as  viJas ,  c  os  demais   o 
campo.  Perderáo-se  nesta  desgraça  trin- 
ta ,  e  cinco  pássoas  ,  cm   (^ue  enraráo 
Tcrda     OS  Fid/.lgos  ,    que   havemos    referido   , 
í/^-:  nos-  e  fòráo  mais  (ie  cem    os  feridos  ;  mas 
SOS  ncs-  em    tão    dcsorden<ída    empreza  ,    ainda 
íadcsor-st.  teve    a  desgraça    por    menor    que  o 
dtíin,        erro.  O  Capitão   mór  foy  logo  deman- 
dar   a    D.   Álvaro    ,    que    ainda    achou 
sem  falia  ,  c  a  juizo  dos  Cirurgioens , 
muy    contingente    a  vida  ,    cujo  perigo 
durou    aquelles   dias    ,    que   a    Philoso- 
phia    chama   dícreiorios  ,    ou    crinces  ; 
porém    lez   a   doença  termo  ,  cobrando 
D.   Alvciro   saúde  ,  cem  alegria    de  to- 
dos ,    que    o   amaváo  poias   qualidades 
do  sangue  ,  e  da  pessoa.     Nuno  Perei- 
ra se  achou  neste  conflicto,  o  qual  de- 
pois^  de  peieijar  com  valor  conhecido  9 
se  recolheo  com  quatorze  feridas.     Pe- 
dio  licença    para    se  ir  curar    a   Goa  , 
onde  tinha  sua  casa  ,  e  era   casado  ò.z 
.pouco   ,    com    fazenda    abundante  ,   da 
qual    no   serviço    d'ElRey   gastou   gráo 
parte  ,    até  p-rder  a  vida  ,  como  dire- 
mos. » 

Ven, 


L  I  V  ?.  o    II.       265' 

Vendo-se   Rumecáo   com   tão  inopi-  Jnlma' 
nada  víctoria   ,    havida    per    hum   vaior  se  Ra- 
desorden.^do  dos  nossos,  concebeo   ma- '"t<:<T:> 
yores    esperanças  do  succesí>o ,  resoluto  com  este 
a   ver    o  nai  da   empresa ,  para    a  qual  ^'í^c^:csi^J, 
começou  a   schar  nos  seus  mais  prom^ 
pta    obediência    ,    perdendo    na    expe- 
riência   daquelie    diâ    muita   parte    áo 
remor  ,    que    rinháo    a     nossas    armes. 
Deu  logo  conca  ao  Soiráo  da  vicroria , 
que  na  Corte    se  festejou  com  alegrias 
públicas    ,    e    Rumecáo    recebeo    d  El- 
Rey  honras  de -homem  vicrorioso  ,  sen- 
do  daqueile  dia  em  diante  mais   assis- 
tido de  genre  ,  muniçoen? ,  e  dinheiro, 
acodindo   muita  parre   da  nobreza  a  mi- 
litar com  elie  ,  esperando  go^ar  de  sua 
fortuna.    Mandou  lo2;o  continuar  a  obra  Conil^ 
do   baluarte  ,  furtando-lhe    por  baixo  a  '-«'^  as 
terra  ,  para    que  descarn.^do  o  arruinas   '"í^^í ,  «r 
se  o  peso  ,  faltando    o  íund.-mento  so-  ^^  ''■'^■'-^ 
bre  que  assentava.  Este  de-enhj  diver-'^-*" '''^r^' 
rio  D.  Joáo  Mascarenhas   ,    mandando  '^^'^" 
fazer     outro    forte    por     dep.iro    ,     que 
fechava  em  circuito    menor  ,    que    por 
abraçar    menos  terra  ,  era   mais    defen- 
sável. Nâo  se  pode  esconder  à  Rumer 
cáo    a  obra  ,  e   carregando    para    a  Quei- 
la  parte    muitos   Mouros   ,    liraváo    ds 
continuo      aos     trabdihadores     pedras  « 
dardos  j  alcanzias  de  fo^o  ,  hun^   cora 

pon« 


266  Vida  DE  D JoSo  DE  Castro. 

pcnuriâ  cert.í  nas  partes  que  descobria 
o  muro  ,  e  outros  por  elevação  ,  com 
que  feriáo  a  nossa  j^ente  ,  mais  atten- 
la  ao  Trabalho  ,  que  á  defensa  ;  polo 
que  o  Capitão  ordenou  se  trabalhasse  de 
noite  com  luzes  escondidas  ,  pondo  as 
pedrâs  pela  eitimaçáo  ,  e  tino  do  que 
tinháo  desenhado  de  dia. 
.  .  Rumecão  a'tivo  ,  e  confiado    com 

!'  7      o  bom  rosto,  que  lhe  mostrou  a   fuer- 
ra   na   ultima    peleiía   ,    como   em  des- 

772(7    IWVa  ,'  ,    ^    ^  . 

Cidiidc,  pf^^'^  'J^  vmda  do  Governador  ,  que 
se  esperava  ,  começou*  a  edificar  hu- 
ma  nova  cidade  ,  como  quem  já  lo- 
grava os  ócios  do  rriumpho  na  im.a- 
ginada  victoria  j  ou  fosse  por  dar  aos 
seus  eonfiançi  ,  cu  que  obr.iva  como 
homem     crédulo    na    prosperidade    dos 


S'Jcce3so5  ,    que  ja    se   promettia 


fez 


palácios  para  sua  pessoa  com  a  poli- 
cia ,  e  grandeza  ,  que  pudera  em  hu- 
ma  paz  ociosi.  Para  os  Cabos  mayo- 
res  ordenou  aposentos  ,  empefihnndo- 
cs  a  defender  suas  próprias  moradas , 
rr.ostrando  nesta  fabrica  náo  menor 
rrrtificio  ,  que  soberba.  Mandou  atra- 
vessar com  barcas  a  passagem  do  rio 
naquella  parte  ,  que  se  serve  da  Al- 
fandega pari  a  viUa  dos  Rumes  ,  as 
qua^s  depois  de  firmes  com  muy  gros- 
sas amarrí^s  ,   terraplenou    igualmente, 

jor 


L  I  V  K  o    II.       iGj 

por  onde  (corno  em  ponte  ,  ainda  qae 
tremula  5  segura)  tinh^o  fácil  passagem 
os  carros  ,  que  basteciáo  a  Cidade.  Ua 
confiança  com  cjue  Rumecáo  se  dava 
á  táo  custosa  fabrica  ,  se  derrâmuu 
huma  voz  por  muitos  Reyr.os  vezi* 
nhoã  ,  e  distantes  de  Cambaya  ,  que 
era  perd  da  a  nossa  fortaleza  ;  e  esta 
fama  como  grata  aos  ouvidos  dos  Mou- 
ros ,  e  Gentios  ,  se  espalhou  por  tcdo 
o  Oriente  ,  até  chegar  a  receber  o  ^-ol- 
íáo  congratulaçoens  de  muitos  Frinci- 
pes  ,  que  lhe  d-váo  emboras  da  vi- 
ctorJa.  Em  Goa  se  ouviráo  os  ecccs  does- 
ta nova,  com  temor,  e  silencio,  e  lin- 
da que  vaga  ,  e  sem  author  ,  chegou 
aos  ouvidos  do  Governador ,  fazendo-se 
mais  certa  poo  secreto  ,  e  recato  com 
que   huns  a   referiáo  a  outros. 

Esta  desgraça  que  se  temia  ,  pare-  Cuidai 
cia  que  tomava  certeza  da  tardança  que  í'í'j  do 
havia  nos  avisos  de    Dio  j  porque  nem  Govcr^ 
da  armada  de  D.  Álvaro  se  sabia    cou-  ^odor» 
sa   certa    ,    e    os    que   queriáo    divertir 
o    Governador  ,    mais    podiáo    de>pre- 
zar   ,    que   negar   a   fama    que    corria  ', 
e   eUe   ,    sendo     o    mais    interessado  , 
vendo    quam     necessário    era   animar   o 
povo   ,    mostrava  hum   coração  inteiro  , 
desmentindo    com    o  semblante   as  no- 
Vds  ^ue  temia. 

Com 


.265  Vida  DE  DJoXo  DE  Castro. 

Chí^a  Com    esre  cuidado    pis?av^  o  Go- 

tíoR,y-  vernador  ,  diverrindo-se  com  os  nego- 
#M  í7  Goa  c'os  .  e  aprestos  da  armada  ,  qu'^  '^oli- 
D  Ma-  citava  com  viva  d;íii;encia  ,  qu^njo  lhe 
/iocl  de  (jeráo  avi.'ío  ,  que  n.í  barra  surdira  hur 
^''''^'•*  ma  não  do  Keyno,  de  que  era  Capi^ 
táo  D.  Manoel  de  Lima  ;  e  se  aparta- 
ra de  cinco  mais  ,  que  vinhão  ra  mes- 
ma conserva  ,  á  ordem  de  Lourenço  Pi* 
rez  de  Távora.  Das  outras  vinháo  por 
Capiraens  D.  Joáo  Lobo  ,  joáo  Ro^ 
drigues  Peçanha  ,  Fernáa  d" Alvares 
da  Cunha  ,  Álvaro  Barradas,  Esrimoa 
o  Governador  a  vinda  de  D.  Manoel 
de  Lima  ,  pola  pessoa  ,  e  pola  ce- 
câsiáo.  Vinha  provido  na  fonsleza.  de 
^Ormuz  ,  que  EiRey  lhe  deu  por  des- 
viar alguns  encontros  entre  eile  ,  e 
o  Governador  Aiartim  Arfonso  de  Sou- 
sa ,  com  quem  andava  atravessado  ,  es- 
perando que  vie>se  da  Índia  ,  para 
lhe  pedir  satisfação  de  algumas  qudxas. 
Estes  de:;abrmientos  curou  ElRey,  co- 
mo pay  ,  interes^^ado  na  p?:z  de  hum  , 
e  outro  vassallo.  Quizera  D.  Manoel 
partir-se  logo  a  Dio  com  trezentos 
soldados  á  sua  custa  ,  porém  o  Go- 
vernador o  divertiO  ,  querendo  acomr 
panhar-se  d^eUe  na  armadi  ,  servindo-i,e 
de  seu  valor  ,  e  experiência  na  íac- 
çáo  presente. 

O 


Livro     IT.        269 

O  Governador    andava    sobre   ma-  Tcn  0 
reira  cuidadoso  dos   negócios  de   Dio  ,  Gover^ 
interpretando    mal  a    faica    aos  avisos  ,  uaJur 
quando  aportou  na  barra  de  Goa  ,  a  Ca-  povas  de 
pitania    em    que    íora    D.    Álvaro.    \\   ^'^* 
nha    o   navio    rodo    embandeiraHo    ,    e 
dando    alegres  salvas  ,    querendo    indi- 
ciar de   longe  as  novas  que   trazia.  Oc- 
correo    á  praya   grande  parre  do  povo  , 
solicito    a  perguntar    pelos    hinos  ,     pa- 
rentes ,  e   amigos  ,    e   os  menos    em- 
penhados .  pilo  ccmmum  do  Estado    O 
Capitão    foy  levado  acs    Paços  do   Go- 
vernador  ,    satiifazendo     peio    cr-minho  P^^dcde, 
a    duplicadas   ,    e     molestas    perguntas.  *''^^'V'"'^ 
Achou    o    Governador    com    o    Bispo  ^^"^  ''"^ 
D.   joao   de    Albuquerque',    e   Fr    An- ^^  ''*^^^" 
tonio    do   Casal  ,   Custodio    dos  Fran- 
c iscos.  A  primeira  cousa  que  o  Gover- 
nador perguntou   foy  ,    se  estava  ainda 
a  fortaleza  por  ElRey  seu  senhor.   Ao 
que    o    Capjráo    respondeo  ,    que  esta- 
va 5    e  estaria,    A  cuja  nova  aioelhan- 
do-se  o  Governador  ,  com  os  olhos  no  y^^j^-,j. 
Ceo  ,  deu  a  Deos  as  graças  ,  não  sem  ^^^^  ^ue 
derramar    lagrimas   ,     signincadoras    da  .g portou 
piedade    com   Deos  ,  do  zelo   com  seu  ^,1  n^p^te 
i^rincipe.  E   logo  recebendo  as   cartas  ,  de  d. 
soube    da    morce  de    seu   filho    D.  Fer-  Fenuvi- 
nanjo  ,    que  recebeo   com   tanca  cons-  do  seu 
uncuj  que  os  d-  fora  lhe  náo  conhe-//.W. 

ce- 


270  Vida  Da  D.  JoXo  DE  Castro. 

ceráo  mudança  no  rosto  ,  cu  nas  pala- 
vras ,  como  se  fora  fraqueza  p.irecer 
pay  ,  ou  indignid?.de  ter  aífecros  de 
homem.  Fez  mercê  ao  Capiráo  ,  e  o 
mandou  que  fosse  alegrar  a  Cidade 
com  as  novas  que  trazia  ,  e  lo^o  reco- 
Jhendo-se  chorou  em  secreto  o  íilho , 
esperando  tempo  á  dor  ,  sem  injuria 
do  lugar  ,  e  do  animo.  Aqueiie  mes- 
mo dia  aportou  o  navio  ,  em  que  vi- 
nha Nuno  Pc-eira  ,  o  qual  das  feridas 
faleceo  no  mar,  Foy  o  corpo  enterra- 
do com  todas  as  pompas  funeraes  , 
que  se  deviáo  á  pessoa  ,  acomp:.nhado 
do  Governador  ,  nobreza  ,  e  Povo  , 
deixando  de  si  este  Fidalgo  saudosa 
memoria. 
Procls'  ^^  seguinte  dia    se    fez  huma  so- 

são  em    lemne  procissão  de  graças  ,  a  que  assis- 
acção  de  tio  O  Cíovernadof  vestido  de   escarlata  , 
^mças,    consolando  com   novo    exemplo    o  po- 
vo   na   morte    de    seu    filho.    Por    este 
nav"o    soube    da    sabida    que    os   nos- 
sos  fizcráo    desordenada   ,    e   forçosa   , 
que    fora    occasiáo    de    tantas   mortes   , 
e   do  perigo    em  que    ficava    D,  Álva- 
ro ,    cu]a    dor    soube    aliviar  ,    ou    en- 
cobrir ,    como    quem    dos    filhos    esti- 
Soc<or-    n-'ava    menos    a  vida  ,   que    a    memo- 
rai (jite    ^'^» 

vninda  a         No  mssmo  dia  despeaio  Vasco  da 
Vif,  Cu- 


Livro     II.         271 

Cunha   ,    para   que  fosse  pela-;  bahir.s  , 
e   enseadas    da  costa    i    recolhendo    os 
navios    da   r.rm-da    de    D.   Álvaro   ,    e 
os  levasse  a   Dio.    Por  elle  e  creveo  a 
D.    JodO  Mascarenhas    congratula^oens 
da     honra    que    h  via     ganhado   ,    náo 
menos    para   si   ,    que  p«ra   o   Estado  ; 
afíirrr.ando-lhe  ,    que    em    breves    dias 
iria   avistar    z   Dio   com   todo  o  poder 
do  Estado  ,    para   o  que  náo    perdoava 
a    nenhuma    de  pesa  ,    ou    dil  gencia  i 
e   que    em    quanto     se   aprestava    a   ar- 
mada  ,    lhe   m.andaria    soccorros   ,   que 
bastassem    a    as-egurar    a    fcrtr.leza  ,  e 
enfrear    o    inimij^o  ,    o    que    executou 
prompra mente  ,  poique  logo  ?.pôs   Vas- 
co  da   Cunha  ,    despachou    a  Luiz    de 
Almeida   com    seis   caravelas  .     e   qua- 
trocentos   soldados   ,    cem    muitas  mu- 
niçoens  ,    e   basrimentos  ,    e   gráo    co- 
pia   de  materiaes    importantes    para    as 
necessidades    do  cerco.    E   foy    láo   in- 
cansável   a    ddij^encia    ,    com    que    se 
aprestava   ,    que   em  brevíssimo    tem.po 
se  poz  de  verga  d  alio  toda  a  armada  , 
e  só  lhe  faltaváo    os  soccorros   de   Ca- 
nanor  ,  e   Cochim    para    Icvar-se  ;  pi- 
que era  cal  o  amor,  e  obediência  comi 
que    lhe   assistiáo  ,    que    as  Doms  ,    e 
Cavalleiros    de    Goa   lhe    vi:-iháo    oíre- 
recer  os  filhes  ,    e  a  fazenda  ^   lev:in- 


27^  Vida  de  DJoSo  de  CA?TRa. 

do  esta  armada   tantas  bençoens  do  po- 
vo ,    como  outras   soem  levar  lagrimas 
e  queixumes. 
Chc^a  Vasco  da  Cunha  seguinJo  a  instruc- 

Vciscoda  çáo  ,    que    levava  ,  foy   recolhendo    os 
Cunha  a  navios  ,    Gue   achou   naquellas  enseadas 
Biiçainu  desaparelhados    da    tormenta   ,    e    com 
elies  enrrou    em  Baçaim  ,    onde  ach  )U 
o  Capitáo    mór  D.  jeronymo    de  jMe- 
nezes     com    quinze     navios    aprestados 
para    soccorrer    Dio   ,    empenhado     de 
novo  com    o    sentimento   da  morre  de 
seu    irmão    D.  Francisco  ,    que    temos 
'Eitr^et      referido  ;     porém     havia     retardado     a 
€in  Dh  P^'"^^'^^    alguns    dias   ,    por    ter    avisos 
^^^         certos  ,    que    o    Brs maluco    vinha    cer- 
Luiz  dé  car  aquelia   fortaleza    logo    que   o  visse 
jíhnctj-    ausente  ;  diversão    procurada    pelo   Sol- 
da.  ráo    em    beneficio    dos    cercadcres.    D, 

Jeronymo  ,  vendo-se  mais  empenhado 
na  defensa  de  Baçaim  ,  que  no  soe- 
corro  de  Dio  ,  entregou  á  Vasco  da 
Cunha  os  navios  -,  o  qual  partido  ,  en- 
controu a  Luiz  de  Almeyda  com  as 
seis  caravelas  ,  e  rodos  em  conserva 
entrarão  em  Dio  ,  representando  soc- 
corro  mais  crecido  no  número  dos  va- 
sos i  porém  a  fortaleza  ficou  assegurada 
da  fome  ,  e  do  peiigo  j  e  os  soldados  , 
pagos  ,  e  bastecidos  ,  mais  descjaváo , 
que  temiâo,  a  guerra.  "' 

Era 


L  I  V  R  o    II.        273 

Erâ  já  o  tempo  em  favor  dos  nos-  Vaij 
SOS  ,    e  começaváo   a  senhorear  o  mar  Luh  c{g 
es  navios  do   Ésrado.    D.  AIv?ro  ,  co-  Almeij- 
mo   Capitão    mòr  do  mar  ,  mandou   zdacspe- 
Luiz  de   AimeyJa  co"m   rres   caravelas  ,  ''''"'  ^^ 
de  c]ue  elle  hia  por  Cabo  ^  e  nas  duas  ''■^^^  ^^ 
l^ayo  Rodriguez    de   Araújo  ,    e   Pedro  ^'^'^<^'^' 
Afi-bnso^  com  ordem  ,  que  fossem  de- 
mandar   íí    barra    de  Surrare  a    esperar 
as  mos    de  Meca  ,  cjue  viessem   buscar 
aquelle  porto  ^    os  (^uaes    seguindo    sua 
viagem    a    poucos    dias    virão    atraves- 
sar cu;ís  nãos  ,-  huma  grossa  ,    e  outra 
de  meiio"S    pórtev    Logo    que    Luiz  de 
Almeyda^  as"  avistou',   foy  demanda-las 
com    os    tracueres    dados.     Vinháo    as 
náos  arrasadas   em    pop.^ ,  e  tanto    que 
houveráo -vista  <ie  nossas  caravelas  ,  vol- 
tarão ft^óurro   bordo  •,  mas  como  as  ca- 
rtívelas    hiao    ma-s    boy antes  ,   e    eráo 
mais  ligeiras,  soltando  as  velas,  as  al- 
cançarão   logo.  Luiz  de  Almeida  abor- 
dou a  nao  grande,    erri  que  vinha  por 
Capiráo  -bum  Janizaro  parente   de   Co  Toma 
gc    C^ofar-,-  que    fiado  na  grandeza  à:\  duas^ 
náe  ,  anelhana  ,    e  gente  ,  que  trazia  , 
começou'    a    defendcr-sc    ,     ateando-se 
entre    huns  ,    e   outros  Huma    bem   re- 
nhida   contenda.    De   ambas    as    partes 
se    derramava    sangue    ;    peleijaváo    os 
Mouros  por  necessidade  ,  os  roVííos  por 


274  Vida  pEDJoXoo55iCASTR(y; 

oííicio  ,  e  como  eráo  melbores  no'  va- 
lor 5  e  disciplina  ,  enrraráo  a  náo  ,  on- 
de os  Mouros  ,  com  ultima  desespe- 
ração mais  atrevidos  ,  pelei javio  cp-- 
mo  para  acabar  vingados ,  até  que  com 
a  morte  dos  principaes  ,  se-  renderão  os 
outros.  Ao  Janiz.íro  acKaráo  atravessa- 
do de  muitas  feridas  ,  p  qu.il  Luiz  de 
Almeyda  mandou  passar  á  sua  carave- 
la ,  e  curar  cem  resguardo.;. A  outra. 
nao  rendeo  Payo  Rodrigues  de  Araú- 
jo com  leye  resistência.  Depois  deste- 
feiro  ,  se  •  deteve  Luiz  de  Aimeyda  na- 
quella  paragem  os  dias  de  sei^.  re;^,imen- 
to  ,  nos  quaes  tomou  algumas  embarca- 
çoens  de  mantimentos  ,  que  hiáo  baste-, 
cer  o  exercito  5  fazendo  varar, outras  ;em^ 
terra  ,  com  quç  se  conhéceo>iguma /ai-' 
Entra  ^^  ^^  prpvisá.o  do  Campo;  ;,  e:rjlogo  jen-: 
em  Dío  tfou  em  Dio  com  as  náos  da  píjeza  ,  e. 
com  d'  os  Mouros  enforcados  nu s  y ergas  ,  dari-.: 
Ias,  do  estranlio  pezar  ao  Campo;  tào  lasti- 

mosa vista.  Rumecáo  offereceo.polo  Ca- 
^"^^  pitão  Janizaro  ,  (que,  .GO,mQ.^dísseinos).^ 
^rr  ^'  ^^^  ^^^  conjunto  em  saíjjg^ue,,-; trinta  -e^ 
^lvarí>  j^^^„  j^jj  p.^^^Qs  je  ouròi.-portm  D.i 
1'cs'^iitnr  '        t  '  r 

y^T     Álvaro     mandou,    que--ft :  ervtoraassemjj 

fium  .ia'  ^  •"      '     *         ■  I  ^ 

«;. .  \,  porque  nao   v;íera  a  venae^r  sar^gue  ,   se-:- 

e  man-  "*o  i  d'írramalo ;  que  dg.?;. Mjcnifos  nao. 

d:t-o  en-  qneria    outro  despojo  ,  que  -as- cabeças, 

fcrcav.  Espantou    a   Rumecáo  9k,m  lo^os  Xpr-, 


ar.  a  9 


Gdvas 
ao  III' 


Livro     IL        2yj 

cos  o  desprezo  ,  e  por  não  ter  D. 
Álvaro  embainhada  a  espaáa  dos  seus  , 
em  quanto  náo  chegíiva  a  baraiha  , 
mandou  alguns  navios  de  Baçaim  ,  e 
Chaul  tomar  as  Gelvas  ,  (]uq  baste- 
ciáo  o  inimigo  j  o  Cjue  fizsráo  láo  di- 
tosamente ,  (]'je  prearáo  quarorze  ,  rra-  T 
2endo  pelas  vergas  os  Mouros  enfor-  os  n.  ssos 
cados  3  de  que  já  era  menor  o  sen- 
timenro  ,  oue  o  espanto,  vendo  que  náo 
iinh:\  a  cólera,  e  vingança  dos  nossos  , 
piedade  ,  ou  limite.  ""^'" 

Entretanto  D.  Joáo  de  Castro  ,  re- 
solvendo   comslgo    dar     a    EiRey    tie 
Cambaya  hum  castigo  ,  de  cujo  exem- 
plo resultasse  nos  Príncipes  da   Ásia  a 
paz  ,    e  reverencia    do    Estaco  ;    quiz 
prim.eiro  palpar ,  ou  satisfazer   aos   juí- 
zos de  fora  ,  para    que  •  os  que  appro- 
vasseni    o  intento  ,    adiasse   dóceis    na 
execução   de  seu  mesmo  conselho.  Pâ-  OGover- 
ra  este  eííeito  chamou  a   si  o  governo  r.ador 
da  Cidade  EccJesiastico  ,  e  Secnb.r ,  cem  dalara 
os   Fidalgos   ,    e  Soldados   de   nome  ,  ^'"  c<-'^- 
aos   quaes    declarou  o  animo    cem  que  -^^^^'^  ^ 
estava    de  ir  descercar  pessoalmente    a  ''^j^'^'"' 
Dio  ,    e  dar    a   Runiecáo   baralha    em  ^'^^  ^^ 
seus  alojamentos  ;  que  dado   que  todos  "  *'    '^" 
o  sabiáo    como  particulares  ,    lho  que- 
ria certificar    em   commum  ,    para  ^ue 
•na   ;'ppros'açáo   da   Republica  ,    kva^se 
T.  CO- 


Fnrecev 
de  D. 

de  Al- 
mcijda 
cm  con- 
trario. 


276  Vida  de  DJoXo  de  Castro 

como    parte    da    victoria   a  justiça    da 
cansa,    Ouvido  o  Governador ,   agrade- 
cerão todos  ,  em  primeiro  lugar  a  mo- 
déstia  de   se  querer    subordinar   minis- 
tro "  independente   ,     logo     o    fervente 
zelo  5  com    que    queria    em  serviço  da 
pátria    sacrificar    a    vida    sobre    o    san 
gue    ainda    fresco    de   seus   próprios   fi 
riios.    Chegados    a    vetar    na  matéria 
discorrerão     com    sentimentos    diííèren 
les,     D.  Diogo    de   Almeyda    Freire 
Capitão  m.ór  de  Goa  ,  a  quem   os  an 
nos  ,  e  03  casos  da  guerra  tinháo  dado 
experiências    largas  ,    íailou  d'esta  ma- 
neira. 

5,  As  pequenas  forças  ,  que  hoje  te- 
3,  mos  ,  são  formidáveis  a  nossos  ini- 
,5  migos  5  em  quanto  as  não  conliecem  j 
5,  porque  toda  esta  Ásia  avalia  nosso 
,5  poder  paias  victorias  ,  mais  que 
55  pelos  soldados  ;  de  sorte  ,  que  só  a 
„  fama  das  cousas  passadas  nos  con- 
5  5  serva  as  presentes.  Tem  V,  S.  jun- 
3,  to  nesta  armada  todo  o  poder  da 
.,  Índia  5  com  que  apenas  podemos 
j,  contar  dous  mil  Portugueses  ,  e  ten- 
tamos estremecer  o  mundo  com 
brado  tão  pequeno.-  Esta  arvore  do 
Estado  ,  de  cujas  ramas  pendem 
tantos  trofeos  ganhados  no  Orien- 
te ,  tem  as  raizes  apartadas  do  tron- 

•  .   CO 


L  J  V  R  o     II.  277 

,,  CO  por  innnitas  legoas ,  convém  cjue 
,,  a  sustenteiTiOS  ,  arrimaoa  na  paz 
,,  de  hui-is  ,  e  no  re?peito  dos  curros. 
,,  Nunca  podemos  responder  ?.o  t^ue 
j,  se  espera  de  noss2s  forças  juntas  , 
„  porque  huma  vicroria  pouco  nos 
5,  acredita  ,  e  íii^m  só  eí;tra^o  nos 
,,  ac^ba.  Temos  a  nossa  fortaleza  soc- 
5,  corrjja  ;  de  cue  serve  em  huma  cha- 
j,  ga  ji  curada  ,  esperdiçar  o  remédio 
3,  das  outras?  Que  nova  prudência  nos 
j,  ensina  aventurar  em  huma  só  ba- 
.,  talha  ,  o  Cjue  se  tem  ganhado  em 
3,  tantas  victorias  :  Temos  pcder  pa- 
5,  ra  nos  conservar  inteiros  ,  náo  te- 
„  mos  forças  para  nos  reparar  perdi- 
5,  dos.  Nenhum  grande  soldado  tí(  u 
5j  baralha  campal  ,  senáo  necestirado  , 
j,  porque  o  destroço  costuma  ser  i^ual , 
55  só  íica  com  o  vicicrioio  o  campo  , 
3j  e  a  fama  inútil.  De  Dio  náo  que- 
,,  remos  ,  nem  podemos  ter  mais  que 
55  a  fortaleza  i  pois  com  que  fuíia  ce- 
5,  ga  tornamos  a  comprar  com  nosso 
3,  sangue  ,  o  mesmo  de  que  íomcs  se- 
3j  nhores  ?  Que  novos  povoadorrs  t:^. 
,,  mos  para  habitar  a  Ilha  ?  De  qu^ 
3,  parte  do  mundo  podemoj  trazer  ou- 
j,  tros  ,  que  deixem  de  ser  Mouros, 
3,  ou  Gentios  ,  ds  fé  láo  inccria  com 
53  o  Estado  ,  como  estes  ,  que  ai^^ora 
T   ii  „  no;; 


278  Vida  deDJoÃo  deCast?o. 

5,  nos  offendem  ^  Vamos  a  peleijar  com 
5,  Turcos  ,  e  com  Mouros  supjricres 
,,  em  número  ,  iguaes  em  arma.>  ,  e 
55  disciplina  ;  se  tivermos  hum  succes- 
3,  80  adverso  ,  náo  temos  salvação  ,  por- 
35  cjue  a  terra  he  sua  ;  se  o  alcançarmos 
5,  prospero  ,  nenhum  fruto  tiramos  da 
.j  victoria.  Com  armas  navaes  con- 
5,  quistamos  a  índia  ,  com»  ellas  a  ha- 
3,  vemos  de  conservar  ,  porque  temos 
55  a  venragem  dos  va^os  ,  e  da  mari- 
5,  nharia.  Se  náo  queremos  vencer  , 
5,  se  náo  em  batalhas  ,  arrazemos  as 
55  nossas  fortalezas ,  derribemos  os  mu- 
5,  ros  dr.s  Cidades.  Se  me  dizem  que 
5,  he  honra  do  Estado  arruinar  por 
,,  huma  ofFensa  hum  Reyno  ,  já  esci» 
3,  vera  despovoado  o  Oriente  ,  se  to- 
5,  dos  os  que  nos  fízeráo  guerra  re- 
3,  cebessem  o  ultimo  castigo.  Por  ven- 
3,'  tura  accusarerros  a  Affonso  de  Al- 
3,  buquerque  ,  porque  depois  de  soífrer 
3,  tantas  hostilidades  ,  e  enganos  dos 
,,  Fvcys  ,  e  Governadores  de  Ormuz  , 
„  o  náo  deixou  abrazar  ?  Perderá  aquel- 
5,  Ia  grande  fama  ,  que  mereceo  na 
5,  terra  ,  porque  nas  offensas  ,  e  cavilla- 
5,  çoens  do  Çamorim. ,  náo  deixou  o 
3,  Malabajr  destruído  ?  Maculará  Ngno 
3,  da  Cunha  aque.le  illustre  norine  , 
.3  porque  depois    das   traiçocns  de  Ba- 

3,  dur, 


Livro    H.        279 

.,  (^ur  5  não  fez  guerra  a  Cambaya  ? 
3,  Iremos  destruir  ao  Turco  ,  polo 
3,  atrevimento  ,  com  qae  cercou  o  sen 
„  Baxá  a  nossa  fortaleza  ?  Aprestare- 
5,  mos  nossas  armadas  contra  o  Achem  , 
5,  porque  tantas  vezes  nos  assaitoa 
3,  Malaca  ?  Meteremos  a  fogo  ,  e 
3,  sííngue  este  Hidalcáo  ,  por  nos  to- 
5,  Iher  cada  dia  os  mantimentos  .,  e 
3,  inquietar  as  terras  de  Bardes  ,  e 
3,  Salsete  ?  Que  desesperação  nos  ar- 
3,  rastra  a  olierecer  a  garganta  do 
3,  innocente  Estado  ao  cutelo  inimi- 
35  go  ?  Esta  armada  táo  espantosa  nas 
55  apparencíss,  e  no  poder  táo  débil  5 
„  he  freyo  a  Rumecáo  ,  aos  nossos 
3,  muro  ;  porém  desembarcados  em 
3,  terra  estes  poucos  soldados  ,  abrirá 
5,  o  Orienre  os  olhos  ao  segredo  de 
53  nossas  forças  ,  e  todos  estes  Prin- 
3,  cipes  trabalharão  por  rorr^per  a  fra- 
35  Cjueza  das  prisoens  ,  em  que  os  te- 
„  mos  atados.  Gloria  foy  do  Império 
PvOmano  vencer  muitas  baralhas 
Quinto  Fábio  Máximo  ;  depois 
foy  srJvaçio  escusar  huma.  Os  pri- 
nieiroá  Conquistadores  nos  fizerlo 
a  C35a  5  a  nós  só  toca  o  conserva  ia. 
Se  na  oppiígnáçáo  de  Dio  perdeo 
55  o  inimigo  hum  exerciio  ,  que  iralta 
„  a  esia  facçáo    para  victona  r  E  que 

55  r^í- 


28o  Vida  de  D.JoXo  de  Castro. 

,  para  castigo  ?  A  oiíensa  intent^se 
5  com  forças  iguaes  ;  a  vingança 
,  com  niDJto  superiores  ;  perene  náò 
,  se  ha  cie  ir  a  sansíazer  hum  aggra- 
,  vo  com  risco  de  nova  injuria.  Mór- 
,  mente  ,  que  em  nada  tem  a  fortu- 
5  ra  mayor  império',  que  nas  cou- 
,  sas  de  guerra  j  alcançáo-se  muitas 
,  vezes  as  victorias  .por  leves  acci- 
,  dences  ,  e  por  outros  se  perdem. 
5  Será  pois  justo  deixar  na  contingen- 
,  cia  de  hum  successo  o  cetro  Orien- 
,  tal  com  espanto  ,  e  enveja  das 
,  gences  ,  fundado  sobre  tantas  vic« 
,  torias  ?  Se  perdermos  esta  armada  , 
,  onde  está  junto  rodo  o  poder  da 
,  índia,  que  thesouros  poupados  tem 
,  í>.  Alteza  para  nos  mandar  outra  ? 
5  Começaremos  a  rogar  ,  ou  a  con- 
,  quisrar  de  novo  os  Príncipes  da  In- 
5  dia  ;  tornaríamos  á  sua  mtancia  este 
5  império  já  encanecido  ;  viveremos 
5  na  cortesia  das  Coroas  que  temos 
,  offendido  ,  ficando  creaturas  mísera- 
,  veis  daquelles  de  quem  fomos  se- 
,  nhcres. 

As  rízoens  de  D.  Diogo  de  Al- 
meyda  satfiíizeráo  aos  de  sua  opinião  j 
2^  eposia  abailarSo  os  que  tinháo  outra.  Porém 
j^  Go  D.  loáo  de  Ca.tro  ,  seguro  na  leso- 
vc'''"-'  l'^Jçáo  rom.ida  ,  discorreo  em  contrario  , 
00  r  <^í- 


Livro    IT.        28  í 

dizendo  ,    que  nenhuma   Nação  domi- 
nante   se  satisb.zia    com    a    guerra  de- 
fensiva   entre     seus    inferiores   ;    que   o 
Estado  se  fizera    no  Oriente  arbitro   da 
paz  ,  c  da  guerra  ,    buscando  es   mais 
dos    Príncipes    da    Ásia    nossa    sombra 
para   viver  seguros  ;    que   todas  as  for- 
talezas ,    que   tiniiamos    na    índia  ,    se 
conservâváo    com   as   mesmas    arm.as  ^ 
com   que  forâo    ganhadas  ^    que   o   res- 
peito ,    que   nos   tinha  o   os  Mouros  ,  e 
Genrics  ,  náo    duraria    mais   ,    que  até 
saber    que   podiamos    sofrer    huma    in- 
juria  j    que  todos   estes  Príncipes    esta- 
váo  attentos    ao  castigo  de  Cambava  , 
e    náo    cusaráo    atégora     ajudala    com 
forças    auxiliares ,  temerosos    de  pode- 
rem   cahJr    sobre    suas    ruinas  ;  porém 
se  vissem    que  nos  contentavan^oJ  com 
reparar  os   estragos  de  nossa    fortaleza  , 
e  arar  as  feridas  ,  que  nos  tinháo  aber- 
to 5  as  torn.uiáo  a  rasgar  de  novo  ,  en- 
caminhando o   segundo    golpe    ao    co- 
ração do  Estado ;  que    a  reputação  era 
ainia  do ;  mipeiios  ;  e  o  sofrimento  nos 
particulares  ,  viriude,  nas  Corças,  mi- 
na j    que   tínhamos    perdido    neste   cer- 
co   tantos     Fidalgos    i!!usrr?s    ,     taniOi 
Cíivallciros  ,   e   soldados  de  nome  ,  que 
coSririáo  os   vivos  ,    como  sinâes  infa- 
mes ,    a*    fendas    que    i;:ceberáo    nesta 

gusr- 


282  VíDADE  DJoXODâCASTRO. 
guerra  ,  se  as  náo  vissem  vingadas  ; 
que  ficava  que  coutar  ao  Mundo  does- 
te cerco  5  senão  a  paciência  com  que 
o  tolerámos  ;  que  o  Estado  mais  se  as- 
segurava com  a  fama  ,  que  com  todâs 
as  drogas  do  Oriente  j  as  quaes  só  eráo 
de  preço  ,  quando  as  recebíamos  ,  náo 
por  commercio  ,  senão  como  tributo  ; 
que  ultimamente,  náo  queria  que  a  pri- 
meira fraqueza  de  nossas  armas  acon- 
tecesse nos  dias  de  D.  Joáo  de  Castro  ; 
que  elle  estava  resoluto  a  pelei lar  ;  a 
culpa  seria  de  hum  só  ,  a  victoria  de 
todos.  Referio  o  Gcvernadcr  estas  pa- 
lavras com  hum  espirito  presago  do 
triumpho  antevisto  ,  ou  da  esperança  do 
successo  j  ou  da  grandeza  do  animo. 
Contl-  ^'^'^  ^^  ^'^-^  esravrio  ociosas  as  ar- 

vun  Ru-  rnas  ,  porque  Rtamecáo  valeroso  ,  e 
tnecão  constante  ,  náo  o  assombraváo  os  da- 
ce-7i  nu-  nos  recebidos  ,  nem  os  soccorros  espe- 
tfj  mi'  rados  dos  nossos.  Sabia  o  poder  ,  com 
que  o  Governador  vinha  em  pessoa  , 
ainda  estimado  por  raayor  na  fama  , 
que  na  apparencia  j  m,as  nem  assi  do- 
brou da  resolução  de  proseguir  o  cer- 
co, esperando  a  ultima  fortuna.  Man- 
dou m.inar  a  guarita  de  sobre  a  porra  , 
em  que  estava  António  Freire ,  e  aiti- 
di  que  se  trabalhava  com  estranho  si- 
lencio ,  divertindo  a  attençáo  dos  nos- 
sos 


11  íi. 


Livro     IT.         283 

SOS  com  ardis  diíFerentes  ;  o  Capitão 
mór  ,  a  cjuem  nenhum  caso  ,  ou  acci- 
àenie  ,  achava  descuidado  ,  ihe  pene- 
trou a  obra  ,  a  quai  contrapcz  os  mes- 
mos reparos,  que  outras  vezes*  De- -^ -/«^ 
ráo  os  Mouros  fogo  á  mina  em  d€Z(^<^"j'^S^ 
de  Oumbro  ,  a  qual  rebentou  sem  da-  -^^'^  ^^'^ 
no  pela  face  de  fora  ,  recrocedendo  o  "^'^^^''•, 
fo^o  por  achar  resistência  nos  repu- 
xos ,  e  vi  ráo  03  Mouros  Por  dentro 
outra  psrede  levantada  ,  espantados  de 
que  anteviamos  os  fins  de  todos  seus 
desenhos  ,  náo  lhes  valendo  a  força  , 
nem  a  industria  contra  táo  valerosos  e 
prevenidos  inimigos.  Rumecáo  ainda 
/que  experimencava  que  nas  minas  era 
menor  o  fruto  que  o  trabalho,  ou  por 
cansar  os  nossos  ,  ou  por  ter  os  seus 
em  boa  disciplina  ,  começou  a  abrir, 
outras  ,  que  sendo  também  conhecidas 
se  at  Iharâo  ,  as  quacs  não  referimos  , 
assim  porque  náo  involveráo  successo 
memorável  ,  como  por  evitar  o  fastio 
de  relatar  cousas  táo  parecidas. 


LI- 


A 


L  I  V  RO    III. 

Os  dezasete  de  Outubro  doeste  an- 
no    de  mil  cjuinhentos   (Quarenta    e 
seis  ,    enrregando    D.  Joáo    de    Casrro 
Porte  o  ^  governo  da  Cidsde  ao  Bispo   D.  João 
Govcr-    ^^   Albuquerque,  e  a.  D.  Diogo  de  Al- 
mdor       meyda   Freire,  soltou    as  velas  em  di- 
fjarn        reitura   a   Baçaim   ,    onde  quiz  esperar 
Dio,        ajguns  soccorros  ,  e  mantimentos  ,  que 
vinháo  retardados  ,    porque   fez  opiniáo 
de   não    estar    o  Governador    da    índia 
em    Dio   hum  sò  dia  cercado  ;   queren- 
do com  a   felicidade    de  César  ,    che- 
gar ,  ver  j  e   vencer. 
Com  que        Constava  a    armada  de  doze  galeo- 
armad^z,  cns  grosscs  ,  de    que   era    Capitania   S. 
e  Capi-    Diniz  ,  em   que   líia  embarcado  o  Go« 
taens.      vernador  ;    dos    outros    eráo    Capitaens 
Garcia   de   Sá  ,  Jorge   Cabral ,  D.  Ma- 
noel  da  Silveira  ,  Manoel  de  Sousa  de 
Sepúlveda  ,  jGr,^e    de  Sousa  ,  joáo  Fal- 
cso  ,  D.  Joáo  Manoel    Alabastro  ,  Luiz 
Alvarez  de    Sousa.    Os    navios    de    re- 
mo   eráo    sessenta    ,    de    que    eráo   os 
principaes     Capitaens    D.    Manoel     de 
Lima  ,   i^'    António  de  Noronha  ,  Mi- 
gue!   da   Cunha  ,    D.    Diogo    de    Sot- 
t  jmdvor  ,    o   Secretario    A^ntonio    Car- 
neiíú  5  Álvaro  Ferez   de  Andrade  ,  D. 

Ma. 


Livro     IIL       285* 

Manoel  Déça  ,  Jorge  da  Sylvâ  ,  Luiz 
Figueira  ,  Jeronymo  de  Scnsa  ,  Kiino 
Fernandes  Pegado  o  Ramrijlio  ,  Lou- 
renço Ribeiro,  Antcnio  Leme,  Álva- 
ro 0'erráo  ,  Ccsme  Fernandes  ,  Mar.cel 
Lobo  ,  Francisco  de  Azev:do  ,  P^ro 
de  Attayde  Inferno ,  Francisco  da  Cu- 
nha 5  António  de  Sá  o  Ruir.e  ,  Ccs- 
me de  Paiva  ,  Vasco  Fernandez  ,  Ta- 
nadar  niór  de  Goa  ,  Caco  de  ciuinze 
fustis  5  cotias  5  e  tauuns ,  em  que  hiáo 
os  Canarins  de  Goa,  e  ouíros  navios 
de  Cana-.or ,  e  Ccchim, 

Em  seis ;  dias  afferrou  Baçaim  ,  vin-  Chcg;a  a 
do   buscalo   ao   riívio    D,  jeronymo   òt  'B^tçolm , 
]V5enezes    seu   cunhado  ,    Capiráo   mór  ^  /'••• 
d'aquelia    fortaJcZA   ,    consolando-se    re- S""^' •''' ^ 
ciprocamente  bum  na  morie   do  irmáo ,  ^^'"^^* 
outro   do   filho,    E  porque    o   Governa-  ^^' 
dor    náo   oucria    ter  ociosas  as   armas  , 
despachou    D.   Mancai    de  Lima   com 
seis  nav;03    Ii.";e:ros ,  para    que    na   en- 
seada ds  Gambciya  hzess^  algumas  pre- 
sas   nos  navios  ,    que    soccorriáo  ,    cu 
basteciáo    o   Campo    do   iniíT.ii,o.     Ka- 
cjuella  paragem  aniou  alguns  dias ,   em 
que   romou^  sessenta  cotias    de   Mouros 
com  manrimenros  )    mandou    espeiaçar 
os    corpos  5  e   trazidos    á   íoa  ,  os    50I- 
tou  nas   bocr.s    dos  rios   ,    para    que    a 
corrente   os  ievaí-se    a  iliia  ,  onde   í es- 
se m 


a8á  VidadeDJcao  de  Castro. 

sem  vistos  com  horror  j  e  espanto  , 
de  que  a  ira  dos  Portuguezes  inven- 
tasse cada  dia  crueldades  novas.  Acab.-^- 
do  o  tempo  do  regimento  ,  sa--  reco- 
Iheo  D.  Manoel  com  sessenta  Mouros 
pendurados  nas  vergas  dos  navios  ; 
espectáculo  mais  grato  á  vingança  , 
cjue  á  humanidade.  O  Governador  ale* 
grando-se  com  estes  ensayos  da  guer- 
ra ,  Gue  emprendia  ,  tornou  a  mandar 
D.  Manoel  de  Lmia  com  trinta  na- 
vios ,  e  instrucçáo  ,  c]ue  todo  o  mari- 
limo  de  Cambaya  puzesse  a  ferro  ,  e 
fogo ,  para  que  a  memoria  do  castigo 
durasse   nas   ruinns. 

Loure»^co  Pirez  de  Tavòra  ,  Capí- 
p.^  tao  mor  das  nãos  do  Keyno  (como 
^  ^^J^  temos  referido  )  aportou  em  Cochim 
huscar,  ^^^'^  ^^  ^""""'s  nâvios  de  -sOa  compa- 
nhia ,  e  achando  ahi  novas  do  cerco  , 
partio  a  Goa  com  toda  a  diligencia  ', 
crendo  ,  que  achiria  o  Governador  em 
terra  ;  e  sabendo  que  se  tinha  leva- 
do toda  a  armada  ,  rota  batida  foy 
demandar  Dio  ,  antepondo  o  serviço 
Real  aos  interesses  da  viagem  ,  cujo 
exemplo  seguirão  muitos  Fidalgos 
Reynoes  ,  sendo  a  primeira  terra  ,  que 
pisarão  da  índia  ,  as  ruínas  de  nossa 
fortalezi.  Entre  os  quaes  passou  D. 
Amónio    de   Noronha  ,  filho    do  Viso- 

Rey 


Livro     III.       287 

Rey  D.  Garcia  com  sessenta  soldados  E  cutros 
á  sua  custa  ;  que  estas  eráo  as  ric^ue-  Fldal- 
zas ,  que  os  Fidalgos  d'aquelle  tempo  èT^^J. 
hiáo  bu?car  ao  Oriente  ,  porque  eráo 
eniáo  melhores  drogas  as  feridas  ,  que 
agora  os  diamantes.  Nestas  ndos  teve 
o  Governador  cartas  do  Infante  D. 
Luis  ,  que  referiremos  ,  porque  se  veja 
a  attençáo  com  que  o  Rey  ,  e  o  In- 
fante olhaváo  as  acçoens  mais  peque- 
nas dos  ministros  ,  fazendo  d'ellas  acer- 
tado juizo  ,  para  lhes  responder  com 
premio  ,  ou  castigo  ;  e  a  singeleza  do 
trato ,  táo  alheyo  da  soberania  ,  ou  al- 
tivez de  outros  tempos  \  c  não  será 
para  os  saudosos  d'aquella  idade  ,  pro- 
lixa esta  memoria. 

Carta  do  Infante  D.   Dm. 

5,  T  T  Onrado  Governador ,  pelas  car- 
35  XjL  ras  que  escrevestes  a  El  Rey  meu 
3,  Senhor  ,  e  a  mim  ,  vi  o  dibcurso 
3,  de  vossa  viagem  depois  de  partido 
3,  de  Moçambique  até  chegar  â  índia  , 
5,  e  o  qu«  nella  fizestes  até  a  partida 
3,  das  náos ,  e  o  estado  em  que  achas- 
5,  les  a  terra  ,  e  a  condição  dos  ho- 
3,  mens  ,  c  devassidão  dos  tratos  ,  e  a 
„  fraqueza  da  armada  ,  e  com.o  vos 
„  houvestts  com  o  Hidalcão  nas  cou- 

,3  sas 


288  VíDA  DE  DJoXo  DE  Castro, 

,,  sas  do  Meále  ,  e  assi  nas  cousas  de 
,5  Ormuz  ,  e  com  os  Fidalgos  ,  que 
3,  cinháo  licenças  d«?  Martim  Arfonso  , 
„  para  levarem  lá  drogas  ,  e  tudo 
,j  mais  ,  que  por  vossas  cirras  dizeis. 
,,  E  porque  ElRey ,  meu  Senhor  ,  vos 
55  responde  a  todas  estas  cousas  em 
5,  particular  ,  o  náo  farey  eu  ,  senão 
5,  em  somma.  E  porem  náo  deixarey 
5,  de  dizer  ,  quanto  me  assombrou  ca  em 
55  terra  o  perigo  ,  que  passastes  a  tra- 
55  vez  da  Ilha  do  Gomaro  ,  porque 
55  verdadeiramente  íoy  aconrecimento 
5j  muy  grande  ,  e  temeroso  ,  e  porém 
55  eu  o  romo  como  por  boa  estrea  , 
55  porque  me  parece  ,  que  vos  quiz 
5,  nosso  Senhor  mostrar  nisto  ,  que  vos 
,,  ha  de  salvar  dos  perigos  da  terra 
5,  da  índia  ,  para  que  he  necessário 
5,  tanto  milagre  ,  ccm.o  usou  comvos- 
55  CO  ,  em  vos  salvar  de  tamanho  pe- 
55  rieo  ;  polo  que  eu  lhe  dou  muitas 
5,  graças ;  e  folguey  de  saber ,  que  D. 
55  Jeronymo  de  Noronha  vos  teve  com- 
,5  panhia  neste  perigo  ,  pois  Nosso 
5,  Senhor  também  o  salvou  a  elle , 
55  e  he  causa  de  homem  tão  honrado, 
5,  como  elle  he  ,  participar  dos  peri- 
,5  ^03  5  e  trabalhos  de  seu  Capitão. 
55  Quanto  ás  mi^.is  cousíís  ,  que  me 
5,  escreveis  ,  porque  ElRey  ,  meu  Se« 

5,  nhcr. 


Livro     IIL       289 

„  nKor  vos  responde  a  codas  em  par- 
,5  ticular,  e  eu  fuy  presente  2S  mes- 
,,  mas  repostas  ,  náo  me  parçceo  acer- 
3,  tado  tornâivolas  a  referir  ,  porque 
35  por  suas  cartas  vereis  o  cor.tenta- 
5,  mento  que  tem  ,  de  como  nessas 
3,  partes  o  começais  a  servir ,  e  a  boa 
3,  opinião  que  a  gente  tem  de  vós , 
,3  o  que  parcicularmente  vos  manda  , 
„  que  façais  em  cada  cous:;.  O  que 
,3  vos  eu  disto  mais  posso  dizer  he  , 
3,  que  estou  muy  contente  do  modo 
3  3  que  levais  nas  cousas  dessa  terra  , 
„  e  do  que  nella  fazeis  ,  e  dizeis, 
,,  porque  bem  se  mostra  nisto  ,  que 
,3  o  passar  tantos  cUmas  vos  náo  mu- 
5,  dou  de  quem  éreis  ,  e  da  conta  em 
3,  que  vos  eu  sempre  tive  ,  porque 
33  vos  náo  contentais  de  mostrar  isto 
5,  assi  por  obras ,  mas  além  disso  vos 
5,  ides  sempre  penhorando  com  pala- 
3,  vras  de  demcnstraçoens  a  fazer  o 
,,  mesmo  ;  o  que  eu  tenho  por  muy 
,,  certo  que  vós  fareis  sempre  inteira- 
3,  mente,  quanto  humanamente  se  pu- 
53  der  fí«zer.  Do  modo  que  escrevestes 
5,  a  S.  Alteza  náo  esiou  menos  con- 
,5  rente  ,  porque  vieráo  vossas  cartas 
„  muy  bem  ordenadas  ,  e  nelias 
3,  todas  as  cousas  necessárias  ,  e  ne- 
„  nhumas    supérfluas  ;    e    bem    se  vé 

«  nel- 


ipo  Vida  DE  D  JoXo  DE  Castro, 

5,  nellas  o  mesmo  que  assima  dgo , 
,5  e  que  entendeis  as  cousas  ,  e  cjue 
,,  tendes  zelo  ,  e  dezejo  de  as  fazer 
3,  sem  respeito  tem|:oraI  de  arrior  , 
5,  tiem  interesse  ;  o  que  muito  foi^^o 
5,  de  vos  ouvir ,  porque  ainda  que  eu 
3,  tenliO  por  certo  ,  que  o  fareis  assi  , 
55  parece  huma  grande  avond^inça  de 
,,  coração  .  e  de  viitude  ,  que  nelie 
„  tendes  ,  folgardes  tanto  de  o  dizer  j 
5,  peio  que  eu  espero  em  Nosso  Se- 
5,  nhor  ,  que  vos  ha  de  cumprir  vossos 
5,  bons  desejos  ,  e  que  vos  iia  de  tra- 
35  zer  d^essa  terra  com  m.uito  vosso  eon- 
3,  tento  5  e  honra  ;  porque  não  pod^ 
3,  deixar  de  succeder  isto  ,  a  quem  ne^ 
3,  nhuma  cousa  procura  ,  senáo  o  ser- 
3,  viço  de  Deos  ,  e  de  seu  Rey  ,  e 
3,  ainda  que  vos  isto  ha  de  custar  gran- 
„  des  trabalhos  ,  lembrovos  que  nel- 
3,  les  está  o  merecimento  das  cousas ; 
5,  que  a  Chisto  Senhor  Nosso  conveyo 
3,  passalos  para  entrar  na  sua  gloria; 
3,  e  se  vos  parecem,  as  cousas  diffici- 
j,  les  ,  lembrevos  que  estas  sáo  as  em 
3,  que  Deos  poern  a  mão  ,  e  o  que 
3,  r.juda  a  quem  o  serve  nellas  com 
5,  a  tenção  com  que  vós  o  fazeis  ,  e 
3,  os  homens  náo  podem  pôr  mais  de 
„  sua  casa  ,  que  a  vontade  ,  e  a  diligea- 
35  cia  i   e  por  isso  ,b'âo    Paulo  náo  at- 

„  til- 


L  I  V  R  ò     III.        29T 

,,  rribuhia  a  si  , 'niíiis  que  o  plantar 
3,  das  cousas,  poroue  Ceos  h?.  de  dar 
5,  o  incremento  ;  e  âssi  o  dará  elie 
5,  em  todas  vossas  cousas  ,  como  as 
„  plantardes  com  o  zelo  ,  que  eu  can- 
5,  ho  que  vós  rendes  em  todas  ,  e  por 
,,  isso  vos  náo  cspaníem  as  grandes, 
3,  nem  tenhais  em  pcrxo  as  pequer.as : 
5,  fazey  igual  ponderarão  ,  e  os  fins 
5,  delias  remetey-os  a  nosso  Senhor; 
55  e  posto  que  algumas  vos  náo  sayáo 
5,  como  desejais  ,  nunca  entre  em  vós 
3,  desconfiança  ,  em  quanto  íizerdes 
y,  as  cousas  cem  justo  zeio  ,  e  limpa 
j,  tenção  ,  porque  iriuitas  vezes  per- 
5,'  miue  nosso  8enhor  aos  que  o  mai-s 
J5  servem,  que  façáo  erros  ,  para  ene 
,;  mereçáo  na  paci:ncia  ,  e  na  confi- 
„  anca  ò'diQ  ,  e  se  espertem  mais 
5,  nas  cousas  ,  e  se  acrescentem-  enri 
3  5  mayor  perfeição.  Fazey  justiça  ,  co- 
,,  ma  a  entenderdes  ,  tomando  sem- 
5,  pre  conselho  ,  e  parecer  nas  cousas  , 
5,  como  fazeis  ;  conservai-vos  na  lim- 
„  peza  de  vcssa  pessoa  ,  que  usais 
3,  acerca  dçs  combates  dos  gostos 
3-.  temporaes  ,  e  interesses  d-essater- 
„  ra  ,  e  jcom  isto  venha  o  que  vier  , 
3^  porque  tudo  será  para  bom  Hm.'  Nas 
5^.  cousas.^  que  tocáo  ao  cuito.  cjvjno  , 
5,  na.  conv^jersáo  dos  infiéis  AOS  esmeray 
V  „   mui- 


29^  ViDÀ  DE  RJfifSo  D£ Castro. 

•^5  muito,  por(]ue  estas  são  as  armas, 
5,  que  principalmente  háo  de  defen- 
yy  der  a  Indra.  Procuray  de  lançat 
^j  d'essa  íerra  as  despesas  sobejas  dos 
53  homens  ,  e  as  branduras  ,  e  delica- 
55  dezas ,  de  que  usáo  ;  e  os  vestidos, 
35  e  paramentos  de  casas  ,  que  era- 
5,  táo  ,  dispondo-os  para  estas  cousas 
5,  branda  ,  e  suavemente  com  o  exem- 
;5  pio  5  que  lhes  dais  ,  e  de  vossos 
55  filhos  ,  e  com  fazer  favor  ,  e  mercê 
5j  aos  que  usáo  do  contrario  ;  e  se 
5,  estas  cousas  não  puderdes  emendar , 
55  não  vos  espanteis  disso  ,  porque 
5,  as  que  se  danáo  com  lerepo  ,  com 
55  tempo  se  hão  de  tornar  a  emtn- 
5,  dar ,  Je  não  se  podem  remediar  de 
3j  improviso  :  por  isso  ide  continuan» 
5,  do  cojn  vosso  bom  propósito  V  e 
ji'  fazendo  as  cousas  segundo  a  dis'-. 
5,  posiçáo  do  tempo  ,  e  o  sujeito  tias 
5j  pessoas  erru  que  haveis  de  obrar , 
„  qtje  com  isto  espero  em  nosso  Se- 
3,  nhor^  que- encaminhe  todas  as  vos? 
5,  sas  fiousas  a  seu  seiviço  ,  e  ao  d'tl- 
55  Rey  ,  m-eu  senhor  ,  e  a 'vossa  lion- 
•5,  ra:,  como  desejais.  Qu2T5to  ao  que 
5,  me  dizeis  ,  que  procure  que  vossa 
,5  eitaáa'  seja  lá  breve  -,  beni  vejo  que 
,3rtei^des'/JTinita-^  razão-  de  p-  desejar 
5,£asâie-^  a  .me.parecê' que  se^írváo  po* 
n..<-r.    >.  .  ,.  de 


Livro  III.  293 
55  de  tratar  até  náo  ver  as  vossas  car- 
,,  tas  ,  *^ue  este  anrxo  embora  virão  , 
3,  e  por  isso  deixo  a  repita  deste 
„  ponto  para  o  anno  ,  que  embora 
55  vira.  E  acerca  do  c]ue  me  escreveis 
53  de  D..Aivaro  vcsso  filho,  eu  falley 
5,  a  S.  Alteza  naqiielle  negocio  ,  e 
55  S.  Alteza  o  conhece  bem  ,  e  esrá 
33  bem  inbrmado  das  qualidades  de 
3,  sua  pessoa  ,  e  deseja  de  lhe  fr.zer 
53  honra  ,  e  mercê  ;  e  porém  por  :ú- 
5,  gumas  razoens,  que  S.  Alteza  vos 
„  manda  escrever ,  e  porque  este  an- 
33  no  escreve  ,  que  náo  m.anda  lá  ne- 
5,  nhum  despacho  ,  houve  por  bem  de- 
„  terir  este  para  responder  a  e]ie  o 
a,  anno  que  vem  ,  e  por  entretanto 
3,  lhe  manda  Fazer  n  mercê  ,  que  ve- 
5,  reis  por  suas  provisoens  ;  a  mim  me 
3,  fica  muy  bem  cuidado  de  lhe  lem- 
5,  brar  tudo  o  que  a  vossos  filhos  lo- 
35  ca  ;  espero  em  Nosso  i^enhor  ,  que 
,5  se  faça  de  maneira  ,  que  elie  rece- 
3,  ba  honra  ,  e  mercê  de  S.  Alteza  , 
33  como  vosso  iVJ-iO  ,  a  quem  deseja 
33  fazer  o  que  vós  lhe  mereceis  j  e 
3,  podeis  ter  por  cerro  ,  que  S.  Aire7a 
3j  esrá  cm  muy  verdadeiro  ccnhcci- 
3,  mento  da  vontade  com  que  servis  , 
35  e  muy  contente  do  modo  ,  que  o 
33  tendes  feiro  atéoui,  tu  íaliey' a  S. 
V"  11  Ab 


294  VíDA  PE  PJoXo  Ds  Castro; 
5^  Alteza  ,eni  Aífonso  de  Rojas  ,  .ç 
por  vosso  .respeito  11^  fizera  logo 
3  nier<:è  ,  que  lhe  evi  pedi  ,  mas 
porque  (corno  digo>)  manda  dizer 
,  ás  pessoas  ,  cine  andáo  na  índia  ^ 
5,  que  esce  anno  náo  manda  H  nenhum 
55  despacho,  deferia  o  de  Affonso  de 
3,  Rojas  para  o  annp  que  vem  .,  e 
„  diz  que  para  entáo  lhe  fará  mercê. 
3,  Eu  jcerey  cuidado ,  se  a  Deos  aprou- 
55  ver  ,  de  vos  mandar  2  provisão  ,  c 
5,  folgo  eu  muyto  das  boas  novas, 
,5  que  me  dais  de  Aífonscv  de  Rojas, 
5,  e  de  crer  he  ,  que  sendo  irmão  do 
3,.  mestre  Ohnedo  ,  e  estando  em 
,,  vossi  companhia  ,  náo  pode  deixar 
5,  de  ser  homem  de  bem.  O  que 
5,  me  mandastes  nas  náos  ,  que  vic- 
35  ráo  ,  me  íoy  dado  ,  e  com  tudo 
3,  folguey  5  por  ser  cousa  que  veyo  da 
3,  vossa  mão  j  agrideço-volo  muito, 
3.,  Escrita  em  Almeirim  ,  a  vime  seis 
3,  de  Ma^^o  de  'mil  quinhentos  qua- 
3,  renta 5  c  sette.  O  I  n  f  a  n  t  e  Dom 
35   L  u  1  ::, 

Partido  de  Baçaim  D.  Manoel  de 
^^""í_  Lima  5  en  rcu  de  noire  o  rio  de  Sur- 
p^ivl-  ^-^^^  '  ^  sobindo  por  eile  çom  a  ma- 
pêd  (h  ^^  5  avistou  huma  povoação  grande  y 
Xi'7Jj .:'?!  *^,"e  ainda  que  náo  era  habitada  ds 
'^inr.iíc,  Abexir^s  ,  tinha  d'eliei  o  nome.    Esra^ 

va 


L  I  V  1^  o    III/      295: 

va  â  povoação  da  banda  de  Levante  ,  ^ 
derramada  em  huma  esrend ida  planí- 
cie ,  e  ainda  que  ò  lugar  era  aS erro  , 
íinha  dous  mil  vézínho^  ,  que  assegn- 
íaváo  a  defensa'  cem  algumas  trinchei- 
ras ,  sem  -oiltra  forrificrçao  ,  f  pdo5 
<]uiçá  ,  em  qníi  "os  sens  nesta  guerra 
-eráo  03-  iiTvaíoreè'- ,  '  e*  nas  espaldas 
«que  lhes  fazia  o  exercito  ''<]ne  tinháo 
Tsâ  <:amp2nhâ-  Sahio  0.  MáWét^  em 
terra  ,  e  os  nossos  com  a 'mesma  ordem  , 
■com  (]uc  desj^mbarcwáo  ,  hiáo' envés* 
tir  a  infmigo  ,  mais  valerosos ,  aue  àiS' 
-ciplina^ò?.  Os  Mouros  i:ive;áo'  animo 
•pára  esperaf',"riáo  para  resi^nr  ,  trienos 
"assombrados  de  lernor  Jos  nossOs  ,;^qQe 
■òò  horror  de''seus  primeiros  mci;t03  , 
cujo  sani^uc  os  intimidou  de  maneira  , 
•qoe  vcIi?,rso  ascojrss.  Perecerão  mui- 
tos na  fog-id a  ,  poucos  na  resistência; 
foy  o  estrago  grande  ,  porque  não  per« 
■doou  a  espada  dos  soldados  á  sexo  , 
tiern  á  idade.  Mandon  Dom  Míínoeí 
pôr  fogo  ás  casas  ,  abrriZ.TâO-Fe  fazen- 
das ,  e  edifícios.  O  furor  deprezcd 
a  cobiça  :  mandou  cortar  as  ri-.áos  a 
hUm  sô  iVIourOj  qtse  deixou  com  vi- 
ida  • ,  para  que  náo  le^-asse  novas  sem 
^inaes    da   victoria.  Jisscfc:  a 

Sahio  do  rio  a  armada  ,  e  costeando  Cla<  di 
<lous  dias  ,  houve   vista    da  Cid:ide  áe  d,- Ama- 
"■'-■  An-    te. 


ipá  Vida  DE  DJoSoDs  Castro; 

Antote  ,  .conhecida  pela  soberba  dos 
edincíos  ,  e  riquezas  de, seus  habitado- 
res grossos  com  o  commercio  maritimo. 
Estes  prevenidos  com  o  estrago  alheyo , 
resolveráo-se  a  defender  suas  casas  ,  ou 
morrer  dentro  nellas  ;  táo  iguaes  an- 
dáo  na  estimação  com  a  vida  ,  estes 
bens  da  fortuna.  Tomou  D.  Manoel 
terra  -,  .  inda  ,  qué  náo  sem  sangue  , 
porque  os  Mouros,  vieráo  esperar  os 
nossos  ,  mostr*inGO-3e  na  resolução  sol- 
dados ,  mas  náo  na  disciplina ,  porque 
divididos  em  magotes  ,  acommettiáo 
aos  nossos  com  tires  vagos  ,  e  incerros , 
descobrindo  o  mesr;^.o  temor  lia  resis- 
tenci.i  5  que  depois  na  fogida.  "D.  Ma- 
noel os  fcy  levando  até  os  encerrar 
na  Cidade  ,  onde  á  vista  das  mulhe- 
res ,  e  filhos  ,  os  fez. deter  piedosos. 
Aqui  pareceo  aos  nossos  ,  que  tinháo 
inimÍ2,os  ,  porque  peleijaváo  com  amor 
de  pays  ,  tíbios  em  defender  as  pró- 
prias vidas  ,  valentes  em  amparar  as 
alhèas  i  mas  como  o  valor  náo  era 
patural  ,  e  nascia  de  affectos  piedo- 
sos ,  ou  covardes  ,  cedeo  .a  piedade 
ao  temor  ,  deixaiido-nos  a  Cidade ,  os 
filhos,  e  a  victoria..  E  como  D.  Ma- 
noel hia  mais  à  destruir  ,  que  à  ven- 
cer 5  den  a  Cidade  ac  fogo.  A  cruel- 
dade   sobejou    ao   estrago  ,    porque    ;j 

mui. 


...  Y?f   Livro    III.       297 

moiras  .donzella^  Bramarias  ,  na  cor  i 
e  termosura  5  como  as  da  nossa  Euro- 
pa 5  nr.o  perdoou  a.vi<3tona,  exiniin- 
dq-as  da  eulpa  o  sex^;  o  parecer  da 
espada, 

Foy  D.  Manoel  de  Lima  assolan-  ^  '^"^'''" 
do  os  lugares  da  costas  por  toda  aouel-  '"ô^»*^^  » 
la  enseada   de  Cambaya  ,   fazendo  \aes  ^''/''^' 
estragos,  que  o  nso  fart?íva   o  ssngue  ,     ^''^^' 
nem  a  vicroiia.  Em.  fim  se  recolheo  com 
mais  gloria   que  despojos  ;  e  achou   o 
Governador   ja    na    liha    dos    Morros 
com   toda  a  armada  junta  ,  com  a  qual 
no  seguinte  da,  x-ue  forâo  seis  de  No- 
vembro ,  se  fez  na  volra  de  Dio  :  hiáo 
os  navios   boyanres  ,  cheyos    de  flâmu- 
las ,  e  galhardetes  ,  dando  de  si  huma    , 
íerniosa  vista. 

•      Tanto  que    da  fortaleza  descobrirão  ^•^^3'*  • 
p.  armada  ,    foy    o  conientamtnto   uni-  ^^^''" 
.versai    de  todos,  como    os  que  depois '^^í^"* '^ 
de    tantos     dilúvios    de    sangue. ,    viáo  ^"'' 
quem    lhes    levava    a   paz  ,  pela  vicro- 
na.    Enibandeirou-se   a  fortaleza' toda  , 
vestindo-se   de  alegria  as  prostradas  rui- 
nas.     iMâ.ndou    o   Capitão   m.ÓT  disparar 
a  artelharia.     O    Governador    Ih?  *  res- 
pondeo    do   mar    com   huma   espantosa 
salva ',  a  que  succederáo    os  instmmen» 
tòs  musicas   ,    e    guerreiros    das  trom- 
betas   bastardas  ,  .solemnizando     cora 
'^  L  âie- 


2.98  Vida.  DE  DJoXt)  de  Castrou 

alegres  vésperas  hum  temeroso  dia.  Os 
Mouros    lambem  disparaváo  muiras  pe- 
ça? ,  mostrando  da  chegada  do  Gover- 
nador alegria, j«u  dejprezo. 
P         _  Ficou   D.  João  de  Castro  no  mar 

selho  iij   ^1"^^^^  ^'Oi^^  >    donde    mandou  chamar 
^^^^,^        ao  seu  navio  ,.  o  Capitão  mór  ,    Gar- 
cia   de  Sá  ,  Manoel    de  Sousa    de  Se- 
púlveda ,   Jorge   Cabral  ,    e  outros  Fi- 
dalgos   de  conselho   ;   aos  quaes  signi- 
ficou   a  resolução    com   que   vinha    de 
peleijar ,  sobre  que   náo  queria  parecer 
alheyo  ;   que  o   Governador    da   índia: 
náo    desembainhava,  a    espada   para   se 
defender ,  senão  p^ra  castigar  ;  que  no 
modo  de  cometer    o  inimigo  ,  o  acon- 
selhassem .todos.    Garcia  de   Sá  lhe  ap 
provou  ,    e  louvou    a   resolução  toma- 
da ,  apontando  razoens  ,  que  ao  Gover- 
nador  foráo  m.uy    gratas ,  pola  pessoa  , 
e    poios    fundamentos.     Sobre    a   forma 
de   peleijar    se    disccrreo   ,    e    assentou 
modo  ,    que    se  teve  encubcrto    até   a 
execução.    Ordenou    que    se  metesse  a 
gente  na  fortaleza    no  silencio   da  noi- 
te,  e  em    quanto    desembarcava,  com 
Mete  a    í^''-5sicas   ,    instrumentos  ,    c    tiros    do3 
^e>:t<;  na  f^vios  ,  occultar    a  Kumecáo  o  inten- 
Jortale-  ^o.    Em  tres  noites    passou    a   gente   à 
zrt.  fortaleza  por  escadas  de  corda  •-,  o  que 

se  obrou  táo  cautamejite  ,    que  o  nao 

pOT 


L'  I  V  K  o    III.        299 

pode    entender    o    inimigo. 

Rumecáo  mosrrando-sc  mais  ous^- Dkcnr-» 
do  no   peri§;o  visinho  ,  disse  aos  seus  , /^  de 
que  se   o  Governador  quizesse   pelei jar  R«»ne- 
na    campanha   ,    entrariáo     os    iVleuros  c'^'^- 
na  fortaleza    pelas  portas  ,  e  náo    pelas 
muralhas  ;    que  com   as   bandeiras   Pcr- 
tuguezas     esper&va    varrer     a    casa    do 
Proprieta  ;    que    peleijaváo    pola    liber- 
dade de   tantos   Frincipes  ,  que   gemiáo 
opprimiJos    do    peso    da    servidão  ,    e 
tributos  i  que  poupassem    o  VAlor   para 
-vingar    injurias     de    muitos    annos    em 
hum  só  dia  \  que   com   o  peso  de  ra/i- 
tas    victorias   já .  náo  podia    o    Estado  ; 
que   oídenava    a    fortuna    tra zelos    jun- 
tos .  para  os  acabar  de   hum   só^ golpe. 
Esforçou    estas    arrog^nciss    o    Tu\qo  \(lue  ex-^ 
com    mandar    que  a  todos    es  soldados  ^'-^ '/o /i- 
se  dobrassem  as  pagas.  Passava  de  qua-  "/«fl. 
renta'   mil    hom.ens    o    exercito  ;    eráo 
os  mais    dos   Cabos  Turcos  ,  soldados 
velhos  ,  chamados   com   avantajadas  pa- 
gas ,    a  quem     a   fama  do  valor  fizera 
conhecidos.    Haviáo   chegado   de  refres- 
co   ao    Campo,   setecentos    Janizaros   , 
que     quizeráo   ,  ■com    soberba    miiirar 
separados  ,  como    para  verem   os  Mou- 
ros ,  quem    lhes  dava  a  victoria.  Guar-  E  cawt 
neceo    Rumecáo    as  estanciai  ,    e   poz  ^  ''T** 
o  grosso   do  exercito     nas  Pittes   cnde  '-'•"• 
.  lhe 


300  VíDADSD.JoXODECASt-RO. 
llie  pareceo  ,  que  poderh  pojar  a  nos* 
s.l  armada  ,  seni  que  a^  coníiença  lhe 
fo^se  impedimento  á  disciplina.  0'eãta 
sorte  esperou  a  invasão  dos  no  ?os  ,  ;á 
Tcsisrencia  proitipto  j  e  nibitalha  iii? 
certo.  ■•   .\^'o7    r;.-' 

2lrj<?/y«  Tendo  o  Governador  recolhido  na 

cGover.^^^^^'^^^^   '\^    to^^Oi   os  sold.ados  ,  schou 
nacíor      ^obre     acometer     o    inimigo  í  opinioens 
j:jr  bn-   diversas  ;  e  como    as   razoens  de  huns 
telha,      e   outros    cahião    sobre   a   contingência 
do  successo,  náo   se  pO^iMò   escolher, 
nem  reprovar  sem.  o  conhecimento  do 
futuro     a    todos  escondido. --Garcia    dé 
Sá    cem   aiuhoridade  -  do5  ^nnos   ,    do 
valor  ,    e   do  sangue  ,    discorreo  outra 
vez  sobre  as  conveniências  da   batalha  ; 
mas    D.  Joáo    de    Castro   ,    mandando 
guardar    silencio    a  todos  ,  disse   que  a 
sorte    estava  já  lançada  ;  qne    dos   va- 
leroso?    seria   bem  julgado  ,  dos   fracos 
náo  queria    ápprovaçáo  ,    e  os  de  fora 
espera riáo  o  successo   para   fazer  juizo. 
Aquella  t^rde  gastou   em  dispor  os  sol- 
dados para  o  seguinte  dia ,  para  que  a 
dilação    náo   alterasse    os    ânimos  ,  oa 
Cnlem     ^  resoluçáo.     Ordenou    que    os    bateis 
<)uedeu    ^^  Armada    esperassem-   sihal  com  três 
4i<ir'ua-    foguetes    da    fortaleza  ,    para    que    no 
lia.  mesmo  tempo  ,    que   os  nossos  deter- 

minassem jsâhir,  fossem  remando  con* 

tra 


L  I  V  1^  o    III.       gol 

trâ  aquelia  pane  5  donde  o  inimigo  se 
temia  ,  tocando  os  instrumentos  de 
guerra  ,  fingindo  todas  as  demonstra- 
çoerís  de  saltnr  em  terra  ,  metendo 
pelas  perchas  das  fustas  muitas  lan- 
ças ,  cuja  vista  daria  apparencias  ao 
engano  ;  e  a  do  Governador  se  daria 
a  conhecer  de  longe  pelo  lugar  ,  e 
, bandeira  Real  ,  e  pelos  atiavios  ;  si- 
inuhçáo  que  ou  nos  deu  ,  ou  ajudou 
a  victoria. 

Araanheceo  o  dia  ,  em  que  se  con-  F^r»  oa* 
taváo    onze    de  Novembro  ,    dedicado  ^''^^ 
    memoria    do    glorioso    S.   Martinho  P''^^^^^ 
jBispo  Turonense  ,    que  nos   podia    fa-  f*'*^"^* 
yorecer  Santo  ,  e  ajudar  Soldado.  Com 
a    primeira    luz    do    dia    appareceo    o 
Governador    no    terreiro    da    fortaleza 
com   bastáo  de  General ,  vestido  de  ar- 
mas   branc2s    com     tanta    mngestadc   , 
^que    na   pessoa    se  respeitava   o    cargo, 
Celebrou-se    Missa    em   hum    alrar   pa- 
tente a  todos  ,  para    que  ao  Deos    dos 
exércitos   se  pedisse    a   victoria.     Com- 
mungou  o  Governador ,  e  a  mayor  p:.rte 
dos  soldados  ,  e  o  Cusrodio  dos   Fran- 
ciscos     publicou      indulgência     plenária 
aos  que  morressem  na  batalha.  Acaba- 
do  esfô  acto  ,    mandou  tirar   as  portas 
da  forraleza  ,  e  guiznr    cem   ellas  hum 
almorço  aos  soldados  ,  para  <juc  a  con- 

íian- 


302   VíDA.  DE  DJoXo  DE  Ca5T71(5. 

fiança  ão  General  ,  e  a  deíesperaçáb 
de  algum  abrigo  igualrr*ente  servis- 
sem á  victorii  ,  fazendo-lhes  o  peler- 
jar  preciso  por  gloíía  ,  ou  por  ne- 
cessidade ;  disse  assim  aos  soldados : 
Ffi//^  3,  Entramos  em  hunia  batalha  ,  onde 
teos  sol-  ^^  vencidos  honraremos  nosso  Deo^ 
VtíJiJj.  ^^  ^Qrn  o  sângne  ;  vencedores  nosso 
5,  Rey  com  a  vícroria.  A  força  do 
5,  exercito  inimigo  sáó  Turcos  ,  ^'è 
5,  Janizaros  ,  os  quses  como  soldados 
5,  mercenários  biiscáo  â  guerra  ,' abor- 
5,  recsm  a  peleij:?.  A  òutfa  partt  se 
,,  compõem  de  naçoens  differenres  ,  b 
„  scldo  as  obriga  a  estar  juntas  jfn^ 
,,  náo  a  estar  conformes.  Não  íáo  esí- 
3,  tes  mais  valerosos  -c]ue  «eus  pays , 
5,  e  avós  ,  não  seráo  ttíais  felices  ,  à 
,,  todos  sujeitarão  nossas  afmas.-  Esre 
„  Império  da  /'^sia  he  íilho'^ de  nossa ^ 
5,  victorias  ,  criámolo  em  seu  primeiro 
,5  berço,  suítentemolo  agora  já  robus- 
„  ro  ,  que  depois  de  largas  idades  nos 
,,  ha  de  mostrar  ao  mundo  com  o 
,,  dedo  a  fama  deste  diâ.  Animar  i 
,5  batalha  ,  fora  esquecerme  que  3omb« 
,,  Pnrtuguezes.  '  '•• 

Nesta  forma  tinha  ordetiâdo  a  geíi>- 
Ordem  ^^'  ^^^  a  vanguarda  a  D.  João  Mas- 
<m  oue  carenhas  ,  devendo-se-íhe  este  mayor 
#/  poz.    perigo  ,  como  premio  dos  ousros  ;  ag- 

gre- 


Livro    III.       30:5 

gregoii-lhe  quinhentos  Portuguezes  , 
seiscenroy  Canarins  ,  quinhentos  Nai- 
res.  A  D.  Álvaro  de  Castro  ,  outros  qui- 
nhentos Portuguezes  ,  em  que  en- 
travão  rodos  os  Fidalgos ,  e  Capiíaens 
de  sua  Armada.  A  D.  Manoel  de  Li- 
ma outros  quinhentos.  O  Governador 
licou  com  os  mais  ,  que  seriáo  oito- 
centos Fonu^uezes  com  alguns  Cana- 
rins .  e  Malabares, 

Os  Mouros  cada   dia   engrossaváo  o  Coms- 
campo  5    e    de   fresco    tlnháo    chegado  te  a  af' 
Alucáo  ,    e  Moiavecáo    com  cinco  mil  '""^^  * 
soldados.      Mandou ,  o    Governador    ta-  ^'^^''''^* 
2cr  sinal    á  Armada   com  os   foguetes  , 
o  qual    conhecido  ,    partio    á  voga  ar- 
rancada ,  e  arrJm,ando-se  á  praya  ,    des- 
parou    a    artelhar  a    toda    nas    estancias 
dos  Mouros   i    esccndeo    a  fumaça    os 
navios  por  hum  espaço  largo  ,  com  que 
o    inimigo    não    acodio    ao   que    havia 
de  ten-jcr  ,    ssnáo    ao  que   temia  ,  soli- 
cito   no   perigo    imaginado,  descuidado 
no    ceíco.    Rumeclo  com  o   grosso  áo  j^^({g 
exercito     Ci^rregcu      áqueila     parte      úo  ^m  R^f. 
mar    á    mipedir    a    desembarcaçáo    aos  ,recáo. 
nossos^    O    Governador    s:ihio     á    este  ^  ^^_ 
lempo    da    fortaleza    com    escadas   pie-  ^,^,,.„^. 
venidas    para    encostar    20    muro.     D.  ^^'^  ^^/^^ 
Joáo  Mascarenhas    toy  com    os    de  sua  ^•,,  f^rta- 
companhia    cingindo    a    cava  3  jor    su-7,.j;,. 

bír 


304  VíDA  DE  DJoXo  DE  Castro. 

bir  por  aquella  parre  ,  onde  estava  o 
baiuarie  de  Diogo  Lopez  de  Sequei- 
Príohs-^*  Anronio  Moniz  Barr«ro  ,  qus  hia 
íimoso  nesta  conserva  ,  encomendou  a  suh  es- 
de  ires  Cada  a  três  valentes  sold.idos  ;  estes 
seUados,  fofáo  OS  primeiros  (]ue  ensanguenta ráo 
a  victoria  ,  sem  (jue  chegassem  a 
veia.  Tinháo  vindo  a(]uelle  anno  nas 
nãos  do  Reyno  com  Lourenço  Pirez 
de  Távora  ;  eráo  naturaes  da  ViUa 
do  Torrão  ,  e  traziáo  cartas  a  Antó- 
nio Moniz  de  sua  máy  ,  que  lhos  re- 
comendava ,  as  quaes  lhe  deráo  es- 
tando para  entrar  na  batalha  i  eíle  as 
recebeo  alegre  ,  dizendo  aos  soldados  , 
que  se  livrasse  com  vida  ,  lhes  faria 
bons  officios  com  o  Governador  ,  ao 
que  elles  responderão  conformes  ,  que 
só  naquelle  dia  necessitaváo  de  seu 
favor  j  que  ao  diante  seus  procedi- 
mentos lhes  fj.riáo  passagem  ;  que 
lhe  pedião  lhes  entregasse  aquella  es- 
cada 5  seguro  de  que  a  í^ahenáe  arvo- 
rar ,  e  defender  com  as  vidas.  Antó- 
nio Moniz  vendo  brios  táo  honrados 
em  soldados  humildes  lha  entregou 
confiado  ,  dizendo  ,  fiava  d'elíes  o 
credito  ",  e  a  e.cada  ;  mas  logo  que 
levantarão  com  desgraciado  valor  , 
hum  tiro  cego  lhes  estroncou  as  ca- 
be^^âs, 

Re- 


Livro    III.        305" 

Referirey  hum  estnnho  desafio  ,  Vcr^fi 
^ue  deixara  .  de  escrever  por  lastimo-  esira- 
so  ,  senáo  fora  ráo  illustre.  D,  joáo  ^^^^^ 
Manoel  ,  e  Joáo  Falcáo  ,  Fidalgos  de 
muita  opiniáo  ,  andaváo  entre  si  mal 
avindos  por  desconfianças  leves  ,  Que 
no  juizo  dos  homens  ,  vem  a  pesar 
aquillo  ,  em  qize  se  esrimáo.  Tratarão 
de  averiguar  no  c:;rapo  estes  desabri- 
mencos  ,  fazendo  juiz  d'esta  pQrfia  o 
valor  ,  ou  o  caso.  Os  padrinhos  ,  (]ue 
entraváo  na  contenda  com  mais  livje 
juizo,  reduzirão  a  questão  á  mais  hon- 
rado dueíio  5  discorrendo  que  o  Go- 
vernador tinha  á  pique  a  jornada  ,  e 
que  o  desafio  ,  que  sempr'e  era  ddi- 
cro  ,  seria  agora  escândalo  ;  que  pe- 
lo  bando  perdiáo  as  cabeçjs  \  e  que 
D.  João  de  Castro  não  era  pay ,  ain-' 
da  que  o  parecia  j  sofria  cuípas  ,  nias 
não  atrevimenics  ;  que  podião  sanear 
as  ..onras  ,  onde  arriscavão  as  vidas ; 
concertando -se  qi^e  o  que  primeiro  , 
e  com  mayor  valor  sobisse  o  muro  do 
inimigo  ,  fica^^eípór  melhor  reputado 
na  singular  ,  :eÍia  commum  batMha  , 
invenrando  com'  engenhoso  valor  , 
morres  com  prémios  \  Jé^os  sem 
culpa.  SarÍ5fizeráo-se  dá  pr'dpcsta  hum, 
c  outro  inimigo  ;  pedirão  a  pirentes , 
e   amigos    ihes    tivessem   as   escadas  V 

Cd- 


3o6  ViDÁ  DE  D.JoXo  DE  Castro. 

como  homens  ,  que  .  haviáo  de  pelei- 
jar  pola  honra  do  F-srado  ,  e  pela 
.^  sua.  Começarão  de  sobir  a  hum  mes-' 
nio  tempo.  D,  Joáo  Maneei ,  lançan- 
do huma  máo  ao  muro  ,  lha  levarão», 
de  hum  golpe  ,  acodindo  com  a  ou-,  i 
tra  também  lhe  foy  cortada ;  soccor*. 
rendo-se  dos  cocos  para  ferrar  o  mu-. 
ro  ,  com  hum  golpe  de  alfange  lhe 
levarág  a  cabeça,  Joáo  Falcão  accom- 
metteo  ao  mesmo  tempo  o  muro  ,  c 
rendo-o  já  vencido  ,  defendendo-se  va- 
Jerosamente  ,  foy  morro  a  cutiladas. 
Sobre  qual  doestes  dous  contendores 
deu  mayores  provas  de  valor  ,  fizeráo 
os  soldados,  de  brio  juízos  difFerentesf 
nós  diremos  ,  em  beneficio  de  ambos  , 
que  não  devia  mais  á  honra  ,  quem 
deu  tudo  por  ella. 
^      .  Começou    D.    Joáo    Mascarenhas* 

Vrie  fax.  *  i 

f;  r  -  com  os  seus  a  arrimar  as  escadas  ,  so- 
Mds^a-  ^'""^  muitos  com  tanta  resolução  ,. 
nhãs.  como  fortuna  ,  porque  ainda  que  re- 
cebidos nas  lanças  ,  vencerão  a  resis- 
tência i  estes  compxs.^ão  a  gloria  de 
ser  primeiros  com  o  pf ^igo  de  se  achar 
sós  no  campo  ,  tendo  .  o  peso  dosí 
Mouros  '^^\  quânip.  .-Ih-^^  chegaváo  os 
compar\íieirps.  Os  feitos  de  ar.xas  , 
que  se  obrarão  .nesta  primeira  escala  , 
se    deixão    conhecer,  da    postura    com 

que 


Livro    III.       307 

que  se   combatia ;  pois    os  Mouros  pe- 
leijaváo    firmes  ,    e  os   nossos  penden- 
tes.   D.  Álvaro    de  Castro  ,  e  D.  Ma-  ^"^  >« 
noel  de  Lima  atravessarão  o  muro  por  ■^'  ^  ' 
differentes    partes   ,    recebendo    na  ma-  "^^^^ " 
yor  resistência    mayor    dano.    Perderão    ^^  '^^* 
alguma    gente     em     quanto    peleijavão 
derramados    ,    logo^  que    se  firmarão   , 
dcrão  lugar  mais  franco  a  que  os  seus 
sobissem. 

O  Governador  achou  no  raso  mayor  Perig» 
perigo  ,   que    teve    na   sobida  ,    porque  do  Go' 
encaminhou  logo   á   ponte ,  que    estava  vema' 
defendida    com    hum  grosso  de  gente  ,  ^^^  "^ 
e  muitas  peças  assestadas  nella  ;  a  im- F*"^** 
çortancia   de  ganhala    era  igual  ao  pe- 
rigo. Commetteo-a  o  Governador  a  ris- 
co aberto  i  o  valor  íoy  singular  ,  o  ca- 
so   milagroso  ,   porque  chegando  mui- 
tas vezes  os   Mouros  o  murrão   ás  pe-  j^i^ra 
ças  escorvadas  ,  nenhuma  tomou  fogo ;  por  mi- 
successo    para  milagre  opportuno  ;    pa-  U^rc. 
ra  accidente  raro.    Porém    não  quiz   o 
Ceo    toda    a   victoria  ,    porque  crecen- 
<do  os  Turcos  na  defensa  da  ponte  com 
escopetas  ,  panelas    de  pólvora  ,  e   lan- 
ças   de   arremcço  ,   retardarão    o  impe* 
10  dos   nossos.    Alguns  voltarão  os  ros- 
tos   aos   pelouros  ,  quiçá    para   mosirar- 
nos  Deos    quanto   valemos  ,     ileixados 
em  nós  mesmos j  fogião  os  fracos,  de- 


gcS  Vida  DE  D.JoXo  DS  Castro. 

tmbao-se  os  valentes  ,  porcra   D.  ]oão 
de  Castro    a  nenhum    inferior    no  es- 
torço ,  mivor   que    todos    no  acorík)  , 
com     alguns    que     o    acompanhaváo  , 
cerrou    com    o    inimigo  ,    bradando    a 
Acelama  vozes   iltas  !  Victoria ,  fogem  os   Tur- 
-9 íiUi-ía.  cos,  Esra  voz  se  derramou  com  tão  fe- 
ijões 2CC0S  ,  que   os  nossos  outra    vez 
unido?  ,    buscarão    sua  bandeira   ;    e  os 
inimigos   timiíics  ,  ou  crédulos   ,    foráo 
perdenJo    o   câmpo  ;    sendo    esta    voz 
ào    General   a  porra    por    onde  efti.ròii 
a  victoria.    Aqui   fizeráo    os  nossos  es- 
trago ,    como   de  vencedores ,  e  o  que 
era  ardil    já  parecia    verdade.     O  Go- 
vernador   sem    perdoar   instante    á    sua 
fortuna  ,    foy  atravessando    o   Campo , 
e   como   nem    a    victoria    tem    lemerf- 
£  ptúst'  dades  ,  nem  o  temor  conselho  ,  D.  Joáp 
^uç  a,     cercado    de   quasi    todo  o  exercito  ini- 
migo  ,    se    acclamou    victorioso   ,    fo- 
gindo    por    aquella     parte    os    Mouros 
sem    dano  ,  mas  já   desordenados.    Em 
fim  tivemos   pot  seu  lado    a  victoria  , 
primeiro    que    a  baralha.    Entre    os   da 
companhia     do    Governador     se     afíir- 
mou  sem  coniradiçáo  ,  que  fora  elle  o 
prifriciro  que  cavalgara  o  muro  ,  e  des- 
ç,(ít  diz  ^^    ^^'^<^  ^20    achou  testimunha    contra 
«í<  Lo't-  si ,  TtiAÍi  que  a  si  mesmo  ,  que  lisamen- 
renço      tft  disic ,  quc  Louienjx)  Pircz  de  Tavo- 


L  I  V  K  o    III.       309 

ra  primeiro  a/Ferrara  o  muro;  não  que- 
rendo o  credito  da  fama  menos  ave- 
riguada ,  havendo  por  escusado  furtar 
honra  5  q;em    sabia  ganhala. 

Avisado  Rumecáo  da  desordem  com  Opp^'«rnr 
que  os  seus    íogi^io  ,  acodio  com   hum  se  Ru- 
grosso  batalhr,o  de  Turcos  &  deter  ,  ou  mecão* 
estorvar   a   victoria  ,   e  como    a  venta- 
gem    do  número   era   táo  superior ,  re- 
tardando   a  íuria    dos   nossos  ,  igualou 
a  batalha.    Durou    a  porfia  espaço  lar- 
go.   Foy  derribada    duas  vezes  a  ban- 
deira Real  j    o  que  vendo   o  Goveifta- 
dor    bradou  impaciente  :    Qne   he  isto 
Portuguezes  ?  Tiráo-vos  das  mãos  a  vi- 
ctoria í  Tiráo-vos  a  bandeira  ?  E  reme-  PeUija 
tendo    ao    inimigo    cubetto    de    huma  o  Govcr- 
adarga  ,  em  <}ue  trazia  duas  scttas  era-  nedor 
vadas  ,  com    a   voz ,   e  com    o  exem-  pessoal- 
pio    animou    os    soldados  de   maneira ,  Ȓ^"^^- 
que  com  furiosa    corrente  ,  fizeráo    re- 
troceder aos  Mouros  ,  fugindo  os   últi- 
mos com  o  terror  dos   primeiros. 

D.  Álvaro  de  Castro  ,  e  D.  Ma- 
noel de  Lima ,  feitos  em  hum  só  cor- 
po ,  se  fizeráo  envejar  de  seus  solda- 
cios  ,  e  de  seus  inimigos.  Accoramettc- 
ráo  a  Alucáo ,  e  Mojatecáo  valentes  Tur- 
co» ,  e  Cabos  principaes  do  exerci- 
to ,  que  muito  espaço  lhes  fizeram  du- 
vidosa a  victoria.  O  sangue  tingia 
K  ii  as 


jTo  Vida.  de  BJoXo  deCastrow 

S5  armas  ,  tingia  a  terra  ,   a  voierh  do« 
Melros    esíremecia    o    Campo    como 
peri^  novo;  o  horror  ,    e  a  conRisáo 
arrebatava   os   sentidos  ,  de    sorte  ,  que 
aioiros      senti  áô     as     mortes     primeiro 
Fítân-    ^'^^  ^s  ftx'iâzs  :  cedeo  em   êm    ao  \^« 
clíís  dos  lor  o  "numero  ,  e  os  Turcos    se  retira- 
tjãrm^as  láo  com  íníinicos  mortos  ,  as   eçíâiícias 
ganha-    pcfdklas,    O.  Jo30  Mascarcnhp.s  accom- 
daí»  c    meneo    a    Juzarcáo  ,    ao  cju^í    ganhou 
for         o  posto    com  nâo  menc?  valor  ,   nem 
iiacm,      pevor     fonuna,      Rumecío      não    per- 
dendo animo  ,   nem  acordo  com   a  pri- 
VLwnt'    meira    desgraça  ,    esperou    a    ultima  , 
cão  «é     formando    seas   esquadroens    nõ  campo 
prmano  aberro  $  ou  fosse  necessíiiade  ,  ou  con- 
cempa      fiança  ,,  -porque  ení  tam   numeroso  exer- 
ras&.       cito    m^is  se  conhecia  o  tremor  ,    que 
a  perda  ,  e  como  he  próprio  nas  des- 
graças   accusar    a   fortuna  ,  fez  Runve- 
cáo  suas  expiações  com   vozes ,  e  ala- 
ridos supersticiosos  .  que  os  n^^ssos  ou- 
virão ,  como   para  conciliai  a   indigna- 
ção   dos  Astros.  •' 
O  Ga-             D.  ]oâO  de  Castro  ,  não   querendo 
vcrna-     perder  hum    sò  momento  de   tam  ter- 
dor ,  e    moso  dia  .  juniou  a  si  o  pequeno  exer- 
s€u  Ji lhe  Qito  y  e  dando  a  vanguarda  á  seu  filho 
o  £nves'  D,  Álvaro  ,    arrostou    o  inimií^o  ,  que 
Um,        ^  espeiou    formado  ,   e  estendendo    as 
pontâs  da  mca  lua  ,   com   que  estava 

plan- 


Livro    IIL    '  jit 

plantado  5  veyo   cingindo    a  nossa    in» 
fanreríâ  ;  porém  D,  Aívaro  ,    como    se 
quizera  para  si  s6  â  gloria  d'este  dia  , 
cnvesik>    o    inimigo   com    taíiía  g,enti- 
leza  ,  quç  foy  entfe  os  seus  o  primei- 
ro ,    que  chegou    a    ferir   os  Mouros  5 
comecendo  ,    ou  abrindo    com  espada  , 
e  rodela    hum  esquadrão  r^rrado.    Sus-  ^'  •^^* 
tentou  o  inimigo    o   c^mpo  na  prin-.ei-  ""'^^^  * 
ia  envestidâ  ,  mas  náo  podendo    sofrer  ^^^P^* 
o  peso  ó^)   batalha ,  começou  a  retirar- 
se  com  desordem.    Os  nossos  rompen* 
do    de  todo   as  fileiras  turbadas   ,    se- 
fnjiáo    m.'is  ,    que  destroç-ivão  os   ini- 
migos rotos.    Por  esta  parte    se  come-  Tema 
çou    a  declarar    a   vicioria  ;    mas    Ru-Rurr.^ 
medo   com    bum   grosso    bataiháo   de  *''^<^   ^ 
Mcunos  ,   e  janizaros  ,  fez  aos  nossos./-''^-''* 
losfo  ,  que  derramados  no  alcance  ,  011  »'**'*'^* 
de-prezaiáo  ,    ou    esquecerão    a    disci- 
plina. 

Aqui    esteve  D.  Alvaio    perdido  ,  Perigo  , 
porq'.:e    nam    podendo    seus     soldados  ^  f^"-^- 
resistir    divididos  ,   hiáo  deixando    aos  (^"^^i^ 
inmiigos  o  campo ,  e  a  victoria  ,  sem  "^  ^' 
que    as  vozes    de   D.  Álvaro,  e  cons- "^^"^'■'' 
tancia  com  que  peleijava  ,  pudessem  de- 
ter    a   huns   ,    nem    ordenar  a  outros  ; 
táo    pendente  está    do    mais    leve    ac- 
ci dente    a  fomina    d;   guerra»    Fr.  An- 
tónio   do    Casal    de    cujo    valor    reli- 


^12  Vida  de  D.  JoXo  dk  Castro. 

Arvora  gioso  fazem  os  Autores  memo  ri  t  , 
Fr.  An-  com  hum  Crucifixo  arvorado  ,  come- 
tonio  do  çou  com  piedosas  e  esforçadas  razo- 
Casal  ens  ,  a  reprender  ,  e  animar  os  nos- 
hiim  so» ,  mostrando-lhes  a  imagem  de  Chrir- 
Crucifi'  to ,  exposta  outra  vez  na  Cruz  á  segun- 
***•  das    injurias  ;    acontecem  5    qne    huma 

pedra  perdida  desencravou  ham  bra- 
ço do  Crucifixo  ,  e  lho  deixou  pen- 
dente 5  mostrando-se  cm  huma  me^ma 
perspectiva  o  sagrado  rransumpto  aos^ 
filhos  inclinado ,  aos  infiéis  caído.  Os 
nossos    com   mayor    espirito    nas    inju- 

jinirrão-  ^^^^   ^^   ^^^  J   ^"^   "^*    ^°    Estado ,  mos- 

se  os       traráo    diíFerente    valor     em     difference 

nossos,    causa  ,    devendo    mais     á    oíFensa    de 

Quem    erao  creaiuras  ,    que  ao  império 

de    quem    eráo    soldados.     Subitamente 

se    uniráo    conformes    ,    e    recobrando 

forças  5    mais    foram     os    instrumentos 

da    victoria   ,    que    os    authores    d'el'a. 

Rumecáo    se    retirou    desbaratado    ,    e 

.^^  D.     Álvaro     baralhado     com     clle    tn- 

T>  Al'    ^^^^   ^^  envolta    na  Cidade  ,    achando 

varo  en-  Í^    rnayor  estorvo   nos  mortos  ,  que  ca- 

tra  na     ^''^^  j    S^^   rcsIstencia  nos   vivocs  ,  que 

Cidade,    se   náo  defendiáo. 

A  este  rempo  chegou  D.  Manoel 
Jjfinía-  de  Lima  ,  tam  valeroso  no  mar  ,  co- 
jc-lheD,  mo  na  terra  ;  o  qual  pela  parte  que 
Manoel  lhe  tocou  lompco  O  inimigo  ,  até  se 
d^Lima»  jun- 


Rrtne- 

cão  se 


a  SCO" 


L  I  V  B  O    III.       313 

juntar    com    D»    Álvaro  ,    e    entrados 
na  Cidade  ,    fizerão  cruel  estrago»  nos 
Mouros,  que  rotos  ,   c   divididos    bus- 
caváo    salvação   na   fugida  ,   mais   oué 
na  resistência.  Já  o  semblante  da  guer- 
ra   mais    parecia    saco  ,    que    batalha  ; 
os  nossos  achavão  Mouros  ,  náo  acha- 
vão    inimigos  ;    muiros    metidos    pelas 
casas  roubarão    suas  mesmas  fazendas , 
que    occultaváo  ,    como  furto  ã  victo- 
ria   \    outros   deixavâo    as  armas  ,    por 
fugir   mais    ligeiros.    D.  ]oáo  Mascare-  ^  P' 
nbas  entrou  por  outra    pute   na  Cida-  /^^^ 
de  ,  dando  neste  dia  glorioso  fim  a  tão  ^''^^^'^ 
iUustre  cerco.  ^^"^'''' 

O  Governador  ainda    pelei javâ  no 
Campo  5  solicito  da  vicroria   dos  seus  , 
cerro    na  sua  ,  quando  lhe  chegou   avi- 
so ,  que  a  Cidade  estava  rendida,  Mas 
Rumecáo     pondo     tropeços      a     victo- 
ria  ,    tnmou    a  rebentar   como    mina , 
com  oito    mil     soldados  ,  ordenando-se  Ofereci^ 
em  forma  de  dar  ou  esperar  nova  bala-  Rume 
lha  ;    que    era    o  poder    tam   grande  ,  cão  n^a 
que    das    reliquias    do  seu    estrago    fez  ^otalhã. 
outra  nova  guerra,    Sahiáo  a  este  tem- 
po da  Cidade    D.  Álvaro    de  Castro  , 
c  D,    Jcáo    Mascarenhas  ,   e    D.  Ma- 
noel  de   Lima   a    congratular-sc    da  vi- 
ctoria     com     o    Governador  ,    quando 
viráo  a  Rumecáo   no  campo   çom  ou- 
tro 


314  Vida  de  DJoXo  de  Castro. 

C  Ga-      rro  novo  exercito.    O  Governador  náo 
verna-     cjueréndo  ,    que    a   suspensão    parecesse 
^^''  "      temor   ,    quasi    com    o    mesmo    alento 
desfaz,    ja   primeira    batalha  cometeo  a  segun- 
da ,    ordenando    três    esquadrões    ,    os 
dous  ,  que  buscassem    os    inimigos  pe- 
los lados  ,    e  elle    pela   frente.    Nesta 
ordem     cometeo    o    inimigo  ,     o    qual 
mais  desesperado  ,  que  constante,  aguar- 
dou   o  primeiro    impeto    dos    nossos  ; 
mas  como  peleijava   já  timido  ,  e  des- 
confiado ,    e  os  seus   com  cobarde  ,  e 
forçada    obediência    lhe  assisciáo  ,  com 
leve   resistência    nos    deixarão    o    cam- 
po.    Bem    que     em    todas    as     facço- 
ens  do   cerco  ,  e   da  batalha  ,  se  mos- 
r-  trou  Rumecáo  tão  valeroso  ,  como  dis- 

ciplinado :  mas  nas  adversidades  me- 
rece-se  melhor  ,  do  que  se  alcança  a 
fama. 

Abrirão-se  os  Mouros  pela  frente, 
e  o  Governador  ,  á  maneira  de  rio 
impetuoso  ,  cuja  corrente  tudo  leva  di- 
ante ,  quasi  indefesos  os  foy  desbara- 
tando. Já  no  Campo  se  fazia  estrago 
sem  batalha  ;  os  Mouros  parecião  ini- 
migos na  fogida  ,  e  não-  na  resistên- 
cia ;  e  como  os  nossos  acomeiiáo  al- 
gumas mangas  ,  que  se  mantinháo  m- 
teiras  ,  elles  mesmos  se  desordenavão 
por  remédio  ,  fogindo  huns  dos  outros 

com 


A.Uan' 
ça-se  a 
viciaria 


Livro     III.        215' 

com  igual  5  ou  mais  certo  perigo ,  que 
fogiáo    dos    nossos.     Outros     por    náo" 
parecer    inimigos    arrojaváo    as  armas , 
como    instrumentos   ,    que    nos    podião 
acordar    aggrr.vo   ,    ou.  vingança.     Em 
fim    naquella     tragedia'-    se    represenra- 
váo    todos    os  afi*ectos  ,    de   que    o  re- 
mor    se   veste.     Rumecáo    vt:ndo   tudo 
perdido  ,  vestindo   huma  pobre  cabaya  , 
se   lançou    entre    os  morros  ,  occultan- 
do-se  á  ira  5    e  á  victoria  ;  porém  nu- 
ma  pedra   tirada    de    máo   incerta   ,     o  ^<^rre 
livrou    com    a   morte  ,    do    rriumpho.  ^j""e« 
Muitos  d'este  homicídio  se  fizeráo  au-  '^^*' 
thores  ,    como   ja  nos   tempos   de  Gal- 
ha ,  de  quem  quizeráo  ser  mais  es  ma- 
tadores  5    do  que    foráo   as   feridas.     E 
em  nossos  dias  ,  e  nosso  mesmo  Rey-  ' 
no  ,  vim.os  também  hum  caso  nada  des- 
semelhante. 

Advertidamente  calley  os  casos  pnr- 
ticulares  d'esta  batalha  ,  porque  se  náo 
podrm  louvar  huns  sem  injuria  de 
outros ;  só  dos  Cabos  ,  e  pessoas  mayo- 
res  demos  breve  noticia  ,  pur  reve- 
rencia do  lugar  ,  e  do  sangue  ;  de- 
mais, que  na  confu-^o  de  huma  ba- 
talha ,  ditíiGultosamente  ^e  podem  par- 
ticularizar accidenres  com  o  rigor 
da  verdade  ;  e  he  '  certo  ,  que  sauel- 
les  5    à  cuja    penna    náo   cscsparáo  ^  -os 

ato- 


316  Vida  de  D.JoÂo  de  Castro. 

Itomos  do  caso  mâís  occulto  ,  ou  bus- 
carão soccorros  para  a  historia  ,  ou 
penetrarão  os  acontecimentos  com  vis- 
ta-mais  ?.guda.  Basta  saber  ,  que  ráo 
illustre  empresa  honrou  naquelies  tem- 
pos nossas  armais  ,  nes-tes  nossa  me- 
moria; e  creyo ,  que  em  todàs  as  fac- 
çoens  da  Ásia  ,  nos  cercos  não  tive- 
mos mayoij  nas  batalhas  não  tivemos 
igual. 

O  número  do  exercito  inimigo  se 
não  pode  averiguar  ao  certo  ,  poi^que 
do  ^^"^  estimação  desigual  ,  huns  o  sobem 
««,»,',./»  á  sessenta  mil  ,  oiuros  disserto  me- 
dffs  inl  "'^s  ,  e  nem  os  Mouros  ,  qne  hca- 
m>os.  íâo  cativos  j  souberáo  formar  juízo  cer- 
to da  gente  ,  que  perderão.  Mas  de 
qualquer  maneira  ,  foy  a  despropor- 
ção tão  notável  de  hum  poder  a  ou- 
tro ,  que  bastou  a  dar  pelo  Mundo 
hum  espantoso  brado  ;  e  nas  Historias 
alhèas  achamos  a  victoria  escrita  com 
mais  honrado  applauso  ,  do  que  em 
nossas  memorias  ;  e  se  a  Pátria  imi- 
tara a  gratidão  do  Império  Romano 
com  filhos  beneméritos  ,  dera  a  ler  ao 
Mundo  as  obras  de  D.  João  de  Casr 
iro  em  sublimes  estatuas  ,  que  como 
annaes  ds  bronze  ,  fossem  volumes 
pLiblicos  á  todas  as  idades.  Não  acha- 
mos ,  que  lespondesscm   os  prémios   a 

seu 


L  I  V  B  o    III.       317 

seu  merecimento  ,  quiçá  para  o  fazer 
mayor  ,  o  alcançou  nesta  parte  a  des- 
graça dos  varoens  exceiíentes  ;  logrou 
porém  como  premio  de  duraçr^o  mais 
larga  ,  a  fama  de  seu  nom.e.  Os  Prin-  ,  ''f/ j^ 
cipes  dà  Aiii  com  ambiciosas  mensa-  •',  ^■ 
gens  lhe  derao  emboras  da  victona  i  a 
Camera  de  Goa  o  chamou  Dú<^ue ,  ou 
fobse  5  que  o  adverbia  ,  ou  que  o  dese- 
java. ElKey  D.  Joáo  o  honrou  com  fi- 
tulo  do  Viso-Rey  da  índia  ,  scido  do 
Esrado  quarto  em  tempo.  Os  outros 
prémios  devia  de  os  sepultar  a  mes- 
ma terra  ,  que  aibrio  suas  cinzas ,  fi- 
cando só  sua  posteridade  hereditária 
da  gloria  de  táo  grande  ascenden- 
te. 

Recolheo  o  Governador  os  despo-  ^^'J^' 
jos ,  que  foráo  os  Reaes ,  muitas  ban->"'^  "^  *^* 
beiras  ,   e   quarenta    peças    de   artelha- 
ria   grossa  ,   em  que    entrava  aquella  , 
que    hoje    temos     na    fortalela     de    S. 
Gião  ,    que  do  lugar  ,  em  que  se  ga- 
nhou ,  ainda   conserva  o  nome.  Entre-  S^jcõ  ^^ 
gou    a   Cidade  ao  saco  ,    sem   reservar  Cidade, 
para  si  hum  só  ferro  de  lança  ,  sempre 
das    riquezas    do    Oriente    desprez.dor 
constante,     D'esta   ,    e   outras    virtudes 
nasceria    affirmarem    os    Mouros   ,    que 
fora.  o  Governador  assistido    de  algum 
poder   divmo  ,    porque    sobre    o   recto 

da 


^  1 8  Vida.  de  D  JoSo  de  Castro, 

êa    igreja  viráa    hirma   Donzelía   ,    ai» 
jôs  rayos  não  podia  sofrer  ?.  visra  ,  cu- 
ja   aspecto  lhe  enfraquecia    os   coraço- 
ens  ,    corri    que    deixaváo    as    armas  , 
huns   timidos  ,  outros   reverentes.     Náo 
temos   este  favor    do   Ceo  por  indigna 
de  cre.?iito  ,    se  olhamos  a   pied  de  do 
Çaantos  General ,  a  justiça  da  causa.  Dos  Pv!ou- 
X-Uitroi    ros  morrerão    cinco    mil  ,  em   que   en- 
m^rre-     tiaváo  Rumecáo  ,  Alucáo  ,  Accedecáo  ^ 
ráp.        e    outros    Turcos    de    nome    ;     ficarão 
seiscentos    cativos  ,    <iue   depois    servi- 
rão  ao  triumpho  ;  dos  nossos   faltarão 
liossos    trinta  ,    íoráo   quisi    trezentos    os    fe- 

gjcridos        Poucos   dias  descançon  o  Governa- 
dor    nos    ócios     da    victoria   ,    porque 
entrou    logo  em   cuidados   molesrcs   de 
reedificar  ,    antes    fundar  ,   a    fortaleza 
desda    primeira   pedra  ;    obra   ,    que    a 
necessidade  fazia  precisa  ,  o  aperto  im- 
possível ,    porque   ss   despesas     de   tão 
prolixa    guerra   tinliáo   a|>t  rado    as  ren- 
das  do   Estado  ,  e  sobre  ellas   se  ha- 
viáo    feito  empenhos  ,    que    sò  se  po- 
diáo  remir    com    a  paz    de  muitos  an- 
Jieeêlfi-  nos  :    porém    o   Governador  ,    sem   se 
caoGj-í\x?x    aos   inconvenientes    ,    começou    a 
vci^-iio-    dar    principio    á    nova    fabrica  ,    àt^S' 
èor  a      nhando-a    em    forma    difterenre  ,     que 
jortak'  ^  antigua-j  porque   a  juizo   de  homens 


ia- 


Livro    111.       319 

'mielligentes  ,  convinha  estender  o  si- 
tio ,  engrossar  o  muro ,  fazer  os  baluar- 
res  nvais  vezinhos  ,  e  lavrar  armazéns 
p-ra  recolher  as  munições  ,  e  manri- 
mentos  €ni  p.rte  enxuta,  em  <]ue  se 
conservassem  bem  acondicionadc^  ,  dif- 
fe rentes  ilos  outros  ,  <]uq  pela  humida- 
de do  terreno  corrompiáo  os  bastimen- 
tos.  Os  materiaes  náo  s€  podiáo  Cv^m- 
prar  ,  nem  conduzir  sem  pagâs  ,  c  ]or^ 
r.aes  i  pedreiros  ,  pióens  ,  e  archircctcs  , 
pediáo  suas  ferias.  Náo  tinha  o  Go- 
vernador baixellas ,  nem  diamr^.ntes  de 
que  foder  valer-se  ,  assi  recorreo  a  ou- 
tros penhores  ,  a  <^ue  a  fidelidade  deu 
Talia  5  a  natureza  náo.  Mandou  desen- 
terrar os  ossos  de  seu  filho  D  Fernan- 
do ,  para  fazer  d^elles  á  Cidade  de  Goa 
iium  nunca  visto  empenho ;  mas  como 
a  terra  ainda  tivesse  o  corpo  mal  gas-  ^ 
tado  ,  cortou  q\  barba  alguns  eabellos  ,  -"^P^- 
■sobre  que  pedio  vmte  mil  pardaos  á  " '*' ^""' 
Camera  de  Goa  ,  abrindo-lhe  o  amor  ^'  ,  ., 

,  .  .  '  ,  CSUCÍ195 

da  paifia  huma  estranna  porta  ,  por  ^,^  ^^^^ 
onde  náo  souberão  entrar  aquelles  fide-  ^^^ 
lissimos  Decios  ,  -Curcios  ,  e  Fabios  .. 
de  que  Poma  ainda  hoje  soberba  ,  de 
entre  as  ruinss  de  seu  Império  lhe  sal- 
vou a  memoria  Acompanhava  o  penhor 
a  seguinte  Carta, 


32C  VíDA  deDJoXo  de  Castro. 

Carta  ,  que  o  Governador   D,  João   de 

Cditro   íscreveo  de  Dia   ã  Cidade 

de  Goa. 


„s 


Enhores  Vereadores  ,  Juizes  ,  e 
5,  Povo  da  muito  nobre  ,  e  sempre 
5,  leal  Cidade  de  Goa ;  os  dias  passa- 
„  dos  vos  escrevi  por  Simáo  Alvarez 
„  cidadáo  d  essa  Cidade ,  as  novas  da 
^  victoria  ,  que  me  Nosso  Senhor  deu 
„  cc^rra  CS  Capiraens  d'ElRey  de 
„  Can.baya  .  e  cailey  na  Carta  os  tra- 
„  balho5  ,  e  grandes  necessidades  em 
5,  que  íicava  ,  porque  lográsseis  mais 
5,  inteiramente  o  prazer  ,  e  conten- 
,,  taraento  da  victoria  ;  mas  já  agora 
5,  me  pareceo  necessário  nam  dissimu- 
5,  lar  mais  tempo  ,  e  dar-vos  conta 
5,  dos  trabalhos  em  que  fico  ,  e  pe- 
„  dir-vos  ajuda  para  poder  supprir  , 
„  e  remediar  tamanhas  cousas  ,  co- 
,,  mo  tenho  entre  as  máos  ;  porque 
5,  eu  tenho  a  fortaleza  de  Dio  derri- 
5,  bada  até  o  cimento  ,  sem  se  poder 
,,  aproveitar  hum  sò  palmo  de  pare- 
,,  de  ;  de  maneira  ,  que  náo  somente 
5,  he  necessário  fabricala  este  veráo 
5,  de  novo ,  mais  ainda  de  tal  arte ,  e 
,,  maneira  ,  que  perca  as  esperanças 
35  ElRey  de  Cambaya  ,  de  em  ne- 
„  nhum  tempo  a  poder  tomar.  E  com 

„   CS- 


Livro     III.        311 

9\  este  trabalho   tenho   ainro   igual  ,  ou 
„  superior     a    elle    ,     aldemeno^    pára 
„  mmi    muito   mais   incomportável    <ie 
„  todos  ,  que    sác    as    grandes    oppres* 
^,  soens   ,  e  connnuos    achaques   ,    que 
,5  tne   ãir   os  Lasquerins  por  paga  ,  de 
,j  que    lhes     eu    deu    muita    certeza  , 
j,  porque    doutra   maneira    se  me  iriáo 
,,  todos  ,  e   fícarey   só  nesta  forcalcza  9 
,,  o   que  será  occasiáo    de  me   ver  em 
^  grande   perigo  ,    e   por  esse  respeito 
„  toda  a  índia   ,    como    quer    que   os 
„  Capitaens  d'ElRey  de  Cambaya  com 
„  a    gente    que    ficou    do    desbarato  , 
j,  estáo  em  Suna  ,  que  he  duas  legoas 
,,  d*esta  fortaleza  ,  e  ElRey  lhes  man- 
„  da    cada    dia    engrossar    seu    campo 
,5  com    gente    de  pé  ,    e  de   cavallo  , 
,,  fazendo    muitas    amostras    de  tornar 
3,  a  tentar    a   fortuna   ,    em  querer   dar 
5,  outra    batalha  ;   para    as  quaes    cou- 
5,  sas    me    he    grandemente    necessário 
j,  certa   somma    de  dinheiro ,  polo  que 
5,  vos  peço    muito    por    mercê    ,    que 
55  por    quanto   isto    importa  ao  serviço 
5,  d'ElRey  nosso  Senhor  ,  e  por  quan- 
„  to   cumpre    á  vossas   honras   ,    e  le- 
j,   aldades  ,  levardes   avante    vos^^o   ati- 
5,  tigo    costume  ,    e    grande    virtude  , 
„  que   he  acodir-lhes    sempre  ás  esrre- 
„  mas  necessidades  de  S.  Alteza  ,  co- 

.,  mo 


322  Vida  DE  DJoAo  DE  Castro. 

55  mo  bons  ,  e  leaes  vassailos  seus  , 
„  e  polo  grande  ,  e  entranhavel  á- 
„  mor  ,  que  a  todos  vos  tenho  ,  rae 
„  queirais  emprestar  vinte  mil  par- 
„  daos  ,  os  quaes  vos  promctto  como 
,,  Cavalleiro  ,  e  vos  faço  juramento 
j,  dos  Santos  Evangelhos  de  vol-os 
5,  mandar  pagar  ames  de  hum  anno  , 
5,  posto  que  tenha  ,  e  me  venháo  de 
5,  novo  outras  oppressóes  ,  e  necessi- 
„  dades  mayores ,  que  das  que  ao  pre- 
3,  sente  estou  cercado.  Eu  mandey  des- 
5,  enterrar  D.  Fernando  meu  filho  , 
5,  que  os  jV]  ouros  mararáo  nesta  for- 
55  taleza  ,  peleiiando  por  serviço  de 
35  Deos  ,  e  d*ElRey  nosso  Senhor, 
„  para  vos  mandar  empenhar  os  seu$ 
5,  ossos  5  mas  acharáo-no  de  tal  ma- 
35  neira  ,  que  náo  foy  licito  inda  ago- 
35  ra  de  o  tirar  da  terra  ;  polo  que 
3,  me  não  ficou  outro  penhor  ,  sal- 
3,  vo  as  minhas  próprias  barbas  5  que 
35  vos  aqaí  mando  por  Diogo  Ro- 
35  drigues  de  Azevedo  ;  porque  co- 
35  mo  já  deveis  ter  sabido  ,  eu  náo 
35  possuo  ouro  5  nem  prata  5  nem  mo- 
3  5  vel  ,  nem  cousa  alguma  de  raiz,  por 
35  onde  vos  possa  segurar  vossas  fa- 
3,  zendas  ,  somente  huma  verdade  sec- 
3,  ca  5  e  brí've ,  que  me  Nosso  Senhor 
35  deu.  Mas  para  ^ue  tenhaes  por  mais 


L  I  y  R  o    III.        325 

■„  mais  cerro  vosso  pagamenro  ,  e  não 
„  pareça  a  algumas  pessoas  ,  que  por 
,,  alguma  mantira  podem  ficar  sem  el- 
„  le  ,  ccmo  outras  vezes  aconreceo » 
„  vos  mando  aqui  huma  provisão  para 
„  o  Thesoureiío  de  Goa  ,  para  que  dos 
5,  rendimentos  dos  eavallos  vos  vá  pa- 
„  gando  ,  entregando  toda  a  quan- 
,,  tia  j  que  forem  rendendo  ,  até  ser- 
„  des  pagos.  E  o  modo  que  neste  pa- 
j,  gamento  se  deve  ter  o  ordenareis 
„  lá  com  elle.  Hey  por  excusado  de 
3,  vos  aíFeitar  palavrar  ,  para  vos  en- 
3,  carecer  mais  os  trabalhos  em  que 
„  tico  ,  porque  tenho  por  muito  cer- 
5,  to  5  j-or  todos  os  respeitos  ,  que  as- 
5,  sima  digo  ,  haverdes  de  fazer  nesta 
5,  parte  tudo  ,  e  mais  do  que  puder- 
,,  des  ,  sem  entrevir  para  isso  outra 
,5  cousa  ,  salvo  vossas  virtudes  costu- 
„  madas  ,  e  o  amor  ,  que  todos  me 
35  tendes  ,  e  vos  tenho.  Encomendo- 
„  me  3  Senhores  ,  em  vossas  mercês. 
5,  De  Dlo  5  a  vinte ^  e  três  de  NovemhrQ 
5,  de  mil  quinhentos  quarenta,  e  seis, ,, 
Chegado  o  mensageiro  a  Goa  ,  lhe 
respondeo  o  Povo  com  mayor  quanti- 
dade 3  que  a  pedida  ;  vendo  que  ti- 
nháo  hum  Governador  táo  humilde  Os  Clda^ 
para  os  rogar  ,  táo  grande  para  os  dãos  de 
defender.  Remeterão -lhe  cutra  yciGomlhos 
Y  aquci-    ioraiff. 


Hoje  se 
conser- 
vão. 


324  Vida  Úvl  D  JòÂo  de  Castro. 

aquelies  honrados  penhores  ,  que  hoje 
se  conserváo  em  máos  do  Bispo  In- 
quisidor Geral, seu  digníssimo  neto  ,  que 
os  rec.ilheo  em  huma  urna,  ou  pyrami- 
de  de  cristal  ,  assentada  em  huma  base 
de  prata  ,  na  qual  estão  gravados  em 
torno  disticos  difíerentes  que  fazem  de 
acção  táo  iliustre  engenhosa  memoria , 
ficando  aos  successores  de  sua  casa  es^ 
te  honrado  deposito ,  como  para  fazer 
hereditárias  as  virtudes  de  D.  ]oáo  de 
Castro,  Levarão  os  portadores  do  di- 
nheiro a  Carta  que  se  segue. 

Carta  da  Camera   de  Goa  ,  em  reposta 
da  do  Governador, 

„  X  Liustrissimo  ,  e  excelleiue  Capi- 
„  táo  gerai  ,  e  Governador  da  índia  , 
,,  pelo  muito  alto  ,  e  muito  podero- 
3,  so  ,  e  muito  eífcellente  Príncipe  El- 
„  Rey  nosso  senhor.  Diogo  Rodrigues 
,,  de  Azevedo  chegou  á  esta  Cidade 
5,  segunda  feira  seis  dias  do  mez  de 
5,  Dezembro  ,  e  o  dia  seguinte  dea 
5,  em  Camera  hurna  Carta  de  Sua  II- 
.,  iustrissima  Senhoria  ,  que  foy  lida 
„  com  muito  prazer  ,  e  grande  con- 
3,  tentamenro  ,  por  sabermos  de  sux 
5,  saudei  a  qual  boa  nova  sempre  que- 
j,  riamos    ssber    ,     e    muito    melho- 


Livro    IIL       325* 

;,  res    lhe   desejamos  j    e  por    ella    a 

„  Cidade  ,  e   todo    este   povo   em  ge- 

5,  ral ,  e  em  especial  ,    damos    muitas 

„  graças    a    Nosso   Senhor   ,   e    temos 

5,  cerra  esperança  em  nossa  Senhora  Vir- 

5,  gem    Maria   iVIadre    de   Deos   nossa 

3,  advogada  ,    que  tendo    os  povos  da 

5,  índia    a  V,    S.  Illustrissima    por  seu 

5,  Duque  ,     e    Governador   ,    que    em 

5,  nossas    afrontas  ,    e  trabalhos  nunca 

3,  careceremos      de     ajudas     divinaes  , 

3,  por  merecimento    de   seu  catholico  , 

3,  e   modesto   viver  ,    e  auto,  e   obras 

3  3  de    muitas     louvadas     virtudes   ;     e 

3,  com     esta    esperança     vivemos     cm 

33  novo  repouso  ,    porque   a   presente, 

33  e    gloriosa    victoria    ,     que    por    seu 

3,  pradente    conselho    ,    e    grande    es- 

5,  forço  ,   e  cavallaria  venceo  ,  e  àes- 

3,  cercou   a  fortaleza    de  Dio  ,  e  des- 

33  baratar  ,    e   destruir    o    poder   d'El- 

33  Rey    de  Cambaya  ,  com    mais  ou- 

3»  tros  vinte  mil  homens  Mouros  ,  Tur- 

3,  cos  ,  Rumes  ,  Coraçot5s  ,    e    Chris- 

9,  táons  renegados  da  Fé  de  N.  Senhor , 

3,  Alemaens  ,    Venezianos   ,    Genove- 

33  zes  5  Francezes ,  e  assi  d'outras  mui- 

53  fas  ,  e  diversas  naçoens  ,  dos  quaes 

3  5  grão    parte    d'elles    foráo    mortos     à 

39  ferro    de  lança  ,    e  espada  ,    de  que 

33  a  Cidade  tem  certeza  de  pessoas  de 

Y  ii  „  bem , 


326  Vida  de  D. JoÂo  de  Castro. 

bem,  que  òs  vista  fo:áo  presemes;, 
os  quaes  bons  serviços   nos  mostráo^ 
"  claros  sinaes  ,    que   ao  diante  ,  pra- 
zendo á  Nosso  Senhor  ,  c  á  seu   a.nn. 
paro  3  náo  teremos  outros  trabalhos , 
que  de  fururo  se  apresenráo  do  pro- 
11  prio    Rey    de   Cambaya    com  outro 
'*  novo  poder,  e  outros    Rcys  ,  c  Se- 
nhores ,  nobsos  comarcão? ,  e  os  de 
'!  lodâ    a  índia  ,   sáo    de  cerro  inimí- 
„  gos    nossos  ,    c   de  muitas   inimi?:a-; 
'^  des  ,    além  de  serem    inneis   inin  â- 
"  gos    de    nossa    Fé    Catholica   ,    dos 
'',  quaes    hutis  ,    e   outros    náo    temos 
„  segura  ,    nem  lirme   paz  ;    antes  ts- 
„  mos    sinaes    de    faltas  ,  e    enganosas 
amizades.    E  quanto  ao  empréstimo 
[\  que    em    nome    d^SlRey    no.so   Se- 
nhor  nos    manda    pedir ,  responde  a 
*,*  Cidade  ,   que  os  moradores   faiemos 
''de    presente  ,    e    sempre   que    cum- 
,.  prir    servirmos     S.    Alteza    com    as 
„  fazendas  ,    e  vidas  ,    c   com  as   al- 
,,  mas.   E  p)i-;ue  a  tenção  da  Cidade, 
t  de   todos'  he   servir   Vossa    lllus- 
[\  tâssmia   Senhoria  ,    havenJo    respei- 
,,  to  ,   que  o   tal  empréstimo    cumpre 
'    m.uito  ao  serviço  d'£U<ey  nosso  Se- 
„  nhor ,  cuja    a    Cidade  he  ,   e  todos 
„  somos  ,    com  muita  diligencia   ,    c 
,,  cuidado    daquelle  dia  ,  que    Diogo 


Livro    líT.       327 

35  Rodrigues  de  Azevedo  deu  o  reca- 
5,  do  aré  o  fazer  d'esra  ,  ^ue  são  vin- 
j,  te  e  sete  de  Dezeirjbro  ,  se  ajunta- 
5,  láo  vinte  mil,  cento,  quarentp,  e  seis 
,,  pardaos  ,  e  hama  tanga  ,  de  cir.co 
3,  tdngas  o  pardio,  os  quaes  emprestou 
,,  csra  Cidade,  a  saber  Cidadács  ,  e 
„  o  Pov^  ,  e  assi  os  Bramenes  merca- 
3,  dores  ,  gameares  ,  e  ourives.  E  es- 
,_,  crevemos  cm  certo  a  V.  S.  que  esta 
,,  Cidade  ,  e  os  honrados  moradores 
55  polo  servir  ,  temos  obrigação  de 
„  pôr  as  vidas  ,  e  as  fazendas  com 
5,  melhor  vontade  do  que  o  faremos 
3,  por  nossas  próprias  honras  ,  e  >n- 
5,  teresses,  E  quanto,  Senhor  ,  aos  ['e- 
,,  nhores  que  nos  manda ,  a  Cidade  ,  e 
3,  moradores  nos  temos  por  aggrava- 
j,  dos  de  V.  S.  ter  rão  pauca  con- 
5,  fiança  em  '^ó-^  ,  e  em  nossas  leil- 
,,  àiáe$  ,  que  para  cor:sa  que  lanco 
5,  cumpria  ao  serviço  d  EIR.^íy  nosso  Se- 
,j  n'-or  5  e  a  seu  Estado  Real  ,  não 
•áo  necessários  ráo  honrados  ,  e 
5,  illuscres  penhores,  porque  nossa  ieal- 
5,  dade  nos  obr'^a  ao  serviço  d  ElRey , 
5,  e  a  preàente  necev-idade  ,  e  de- 
„  pois  d'is30  âs  obiig  çoens  em  que 
5,  somos  ,  e  a  grande  affeiçáo,  e  rK-^M- 
5,  to  amor  que  V.  S.  tem  a  esta  Cida- 
^3  às  i   e  moradores   ;.   e   por   ello  ,  e 


5J 


328  Vida  deDJoSo  de  Castro 

tudo  o  mais  que  neste  caso  lhe  sen- 
timos  ,    lhe   beijamos    as   mãos  ,    e 
rogamos  â  Nosso  Senhor ,  que  lhe  dè 
perfeita  saúde  ,  e  o  prospere  de  mui- 
ta  honra  ,    e   grandes    v-ctorias   con- 
tra   os  inimigos    de  nossa  santa   Fé. 
E   todavJa  ,  Senhor  ,    Diogo    Rodri- 
gues   de    Azevedo    lhe    corna    a    le- 
var os  seus  penhores ;  e  asái  lhe  Ic- 
5,  vão    eile   ,    e    Berthoiameu    Bispo   , 
Procurador    da    Cidade    o    duo    di- 
nheiro ,    que  lhe    a  Cidade  ,  c   Po- 
vo d^ella  emprestarão    de    sua   boa , 
e    livre    vontade.     E    ^^si  lhe   leváo 
mais   a  Proviiáo   ,    que    cá    mandou 
,j  para    o    Thesoureiro    pagar     o    ditQ 
,,  dinheiro  ,    e   lhe  pedem    por  mercê 
5,  que  tudo  acceire  ,  como   de  le?.es  vas- 
„  s.iilos  ,  que  somos  a  EiRey  ncsio  Se- 
5,  nhor  5    c  á  V.   S.    muy   obrigados. 
Escrita  em  Camerâ  ,  a  z-y  de  Dezem- 
bro de  1547.   E  eu  Luiz  Tremessáo , 
Escrivão  da  Camera  ,  o  mandey  es- 
crever ,  e  sobscrevi  por  licença  ,  que 
para  ello  tenho.   Pêro  Godinho.  ]oâo 
Rodrigues  Paes.  Ruy  Gonçalves.  Ruy 
Dias.     Jorge    Ribeiro.    Berthoiameu 
Coiti-      5>  Bispo. 

nua  a  Continuava  a  obra  da  fortaleza  com 

obra  da  tanto  gosto    dos  orRciaes  ,    e    jornalei- 

Jortah-    ros  ,    que  crescia    sem   tempo ,  sendo 

£tf.  táo 


L  I  V  í  o    III.       529 

tão  pontnaes  a?  pagas  dos  servidores , 
e  soldados  ,  que  haviáo  ,  que  só  para 
o  Governador  estava  o  Estado  pobre. 
Além  do  empréstimo  da  Cidade  ,  Ih» 
enviarão  as  Donas  ,  e  Donzellas  em 
h'jm  cofre  a  pedraria  ,  e  joyas  ,  com 
que  a  fraqueza  feminil  serve  ao  poder , 
e  á  vaidade  ;  offerta  de  que  náo  po- 
diáo  esperar  retribuição  ,  ou  usura  ; 
donde  se  vè  ,  quanto  melhor  servidas 
sáo  dos  povos  as  virtudes  ,  que  as  ty- 
rannias   dos  regentes. 

Ordenou    a  D.  Manoel    de  Lima ,  ^  * 
que  com  trinta    navios  avistasse    os  lu-  g'''^^^'» 
gares  da  costa  de  Cambaya  ,  e  os  abra-  ^'^  ^^'«' 
zasse   todos  ,  mostrando  ao  Soltão  5  que   ''-^'^* 
a  vingança    náo    acabara    na    victoria  i 
porém    que    na    Cidade    de  Goga    não 
entrasse  ,  por    ter  aviso  ,  que  a  ella   se 
recolhera    toda    a    gente     que    escapou 
da  baralha.    D,  Manoel   ,  à   quem    ain-  D.  7Vf«- 
da  esperiiva    a  fortuna   per  aqueila  en»  nocJ  de 
seada^  se  foy  correndo    a  costa   ,  e  a  I-í^m^  « 
poucos     dirs     de    viagem     lhe     sobre-. At. 
veyo    hum  temporal    táo    rijo  ,  que   o 
levou  a  necessidade  da   tormenta   á  de- 
mandar   íibrigo    no  mesmo   porco  ,  que 
peia  instrucçáo  lhe  fora  prohibido.    Os  y^y  á 
.  da   Cidade  ,    Gom.o    ainda   linháo    pre-  (^ií^^d^ 
sente    â    imagem    do   passado   perigo  ,  ^  *  ^^ 
tanto   que  virão  as  mesmas  armas  ,  de  S^^' 

qu« 


t^^o  Vida  de  DJoXo  ds  Castro» 

que  estaváo  corudos  ,  desenipfiraráo 
a  Cidade  ,  assi  os  soldados  ,  corao  a 
gente  popuiar  ,  c  mutil  ,  fogindo  para 
o  Serrão  com  igual  desacordo.  Estava 
ancorada  no  porto  huma  náo  de  Mou- 
ros ,  que  era  do  Zamaluco  ,  bom  cor- 
respondente do  Esrado  ,  o  qual  ven- 
do â  fugida  dos  Mouros  ,  comf-çou  a 
capear  aos  nosso.?  ,  para  que  dessem 
ra  Cidade,  D.  Manoel  ,  náo  enten- 
rendo  o  sinai  do  navio  ,  pareceo-lhe 
oue  de  confiído  o  chnmava  á  peleija, 
e  pondo-se  logo  em  armas  colérico  , 
e  impaciente»,  nctou  ,  qu3  a  Cidade 
se  despe jnva  ,  e  o  miserável  pcyo  cor- 
na com  hum  tropel  confuso  á  deman- 
dar huma  pequena  serra  ,  que  lhe  fi- 
cava á  vista  ,  crendo ,  que  a  distancia  , 
e  aspereza  do  sitio  os  livraria  da  in- 
vazão  dos  nossos.  Conheceo  D.  Ma» 
noel  o  intento  com  que  lhe  capea- 
va o  navio  ,  c  perplexo  entre  a  occa- 
siáo  ,  e  a  obediência  ,  poz  o  caso  em 
conselho  ;  e  como  entre  os  soldados 
de  valor  ,  he  sempre  o  brio  primei- 
ro interprete  das  ordens  ,  votarão  , 
oue  se  entrasse  a  CíòslAq  ,  porque  a 
instrucçáo  do  Governador  não  podia 
comprehender  todos  os  accidentes  ,  o 
qual  se  estivera  presente  ,  fora  o  pri- 
meiro   que   saltasse    em    terra.    Seguio 

1q- 


Livro     IIL       331 

logo  a  execução  o  conselho.  Entrou  Q_iie  sa- 
D.  Manoel  a  Cidade  quasi  sem  TÇ-j;ièa,e 
sistencia ;  o  saco  dos  soldados  foy  gran- ^Zt^í/i.' 
de  ;  e  o  que  desprezou  a  cobiç.i  ,  se 
entregou  ao  fogo  ,  que  abrazou  fazen- 
das ,  e  edifícios  ;  foy  o  damno  mayor 
do  que  a  victoria.  Cativou  D.  Ma- 
noel três  Baneanes  ,  dos  quaes  soube 
que  toda  a  genie  se  salvara  em  hura 
lugar  da  serra  ,  que  fícava  em  peque- 
na distancia  j  determinou  assalcaío  ,  pa-  ' 
ra  que  aos  fugitivos  ,  e  cpposros  , 
igualasse  o  castigo.  Fcy  aiTiânhecer  so- 
bre o  lugar  ,  levando  òs  Baneanes  por 
guia  5  forçados  com  miserável  necessi- 
dade á  entregar  os  filhos  ,  e  parentes ; 
c  os  que  se  imaginaváo  no  abrigo  do 
Sertão  seguros ,  virão  primeiro  sobre 
si  a  espada  ,  que  vissem  o  inimigo. 
Não  fez  o  estrago  diíferençâ  de  causa 
a  causa  ,"  de  pessa  a  pessoa ;  naturaes , 
e  estr^.ngeifos  .  culpados  ,  c  inno- 
centes  pagarão  cem  as  vidas  o  delicto  , 
ou  próprio  ,  ou  alhcyo.  Das  pessoas 
passou  á  religião  a  injaria  j  dentro  dos 
Pagodes  mandou  enforcar  a  muitos  , 
que  na  vaidade  de  suas  superstiçoens 
he  culpa  inexpiavel.  Degolou  os  ga- 
dos do  contorno  ,  salpicando  as  Mes- 
quitas com  o  sangr.á  das  vacas  j  ani- 
mal y  <]ue  como  deposito    das  almas-, 

ve- 


33^   ViDADeDJoXo  DsCASTRdí 

veneráo  com  culto  abominável. 
lEnú^;'-  Embarcado  D.  I^^anoel  de  Lima  , 

<ti  SC ,  €  tornou  a  cortar  a  enseada  ,  onde  se  vio 
fcriga,     perdido  sem  tormenta  ,  porque  o  fluxo  , 
e  refluxo  das  ondas  he  tâ3  impetLOiO , 
que  basta  á  destroçar  os  navios.  Passado 
mais    adiante  ,    houve  vista  da  Cidade 
de   Gíndar  ,    povoada    de    Mercadores 
Gentios  ,  ricâ  peio  commcrcio  ,  e   fraca 
Vestroa   P^^^s  habitadores.    Esta  foy  na  primei - 
Oairdar,  ^^  envestida  rendida  ,  e  hjfâzada  ,  sen- 
do ,  que  entregaváo   os   naiur.ies  as   fa- 
zendas como  preço  das  vidas  ,  que  náo 
.poderão    salvar  opposros  ,    nem    rendi- 
dos j  porque  a  ira  ,  ou   deshumanidade 
dos  soldados,  antes  buscava  o  sang^ue ,  \ 
que    os  despojos.    Muitos  outros    luga- 
res da  enseada  destruio  ,    durando    nas 
"cinzas ,  e  ruinas  moiros   anhos  as   me- 
morias   do    estrago  ;    c    o>   naturaes   , 
que    sobreviverão   á^    misérias    dos  ou- 
tros ,  se  recolherão  ao  interior  do  Rey- 
no  ,    onde  com  segura    pobreza  entre- 
tinham as   vidas. 
Recolhe-  Deu  D,  Manoel  volta  a   Dio ,  on- 

át^aDi^^^Q  adiou  no  Goveriíador  entre  os  mâ-_ 
reriaes  da  nova  fabrica  ,  á  cuja  vista 
crescia  o  edifício.  Desejava  deixar  a 
fortaleza  em  defensa  ,  porque  o  châ« 
nTaváo  a  Goa  difíerentes  negócios.  Po- 
tcm  D.  ]oâO  Mascarenhas  ,  ou  can- 
sa- 


L  1  V  n  o     III.        333 

Sado  ,   ou   satisfeito    dos    trabalhos   do  Deixa 
cerco   ,    fez    deixaçáo    da   praça  ,    sem  D.  Joãa 
acabar    o     tempo    ,    querendo    aquelle  Masca- 
anno    vir  ao  Reyno  lograr   táo  TT.crQCi- rcnhas  a 
da   fami.    Quizera    o   Governador    dis-  praça. 
suadilo  ,    remenio^  ,    que  ninguém    lhe 
aceitasse    a   fortaleza  ,    porque    com    a 
victoria  ,  e   alteração    do    commercio  , 
faltaváo    os  estímulos    da  honra  ,  e   do 
proveito  ,  cue  são    os  mayores  incenti- 
vos ,  de  que  os  homens  se  vencem.  Po-  * 
rém    D,    jcáo    Mascarenhas    resoluto   a 
passar    ao   Reyno    nâs    nács    de    Lou- . 
renço    Pires    de    Távora  ,    obrigou    ao 
Governador  a  que   buí^casse  C^pitáo  pa- 
ra a  pr.iça  ,  que  já   alguns  fidalgos  lhe 
haviáo  engeitado,  aborrecendo  lugar  de 
tantas  victorias  ,  quiçá  poio   perigo  que 
rem  succeder  a  varcens  excellentes  ,  po- 
rém  D.  Manoel  de  Lima  ,  ou  por  corn-  D.  Ma- 
placencia  do  Governador,  ou   por  con- ncel  d'j 
fiança   de  si   mesmo,  se  offereceo  pa- Z-/"m  se 
ra  íicar  na   praça.                                      ofereci 
Entretanto  o  Governador  se  apres-  ^  fi'^"'' 
tava  para   passar   a   Goa  ;  mandou   An-  ''^'^^^* 
tonio  Moniz  Barreto     com    alguns    na- 
vios  a  e^pt^rar    as  n.^os    de  Cambaya  , 
que    por    imdligenciis    secretas   sabia  ,  Xoma 
que  havia  o  de  visitar  a   costa  de  Pór  ,  yi,^snla 
e    Manga Jor    j     as    quaes     elie    encon-  j^jcnlz 
trou  ,  rendeg  ,  e  trouxe  a  Dio  ,  cujiis  í,/^/r?Mi 

ia-    liáos. 


3  ;4  ViDA  DE  D JoXo  d3  CASTirdi 

fazendas  ajudarão  â  reparar  ns  despe- 
z.?s  do  Estado.  EIRey  de  Cimbaya 
com  o  sentimenro  de  tanras  pardas  re- 
Ta-i :  ,1/í- '^^"'^"^'  c^  ^"^1^  vingança  'bnrbara  , 
fa  hnr-  rnandando  matar  deus  prisioneiros  nos- 
íara  S05  innocentcj  ,  que  do  tempo  da 
d'Ei^eij  guerra  lhe  ficarío  cativos  ,  vingando-se 
ih  Ca:n-  de  ráo  grandes  injurias  em  sombras  táo 
hújja.       pequenas. 

Concluídos    os  negócios  de  Dio  , 
começou   a  fcriuna  a  sobresaltar  o  Es- 
Avlsos    tido    com    novos    accidenres     Teve    o 
dô  Or-    Governador    duplicados    avisos    de   Or- 
ixás.,      mnz  ,  que  os  Turcos  com  crescido  po- 
der tinháo    lançado   de  Baçorá    a   Ma- 
hamec   As-Enam  ,  fiei  amigo  do  Esta- 
do,  o  qual  chamava  nossas  armas  ,  pa- 
ra com  forças  auxiliares  resistir  ao  com- 
mum  inimigo.  Viáo-se  não  de  longe  os 
perigos  ,    e  3s  consequências  ,  que  re- 
çulraváo    de    táo   roim    vizinho  ,    com 
quem  apenas  podiamos  caber  no   mun- 
do ,  quanto    mais    no   Estalo.    Ponde- 
rava-se   a  importância    de   Baçorá  ,  co- 
rno   fundamento    lançado    para    cousas 
ri)  lyores  ;  de  cujo  sir-o  daremos    huma    ' 
Df  jrr/p- ^""sve     noticia.     He    Baçorá    povoação^ 
cãa  de    ^^    quntro    mil    vizinhos   ,    situ-^da    na 
Baterá.   Arsbia    Felix  »    em   a!tur.í   de  viute    e 
qij^i.tro    grãos  para  a  banda  do    Norte; 
ap.rta-se  do  rio  Eufrates    em  pequetra 

dis- 


L  I  V  n  o     III.       33? 

distancia.    Distará    da  forralei:a  de  Or- 
muz duzentas    Icgoas    ,    oe    Babylonii 
po-jco   mais  de  quarenta.  De  Ormuz  a 
ella    se  navega    ao  longo   da  cosra  p"" 
la  parte    da   Pérsia  ,    por  te:^  melhores 
surgidouros  ,  e  aguadas.  A   Ilha  hc  po- 
voada   de    Mouros  cppostos    aos    Tur- 
cos  ,    por    serem    (ainda    c,ue   cultores 
de  Maíamede  )  diiTtrentes    na   crença  , 
porque    seguem     os    ritos  ,    e  cererr.o- 
nias  do  Persa;  a   quem    da  a  t)wber  o 
Demónio    as  abominaçoens    de    Ptir.ic-  ^  ^ 
ma  em  vazos  dJíferentcs,    Acui  se  rcr-^'íi^r- 
tificaráo    os   Turcos  ,    e  começarão    a  ^^>  -;^^ 
ganhar  os  Arábios  vizinhos ,  huns  con:..-^'jV^-^ 
ís  armas  ,  cuíros  com  benéficos  ,  cri.n-  \^^  ^  ' 
do    em    Bsçorá  '  ncvo    Príncipe  ,    qne  ■**' 
como  descendente  de  seus  ancigos  Reys, 
seria    sos  Arábios    graro   ,    e  aos    Tur- 
cos  fiel  i  liberalidade  ,    com   que   mcs- 
raváo    enrrar    com    semblante    de^  ami- 
gos,  escondendo  a  ambição   de  Senho- 
jes.    A  justiça  d'este  ,   que  es  Turcr-s 
sai^daráo  por  Rey  ,  escrevem  omros  em 
dilatadas  letras  ,  cuja  relação  de:xo  pur 
ser    ao  gosto    importuna  ,   e    alnêa  áx 
Historia. 

Resolveo    o  Governador  despachar  y^^  jy^ 
Dom  Manoel  de  Lima  para  a  fortale-  m„„ocI 
za    de   Ormuz   ,    que    pola    moíre    de  ^c  Uma 
Pom  ^l^noíl   da  .Sylveira    lhe  cabia  ,  p.:ra 


33^  VíDA  DE  DJoSo  DE  Castro. 

tomando    a   obrig;íçáo    da   guerra     com 
os    Turcos  ,    como  pensão    da  praça  , 
ficando   outra  vez  a  forraleza  de  Dio  , 
como    pedra  reprovada    dos  que  a  edi- 
ficaváo   9    porque    náo    havia    Fidalgo  , 
que  quizcísse    ficar    com    o   trabalho  da 
fortificação  ,    havendo   D.   Joáo   Masca- 
renhas   levado    as    honras     do    perigo. 
Náo  sey  se  as  cousas  da  índia  correm 
hoje    por    esta  opinião.    O   Governador 
se  molesrava  ,  de  que  lu^ar    de  ramas 
E  D.      vicrorias  ficasse  táo  aborrecido.    O  que 
Jcno        entendido     por    D.  João    Mascarenhas, 
Masca-    se  oíFereceo    para   ficar   aquellc    Inver- 
renhas     no    na  praça  ;    cousa    que'  o  Governa- 
torna  a   dor    estUTiou     sobre     modo   ,    dizendo- 
f^ar  em  jhe  ,  que  em  quanco    a  fortaleza  estava 
'^-     •  imperfeita .  a   fama  de  seu  nome  servi- 
ria de  muro.    E  porque    se  veja   quam 
facil  era  este  grande  Vara©  em  autho- 
rizar   honras   alhêas ,  referirey  a  Carta 
que  escreveo   a  seu    nlho    D.  Alvará  , 
quando    entendeo   que  D.  João   Masca- 
renhas  iria  a  Goa  para  passar  ao  Rey- 
0  cjue      tio.  ,,  La  vay  o  Senhor  D.  Joáo  Mas- 
(Iflle  £S'  3,  renhas  ,  tal  qual  os-  Mouros  ,  e  Gen- 
ereve  o    „  tio?  confessâo  ;  e  CU  ,  que   sou  bom 
Oover-    „  Chrisráo  ,    faço    a   mesma  confissão 
rador  a    ^^  ct    seu    esforço  ,    porque  em  todas 
iTf/''^^'  ^s  batalhas    o  achey  sempre    a  meu 
n.Aíva-  ^^  i^^Q^  Vay-se  embarcar  para  o  Rey- 

„  no 


Ir  I  V  R  o    IlL        3^7 

5,  no  :  rogovos  mu  iro   ,  que  lhe  façais 
5,  o   mesmo    tratamento   ,    que    á    rrj- 
,,  nha  pessoa  ,  e  não  consintais  que  to- 
35  me  outra  pousada  ,    senêo  a  vossa  : 
,5  porque    além    de    clle    o    merecer  , 
55  espero    em   Decs    que  torn:^rá    mui- 
5,  to   cedo    á    estas    partes    á    emendar 
55  meus    descuidos.    Tam.b^m    escrcveo  E  a  El- 
a    EiRey    largamente    sobre    os    mere-  lley  de 
cimentos    dos  homens  ,   de  si   náo   Fal-  i^des^ 
lou  nada ,  mostrando-se   agradecido  aos 
serviços   de  codos  ,  e    só   aos  seus  in- 
grato. 

Concluídas  as  cousas  de  Dvo  ,  dei-  Uelxa 
xou  o  Governador   a  D.  Jorge  de  }^\q-  u  o  iludia 
nczes  com  seis  navios  ,    para  que  an-  costn  a 
daíse  o  resto  do  Veráo  na  cnscada  de  V.Jor- 
Cambaya  i    e    mandou    lançar    pregão  S*-'* 
em  todos    os  lugares  confini.ntes  ;    que 
todos    os    Mouros  ,    e  Gentios  podes- 
sem    tornar    a    povoar    a     Ilha  ,    por- 
que debaixo  de  sua  justiça    estariáo  z^ 
pessoas    e    commercios    seguros   ,    go- 
zando da  paz  5  e  liberdade  antigua^  e 
como  a  verdade  recebe  credito   do  va- 
lor 5  tornarão  os  Gentios  a  buscar  assi 
o  abrigo  de  nossas  armas  ,   como    de 
nossas  leys  ,  vindo   copia   de  mercado- 
res ,  e  vizmhos    a  engrossar   o  trato  , 
havendo    por  mais  segura   a   paz   que  , 
ííomeçava  nos  Umiífs  da  guetta. 

Em 


33^  Vida  DE  D  JoSo  DE  Castros 

Embar'         Embarcou-sc  o  Governador  para  Goa, 
case  pa-  aonde   o  esperava    o  applauso  universal 
ra  Goa.    ^Jas  gentes ,  como    ecccs  articuados  da 
victoria.    Chegou    a    tomar    porto    em 
breves  dias  ^  onde  vierão  a  visitalo  ao 
mar  o  Bispo  ,    Capitão   mor  ,    e   Re- 
gentes 5    pedindo-lhe    se    derives^.e    em 
Che^a  e  ^^^^^^  >  ^^    quanto    â  Cidade   dispu- 
he  visi-  "^^    ^  triumpho  ,    com    que    o  queria 
íailo  no    receber  ,  porque  náo  reputasse  o  Mun- 
iuar.       do  aquelle   povo    por    bárbaro  ,  ou  in- 
grato i    que    triumpho    tão    merecido  , 
náo  era  ambição  da  pessoa  ,  mas  glorii 
do  Estado ;    que    das  victorias  levava» 
os  Reys  o  fruto  ,  os  vassallos  a  fama  ; 
que    bem    podia   desprezar    o    premio, 
sem  engeitar    a  memoria. 

Deixou-se  o  Governador  vencer 
Decreta-  ^'^^^q  agrado  do  povo  ,  como  quem 
^^;  náo  podia  desprezar    as  honras   do  tri- 

^J'"""     umpho  5  sem    injuria    dos  que   lho  aju- 
^^^'        darão  a  merecer  ^   nem    pôr   limite  ás 
alegrias    populares    em    ódio    da    pros- 
peridade   de  todos  ,    de  cujas    dcmors- 
traçoens  festivas  tinháo  na  fortuna  des- 
culpa »  nos   Césares   exemplo.    Para   os 
quinze  dô  Abnl  de  quarenta,  e  sete  se 
destinou    o  dia    do   triumpho ,  primei- 
ro 5   e  ultimo  5    que    virão   nossas  ar- 
Tahvica    mas  ,    costumadas    a  lograr   tania  sem 
dclle.       gloria.    Fabricou  a    Cidade    no   Bszar 

4Je 


Li  V  R  o    III.       339' 

dé  Sancu  Catharina  hum  e9paçoso  cães 
cujo   maíerfal-  cobrião    variai    vi Ic". rifas. 
Rasgou-se  si  porta  ca  Cidade  ázá  o  alro 
do  rr.uro  ,  como  que  se    mc^traváo   á? 

pedras  humildes  ,  ou  graras.  E^a  a  ííí- 
peçiiiia  das  rr.iiralhas  de  custosos  bro- 
cado:. A  grandeza  não  podia  sobir  a 
mais,  o  gosto  não  se  contenrava  com 
menos.  Em  partem  era  o  aderno  de  di^^' 
versos  velIuJos  j  pára  que  o  ouro  ser--' 
visse  á  maiíesrade  ,  as  cores  ao  ddeite'.' 
Na  porrada  se  viáo  deus  leóens  doura- 
dos ,  sustentando  em  huma  ,  e  ouir.i 
tarja  as  Koelas  dos  Castros  sempre  il- 
lustres  ,  agora  triumpliantes.  Junto  ao 
cães  corria  bum  dihrado  bo?qlie  à& 
arvoredo  ,  que  cem  interrompidas  som- 
bras mitigava  o  calor  ,  sem  occultar  o 
dia.  Via-se  o  mar  cuberto  de  náos , 
e  galeoens  ,  de  fustas  ,  e  almndias  , 
que  das  Ilhas  vezlnhas  ccncorrér.ío  , 
rodas  embandeiradas  ,  e  alegres.  Es^ 
tava  no  terreiro  do  Paço  huma  forta^ 
leza  i  desenhada  pela  planta  de  Dio-j 
e  dentro  algumas  bombardas  carrega- 
das sem  b.-.lla  ,  e  outros  instrumen^ 
tos  de  fogo  ,  cem  que  tígaraváo-  huma 
representação  alegre  dos  passados  hor^^' 
rores.  Na  mesma  fortalezi  se  "escun^- 
diáo  curiosas  danças,  que  Cem  .-ccot-' 
dadas  vozes  caniq\io  ao  Governador. 
Z  luu- 


540  Vida  de  DJoSo  de  Castro. 

louvores  a  numeres  ítados  ,  deleitan- 
do o  ouvido  na  armonia  ,  o  juizo  na. 
letra.  O  concerro  òis  ruas  ,  como  para 
dar  a  conhecer  a  cpuieiícia  do  Oriente  ;. 
as  reilâs  de  lavores  por  usuaes  se  oiha- 
váo  com  desprezo.  Ás  ealas  dos  mora- 
dores taes  ,  e  t.ntâs  ,  que  padecia  ,  que 
triumphava  o  Povo.  Nem  seria  menos 
dos  ânimos  o  applauso  ,  se  os  coraço- 
ens  se  viráo  ,  pois  eráo  demonitraçoens 
voluntárias  de  naruraes  aífectos. 
:Entr«  o  Abalou  o    Gcverniidcr  de  Pangim 

Gvver-  ^^  huma  galeora  ,  cojo  adorno  a  fa- 
nador,  zia  diffcrente  das  ourras  ;  levava  con- 
siga os  Fidalgos  velhos  ,  «ue  o  acon> 
panharáo  na  jornada ,  igualmente  par- 
ciaes  na  gloria  ,  e  no  periga.  Hiáo 
diante  os  galeoens  ia  armada  ,  a  quem 
seguiáo  as  embarcaçoens  de  remo  eom 
as  velas  içadas  nos  paL^.ncos  ,  e  todos 
navesjando  assombrados  com  o  verdof 
de  difrerenteo  ramos  ,  pareciáo  da  ter- 
ra hum  bosque  tremulo  ,  huma  Cida- 
de errática.  Logo  que  avistarão  a  for- 
taleza ,  lhe  deráo  hunra  táo  temerosa 
salva  5  que  a  guerra  parecia  real  ,  mais 
<]ue  apparente  ;  como  contraposta  lhe 
lespondeo  a  arrelharia  da  terra  ,  com 
tal  horror  ,  que  os  sentidos  náo  co- 
nheciáo  diíFerença  da  batalha  ao  trium- 
pho.  Para  dâr  passo   á  galeora  do  Go- 

ver- 


J 


Livro    III.       341 

vernador ,  se  abrio  a  armada  rcda.  Vi- 
nha custosamente  trajado  ,  dando  o 
que  era  seu  ao  reirpo  ,  vestindo  náo 
menos  airosamente  a'?  galas  ,  do  que 
vestia  as  armas.  Trazia  hnma  rcipa 
Franceza  de  setim  carmezim  com  tro^ 
çaes  de  curo  ,  que  Jhe  tomc?vno  os 
golpes  ,  e  como  qu^m  náo  cneri.a  per- 
der memorias  de  soldado  ,  vestia  hu- 
ma  <:oura  de  Jam.inas  assentada  em 
brocado  com  seus  tachocns  de  prara  , 
gorra  com  plumas  ,  mosrraváo  ouro  as 
guarniçoens  da  espada.  >vo  cães  o  es- 
peraváo  os  Cabos  da  Milícia  ,  Nobre- 
za ,  e  Regifríento  da  Cidade  ,  com 
os  qunes  entrou  a  primeira  porta^  oh-  ^  .^ 
de  hum  Vereador  na  lingua  Latina  lhe  ^'^'''"^'^- 
orou  discretamente  ,  discorrendo  ,  co-  ^Í'^^'T 
mo  por  bene-Scio  de  seu  valor  tinha-  „".^v.'^' 
mos  humiíh^.dí)  o  mais  soberbo  cerro '^^ 
do  0«ente  ,  cujas  ruínas  senáo  de  ^na 
fama  os  elogios  mayores  ;  cuè  a^cra 
tinha  Portuga;  seguro  o  Estado  ,  "em 
seus  braços  segijnda  \ez  nascido  ,  cij- 
jas  atmas  s^rvi^o  tanto  á  Fe ,  thrr<^  £0 
Império  ,  cbrando  ,  que  em  ráo  rer^o- 
t£s  partes  se  cuvi^Scm  os  br-^ccs  do 
Evangfílho  ;  que  agora  os  A';onros  ,  r 
Gentios  cieriáo  ,  oue  rão  podia  cíi- 
xat  de  ser  Deos  gra«^ce  ,  o  Oo.^  d^ 
tantas  viciorias  ;  quq  ainda  depois?  de 
Z  ii  iJa- 


Kecí- 

hiin-no 

ci*i7i  pa 

Orclt;m 

do  irí- 

íiinpho 

-^4%  VíDA  DE  D.ToSo  DB  Castro; 

itíades    largas     nõ     Oriepie     mosrrariáo 
eom   o  ÒQdo  os  naveganres   o  iu^ar   cíà 
baralha  ,  ficando  por  iradiçáo  o  estrago 
de  Cambaya  de-  Naçáo  a  NaçiO,  dí  Rey- 
no  a  Reyno  -,  c]ue  os  pays  o  eor.rariáo 
aos   filhos  5  ainda  sobr^^altados  lia  me- 
moria dos  p'.T!^a>  passados  ;  (]«e  já  nos- 
sas bandeiras  s^lcrio^amer.te  enrol  idas  po- 
deriáo  descanca:  no  tempo  da  Paz  ,  aber- 
ro o  da  Victora.  Sobre  os  accidemes  de 
seu  governo  discorreo  largamente-,  pare- 
cendo  ao  Povo  5   qce    ante^  abreviava  , 
que  encarecia  suas  v^rrrdes,  rnayores  na 
consideração  dos  estranhos  ,  do  qae  e:a 
nossos   elogios.     Rematcu    a  oração  na 
suavidade  de  músicos  instrumentos  ,  dií- 
íerentes  ,  e  acordes.  L020  se  di^.pararáa 
algumas  peças,  cujas  bailas  eráo  doces 
divíjrsos  ,  que  caindo   em  peqaena   dis- 
tancia ,  foráo    á  gentalha  do  povo  corr- 
vite  ,  ainda  cue  sirebarado  ,  alegre.  Os 
Vereadores    da    Cidade   ,    receberão  aa 
Governador    com  paleo  ,    e   Jogo   Imm 
Cidadão    de  authoridade  ,  incJinado  ,  e 
reverente  ,  lhe   tirou    a   gorra  da    cabe* 
Ça    pondo-lhe  nelb  hi^ma    coroa   trium- 
phal  ,  e   na  máo  hnma  paixa»    Diante 
caminhava    o    Custodio   dos   Religiosos 
Franciscos  com  o  C!Ucíf.xo  ,  Qiie  levou 
na   batriiha  ,  e   o  braço   cesencravado   , 
e  pendente  >  (sinal  com  que  }á  de  táo 
. .    '  lon- 


Livro    III.       54^ 

Ictige  aquelía  Kkgestíide  divina ,  nesta  , 
e  naquella  idade  nos  assegura  os  Rey- 
Tíos  ,  e  as  victorias.  )    ses;uio-se  a  ban- 
deira   Real    de    noss.is  Quinas   ,    olha- 
das  còm  admiração   no^a  de   Mouros  , 
e  Gentios.   Logo  os  esrandarces  de  Cam- 
baya  arrastados  á   vista    de  juzarcáo  ,  e 
outros    Capitaens   maniatados  ,  que  re- 
pesentaváo   a  tragedia   de  sua   fortuna , 
a  elles   lastiRiosa  ,  a  nós  alegre.   Viào- 
ÉC  seiscentos   |iris"oneiros  arrastando   ca- 
dêasi  tris  elles   r.s  peças  de  campanha  , 
com  Viárias  ,  e  num-erosas  armas.  As  da- 
mas- das  janeilas  banhavío  ao  triumpha- 
dor    cm    ai^uas    iiesrilladas     de  aromas 
ditierenres.  Os  oíEciaes  ,    que  irataváo 
o  ouro  ,    ou  preciosas   droga-s  ,  lhe  vi- 
múo    a   GÍferecer    voluntr.rios    tributos,    . 
sendo    a   i^'jalJade    dos    ânimos    outra 
cousa  mayor ,  qjae  o  triurrrpho^  Os  Tem- 
•plos  adorn^^dos  ,  e  abertos.,  se  mostfa- 
•v-áo   benévolos  ,  e  gratos  ;  nesta    forma  y^,,  ^ 
chegou  a  visitai   a  Cathedral  ,  Metrcpo-  ^-jf     . 
li  do  Oriente  ,  onde  o  Bispo  ,  e  Cjero  g 
-receberão  com  o  hymno :  Tc  Dcrmi  Uu- 
-dtimas.  Enfrado  na  íié  ,  reconhece©  com  ^ece- 
piedosas    oífertas  ao  Author    das   víc-ro-  vL^cc  a 
.-íias  ,  e  por  ser  já   tarde  com  abreviadí^ç  Vios  yor 
í^eremonias   se  recolheo  aos  Preços  ,  nso  ^"'t^'-  >i<i 
cabendo   a   magcstítde  do   triumpho   nas  ^'"'^   ""'*' 
heras  de    hum  tò  dia.  ctori^i. 

LI- 


p 


LIVRO    IV. 

Oucos  foráo  os  Reynos  io  Orien- 
te ,  cjue  no  Governo  de  D.  Joáo  de 
Castro  náo  alterassem  aquelle  Estado 
com  diversos  movimentos  de  guerra  , 
oucom.srmâ5  oppostas ,  ou  com  reci- 
procas di.^^cordias  ,  chamando  nossas  for-» 
ças  a  conciliar  a  pnz  ,  cu  ajudar  a  vi- 
cccria  ,  vendo-o  muitas  vezes  o  Oriente  ^ 
em  serviço  da  Religião  cmgir  a  espada, 
Rch?io~  H.ívia   ElRey  D.  Joáo   enviado  ai"; 

s.'^F>a;}-  §"'ms    Religiosos    Franciscos   á    ílha    de 
<■/.'./      Ceilão^  exemplares  na  vida  ,  e  na  dou- 
}uiís,'!o  a  trina  ,  para  que  cõm  o  sangue  ,  e  com 
Ceilão,    a    palavra    restimunhas;em      a     verdade 
Evangélica ,  sendo  este  o  mayor  cuida- 
do ^de  nossos  Príncipes  ,  cujas  tandetras 
mais  vezes  vio  tiemolar  a  Ásia  em  ob- 
sequio da  religião  ♦  que  do  império.  En* 
trados    Qsit>    Religiosos   na   Ilha  ,  foráo 
recebidos  d'ElRey  ái    Cotta   com  beni- 
gna  hospedagem  ,    começando    a    nas- 
cer  secunda  vez  no  Oriente    o  Sol  di^ 
vino.  Ouvio   aquella  Gentilidade  a  voz 
do  Ceo;  e  ao  benefício  da  terra  inculta 
respondia   o  fruto   ,    encamJnhando    ao 
curral  da  Igreja   infinitas   ovelhas. 
rassâiáo  çstes  embaixadores  do  Evaa- 


Livro    IV.       345» 

gelho  a  dar  novas  da   luz  á  ElRey  de  Pregãê 
Cardea    no  corâçáo    da    Ilha'  ,    o  qual  njc  t$n 
achiráo    graro  no  tratamento    das  pes-  Canden  , 
so.is  ,    e    fácil    na  obediência    da    dou-«£/fi-<'y 
trina  ;    foy  instruido    nos   mistérios   de  '^  *^'*^'** 
r.ossa  crença  ,    para   cjue  com'   fé  mais  "^  *  ^^^''» 
robusta  se  lavasse  nas -aguas  do  Baptis- 
mo,   Deu' aos  Religiosos    terra,  mate- 
riaes  ,  e  despezai  para  a  fabrica  de  hum 
Templo  ,  sendo  esta  a  primeira   fortale- 
za ,  que  le\-anrou  a   conquista  do  Evan- 
gelho naquejla  Ilha  contra  os  erros  da 
idolatria;  porque  das  vozes  do  Aposto- 
lo S.  Th&m*e    (se  alH  chegarão)  nem 
nos  entendimentos   havia   luz  ,  nem  na 
terra  memoria. 

Mostra va-5e  e?te  Príncipe  aos  pre*  Mestra 
teitoí    de  nossa    Religião     obediente  ;  ínccns- 
mas  ainda  ^áo*  constsfite  ,  porque  o  te-  ta.uia. 
mor    de  ^Itcr^r  os  vnssallos  na  mudrn. 
ça   da  Icy  ,    lhe  fazia  ,  por  náo   perder 
o  que  amava  ,  deixar  o  que   entendia  ; 
porque    como    planta    ainda     sem    raí- 
zes ,   o  inclinaváo    á    hiima   ,    e  outra 
parte    conrr-ídiçoens    humanas.     Tenta-  q.  j^^/j. 
ráo  CS  Religiosos  desviar-ihe  estes  tro-  ^i^scs  0 
pecos   do    caminho    da  vida  ,  áfPrman-  animãa, 
do-lhe  ,  que  debaixo   do  nmr^ro  de  nos- 
sa Religião   ,   e   nossas   arn^as  ,  assegu- 
rava   hum. a  ,    e    outra    coroa   ,    porqrc 
estará    naquelle    tempo    governando    o 

Es- 


^4^  Vida  DE  D. JoSo  DH  Castro. 

,-^^,  .r.  .E^iaJo-;3«ue:Ie  D.  loão  de  Casrro  ,  que 
i^l^A  ^  P^^^  Fé 'sabia  derrapar  o  sangue  ,  po^ 
.  ,.-  ^^*j  .los- amigos  ,?.rrjscar  o  Es^do.  — 

Sitê^A-^  ..^  ,1  t)uvio  bem  o  Rey  e,sca  proposta  , 
sòíuçSò-:  Gizencp  ,;  .Que   .se    o   Governador    lhe 
^  '.,.    :  A  mandasse  soccorro  ,  não    só  professaria 
a*lTé  ,  porem  qife  a  prifga,ria  a  seus  va$- 
íjaiios.    (íom  esia  resolução  partio  hurB 
Beisgioso/a  Goa  , -e  certiHcado,  o  Gp- 
vernarfor  ;da   causa    *de   sua  vindâ^,  ze- 
lo.u  .a,,,;  cQnver^áo    d'aque]íe    Príncipe^, 
.corno    o    m a yor,  negocio   ;do  Oriente  ; 
nâo  menos  prornpro  a  dAt.  á,  Igreja  fi- 
GGover-XhíiS  ^  (jue  ao -Estado  yicforiis.:  ^Desp^f 
uúaor  ^c-  chou    ioga-   cojTi    sete  '  fuscas..  Antorno 
lai^iia     Moniz    Barreto  ,    e  orJeff^.a  -SP^  ,^!^r 
con-ja)'    coni rarKÍa-se  •  -  coití.  navijOA  nossos  ,os  le- 
sa^  ^  e    vasse  comsigp;  qscrevendo,4queíle  Piin* 
'•''",  Z' cipe    honradas     carus    ,.  ^corapanhada^ 
i(.f(7 /?<;.    ,^  muitos  donativos.    Mas:,  em   quanto 
iKò-úr    -/^"t^i^iío   lyiomz   vay  navegando  ,, inala- 
remos r:a  tomada  de  Baroche,  por  guar- 
dar   a   orJeni   dos  tempos    na    leiaçáo 
dos^successos.  .;.    r  .  •■• 

'.j;i  -Tinfia  o  Governador  despedido  áe 
Dlo  a  D.  ]or?,e  de. Menezes  ,  para 
que  na.  enseada  de  .Cambaya  fizesse 
rojas  as  ^hcnilJJades  fossiveis  ,  mos- 
trando ao  .^okáo-,  que  com  os  estra- 
^p%  pissados,  nos?as  aimas  não  emba- 
larão  03    tios.    Tomou    D.    Jorge   ai- 


Livro     IV.       347 

gumas  embarcajoens   de   mantimentos  , 
que  p^ssaváq    à'  bastecer   os  pertos   do 
jnirtng,o  j  porque  acabasse  a  fome  snuel- 
les  ,    <]ue  perdoara  a.  espada.    Heu  hu- 
ina  tarde, vista. ..á   Cidade  de  Baroche  , 
cyjes  edifícios'  l\\s  -representará o  na  ma- 
jestade a  poltcia  de  Europa.  Estava    si- ^''//VjC 
luadâ    etn    huma    eminência  .,    cin§ida/^'ríiA- 
de  .muros,   de ,  ladrilho  ,    qúe    mais  ser-  ^^Ç^**^  ^^ 
yi^o  SiO  adorno  , 'que   a  defensa.    Com -^^''^^^'^» 
tudo    se   deixaváo  ver  diversos    balusr- 
.les,  ,    obrados   náo  sem   alguma  luz  de 
íbrtificâçáó ,  guarnecidos    de  muita   ar- 
Jelharia  .,    qus;    senhoreava    as'  entradas 
*lo.  porco.  Com   a  eievaváo  do  sitio  se 
jdesçqbriáo    porradas   de    cantaria    lavra- 
da-,ondp  a  correspondência    de    torres  , 
>e^  janellas  ,  mostra váo  '  de   seus    habita- 
dores^  o  poder,  e  artificio.  Era   o  trato  ,'"^^ 
xla  terra  ,   de -finíssimas  sedas  ,   dro^a, 
.fjue  d  aqueile  p,orto   se  navegava  a  miii- 
.tos,  do  Orjenre*    Possuía   ^jadre  ^^^^^:  Mafíre 
Co  esta   Cidade  ,    tributada    das  aldèas  Maluc» 
vizinhas    ,    ouc    na    fcrrilijcde   ,    e  m  o  senho- 
fjandeza  lhe  compunháo  hum  mediano  iea, 
€stado. 

Acaso  tomarão  os  nossos  huma  ai- 
joadia  de  pescadores  naruraes  da  cerra; 
que  perguntados  ,  disseráo  àà  Cidade 
p  que  ternos  referido  E  querendo  sa» 
ber  Dom  jor^e  ,    ^ue  presídios    havia 

-•  na 


/i 


348   VíDA  DE  DJoSo  DE  Cá?TRO. 

h.i  Cidide  , 'disseráo  .  rcue  toda  a  mi- 
licia  levara  Madre  Maluco  á  Amada* 
bi ,  Corte  do  Soiráo  ,  e  (]ue  só  íica- 
váo  20  presente  aígims  mecânicos  , 
e  outra  gente  de  trato. '  D.  Jorge  , 
parecendb-ihe  opportuna  a  cccasiáo  dt 
assaltar  a  Cidade  ,  ainda  que  era  o  po* 
^  .,;...,  4cc  desigual  para  faççáó'  táo  grande, 
•  \..,  :Çpmo  os  successos  pendem  dos  ácci» 
dentes,  determinou  rerirar  a  fortuna, 
e  por  assegurar  os  moradores  ,  se  fez 
na  volta  do  mar  ,  como  quem  nave* 
gava  por  difíèrente  rumo  ,  levando 
comsigo  03  pescadores  ,  para  na  entra- 
j  ,,   da    lhe  servirem    de  guias.    Tanto   que 

'  '*^'  anoiteceo  tornou  a  armada  a  deman- 
de a  cn  '  ..  , 
tra  de  ^^^  ^  P^"^  '  ^  saitando  em  ^  terra , 
pouL  ^^^  que  a  confiança  ,  ou  descuido  Jo 
inimigo  se  assegurasse  em  defensa  ,  ou 
sentinellâ  alguma  ,  foráo  ferindo  os  nos- 
sos nnqueíla  gente  desarmada  ,  e  fra- 
ca ,  onde  a  noite  ,  a  confusão  ,  e  o 
sono  ,  os  trazia  á  encontar  o  perigo, 
tie  que  andaváo  fogindo  ;  errando  mi- 
seravelmente 5  se  desviaváo  tanto  do5 
seus  ,  como  dos  inimigos  ,  fogindò 
dos  que  também  fogiáo.  Cs  gemidos 
dos  filhos  náo  moviáo  os  pays  á  pie- 
dade ,  e  menos  i  vingança  ;  porque 
o  temor  súbito  obrava  com  os  peyo- 
r?s  aíÍ2vtQs  da  natureza.  Os  lamentos , 

e 


Livro    IV.        349 

c  srito  dás  mulheres  ,  esses  as  desço- 
buáo  5  seruio  seus  ays  seu  mayor  pe- 
rigo. E  os  <]UQ  escondidos  em  suas 
casas  escaparáo  ao  ferro,  nellas  mes- 
mas os  abrazou  o  incêndio  ,  náo  fi- 
cando aos  miseráveis  para  a  morte  re- 
médio 5  senáo  escolha.  A  hum  mes- 
mo tempo  se  fazia  a  invasão,  e  o  sa- 
co. Fcy  o  estrabo  como  em  guerra  sem 
fesistencia  ;  o  despojo  ,  como  em  Ci- 
xiade  entregue.  Alcançou  em  fim  D. 
Jorge  nesta  empreza  fama  sem  risco  , 
victoria  sem  inimigo.  Porém  náo  du- 
vidamos ,  que  se  achara  oppc&içoens 
mayores  ,  poderá  conseguir  seu  valor 
o  que  obrou  sua  fortuna.  Mandou  dar  Põem- 
a  Cidade  ao  fogo  ,  aonde  em  breves  ^^efe^êC 
homs  os  nobres  ,  e  plebeos  ,  as  plan- 
tas ,  e  edifícios  se  converterão  em  las- 
timosas cinzas  ,  sem  que  a  natureza  as 
distinguisse  ,  lugar  as  sep^raise.  Em- 
barcou-se  alguma  arteihana  miúda  ,  t 
rebentou-se  a  grossa  ,  sendo  esi:\  f?.cçáo 
tão  ceiebre  enire  os  nossos  ,  que  fize- 
ráo  remasse  o  app  jliido  de  Butoche  »  Toma 
quem  tinha  o  de  Menezes  ,  con,o  já  ocHn  a 
as  ruinas  de  Cariago  derão  á  icipiáo  oyj^di- 
o  nome  de   Africano,  c»' 

Acodio    o  Maluco   com  cjnco  mil 
cgvallos  ,  cedo    á   lastima  ,  tarde  ao  re-  Avr/e  a 
luedio  i  .e   vcniio   tpe    o  feno,  e   fo- ■^' '*'';♦*''« 

PO     tareie. 


gyO  Vida  DE  D.JoXo  DE  Castro; 

go  náa  deixarão  cousa  alguma  com  se- 
Tnelhanç:\  do  «que  havia  sido  ,  voltou 
impacienre  á  ElRey  de-  Cambaya  ,  co- 
mo guem  levava  em  chaga  fresca  a 
dor  maia  scRsitiva.  Reprêsentou-}he  o 
€?trAgo  da '•  Cidade,  agg-râvo  que  pare- 
cia mayor  j  -por  ser  despois  de  tantos. 
iSentio  o  Soltão  esre  novJo  accidente  , 
jurando  acometei  outra  vez  Dio ,  cjtae 
era  a  peifâdo  escan^dalo  y  onde  se  c]ue- 
brâváo  ais  jfofiças  de  ta njàniTO-  império. 
Em  tapico.,  pois  ^  que  :os'cdio3  óh 
CamKaya  resptráo  na  imaginada  vingan^ 
ça  ,  discorreremos  no  espiritu^  tie  Can» 
dea  ,  que  cgmo  semente  afogada  ca- 
tre espinhas  ^  náo  chegou  a  lcg'^at 
*  :  fruto.        -  ■:     -  ^  r 

CHei/         '    Eíir^ndia-oMídune  i^^y  áa  Cowá 
>(íe  CoUacomo  'o'  de    Cí^ndea    buscava  -  com    a 
.f/íjiz/.if/í  ^inidtmça  de  R-eiigiáo  ,  a- protecção  do 
•^  ^-      Estado  ;  e  -como  est^-V  Geniíés  sáo  oh- 
^éindca    servaníe?  zeladores    de  seus  erros ,  busr 
;ti-a  con-    i^,^^    meyos   para    lhe    persu;idir   ,'  que 
A-crsao.    çj..^  ^  idolatria    n^ícessaria  à   Coroa;  af? 
fiririando-lhe  .  qije  com  -a  nova. crença^ 
faria    Tros    vassaHos  desobedientes  ,  aos 
Reys   inimi^^os  ,  ingrato   á  seus  an.tigos 
Idílios  ,  que    haviío    prosperado   o  ce.- 
tro  de  Candea    tantos  annos  em  Keaes 
aíícenaenres^;  que  o  Governador  da  In» 
i\i:.  <!t;via  ser  o  mais  insolerueihoitiem 


Livro    IV.     ^rr 

da  terra  ,  pois  não  sofria  ,  qv:e  o  rviun» 
do  tivesse  outro  Rey  ,  nèm  ourro 
Deos  5  mais  que  os  c]ue  elie  servia , 
e  adorava ;  que  náo  negava  ser  a  Re- 
ligião dos  Port:?guezes  ,  ou  melher  , 
©u  mais  íelice  ,  pois  cultiváo  o  Deos 
das  victorias  ;  porém  ,  que  a  elle  lhe 
bastava  servir  aos  deoses  da  pátria, 
cm  c]ue  nascera ,  sem  desejar  rTielhcr 
posteridade  ,  ou  mais  ambiciosa  fortu- 
na ,  <]ue  os  que  lhe  precederão.  E 
quem  sabia  se  o  Governador  queiia 
fazer  da  piedade  motivo  p3ra  lhe  usur. 
par  o  cetro  ?  Que  náo  recebesse  na 
Ilha  horfícns  táo  valetosos  ,  que  em 
nenhuma  parte  sabiáo  ja  esrai  ,  senáa 
conro  senhore?.  Que  se  os  Fran^ues 
lhe  prometiáo  trazer  à  casa  melhor 
Ley ,  e  augmenrar-lhe  o  estado,  quem 
com  inteiro  juizo  havia  de  dar  credi- 
to á  táo  nova  bondade  de  homens, 
que  nunca  vira  ;  e  mais  quando  es- 
tes náo  eráo  táo  de.sprezadores  do  hu- 
mano ,  qi^e  náo  vressem  do  hm  do 
Wundo  a  ciominar  a  Ásia  i  Que  se  qu'^- 
lia  exemplos  ,  mais  Reynos  acharia 
por  elies  dcstriudos  ,  que  doutrina^ 
dos  j  que  era  verdade  ,  .que  os  seus  jo- 
gues (  <:ue  elles  ch^máo  Sacerdotes ) 
eráo  fáceis  em  derramar  o  sangue  po- 
ia  Ley ,  que  en^inaváo  ,  mas  que  ei>[e3 

I         o 


Cândia 
nisto. 


^^2   VíDA  DE  D.  ToSo  DE  CaSTRO. 

O  fariáo ,  oU  como  ambiciosos  do  no- 
me ,  ou  pródigos  dà  vida  ;  se  já  náo 
era  ,  que  no  Oceidenre  havia  mais  lou- 
cos ,  que  nas  outras  Regioens  ,  e  da- 
váo  todos  naqueila  perigosa  reima  de 
doutrinar  ao  Mundo  j  que  ukimamen- 
te  lhe  aconselhava  ,  como  Rey  ,  e  ami- 
^o  ,  que  devia  degollar  o  soccorro  dos 
Frangues  ,  que  esperava ,  para  drir  sa- 
tisfação a  seus  antigos  deoses  ,  justa- 
mente indignados  de  03  querer  desam- 
parar por  divindade  estranha  ,  que  po- 
la  soberba  de  lhe  virem  dar  in?.  •  ao 
entendimento  ,  ou  pola  ambição  de  lhe 
usurpar  o  Reyno  ,  mereci áo  este  casti- 
go na  contingência  de  hnm  ,  ou  outro 
delicto  ;  que  para  este  efFeito  o  ajuda- 
ria com  armas  ,  e  soldados  ,  hzendd 
commum  a  causa  ,  pois  o  era  também 
a   injuria  dos   ídolos  de  todos. 

O  miserável  Principe  ,  náo  poden- 
do ievantar-se  de  todo  com  o  peso  de 
seus  antigos  erros,  se  deixou  persua^ 
Jir  das  razoens  do  bárbaro  ,  e  fraudu- 
lento amigo  ,  porque  os  oího5  ainda 
cegos  com  as  névoas  da  idolatria  , 
náo  podiáo  sofrer  as  luzes  da  verda- 
de ,  que  lhe  amanhecia  ;  e  logo  ou 
incauto  ,  ou  violentado  conspirou  na 
traição  do  ^]adunc  ,  Como  enfermo 
frenético  ,    comra    os   insiiumencos   d» 

sau- 


L  I  V  li  o    IV.       35-5 

saude  indignado  ;  esperaram  em  fim 
os  hospedes  ,  resolutos  em  executii  a 
maldade  ,  que  rinhao  concebido, 

Entretanro  ,  parrido  António   Mo-  Ví^?<^^ 
tiiz  de  Goa  ,  achou  em  difrerenres  por-  ^^  ^"j^' 
tos   alguns   navios   nossos  ,  cjue   confor-  '^'.^     ^ 
me  a  i-.strucçáo   ,    que  levava  ,  aggre-  "*^* 
gou  á  sua  armada.  Dobrado  o  cabo  de 
Comorim  ,    e   pdssidos    os    baixos    de 
Rianar  ,  foy   demandar    Baíicalou  ,  pa- 
ra d'ahi  entrar  em  Qmdea  ,  caminhan- 
do   por   terra.    Levava    doze   Tusras    de 
remo  ,  de  que  tirou  cento  .  e  vinte  sol- 
dados 'escolhidos  ,  e  com    elles  foy  ca- 
minhando   com    a    segarança    de  <]uem 
hia    buscar    hum    Principe    amigo  ,    e 
©brigado  ,    e    sobre    tudo  ,    senão    tiei 
ainda  ,    20  menos    grato    já  ,  e    bené- 
volo ás  verd?d^s  da  Ley  ,  que  lhe  pre- 
gávamos.   Chegado    a   Candea   ,  como^;,.^^  ^ 
ludo    fervia    erra  armas,  náo   pode    ser  ^^,,;},,^^ 
a  rraiçáo  táo  cauta,  que   António  "Mo-  ^che  tu-^ 
niz  a   não  entendesse  por  diversos  t^M-dotvoca^ 
SOS  5  e   peia  simuUçáo   com   que  tenta-  do. 
no  dividir-ihe  os  soldados  para  os  po- 
der rnatar  mais  a  sea  salvo.  De  mais , 
que  o  Rey  lhes  náo   q^^iz  ver  o  resto, 
quiçá    por    náo    descobrir    nos    nffectos 
a    consciência    temerosa    ,    e    culpada. 
António   Moniz    se  sahio    logo  da   Ci- 
dade  ,  mandando   queimar    os    impedi- 

men- 


35'4  VidadeDJôao  t)s  Castro. 

mentos,  e  bagages' ,  que  trdzia  ,   fican- 
do assi    rrfíiis   livre    para  a  defensa,  e' 
para  a  retirada  ,  e  juncando  os  soldados 
lhe-  disse. 
Traía  ,.  Companheiros,  e  amigos:   todos- 

de  vai-  „  sabeis  a  traição  ,  que  nos  íem  orde-- 
tíir-sc,  ,,  nado  este  Rey  iníiei ,  a  quem  vie-' 
5,  mos  socccrrer  ,  e  servir ,  entendo  y- 
5,  que  nos  comererám  corti  torça  des-' 
,,  cuherta  ,  pois  tem  agora  hum  a  ra- 
5,  zio  ,  ou  causa  mais  para  lios  ofítn- 
„  der  ,  que  he  havermos  conhecido- 
5,  seus  enganos.  Nenhum  de  nós  te- 
5,  rá  mais  vida .  que  em  quanto  a  sou- 
,,  ber  defender.  Pode  salvamos  o  va- 
3,  lor  5  e  a  coníormid  de  ;  soccorros 
5,  náo  esperamos  de  íóra  ,  pois  estáo 
3,  em  nós  mesmos  ;  e  estes  bárbaros 
„  náo  se  èmj^nharáó  na  traição  ,  se 
5,  virem  que  he  ciístosa  ;    e  que  mui- 

5» 


to  ,  façamos  nós  agora  por  nós  mes- 
mos ,  o  que  vinha  mos  a  f-zer  por 
elles  ,  q'ae  he  derramar  o  sangue» 
Os  caminhos  ,  que  guião  á  Bateca- 
lou  ,  onde  está  a  nossa  armada  ,  de- 
vem estar  occup.idcs  do  inimigo  j 
polo  que  nos  parece  ,  que  vamos  de- 
mandar o  Rey  de  Ceitavaca  ,  fiei 
amigo  do  Estado  ,  onde  acharemos 
hospedagem  \  e  abrigo  seguro  para 
d'ahi  irmos  a  bincac  nossa  armada, 
:-j-a  Lo- 


Logo  que  António  fvioniz  come-  He  g^ 
çou  a  marchar  ,  se  descobrirão  os  ini-  metido 
irigos  era  tropas ,  acometendo-nos  com  dos  ini- 
sertas  ,  dardos  ,  e  pedras  ,  e  outras  §*>^« 
armas  d'e5re  género  j  cem  cue  nos  íe- 
riáo  alguma  gente  ,  Geterminp.rdo  com 
este  imporiuno  rrodo  de  peleija  aca- 
bamos sem  riíco.  Trazia  o  ir.imigo  , 
feo  p.recer  ,  hum  corpo  de  oito  mil 
homens  regidos  por  seus  Cabos  ,  a  que 
chamáo  Modeliares  ,  destros  n^quelle 
ir.odo  bárbaro  ds  cometer  ,  e  retirar  ^ 
superiores  -aos  nossos  ro  número  j^e 
na  agUidr.ce  ,  e  sem  dúvida 'hnmj  e 
hum  nos  íoráo  derribando  a  todos  ,  se 
os  náo  fizera  afastar  a  nossa  espingar- 
daria ,  de  que  receberão  dano  ,  e  re- 
mei grande  ,  vendo  cahir  alguns  subi- 
tamente monos  ;  de  que  espantados  os 
outros  ,  nos  seguiáo  mais  tímidos  ,  e 
cauros  ;  as..i  nos  foráo  picando  lodo 
aqueile  dia,.h:Umas  vezes  atrevidos,  e 
outras  cobardes  ,  e  com  cite  séquito 
desigual    ,    e  importuno  ,    hiáo    d.^nco  .^í 

aos    nossos  a  carga  lenta   ,    mas  nunca 
jnrerrompida. 

Sobreveyo  a  noite,  ás  que  os  nos-  Trt.La- 
SOS  receberão  mais  segurança,  cue  le- l ;,',..  ua 
pouso  ,    porv]ue   sempre    os    foráo    in-rujai, 
uiet:índo     çom   tiros    vagos  ,    e   perdi- 
03  3    sem  que  os  pobces  soldados  po- 
A»  dcs- 

/ 


35*6  Vida  de  D.JoXo  de  Castr 

dessem    ainda   sobre    as    armas  receber 
algum  breve   descanso  j    mastigando    o 
biscouto  com  os  olhos  no  inimigo ,  e 
as  máos  nas  armas.    Assi  passarão    aic 
o  seguinte  dia  ,  c]ue    se  descobrir:âo   os 
bárbaros  mais  soltos,  e  atrevidos  ^  per- 
dido 5    ou  mitigado  acjuelie  horror  pri- 
meiro ,  que    lhe    faziáo    os   instrumen- 
tos   do  fogo.    Chegaráo    em  fim  a  fe- 
rimos    de    perro    com    armas    curtas  , 
com  o  que  íoy  forç.ído    António    Mo- 
niz deter   a   marcha  ,   e   fazer  algumas 
voltas  ,  em  que  lhe  dego'láuio^  gente  j 
e   cativamos  ,    emre  outros  ,   hum  iea 
Modeliar  ,    que   no  habito  ,    e  nas  ar- 
mas ,  parecia    o   Regente.de   todos;  o, 
que  mostrou  ser  as^i  no  risco,  e  ousa-» 
dia  com  que  intentarão  livralo,  fazendo 
muitas  arremetidas  ,  de  que  sairão  cor^ 
lados  ,    porém    sempre    constantes    na^ 
'qiieila    invasão    pernada  ,    que    lá    os 
noásos  náo  podiáo  àturat  ,  renJitias  as 
forças  do  trabalho. 
Fruãen-  ■      Aiguns  forão  de  pr.recer,  que  fizes- 
cia\)in    sem  rosco  ao  inimigo  ,  e  se  livrassem 
í^Lttí  mo-  peíeijando  ,    ou  aeabassern    vingados   ; 
iiera  os    porém   Antonio  Woniz  lhes  disse,   que 
íf«í.       a  melhor    parte   do  esforço  »  era  o  so- 
frimento-j  e  que   só  esre   os  podia  sal- 
var ,  que  tinháo  a   mayor.  parte  do  ca- 
lílinho    vencido  i   qae   marchando   vi- 
gia- 


Livro    IV.       35'7 

giados  ,  e  unidos  ,  náo  poderiáo  re- 
ceber grande  dano  ;  que  por  grande  , 
que  o  perigo  fosse ,  seria  depois  mayor 
o  gosto  ,  quando  o  recontassem  glorio- 
sos ,  e  seguros.  Assi  lhes  foy  o  Capi- 
tão criando  cspiriros  novos  ,  e  en- 
freando a  desesperação  de  táo  prolixa 
resistência  ,  até  os  visitar  a  noite,  co- 
mo alivio  dos  trabalhos  do  dia  ,  na 
qual  os  b:írbaros  também  quebrados 
deixarão  em  alguma  maneira  respirar  os 
nossos.  Porém  tanto  que  amanheceo , 
tornarão  a  seguir  a  presa  mais  furio- 
sos ,  parece  que  corridos  de  achar  op- 
posição  tão  vaicro?a  cm  poder  ráo  pe- 
queno. Aqui  se  de3t;nvoiveráo  maià  Sol- 
tos contra  os  nossos  ,  que  jd  se  de- 
fendiío  ,  ninda  Que  com  os  mesmos 
ânimos .  com  forças  mais  remissas. 

Mindou  Anrop.io  úloniz  quebrar  as 
pernas  ao  Mudeíiar  ,  que  levava  cati- 
vo ,  c  lançi.l  "<  na  estr^^da  ,  a  quem  os 
íeus  ,  deixando  a  pe^eija  ,  acodiráo  lo- 
go detidos  do  amor  ,  ou  da  piedade 
do  muyoral  ,  ou  companheiro  ,  que 
viáo  em  [ão  miserável  estado  -,  íicrráo 
os  nossos  hum  esp^iço  hr-;o  ,  como 
sem  inimigo  i  porem  subira n^.ente  mo- 
vidos de  hum  espirito  de  lastima  ,  ou 
vingança  ,  acomeieráo  impetuosanien- 
le  í/S  no3S»os  em  hum  passo  eaíreito  , 
Aa  ii  que 


^^S  VíDA  DE  D  JoXo  DE  Castro; 

tpQ    hia  fechar  em  huma  ponte  ,  fun- 
dada   sobre    ham  gr?.nde  rio  ,    c]ae  se 
Esforço  ^^^    vadeava.     Mcòrrou    aqui     António 
com  gue  Moniz     avantajado    esforço   ,    fazendo 
pehija.    com  nove  comranheiros    rosto  aos   ini- 
migos  em  quanto  srus  soldados  passa* 
váo  ;    e  como  os  teve  da  outra  parte  , 
quebiou    hum   lanço   da  ponte  ;    indus- 
tria ,    com    que  rolheo  aos  bárbaros  a 
Retira-   passagem  ,    e    sequito.     Náo    alcançou 
jg,  António   Moniz   fama   popular    por  tão 

heróica  defensa  ,  porem  entre  os  pou- 
cos que  souberam  fazer  justa  esiima-!' 
çáo  das  obra?  exceilentes  ,  mereceo 
esta  ret;r:.Ja  applausos  de  huma  grande 
vicfona,  Cheg.ráo  em  fim  ao  Rey  de 
Ceitavaci  ,  onde  acharão  benigna  ,  e 
fiei  acolhida  ,  reparando-se  da  fome  , 
feridas  ,  e  trabalho  com  liberalidade 
piedosa  ,  e  grata  ,  offerecendo-ihes 
suas  forças  para  a  vingança  de  táo  jus- 
to -ag-^ravo. 
Arrepen-  O  P^'^  R-Y  ^^  Candea  arrepen- 

de-se  El-  <i'cí^  da  maldade  cimetida  por  induc- 
Kei/  de  çáo  do  Regulo  vizinho  ,  aborrecen- 
Caaàca.  do  a  iraicáo  ,  como  cousa  criadi  em 
peito  alheyo  enviou  à  António  Mo- 
Manda-  r>iz  hum  mensageiro  com  dez  mil  par- 
Ihc  hum  ^^Q^  p^ra  os  gastos  da  armada  ,  escre- 
m^-ua-  vendc-lhe  ,  que  o  sentimento  era  seu , 
S^"""-       e    os  erros  alheyos  ;    que  pois   o  fora 

bus- 


Livro    IV.        ^^^ 

buscar  infiel ,  não  o  desemparasse  Chris- 
láo;  que  o  Deos  ,  em  que  começava- 
t  crer  ,  por  isso  era  táo  grande ,  per- 
igue perdoava  ci}-ensas,  :  que  ac^ueliís 
tenras  flores  y  que  começavâo  a  abrir 
1^0  j 2 rd  rn  da  Igreja  ,  náo  as  quizesse 
deixar  desabrigadas  ás  injurias  do  ardor 
da  idolarna  ,  que  pois  vieráo  com  ar- 
mas limpar  acjueile  matto  de  íupers- 
liçoens  gen^liciis,  náo  .-se  espantasse  de 
sahir  lastimado  d-^s  espinhas  ,  e  caldos 
<áa  infide: idade  ;  que  sendo  táo^  benigno 
^  Deors  .,  que  lhe  piégaváo  ,  com  jus- 
tiça sém  raiseíicordia  náo  salvaria  os 
homens  ;  que  a-  quem  náo  dêspiezava 
<>  Ceo  ,  nâo  de55preza  se  a  terra  j  que 
lhe  pedia  o  soccocresse  porque  escava 
prompto  a  cíferecer  polo  amparo  a  fa« 
Xenda  ,  e  poia  Fe  o  sangue. 

Com  esta  carta  esteve  António  Mo-  Quer 
ni-z  resoluto  :  e(n    se  tornar   i.rCznce^  ,  Aaronlo 
representando-se-lhe     mayores    os    inre   NonU 
reises-da   Religião,  que  os  perigos  da,  t^^ruar. 
vida.    Por>m   os   &oldc:dos  ,  como  abra- 
çados com  a  tabca  .  em  cue  Ii^.viáo  es-  ^^  ^^"' 
c  pa-!o  ,    náo   qi:izeráo    sahir    do   ab.i-  "  í^"^*'"' 
g)  do    i^rincipe   amii^o  ,  diZí^nJo  -   (^ue  ^''^'^' 
o  primeiro   engano  fora    do   traidor  te- 
mentido  ,    o   segiindo    seria    do   Capi- 
tão   crédulo  ,    e    incâuto  ;    que  se  náo 
queriáo    tomar    a  fiar   da   vibora  ,    Cjue 

hu- 


^6q  Vida  de  D  ToSo  ®e  Castro; 

huma.  vez  os  morde!?a  ;   porque    se  69 
quizera  macâr  quando  obrigado  de  hum 
gfaro   soccorro  ,  que   faria ,  quando  of-- 
fendido  na  injuria  de  seu  exercito  afron;* 
rado  ?    Que   queriáo '  agradecer  a   Deos 
hum   milagre  ,  antes    que  pedir  outro  ; 
que    o  .Governador    os    náó    mandava 
como  .Apóstolos- ,    senão    como  solda- 
dos ;    que    se  hiáô  a  derramar    o  pró- 
prio   sangue  pola    Fé ,  fossem   sem  ar- 
mas ,  mas  que  á  sua  voeaçáo    era  de- 
fender a  Ley  corn  a  espada  ,  e  não  pré- 
Kecclhe-  g^^^»    Vendo   António    iVlottiz  ,  que   05 
se  á  ar-  soldâdos    estaváo    frios-  no  zelo  ,  e  du- 
mada.      ros    na    obediência   ,    entendendo  ,  que 
se  Deos  quizccíse  salvai*  aqudies  povos', 
abriria    os  caminhos  ,    resolveo    buscar 
sua  armada:  e  em  quanto  elle  navega 4 
tornaremos  ás  cousas  do  Hiíialcáo ,  que 
temos  retardadas. 
Onídal-        Sobfesâltado  o  Hidalcáo  com  n  pre- 
eáo  mau-  sença  do  Meale    em  Goa  ,  tentou  com 
da  sobre  o  remedio    das  armas    purgar  estes  re- 
ds  terras  ceyos  ;    e    porque    as    g'iérras   de   Dio 
firmes,     tinháo  hum   pouco    desangrado   o    Esta- 
do ,     crendo    achi^ria     no    Gcvernadqr 
conRança  ,  ou  descuido   na^^cido  das  vi- 
ctorias  ,  sabendo  que  a   Cidade  de  Goa 
o    tinha    ausente  ,    acometeo    as    terras 
de  Bardez ,  e  Salsere  ,   que  asseguradas 
na    paz    estaváo    sem    defensa.    0-"'>pe- 

dio 


L  I  V  K  o    IV.       361 

aio  quâtro  mil  scldados  ,  que  sem  gol-  . 
pe  de  espada  as  senhorearáo  ,  fazen- 
do,  que  os  agricultores .  lhe  acodisse.Ti 
com  os  frutos  ,  e  foros  annuaes ,  que  '• 
pdgíiváo  ao  Estado.  Chegou  a  Ge?,  o 
aviíO  desta  entrada  ,  que  deu  grande 
cuidado  ,,  por  náo  se  aCxHar  com  for- 
ças para  fazer  ao  inimigo  rosto.  Re- 
solverão esperar  a  vinda  do  Governa- 
dor ,  cuo  nome  bastaria  a  quebrantar 
ao  Hidalcáo  o  orgulho  ,  presidiando 
entretanto  a  fortaleza  de  Kachol  pa- 
ra deixar  ás  incursoens  do  inimigo  es- 
te pequeno   freyo. 

Logo  que  o  Governador  chegou  á  Reth  r.o- 
Goa  ,  dando  os  primeiros  dias  ao  gos-  ^^  <^c  ^í- 
to  dos  successos  passados ,  náo  queren-  ""•<>''  <^^^ 
do  dar  outros  ao   de>canço  ,  como  lio-  "ossos, 
mem  ,    que  tinha  a   paz    por  vicio  ,  a 
guerra    por    costume  .    passou    a   Aga- 
çaim   ,    donde    de^pedio    a    D.   Diogo 
de  Almeyda    Freire  ,    com  novecentos 
homens  ,    para    que    desalojasse   o   ini- 
migo ,  que  estava  com  quatro  mil  sol- 
dados nas  aldeãs  vizinhas.  E   tanio  que 
Os  Mouros  tiveráo  aviso  ,  que    a   r.Obsa 
gente   marchava  ,    sem    esperar    o   ^cm 
das    caixas  ,  nem    a    vi  ta    d?.s    b.ndei- 
ras  ,  se   recolherão  ao  seriáo  ;  o  que  a 
todos    parèceo    respeito   ás   victcrias  de 
Dio  ,  cuja  fama  tinha  cheyo  de  temor , 

e 


362  Vi  DA  bE  D  JoXo  BE  Castro: 

J^flncfa    e    reverencia    o    OHcnte   rodo.    Ficoii 
»iu:ra      outra  vez  a  campanha  á  nossa  obedien- 
^cnte ,  e  cia  ,  logrando  com  os  reCeyos   da  guer, 
(jiiir  elk  x?^  huma    paz  mal  segura,  qu;.l  se  po- 
'*'^'**         dia    esperar    de    Principe    Queixoso  ,  e 
vizinho.    O  Hidalcáo  ,  dando-se  na  fo- 
gida    dos  seus    por  afrontado  ,    acodio 
po  a  cpiniáo   das  armas  ,  como  segun- 
da causa   para  mover    n   guerra  ,    man- 
dando   oito    mil   soldajoi    a   senhorear 
as  terras  d  ri  co -.tenda  ,  em  qnanro  apres- 
tava   poder  mayor  :    in  e-t-  ndo  ,  (  co- 
mo  ede  dizia  )  onde  aventurava  o  Rey- 
no  ,  arriscar  a  pC5soa.  Por^m  em  quan- 
to o  estrondo    doestas  arm^s  ,    se  náo 
ouve    em  Goa,  faliaremos    das  cousas  ' 
de    Malaca   ,    e    Maluco  ,    por    serem 
dispostas  com    a    providencia     do   Go« 
vernadcr  ,    e  acabadas  com    sua  fortu- 
na. 
ElRe^  Estava  Bernardim  de  5oUsa  despa- 

Aejjro  chado  com  o  governo  das  Malucas , 
})reso  em  que  como  tão  distantes  do  cor^çáo  do 
G^a,  Estado  ,  recebJ^£o  mais  tíbia  obediên- 
cia j  assi  na  sojeiçáo  dos  naruraes  ,  co- 
mo na  liberdade  dos  Governadores  , 
que  obraváo  vohint;irios  ,  e  indepen- 
dentes. Tinha  Jordão  de  Freitas  en- 
viado á  Goa  a  EiRey  Aeyro ,  ligado 
com  prizoens  indignas,  da  Coroa  >  e 
criminado    com    proce3S)$    alhey^^s    da 

ver- 


Livro    IV.        3/Í3 

verdade.    Os  quies    D.  Joáo   de   Czs- íTe  írho^ 
tro  mnndou  verificar  por  rela  de  juizo  ,  luto  peU 
e  absoluto    o  pobre    Rey  dos    delictos  Gover- 
jmpostos  ,  depois  de  o  hospedar  com  "rtí^í/^. 
Real    rratamenro  ,    ihe   restaurou   coni 
honras  ,    e  tavcres    as    iniuríâs  ão  ia- 
nocerte    cerro   ,    mandzndo    a   Bernar- 
dim   de   Sousa  ,  lhe  fosse  dar    a  posse 
do  Reyno  com  mayor  reverencia  ,  que 
de  nossos  Governadores  costumaváo.  re- 
ceber   seus  passados  ,  para    que  conhe- 
cessem   aqueiles  povos   a  clemência  ,  e  ^ 
justiça  do  Estado  >  diótribuida  por  igual 
palanca  a  súbditos ,  e  amigos. 

Chegou  BcítnardisT)  de  Sousa  á  liha  Levad» 
^e  Ternate  ,  e  saltando  em  terra  ,  se  â  Ternas  \ 
foy  meter  na  fortaleza  ,  sem  as  cere-  ^c, 
monias  ,  com  que  a  ambição  d'aouel- 
ies  povos  costuma  receber  a  seus  Go- 
vernadores. Jordáo  de  Freitas  ,  que  na 
sabita  vinda  do  successor  ,  e  na  con- 
ciencia  cr-ipada  ,  estava  lendo  o  pro- 
cesso de  suas  demrisias  ,  íicou  sobre- 
maneira  alterado  ,  conhecendo  da  in- 
teireza de  D.  Joáo  de  Castro  ^  que 
ráo  periniitiâ  aos  Capitacns  mores  , 
que  aos  lleys  amidos  fizessem  rem 
sofressem  iniurias  ,  e  que  se  náo  po- 
dia justíncur  Afyro  ,  sem  o  ccnacn;.r 
a  eiie.  Com  tujo  d-eu  a- Bernardim  ò^ 
Sousa  pQSse  da  fonakza  ,.a  quem  lo- 
go- 


364  Vida  de  D  João  de  Castro; 

go  acodiráo   Os  filhos   de  Aeyro ,  mais 
a  saber  cios  castigos  do  pay  ,  que  a  es- 
peralo  ;  táo  tímidos  sáo    os  juízos   dos 
homens   nas   cousas  <jue  desejam.  Ber- 
nardim de  Sousa  lhes  disse  ,  que  o  fos- 
sem   desembarcar   da    náo    táo    honra- 
do ,  que  pareceria  ,  que    mais  fora  re- 
presentar   serviços  ,    que   respoi^der    a 
culpas.  Os  filhos,  ainda  incrt-dulos  no 
gosro    da    insperada   nova-  ,    ferao    con 
rendo    á   praya  ,    seguidos  áç  muitidâo 
de  povo  ,  qae  tívaliava  por  cousa  rara , 
justiça    contra    hum  poderoso  ',    admir 
rnndo-se  da  igualdade    de  nossas  leys  ^ 
indiiferentes    a    naturaes  V   e  estrangei- 
Tresíi-  ros.     Desembarcou    Aeyro  ,    dizendo  ^ 
í Ilido   '    que  nossos  braços  lhe  deráo  a  victorit 
ecs  f^as.  de   nós    mesmos  ;  e  que   d?.s  exceílen- 
cias    do  Governador    .da    índia    fallaria 
sempre    com  o  dedo  na  boca.    Levan- 
rndos  em  as  máos  levava  os  grillioens  , 
com    que   d'aiíi    partira  preso  ,  servin* 
do-se    da   memoria   do  aggravo  para  o 
agradecimento.    Com    esta    justiça    re- 
pousaram   as   cousas    de  Maluco  ,   em 
grua  obediência  muitos  annos. 
Coniarãê  '      ^oz^va  ne^^te  tempo  Malaca  de  hu- 
^^,.;^/   nia  profunda  paz  ,  assentada    sobre,  as 
Kcus       a^'zades  ,  e    commercio   dos  Principes 
co.iira     vizinhos  ;   e  porém   ElRey  de  Vianta- 
Malaca.  "^  achando-se    com   forças    para  inten- 


Livro     IV.       565' 

t3r  qualquer  empresa  grande  ;  o  po- 
der,  e  o  ócio  lhe  troLxer^o  á  men-o- 
liâ  muitos  aggravos  esqueciàos  ,  que 
áos  Reys  de  Patane  havia  oquella  c^- 
sà  recebidos  ;  e  como  era  bem  cor- 
respondido" dos  Principes  de  Queda  , 
Pam  ,  e  outros  confinantes  ,  teve  meyos 
para  os  coíligar  ,  fazendo-os  parciaes 
na  vingança  de  alhèas  injurias.  Poze- 
ráo  sobre  o  mar  huma  grossa  armada, 
capitulando  ,  Que  o  de  Viantana  se 
contentaria  com  a  vingança  do  inimi- 
go ,  e  eíles  ficariáo  cem  os  despojos 
dá  guerra  ,  a  respeito  de  avenrnrarem 
6  sangue  na  satisfação  dos  aggravos  de 
outro. 

Era  nesta  occn.siáo  Simão   de  Mel-  ç^^e  fax, 
lo    Capitão    de    Malaca   ,     e     sabendo  o  Coyl- 
dâs    discórdias    doestes    Príncipes   ,    es-  tão  dei- 
creveo  a  Diogo  Soares   de  Mello  ,  que  la. 
estava  no  pono  de  Patane,  que  se  vies- 
se áquella  fortr-leza   ,  porque  ccmo  ro- 
dos  aquelles  Reys  eráo  smisos  do  Es- 
tado ,    queria   antes    ser   arbitro    ,    que 
parcial    em   suas  difíérenças  ;    de  mais 
que    era    razão  politica  ,    deixar   que  a 
guerra    os  quebrantasse  ,  pit.r   que  de- 
sangrados    vivessem    na   pz  ,  e  cbjJi- 
encia    de  nossas  armss    in.iis  sus^eacs  , 
'considerando  ,    que    o    lemfo   lhes  po- 
dia dar  occasiam  ,  e  as  torças  ousadia  , 

p0£- 


366  Vida  de  D.Joao  de^Castro. 

porque  para  o  ojio  ,  bastava  sermos 
nós  dominantes  ;  e  pira  a  guerra  o 
poder  náo  busca  outras  causas.  .   , 

Diogo   Soares  ,    náo  engeitandofflt 
aviso  ,  dcspedio  alguns  navios    de  car- 
ga para  a  China  ,  e  elle  com  duas  ga- 
leotas  se  partio  na  via  de  Malaca,  An- 
dava  nesce  terr?po    o  Achem  ás  presa» 
com   vinte  velas  grossas  ,  fazendo  com 
forças   de  Senhor   o  cilício    de  Cosga-^ 
rio.    Tomou    alguns     juncos    de    basti-* 
mentos  ,    e   fez    no   r^ar  outros  insul-j 
Siihe  tfm  tos  em  navios  de  amigos/ .Com  a  torn 
t€rr<^  o    tuna    cresceo  o   arrevimento  ,    chegap-^^ 
jíchem,e  do   a  desembarcar    de   noiíe    no  ppito^ 
recolhe-   de   Malaca  ,    para    poder  dizer  ,.  qw^ 
je  Ity^if.    chegara  a  pizar  terra  de  nos^a  obediên- 
cia i  e  logo  com  esta   groria  ,    ganha* 
da  tar.to  a  furto  ,  se  tornou  a  embarcar. 
Tocou-se  na  Cidade  à  rebate ,  onde 
o  temor  ,  e  a  noite  fez   mayor  o  pe- 
rigo ,    fogindo     n-»uitos    de   suas    mes- 
mas  sombras.    Chegarão  á  fortaleza  as 
vozes  dos  que  só  temiáo  ,  porque  viáo 
temer  ,  assombrados  do  medo  sem  pe- 
rigo.    Mandou    o   Capitão    mór    a    D. 
Franci:co    d  Eça  com  alguns  soldados  , 
que  entrados    na    povoação    dos    Che- 
iins  ,    vir^o  na  confuíáo  ,  e  temor   de 
todos  a  miagem    da   guerra  ,  menos  o 
inimigo ,  4ue  estava  já  embarcado  ,  sem 

le- 


L  I  V  Ti  o     IV.        1,(^7 

levar  mais  que  a  fant.isrica  vaidgde  de 
haver  saltado  em  terra.  Sencio  Simáo 
de  Mello  a  covardia  ào  Achem  ,  co- 
mo se  fosse  injuria  ;  táo  respeitadas  es- 
taváo  as  paredes  d'aquella  fortaleza  , 
ique  parecia  insolência  cornerelas,  e  avis- 
talas  delicto,  Mandou  logo  por  hum 
Bantim  ligeiro  ,  espiar  os  passos  do 
Achem  ,  cm  quanto  lançava  ao  mar 
dous  caraveloens  ,  e  seis  fusírs  ,  para 
os  mandar  em  busca  do  inimigo.  Apor- 
tou nesta  occasiáo  Diogo  Soares  de 
Mello  com  as  duas  gaivotas  ,  que  temos 
referido  ,  como  trazidas  por  nossa  for- 
tun.T     á  ajudar    a  yicforia.    Nom.eou    a  ,        í' 

D.  Francisco  d 'Eça    ror    C^bo    d'e.ra  ^"^""^^ 
1  11  I  1        íí  erma» 

esquadra  ,  o  cual   ainda    mal   armado  ,  , 

com  a  pressa  de  quem  acodia  a  pen- 
dência súbita,  se  hz  na  volta  domir, 
tom  instrucçáo  ,  que  se  em  àei  dias 
nsc  achasse  o  inimigo  ,  se  recolhes:.e 
ao  porro ;  porque  náo  hia  bastecido 
para   m.^is  i^rgo   reirpo.  Tem  n»- 

Navegarão  oÍ!-o  dias  sem  encon-  v.-n  dci- 
trar  a  arm.:da  ,  e  chegados  á  huma  U  o  Ca- 
Ilha  ,  riveráo  nov^^s  ,  aue  o  inimigo  yi'õo  ,  e 
estava  ancorado  em  Queda  ,  vi-agem  (jner  se- 
de  dous  dias.  Percrmínou  D.  Fran-  ^"'^'^» 
çisco  passar  a  vante  ;  porém  os  soldados  ^^  ^^^^_ 
se  rmoiin.-ráo  ,  dizendo  qu9  era  ^^^  dados  se 
Capitão  bi5onho  seguir  a  í]uem  íogia^  ^,„^í^. 

que    „So. 


368  Vida  DE  D. JoSons Castro, 

que    os   bastimentDs    esta^áo    já   acaba- 
dos j  que  eiles  náo  hiáo  a  pefeijar  com 
a   fome  ;  e  que  se  o  regimento  do  Ca- 
pitão mór    se  estreitava    a   dez    dias  , 
melhor    era    a  obediência  ,  que    a  vic- 
toria»  Porém   Diogo  Soares   de  Mello  , 
ainda   que    inferior    no   posto   ,    mayor 
na  authoridade  ,  disse   que  rodo  o  Ca- 
pitão que  se  voltasse  ,  havia    de  peiei- 
X)l^aa     ]^^  c^^   ^^^^  primeiro  ,  porque  mayor 
Soiv-es     serviço    faria    á    ElRey    em    meter   no 
ús  aplii'   fundo     soldados     desobedientes    ,     que 
ca.  inimigos  atrevidos.    Aplacado  nesta  fòr- 

mi  hum  temor  com  outro  ,  navega- 
rão á  Queda  ,  onde  souberáo  ,  que  ó 
inimigo  estava  em  hum  porto  oito  le- 
goas  distante  ;  resolveo  D.  Francisco 
seguiio  ,  viito  estjr  táo  vizinho.  Aqui 
foy  a  murmuração  dos  soldados  mayor  , 
mas'  náo  o  atrevimento  ,  porque  vi- 
rão que  a  injuria  era  mais  do  temor 
que  do  perigo  ;  assi  foráo  seguindo  a 
Capinnia  com  mayores  demonsrra- 
■  •  -  çoens  de  gosto  ,  do  que  nunca  nve- 
"^  '"'-ráo,  ou  fosse  por  dourar  os  receyos 
passados  ,  ou  que  os  cora  çoens  pre- 
sagos  dri  victoria  ,  criarão  mais  hcara- 
dos  affectos. 
^pistão,  Avistarão   naquella  mesma  tarde  a 

ecome-  Cidade  de  Pirlés  ,  em  cujo  porto  esta- 
tcnio  y^  Q  mimigo  surto  em  huma  enseada, 
i/iimi^0.  que 


Livro    IV.        369 

oue  fazia  o  rio  em  pequena  distaricia- 
da  Cidade.  Mandou  o  Capitão  mór 
sondar  o  rio  ,  e  abalisar  com  ramas  o 
canal  para  fogir  dos  bancos  j  e  saben- 
do pela  sonda  ,  Que  tinháo  as  carave- 
las fundo  ,  cometeo  a  entrada  a  tem- 
po ,  Que  o  inimico  vinha  com  doas 
g.ílcs  ,  e  oiuros  navios  "buscar  a  nossa 
armada  ,  porque  pel.^s  espias  enten- 
deo  ,   que  eráo   navios    mercantis  ,  tni  , 

razão  de  haverem  vista  da  terra  aos 
caraveloens  sómenre  ,  por  estarem  as 
fustas  ,  e  galeoras  cubertas  com  s  som- 
bra de  huma  ponta  torcida  cm  voltas 
^ue  alli  faz  o  lio.  Trazia  o  mimi^p  ^endc 
duas  g;'lcs  diante  ,  que  daváo  escolta  i^'''^*» 
á  outra  muit^i  fustalha  ;  ai  quaes  como  ^f'"'*:^ « 
acharão  soldados,  aos  que  ima^inaváo  ^ "'''*'*" 
mercadores  ,  quizer:'o  voltar  ,  mas  co- 
me o  rio  era  muito  estreito  ,  e  ellas 
viaaáo  arrazadas  em  popa  ,  o  não  po- 
derão fazer ,  sem  que  primeiro  lhe  che- 
gassem os  nossos.  Atraccdos  em  bre- 
ve espaço  tingirão  as  armas  ,  e  ain- 
da o  rio  em  sangue,  Diogo  Soares  en- 
trou a  galé  Capitânia  com  cincoenta 
soldados  ,  e  achou  nos  Mouros  ráo 
porriada  resistência  ,  que  tcJos  foráo 
mortos,  pcrém  nenhum  rendido,  com 
o  mesmo  orgulho  peiei;aráo  os  outros, 
Conheceo-se. .  a    viccorià    pelos   vasos  , 

mas 


ma» 


370  Vi  DA  DE  DJoSo  DE  CasTRO. 

mas  não  pelos  cativos.  Parece  ,  <^oe 
com  obstinação  honrada  ,  nenhum  qaiz 
sobreviver  á  sua  ruina.  A  reái-,tenc!3 
do  inimigo  he  argumento  do  valor  dos 
nossos ,  pois  náo  só  peleijaráo  com  va- 
lentes ,  mas  com  d::sesperados. 
Emhai'  Entretanto  ElKey    de   V^ianrana  ,  e 

cc/7í^/j  í/oi  os  mais  confederados  receberão  tan- 
(onjiira-  tas  satisFâçoens  do  de  Patane  ,  (]ue  as- 
dos,  sentarão  com  mayores  vincules  a   p^z  : 

estes  sabendo  ,  <^ue  a  nossa  armada  era 
sahida  ,  ajuizando  que  a  forialeza  fi- 
caria sem  gur.rmçáo  bastante  ,  vieráa 
tentar  ,  se  esta  occasiáo  lhes  abria  ca- 
minho para  tirar  de  Malaca  tao  pes..- 
do  vizinho  j  e  como  o  ódio  03  fazia 
atrevidos  ,  e  o  temor  cov^^des  ,  qni- 
zeráo  com  o  semblante  da  paz  disfar- 
çamos a  guerra.  Enviar5o  hum  Ca- 
pitão pratico  a  Simáo  de  Melio  ,  signi- 
ficar-] he  o  sentimento  ,  que  tinháo  ái 
haver  o  Achem  desbaratado  a  nossa  ar- 
mada 5  e  que  sabiáo  ,  que  com  o  gos- 
to da  victoria  ,  juntava  poder  mayor 
para  vir  sobre  a  forcaíeza  ,  que  comj 
iirsha  láo  poucos  defensores  ,  era  ior^ 
coso  5  que  o  valor  cedesse  á  mukidáo  , 
pois  o  numero  ,  e  a  occasiáo  dava  as 
victorias  ;  que  eilcs  como  amigos  do 
Estado  lhe  pediáo  l.-cença  p  ra  deiem- 
barcar  nâouelie  porto  j  e^  remirem  com 

seu 


Livro    IV.       371 

com  seu  sangue  a  fcrnleza  de  táo  cer- 
ta ruina  ,  e  faria  o  Mundo  juizo  ,  que 
cráo  melhores  amigos  no  trabalho  , 
<j'je  na  prosperidade.  Alem  d-esra  men- 
sagcm  cauteloza  ,  vinha  o  enviado  ins- 
naido  ,  one  notasse  os  soldados  que 
rinha  a  ^rtaleza  ,  e  do  semblante  do 
Crpitáo  conjecíufússe  o  vaicr  ,  ou  re- 
ceyo  5  com  que  cuvio  o  destroço  da  ar- 
mada ;  por  ser  o  coração  nos  aíFectos 
mais  fiei,  que   a  lingua. 

Porém  Simão  de  Mello  entendeu  Reposta 
òo  ,  que  a  cfíerra  era  traição  ,  e  o  dâ  Ca- 
mensageiro  espii  ,  determinou  ferilos  pit^i>  (fe 
pelos  seus  mesmos  fios  ,  sers  indo-se  de  ^'^"^^^^a* 
enganos  contra  enganos.  Respondeo 
agradecido  a  táo  opportunos  soccor- 
ros  5  conio  lhe  oifercciáo  ,  e  que  em 
retorno  de  táo  grata  amizade,  lhe  pe* 
dia  alviçnras  da  vicroria  ,  que  os  seus 
navios  alcançarão  do  Achem  ,  de  que 
n?.qae!le  instante  h..via  tido  aviso  ;  e 
que  na  fortaleza  tinha  s,tníQ ,  e  muni- 
çoens  sobejas  pnra  os  servir  contra  seus 
inimigos  ;  que  o  Achem  sa.hira  d'a- 
quelle  porto  fugindo  ;  que  os  Portu- 
guezes  tiveráo  no  alcance  dimculda- 
de  ,  na  vicioria-  nenhumia.  Fstas  pa- 
lavras receberão  credito  da  segurança, 
com  que  se  disseráo  ,  ficando  o  Mou- 
ro crédulo  5  e  descontente  no  esforço 
Bb  do 


^72  VíDA  DE  D.JoSo  DE  Castro. 

do  Capitão  ,    na  victoria    da  armada ; 
levando    aos    seus   por  reposta    ,  que  o 
C-pitáo   mór  ,    ou  entendera   o   ardil  , 
ou  desprezará  o  medo. 
Fal-ãâ  Simáo   de  Mello  com  estas  cousas 

vovns  dn  entrou    em    grande  cuidado  ,  porque   a 
armada,  tardança    da  armada  fazia    a  nova  con- 
tingente ,  accusando-se   de  leve  ,    e  te- 
merário ,  por  haver  empenhado  as  for- 
cas d  aquella  praça    contra    hum.  inim.i- 
go  ,   de  cuja    paz  nso  tirávamos  fruto  , 
nem  gloria  da   ruína  ;    pcrque  humilde 
prova     de    valor    seria   desiroçalo    cem 
forças    iguaes  ,    Se    o   tinhamos    venci- 
do com    muito   inferiores.    Assi   discor- 
ria   o  Capitío   ,    com.o    se   náo  poderá 
Ç^uclxti-  haver     desgraça    sem    culpa.     Hiáo    na 
SC  o  víil-  armada   emibarcados  os  casados  de  Ma- 
go.  laca  ,    cujas    mulheres   ,    e    tílhos   cora 

lagrimas   anticipadas    ao  successo  ,  cho- 
raváo  a  victoria  ,  que  ignoraváo  ,  quei- 
xando-se  do  Capiúo  ,  que  quizera  com- 
prar fama  com  o  sangue  aiheyo  ,  sendo 
mais   convenienre  ao  Estado  huma  paz 
honríída  ,  que   huma    victoria   inútil.     E 
já  o  tumulto    popular    locara  em  Uber- 
dade  5    se    o  Mestre   Francisco  Xavier 
C  P.Xa-  ( qi^e    entào    a    índia   respeitava    Peni* 
-vier  o      tente  ,   e  agora  o   Mundo   \'enera   San- 
iocc^a.    to)    náo  enfreara    o    povo   ,    lembran- 
do-lhe    a   paciência    nas    adversidades , 

náo 


Livro     IV,        373 

5;enáo  como  re- 
médio y    descobrindo-lhe    cauto    ,    mas 
também    compassivo  ,    huns   longes    de 
rnnis   aie^rts    novas  ,    <^re    mais    pare- 
ciáo    alivies    de  próximo  ,  que  annun- 
cios  de   Propheta.    Quando    no  mesmo  Pronos' 
dia   ,    em   que    se   deu   a  batíilha  ,  es-  tlcn  a 
tando    á  vista  de  numeroso  povo  ,  en-  victoria» 
sinando  ot  c.^mJnhos  da   vida,  se  arre- 
batou subitamente  em  hum  extasis  pro- 
fundo 5  como  bebendo  em   suave  silen- 
cio  os  segredos  divinos  y  até   que   des- 
pertando dn  mysreriosa   p?usa  dos    sen- 
tidos ,    rompeo    em  agradr^veis   vozes  9 
dizendo  ,    qfie   prostrados  ante   os   alta- 
res, déssemos  '-giaças  ao  Author  das  vi- 
ctorias  ,    porque    naquella    hora  desba- 
ratara   Deos    com  nossos  braços    a  ar- 
mada   do    inimigo.     O   povo    reverente 
no  presagio  do   Interprete  divino  ,  com 
gratas    ,    e    piedosas    kgrimas    louvava 
a   Deos   no  Santo  ,  comet  sndo  dos  es- 
tremes  do   pesar   .    mais   se2ura   a   ale- 
gria.    Aquella     mesma     taide     estando  £ ^^í^^. 
doutrinando    a  plebe    em    huma  Ermi-  cia  » 
da  vizinha  ,  referio    os  ca-.os    da   bata-  modo 
lha    com    táo   participares    accidentes  ,  delia, 
como  quem  sabia  o  succei;fO  ,  de  quem 
deu   a  victoria  ;  e  d'esta   felicidade   cre- 
mos ,  foy  o  glorioso  Santo  intercessor, 
e  oráculo  ,    o  qual  com   multas   outras 
Bb  ii  il- 


aatí» 


374  Vida  de  D.  JoÂo  db  Castko. 

illustraçoens  divinas  antevio  os  segre- 
dos escondidos  com  espiriro  preáa^o 
do  futuro.  Ficou  Malaca  gozando  de 
huma  honrada  paz  ,  assessorada  com  a 
vicioria  ,  que  temos  reterido  ;  porém 
o  Governador  em  Goa  ,  ainda  com  as 
armas  cjuentes  no  sangue  de  huma  ba- 
talha V  o  chamaváo  a  outra. 
Cuida-  /  Entre  o  Hidalcáo  ,  e  o  Estado  dei- 
tlcs  do  5fou  Martim  Aíionso  de  Sousa  vivas  as 
lildal-  cansas  dos  odios ,  aue  temos  referido  , 
de  que  D.  Jo.ío  de  Castro  lhe  náo 
podia  dar  satisfação  ,  sem  afronta  ; 
nem  negar-' ha  sem  gaeira.  Com  a 
retirada  dos  Mouros  estaváo  á  nossa 
obediência  as  terras  de  Bardez  ,  e  Sal- 
sete  ,  nascendo  os  frutos  da  agricultu- 
ra ,  quasi  debaixo  das  armas,  com  que 
os  defendíamos  O  Kidalcáo  ,  como 
via  com  seus  oíhos  as  terras  ,  e  tam- 
bém os  aggravos  continuados  na  reten- 
ção que  avaliava  injusta  ,  cada  dia  nos 
acordava  com  as  armas  seu  direito  , 
sobre. aicado  juntamente  com.  a  pre» 
sença  do  Meale  em  Goa  ,  que  era  ve- 
neno ,  qutr  acometia  o  coração  do  Rey- 
no  i  e  entendendo  ,  que  com  as  entra- 
das dos  seus  ,  súbitas  ,  e  furtivas ,  mais 
irritava  ,  que  enfraquecia  o  Estado  , 
e  que  com  a  ne^açi^o  dos  mantimen- 
los  empobrecia  os  vassallos  3  e  engros- 
sa- 


Livro     IV.       375» 

sava   os  vizinhos  ,    de  cujos   portos   os 
recebíamos  ,    entrou    em    con^ideraçáo 
de   nos  fazer    a   guerra  com  poder  des- 
cuberto  ,    em   que   aventurasse  o  Rey- 
no   ,  e  a   pessoa  ,    deixando    na  fortu- 
na   de  huma  batalha    a    justiça    de  hu- 
mas,  e  outras    armas;  e  como  a  paz, 
e  a  ryrannia  o  tin;iáo  feito  r;co  ,  eráo- 
Ihe  fáceis    as  despesas    da  guerra ,   que 
havia  de  mover  ,  quasi   dentro    em  sua 
mesma  casa.    Despachou   logo  cito  mii  ^'-^"((a 
soldados  a  senlwrear   as  terras   da   con   i'-'"^^  <* 
tenda  ,    em   quanto   se  dispunháo  for-  ^^''''^ 
ças  mayores  para  sustentar,  o  que  aquel- -^'■^"^* 
las   ganhassem. 

O  Governador  ,  com    o   primeiro 
aviso  d'esta    entrada  ,  ordenou  ,  que   D. 
Diogo  de  Almeyda    Freire  com   nove- D.  D/*- 
centos    Portugufzes    ,    e   alguns    Cana- -í?  rie 
rins  de  soldo  ,  c  hunia    companhia  de  Almeudn 
cavallos     fosse    encontrar     o    inimigo  ,  ^A^  sahe, 
ficando    eíie    em  Pangim   para    o    soc- 
correr  com  o  resro  da  gente  ,  se  o  Hi- 
dalcáo   viesse  pessoalmente ;  fama ,  que 
os^   Mouros    derramaváo  ,    e    nos    que- 
riáo    persuadir  ,    ou    se  persuadiáo.    D. 
Diogo    de    Almeyda    partio    com    esta 
gente  ,  e   fez  alto  na   fortileza  de  Ra- 
chol  ,  á   cuia  vista    teve  algumas   esca- 
ramuças^ leves    com    o    inimigo   ,    ouc 
náo    quiz    empenhar    o    poder    ,    nem 

acei- 


^76  Vida.  de  DJoXo  de  Castro. 

aceitar  a  batalha ,  que  lhe  oífcrecia- 
mos  5  quiçá  conhecendo ,  que  náo  po- 
díamos sostentar  guerra  lenta  pola  fal- 
ta de  provisoens  ,  e  íncommodidades 
do  terreno  alagadiço ,  e  retalhado  em 
«sreiros  ,  onde  náo  podíamos  ter  alo- 
jamento enxuto  ,  nem  servimos  de 
cavallaria  em  todos  os  lugares  da  cam- 
panha ;  huns  ,  que  pela  humidade  nos 
tolhiáo  a  passagem  ,  outros  pola  aspe- 
reza i  inconvenientes  mais  fáceis  de 
vencer  aos  Mouros  ,  que  como  natu- 
raes  da  terra  sabiáo  melhor  os  passos  , 
e  estaváo  feitos  ao  trabalho  de  calcar 
os  pântanos  com  agilidade  ,  e  soltu- 
ra ;  de  mais  ,  que  eráo  bastecidos  com 
mayor  abundância  ,  como  senhores  do 
paiz.  Vendo  pois  D,  Diogo  ,  que  o 
inimigo  tinha  a  escolha  de  peleijar  , 
ou  retirar-se  ,  e  que  os  mantimentos 
OGúvcr-  lhe  faltaváo  ,  con.tdtou  o  Governa- 
nador  o  dor  ,  que  lhe  ordenou  ,  ^ue  recolhes- 
j]iz  re-  se  a  gente  na  foíialeza  de  Rachol  , 
colher,  em  quanto  resolvia  o  que  se  devia 
obrar. 

Voltou  o  Governidor  de  Pan^Im  á 
E  põem  Qq^^  Qruje  poz  em  conselho  o  Èsrado 
'^'^  das  cousas  ,  e  desejos  que  tinha  de 
í^iicvra  Qppjjj^jf  Q  Hidaicáo  com  suerra  mais 
<:m  con-       '  '     ,  . . ..  ,      ,     -'.         j      ^-^ 

s  Ih         pesada  para    evitar  ^s  moíescjas  de  tao 

repetidas    entradas  *,    ticando   de   hum^ 

vez 


L  I  V  K  o     IV.        377 

vez  com  as  máos  livres  para  acodir  a 
negócios  dífferentes  ,  o  c]«e  náo  po- 
deria ser  5  deixando  arm  do  ,  e  sem 
castigo  tâo  importuno  vizinho.  Porém 
a  lodos  pareceo  ,  que  a  guerra  se  diífe- 
risstí  para  tempo  opportuno ,  qual  seria 
o  do  Veráo  seguinte  ,  em  que  os  nos- 
sos podiáo  campear  já  no  terreno  en- 
xuto ,  e  com  força?  mayores  ,  engros- 
sadas com  os  soldados  reynoes  ,  que 
nàs  náos  de  vi:i§em  se  esperaváo  ; 
que  o  fím  das  empresas  náo  era  a  bre- 
viciade  ,  era  a  victoria. 

O  Governador  ,  ainda   que  bellicoso,  Dilata' 
e    mal    sofrido/,    houve   de   sojeir.r    z  se  y.ira 
vontade    ao     enrendimento  ,    esperando  outro 
mcnçáo    ,    em     que    podasse    pedir    i\o  lemp. 
Hidalcão   mais   rigorosa   conta   de  seu» 
atrevimentos.    O    que    assenr^ido    orde- 
nou a  D.  Diogo    de  Almeyda  Freire, 
que    re^ira^se     a    gen:e  ,     deixando    a 
forraleza    de    Rachol     com    suííiciente 
presidio    ,    iH^ndo    ás    ccnerias    do    ini- 
migo   este  pequeno    freyo.    E  como    o 
Govcriador    era    no    exercicio   das   ar-     ■^*^''^'' 

,  .  ,       ta    a 

mas  incansável  ,  em  quanto  nao  tinha 
real    a  gut- rra  ,  parece  que    se  deleitava^ 


com   a    imazem    delia,    Hia   loJos    os 


na  pant 


'b 


dias  ao  campo  ,  onde  mandava  aos 
soldados  tirar  a  barra  ,  jo^^ar  as  armas  , 
formar  esquadrcens  ,    incitando  a  huns 

COUi 


^7?  Vida  deD.JoXo  de  Castro. 

com  prémios  ,  a  outros  com  louvores  , 
fazendo  com  a  emuiaçáo  ,  e  exercí- 
cio ,  crecer  estas  virtudes  ,  trocando 
huma  Cidade  pacifica ,  e  politica  ,  em 
escola  de  armas  ,  cjue  estes  eráo  05 
sardos  ,  e  comedias  ,  onde  com  útil  , 
e  beilicosa  diversão  se  recreava  o  po- 
vo ,  tendo  com  a  frequência  destes 
ensayos  os  soldados  tào  bem  di^cipli- 
rados  ,  c^ue  nas  occasioens  da  guerra 
verdadeira  ,  nenhum  caso  ,  ou  acciden- 
Tavore-  te  03  tomava  de  novo.  Passanao  pela 
ce  os  sol- rã?L  de  Nossa  iJenhora  da  Luz  ,  vio 
tiado^.  em  huma  casa  térrea  cjuanridade  de 
armas  em  hum  cabide  ,  tratadas  cem 
tal  lustro  ,  e  asseyo  ,  que  se  pagou 
da  limpeza  ,  e  concerto  ,  com  que 
estaváo  dispostas  ;  e  tendo  a  rédea  ao 
cavallo  ,  perguntou  ,  quem  na  casa 
vivia.  Acodio  a  \-.q  responder  o  mes- 
mo dono  ,  que  era  hum  Francisco  Gon- 
çiilvtz  5  soldado  de  fortuna.  O  Gover- 
nador depois  de  o  loMvar  de  curioso, 
e  bem  occupado ,  lhe  mandou  dar  trin- 
ta pardaos  ,  com  que  lustrasse  o  ferro; 
sendo  que  no?  d!a^  de  seu  governo  ti- 
veráo  pouco  reTjpo  as  armas  p^ira  criar 
ferrugem. 
y^n^  Era  );í  enrrado  o  mez  de  Agosto  , 

avisos  de  t  o  Governador  ,    como  antevendo    as 
Dio,        occasioens  fuíuras  ,  náo  perdia  momen- 
to 


Livro    IV.       379 

to  em  ir.unicionar  ,  e  bastccer  a  ar- 
mada ,  cjuando  aportou  na  barra  de 
Goi  Francisco  de  Moraes  Cíípir?o  de 
hum  carur  ,  com  carras  de  D.  Jo^o 
IVIascarcnhas ,  em  que  o  avisava  ,  que 
o  Soltáo  de  Cambaya  juntava  iodas  ?s 
forças  de  seu5  Reynos  com  voz  de  por 
segundo  sitio  áquella  forraleza  ;  que 
convinha  mostrar-lhe  esie  ^^eráo  as  ííf- 
mas  5  porque  attcnro  á  segurança  de 
sua  mesma  casa  ,  deixaria  de  inquie- 
tar a  aJhêa  ;  mormente  ,  que  impsdin- 
do-lhe  nossas  armadas  a  liberd?de  da 
navegação  ,  e  os  úteis  do  commercio  , 
abriria  os  olhos  para  ver ,  que  .^ó  da 
paz  do  Estado  pendia  sua  pro'perida- 
de. 

O  Governador  mandou  juntar  o  go-  Comtna* 
verno  da  Cidade ,  a  quem  deu  ccpia  dz  nUn-os 
carta  de   D.  Joáo  Mascarenhas  ,  pedin   "o  Sena- 
do-ihe    o  ajudassem   ,    para    acabar  de  ^^'  ^  F*^^ 
domar  ,    ou   reduzir    este   inimigo  ;    e  ^^.  ^'■'^ 
ainda    que   esta  exacçáo  os  tomsva  so-  "^"^-"^ 
brc  táo  fresco  em.penho  foy  £  proposta 
do   Governador  tão  g^ata  a  rodos  ,  que 
lhe  offerecer^o    as  vidas  ,    e  a<i   fazen- 
das ,  como  se   fora  o  serviço  do  Lsta* 
do  5  alimento  ,    e  herança   dos  íiJhos  , 
que    criaváo.    Esta    felicidade    de    ^^^' Cf  cre- 
dos náo  alcançou  a  índia  ,  em  toHos  os  cênllhe 
inovemos.  D.  Jcáo    de  Castro  lhes  )p^'qnnnto 

dlO    tem. 


380  Vida  de  DJoXo  de  Castro, 

dio  dez  mil   pardaos  ,  com  que  o  Po- 
Sasmu'  vo  o   sérvio  promptamenre.    E  as  mu- 
Jh^res      Ihcres    de   alguns    Cidadãos    ricos    lhe 
suasjo'    mandarão    (Quantidade    de  joyas  ,    com 
!/ai'         huma    carta   chèa    de  honradas   queixas 
pelas  não  haver  aceiradc  ,  nem  despen- 
dido   na     priraeira    ofíerra  ;  mosrrando- 
se  as   de  Chaul  ,  ainda   que   no  exem- 
plo segundas  ,  na  offerta  mayores.  Po- 
rém   o  Governador   escasso  no  uso  ,  e 
dispêndio  de  tão  fieis    donativos  ,  lhos 
tornou    a    remeter    agradecido  ,    pagan- 
do~lhes   nas  honras   do>  mandos  ,  e  fi- 
lhos ,    táo    liberal   ,    e   opportuno   ser- 
jívisa      v*ÇO-   Avisou  aos  moradores  de  Baçaim  , 
Chaul iC^  Chaul    das    noticias    do   Capitão   de 
Bj^-aim.  Dio  ,    e    despesas   da   armada  ,    e  ne- 
cessidâde  em  que  estava  para  que  o  aju- 
dassem ;  os  quaes  lhe  responderão   táo 
fáceis  ao  serviço   Real  ,    que  parecia  , 
reeebiâo    as    novas    occasioens    de  pe- 
rigo ,  e  despesas  ,  como  premio  do  que 
tinháo  servido. 
^  Andava    o  Governador  dando   ex- 

'  ^^^f    pediente  aos  aprestos  da  armada ,  quan- 
Kcuiw  chegou   nova    ,    que    na    b?.rra 

^'^  *  de  Goa  haviáo  lançado  ferro  daas  nâos 
do  Reyno  ,  que  se  apartarão  da  con- 
serva de  outras.  Tmháo  aquelle  anno 
partido  do  Reyno  seis  ,  sem  Capitão 
mór  i   das    que  checarão  eráo   Capita- 

ens 


Livro     IV.       3S1 

ens  Balthâsar  Lobo -de  Sousa,  c  Fran- 
cisco de   Gouvea  ;  das  cjuatro  <]ue    hi- 
lavâo    D.  Francisco    de    Lima    em    S.- 
Philippe  5  e  vinha    provido  na   Capita- 
TÁ\     de    Goa  i    Francisco    da    Cunha 
no    Zambuco   j    e    estas    duas   partirão 
tarde   ,    c    vicrro    tomar     a    barra    em 
vinte    e    três    de    Setembjo,    De    outra 
nao  ,  que    era  a  Burgaleza  ,  vinha  por 
Capicáo    Bernardo     Nazer    ,     invernou 
em  Socotorá  ,    e  aportou  em  Goa  nos 
últimos  de  Mayo.   Era  Capitão  da  ou- 
tra D.  Pedro    da   Sylva    da  Gama  ,  íi- 
Iho    do  Conde  Almirante  ,  despachado 
para    Malaca  ,    e  por    ruim   navegação 
do    seu   Piloto  ,    se   perdeo^  nas    Ilhas 
de  Angoxa  ;    salvou-se    porém    a    gen- 
te 5  cjue  passou    á  Moçambique  ,  e  d'a- 
hi  repartida    por  outras   embarcaçoens  , 
chegou     á    índia.     Nestas     nãos    veyo  Ordens 
ordem     ao    Governador    ,     que     man-  v«-"  ''"'»' 
dasse     alargar    o    sitio    á    fortaleza    de  '-^'^^' 
Moçambique   ,    por    avisos    que    se  ti- 
nháo  3    de   haverem   Rumes    de   vir    a 
ella  ,    e    convinha    as.egurar  o>   mora- 
dores ,    e  o   porto  ,    como  escala  prin- 
cipal de  nossas  nãos  ,  tolhendo  ao  ini- 
migo   o   impedimento  ,  que    nos  podia 
fazer  no  commercio  de  Çofala  ,  e  Cua- 
ma. 

Achava-se    o  Governador  coni  rres 

mil 


5S2  Vida  de  D  JoXo  de  Castro. 
Resolve  mil    sold?dos   Portogiiezes   ,    e    alguns 
/»  guerra  soccorros  dc  Nairci    de  Cochim  ,  que 
<fí>  h;-     forào    as  rr.ayores    forças ,    que   juntou 
daUrio.     na   índia  ,  e  considerando  ,  que  o  Hi- 
dalcáo    com  sua   ausência  poderia   per- 
turbar  o   Estado  ,    actenro  a  náo   ficar 
cm    Goa    quem    lhe   fizesse    opposiçáo 
bastante ,  resoiveo    buscalo    no  inter,or 
do  Sertão  ,    necessitando-o    á  aceitar  a. 
baralha  ,  porque  tinha  para   esta  guerra 
láo    precisa    ,    taxado    o    poder  ,   e    o 
tempo.      Communicou     esta    resolução 
com  os  Regentes  da  Cidade  ,  e  aos  Ca- 
bes   da   milícia  j    e  a  todos  pareceo  a 
occasiáo  opportuna.  E  como  o  Governa- 
dor   era  nas  execuçoens    sobre   manei- 
ra presto  ,  e   tinha    a  gente  prompta , 
r-partio   em  cinco   esquadras    os   solda- 
dos   ,    segundo   a  disciplina   da  índia, 
de  que  fez  Cabos    a  seu    filho  D.  Ál- 
varo ,    D.  Bernardo  ,    e    D.   António 
Grdena    ^^  Nororv^a  ,  filhos    do    Viso-Rev   D. 
5.ffl  ^e/í- ^2rcia    de  Noronha,   Manoel    de'Sou- 
g^,  '^      sa  de  Sepúlveda,  e   Vasco  da  Cunha. 
Hía    também    D.    Diogo    de   Almeyda 
Freire    com  duzentos    cavallos  ,    e   os 
cas.ídoí  de   Goa  ,  a  quem    se  aggrega- 
ráo   os   pioens    da   terra  ,    em    número 
de  mil  ,    e   quinhentos.     Presidiava     a 
fortaleza  de   Rachol  Francisco  de  Mel- 
lo   com    trezentos    soldados    Portugue- 
ses , 


L  I  V  B  o    IV.       383 

ze^  5  e  alguma  infameria  dos  naiuraes  ; 
ao  qual  avisou  o  Governador  ,  que 
se  aprestasse  para  se  ajuntar  com  elle 
na  Villa  de  Margáo. 

Ne-ite  tempo  chesrsráo  a  Goa  Em- "^'^'"'^^'^ 
bai:vZGores    do   Rey    do    Canará   ,  que  ^^^.^^^J^" 
percendiáo   a  confederação    do  Estsdo  ,  ^/''p''^^ 
para     com     aimas     auxiliares    molestar  '\ 
ao  Hidálcí-O    seu  confinante.    Foy   este 
Reyno   entre    es  Orientaes    pola   gran- 
deza   ào  imperjo    o  m^is   iilustre  ;  po- 
I03    princípios    da    origem    o  mais  des- 
vanecido   5     fabulando     mil    iradiçoens 
apócrifas  ,  com  que    á    veneração   Real 
sérvio    a    li.onja,    Ouvio   o  Governador  {7^ví-íj, 
a  embaixada    com  ceremonias  decentes  c  dapc- 
á    ambição    do    Rey  ,    e  grandeza    do  dc-os. 
Estado  ;    e     logo    capitularão    amizades 
com    condiçoens    honestas    á  huma  ,  e 
outra    Coro3.    Tanto   <^ue    o    Hidalcáo 
entendeo  a   resolução    do  Governador  , 
mandou  retirar    a  guarnição    das    terras  Kctha  # 
firmes  ,  como    declinando    o   golpe    da  t^jdul- 
primeira     invazáo  ,    querendo  cansar    o  ^'^'■*  *» 
Estado   ,  com   aquella   fórniU    de  guerra  i'*-''-'^* 
repen(ina   ,    e  turtiva  ,    aoi  nossos   in- 
tolerável ,  d  elle  facil. 

Soube  o  Governador ,  cre  es  xMou- 
ros  eráo  recolhidos  á  Pondá  ,  cnjc 
csiaváo  abrigados  com  a  afrel!:aria  dcj 
6eu    force  j    alguns   Capiiacns  torão  de 


^84  VidadeDJoSo  de  Castro. 

o  Go'  parecer  ,  que  o  Governador  náo  seguis- 
verna-  se  O  inimigo  ,  que  fogia  ;  opinião  en- 
(lor  os  velhecida  dos  mayores  soldados  ;  po- 
ttí^ae,  xèm  D.  João  de  Castro  ,  náo  querendo 
vestir  de  balde  as  armas  ,  mandou  pas- 
sar avante  ,  dizendo  ,  que  queria  cas- 
tigar ao  Hidalcáo  em  sua  mesma  ca- 
sa. Foy  esta  resolução  grata  aos  sol- 
dados ,  crendo  ,  que  ievaváo  na  fortu- 
na áçy  General  gráo  parle  da  victoria. 
Marchou  o  campo  :^quelíe  dia  ,  duas 
legoas  ,  e  já  sobre  a  tarde  houve  vis- 
ta do  inimigo,  que  da  outra  parte  de 
huma  ribeira  o  esperava  ,  para  lhe  im- 
pedir o  passo  com  hum  corpo  de  dous 
mil  soldados. 

D.  Álvaro  de   Castro  ,  que  levava 

'^  y'V  a  vanguarda   ,    se  lançou    ao   rio  ,  va- 

r^  ^'' ^*' deando  ,    e  peleiiando    juntamente  :    o 

^^^_        inimigo    lhe    deu    a   carga    de   arcabu» 

euarda    "^^^^^   »    ^^^   4^^    ^^^   derribou   alguma 
gente  ,  por?m   sem   impedir  ,  ou  retar- 
dar aos  outros  ,   que   passaváo.    Os    de- 
mais Capiraens  cortarão   o  rio  por  uif* 
ferente:;    parres  ,    e    quando   chegarão  , 
acharão  a   D.   Álvaro  baralhado  com   os 
Mouros  ,  e  ji   tão  apertados  ,  que  hiâo 
Os  Mcit-  deixando    o    csmpo  ,    porque    não  era 
rvs  fo-    seu    intento     pelei jarem     no  raso  ;    tán- 
gem.        to   que   vencemos    o   rio   ,    cessarão   da 
opposição  ,  que    nos  fazião  ,  retirando- 

se 


L  1  V  n  o    IV,       ^Sy 

se  ordena-r^os   á   sua   fortaleza   de  Pon- 
òà,    O  Governador    mandou    seguilos  ,  ^^"<^<* 
o    que    se    fez    aquelle    dia    por    sima  ^  ^p'^^' 
de   alguns    estrepes  ,    que   encravarão   <\  "^  "^z 
muitos  ;    e  cnegmdo     a    ronda    vio   a    " 
rodos    os  Capitaens   do   èlidalcão   orde- 
nados em  forma  de  dar  ,  cu  acei^-ir  ba- 
talha.   O    Governador    com    o    mesmo 
passo    da   marcha  ,  (]ue  levava  ,    man- 
dou acon^.etelos  y  os    Mouros    na    reso- 
lução parece   que  conhecerão   a   pessoa 
de  D.  Joáo  de  Castro  ,  e  como  se  de- 
láo    lugir    á   fama  ^  de   seu   ncme  ,  Jhe 
deixarão  o   campo  ,  onde   só  com    res- 
peito   alcançou    a    victoria.     Retirou-se 
ao  sertão    o  inimigo  ,  onde  pola  aspe- 
reza   da  terra    não    podia    ser    seguido.       ,.  -  . 
Entrou    D.  Álvaro    na  fortaleza   ,    cjue  ^'^-^''^^^ 
achou    desamparada  :    foráo   muitos    de  'J!  '^*L 
parecer  ,  que    se  desmantelasse  ;  o  Go-  *^^' 
vernador     porem    ,     com    mais     altivo 
acordo  ,    mandou    que    aos   miseráveis 
fugitivo:»      se     deixasse     aquelle      abri- 
go j    era   desprezo  ,    e   pareceo  pieda- 
de. 

Ficarão  ontra  vez  as  terras  á  nossa 
obfdieucia  ,  sem  paz  segura  ,  nem 
guerra  ccntmuada.  O  Hidalcáo  tinha 
forças  para  nos  Colher  os  frutos ,  mas 
não  para  logralos  ;  e  pelei i.?va  já 
mais    pola    reputação  ,    que    poios    in- 

le- 


3o6  Vida  de  DJoSo  de  Castro. 

Volta  á  teresses  d.i  campanha.  Voltou  o  Go- 
Coci.  vernador  á  Goa  ,  onde  tinha  a  armada 
prompta  para  pj.ssar  ao  Norre  ,  não 
tendo  outro  lugaí  para  descanso  ,  (]ue 
o  mar ,  ou  a  batalha  j  e  como  o  tem- 
po  chamava  as  velas  ,  e  os  succcs^cs 
iraziáo  aos  soldados  contentes  ,  náo 
ioy  necessário  para  se  embarcarem  , 
bando  ,  ou  diligencia. 
Torna  á  Achou-se  O  Governador  no  mar  com 
p/j.  cento  ,  e  sessenta  fustas  ,  de  que  erâo 
os  Capitaens  ,  D.  Álvaro  de  Castro  , 
D.  Roque  Telio  ,  D.  Pedro  da  Syl- 
va  da  Gama  ,  D.  Joáo  de  Abran- 
ches ,  D,  ]orge  d  Eça  ,  D.  Bernardo^ 
da  Sylva  ,  Vasco  da  Cunha  ,  Francis- 
co de  Lima  ,  Francisco  da  Sylva  de 
Menezes  ,  D.  Jorge  de  Menezes  o 
Baroche  ,  ^]anoel  de  Sousa  de  Se- 
púlveda ,  Cide  de  Sousa  ,  Duarte  Pe- 
reira ,  Diogo  de  Sousa  ,  Garcia  Ro- 
driguez  de  Távora  ,  D,  Joáo  de  At- 
tayde  ,  D.  Joáo  Lobo  ,  Gaspar  de  Mi- 
randa ,  D.  Braz  de  Almeyda  ,  Jorge 
da  Sylva  ,  D.  Pedro  de  Almeyda  ,  Pê- 
ro de  Aitayde  Inferno  ,  António  Mo- 
niz Barreto  ,  Cosme  Eanes  Secretr^rio , 
Melchior  Corrêa  ,  Sebastião  Lcpez 
Lobatto  ,  António  de  Sá  ,  Álvaro  Ser- 
rão ,  D.  António  de  Noronha  ,  Diogo 
Alvarez  Tellez  ,   António    Henriques , 

Alei- 


w 


L  I  V  K  o    IV.       3H7 

Aleixo  de  Abreu  ,  Anronio  Dias  j 
Balchasar  Dias  ,  Baithasar  Lopes  da 
Costa  5  D.imiso  de  Sousa  ,  Manoel 
de  Sá  ,  Femáo  de  Lima  ,  Alonso  de 
Bonifácio  ,  António  Rebello  ,  Amónio 
Rodnguez  Pereira  ,  Melchior  Cardo- 
so ,  Cosme  Fernandez  ,  Nuno  Fernan- 
dez  ,  Francisco  Marquez  ,  Duarte  Dias  , 
Diogo  Gonçalvez  ,  Francisco  Alvarez  , 
Francísc^o  Varella  de  Alm^yda  ,  Fran- 
cisco de  Btito  5  Gonçalo  Gornez  ,  Gre- 
gório de  Vasconcelios  ,  Gomez  Vidal 
Capifáo  da-  guarda  do  Governador  j 
António  Pessoa  Veador  da  fazenda  áz 
armada ,  Gonçalo  Falcão  ,  Gonçalo  de 
Vaiiadares ,  Galaor  de  Barros  5  Gaspar 
Pirez  ,  Joáo  Fernandez  de  Vasconcel-, 
los  ,  Fernam  d'Alvarez  ,  ]oáo  Soarez , 
Ignacio  Coutinho  ,  Joáo  Cardoso  , 
Joáo  Nunez  Homem  ,  Joáo  Lopez  , 
Lopo  de  Faria  ,  Manoel  Pinto  ,  Lopo 
Soarez  ,  Manoel  Pmheiro  ,  Lopo  Fer- 
Jiandez  ,  Manoel  Affbnso  ,  Marcos  Fer- 
nandez ,  Nuno  Gonçalvez  de  LeLo  , 
Pêro  de  Cacifes  ,  Pêro  de  Moura , 
Ruy  Pirez  ,  Fero  Aífonso  ,  Fero  Pre- 
to 5  Luiz  Lobatto ,  Simáo  de  Areda  j 
Francisco  da  Cunha  ,  Simáo  í^rnar- 
dez  ,  Thomé  Branco  ,  Patráo  mór  da 
Ribeira  ,  Coge  Percoli  lingua  ;  e  os 
r<5iYÍo$  f    cps  vieráo   de    Cochim  ,    de 


388  Vida  DE  DJcÃo  DE  Castro. 

que  os  Cabos  eráo  nossos,  Foráo  nesta 
conserva  alguns  navios  de  Particula- 
res ,  ^ue  por  benevolência  do  Gover- 
nador servirão  graciosamente  o  Es- 
tado. 
Chc^ff  á  Cem  toda  esta  frota  foy  o  Gover- 

Bafíiim.  dor  surdir  em  Baçaim  ,  donde   mandou 
algumas    espias    á   Cambaya  ,  para   re- 
conhecer   as    forças    ,    e  desenhos    do 
inimigo  ,  do  cujo  poder    se  fa-  ava  em 
icdos    aquelles    porros    com  temor  ,    e 
espanto  ;  e  os  Guzarates  crédulos  ,  ou 
soberbos    dizião  ,    cjue   o   Soháo   poria 
.    desta    vez    o    Estado    debaixo    de  seu 
açoute.    Aqui  teve   o   Governador  avi- 
so 5  cjue  Caracem    genro  de  Coge  Ço- 
far  estava  na   fortaleza   de  Surr..te  com 
pequeno     presidio  ,     na    confiança    do 
exercito    vizinhe.    D.    João    de    Castro 
desejando     cometer    alguma     das     pra- 
ças ,  que  cobria  a  sombra  do  inimigo, 
J^íanda     "^^"^^^    ^    ^^^    ^^^^^    ^*  Álvaro    com 
V.  Al-    sessenta  velas  ,  para  que  sobindo  o  rio 
vàr»  é     ^^  Surraie  ,  despachasse  alguma  pessoa 
Surrate,  ^^    confiança  ,    que    notasse    o    estado 
da    fortaleza  ,    ou  tomando    lingua    da 
lerra  ,    soubesse  com   que   muniçoens  , 
e  presidio   Caracem  se   achava  ;  e  pa- 
recendo ,  <]ue    se  podia  tomar   a  forta- 
leza por  escala  ,    lhe  desse  logo  o  as* 
jalto    porque   pelas    mesmas    pisadas  > 

í^UC 


Livro    IV.       ^2^ 

<^ue   deixasse  ,  iria    a  soccorrelo, 

Cliegou  D.  Àivaisi    com    a  ?.rma-  Despede 
dl  ao  primeiro  poço  ,  que  fiCa   na  en-  D.  Al- 
trada    do    rio   ,    e    logo     despachou    a  -^^"-o  a 
D.    ]orí;e    de    Menezes    Baroche    com  D.Jfft* 
seis    fustas  ,  para  reconhecer    a   totcale-  ^'^'* 
za,  Sobio   D.  Jorge    peio    rio  ,  reman- 
do   á  voga  surda  ,  aié    cjue   sendo  vis- 
to   da  íoiUleza   ,    lhe    tiraráo    aigumas 
bombardadai.     Os    da>     tu.c^s    voitarào 
Ic^o    os  remos  ,  ou  rimidos  ,  ou   cau- 
tos  j    per    mais    Qvt   ihes    bradou    D. 
Jorge  que   esperassem.    Aqui  íoy  o  pe- 
rigo   mayor   ,    donde    se    náo    temia   , 
porque    ce    numa    povoação    de    Abe- 
xins j  que  estava  sobre  o  rio  ,    tiraráo 
muitas    peças  ;    o    que    visto    por    D. 
Jorge  ,  saltou    em  terra  ,  e  entrando   a 
povoação  ,  ganhou  a  arteiharia  dos  re- 
dutos   com  valor  ,    e  animo    tão  quie- 
to 5  que  a  baldecu  nas  fiístas  i  sem  que. 
lhe  fizesse  estorvo    a  gente  que  acedia 
de  terra.    Est>i  segurança    iez  paiecer  o 
pcder    mayor  .    quiçá    medindo    o   ini- 
migo   nossas    forças    por    nosso  a:revi- 
inento. 

Logo    que    D*   Álvaro   despedio    a  £;  ^^.^^^^ 
D.    Jorge    com    as    fustas    ,      mandou  Cafua- 
tras  elle  outr:<s  duns  ,  de  que  eráo    Ca-  c-íí. 
piraeus  Francisco   da   ^^'iva    de   Mene- 
zes   j   e   juáo   Fernandes    de  \'ascon- 

CJC  ii  QÚ* 


390  Vida  de  DJoXo  de  Castro. 

cellos  ;  os  quaes  desejando  tomar  lín- 
gua em  terra  ,  surgirão  em  hum  poço 
antes  da  povoação  dos  Abexins,  don- 
de mandarão  os  marinheiros  ,  que  fi- 
zessem acuada  ;  que  saltando  em  ter- 
ra ,  caminharão  quasi  hum  tiro  de  es- 
pera. Caracem  ,  tanto  que  ouvio  as 
boiubârdadas  ,  que  se  tirarão  da  po- 
voação dos  Abexins  ,  como  havemos 
referido  ,  despeJio  quinhentos  Tur- 
cos ,  para  que  os  soccorrcssem  ;  os  quaes 
acharão  as  estancias  perdidas  ,  e  a  ar- 
telharia  embarcada  ;  e  passando  mais 
avante  forão  vistos  dos  marinheiros  , 
que  fazião  aguada  ^  que  bradarão  a 
Francisco  da  Sylva  ,  dizendo  ,  que  no 
csmpo  havia  inimigos  ,  e  Francisco 
da  Sylva  encaminhou  Jo^^o  a  soccor- 
^elos  ,  acompanhado  de  João  Fer- 
nandez  de  Vasconcellos  ,  e  fazendo 
hum  esquadrão  cerrado  ,  envestirâo 
com  os  Turcos  ,  e  os  romperão  ,  fican- 
do alguns  caídos  com  a  carga  da  es- 
pingardaria 5  que  03  nosáos  lhes  derão, 
Que  lhes  D.  Jorge  ,  que  se  hia  recolhendo  , 
4ucceâ€,  quando  vio  as  fustas  surtas  ,  e  que  os 
nosso3  peieijavão  em  terra  ,  poz  neila 
a  proa  ,  e  acodio  a  tempo  ,  que  po- 
de carregar  ao  inimigo  ,  o  qual  se 
recoiheo  fogindo  ,  deixando  alguns 
companheiros  mortos  no  campo.  Cus- 
tou- 


Livro    IV.       391 

lou-nos   a  vicroria    hum  soldado, 

Embarc:.ráo-se    os  nocsos  ,  e  foráo  Qj^^f<i^ 

na  companhia    de    D.  Jorj;e    a  deman-  °  ^^^ei" 

dar  a  armada.    O  cu?J  referindo   á   D.  "^^'^' 
A  I  ■*  I  -  em  Ba- 

Álvaro   o  successo  ,    e  observação  que 

zera  ,  pareceo  aos  Cabos  ,  cjue  nao  ' 
linha  lugar  a  kcçro  ,  visto  estar  a 
armada  descuberca  ,  e  a  terra  appelli- 
dada.  Só  D.  Jorge  sustentou  tenaz- 
mente ,  que  se  devia  cometer  a  foíca- 
leza  ,  sendo  a  grandeza  de  seu  animo 
a  mayor  razáo  ,  com  aue  o  pcrsu  dia  ; 
porém  eráo  as  contradiçoens  táo  viv:.s  , 
que  náo  podia  acontecer  sem  culpa  o 
mais  feliz   successo. 

Em  quanto  D.  Álvaro  esteve  noVohãoá 
rio  de  Surrate  ,  o  Governador  surto  ,  D.  Al- 
deu  expediente  a  diversos  negócios  ,  ^o''^- 
e  como  sobre  valeroso  ,  era  também 
bizarro  ,  derramou  fama  ^  que  havia 
de  prender  o  Soliáo  dentro  em  Ama- 
dabá  ,  onde  á  vista  dos  Turcos  ,  que 
o  asseguraváo  ,  o  havia  de  assar  vivo. 
E  como  esta  voz  recebia  credito  de 
ráo  grandes  victorias  ,  huns  aos  ou- 
tros a  referiáo  os  Mouros  temerosos , 
ou  crédulos.  O  Governador  por  fazer 
apparente  o  medo  ,  ou  a  galanteria  , 
mandou  lavrar  huns  espetos  grandes  , 
como  quem  para  descançar  dos  negó- 
cios  mais  graves ,  se  deleitava  em  di- 

ver- 


39^  Vida  DE  DJoA o  D'E  Castro. 

verçoens  briosas.  Costumaváo  os  sol- 
díidos  dauuelle  tempo  trazer  nos  cin- 
tos huTTiâs  machádinhas  muy  polidas  ; 
que  servião  de  cortar  as  driças  ,  e 
enxarceas  dos  navios  de  presa  ,  e  tam- 
bém de  arromoar  caixoens  ,  e  fardos  j 
esre  era  o  uso  ,  o  outro  era  cuberto. 
De?gosi-"ív.^-se  ©  Governador  de  armas, 
que  rinháo  láo  humilde  serviço  ,  e 
vendo  acaso  passar  Fnuitino  Serrão  de 
Calvos  ,  soldado  limpo  ,  com  huma 
machadinlia,  lhe  disse,  que  os  homens 
de  conta,  só  a  espada  cingiáo  airosa- 
mente :  Senhor  (  lhe  respondeo  o  sol- 
dado) sem  esra  machadinha  náo  ser- 
vem os  espetos  de  V.  Senhoria  ,  por- 
que náo  poderemos  assar  inteiro  a  El- 
Rey  de  Cambaya. 
Jjuntc-  ^^Y  ^  Governador   ajuntar-se  com 

fe  com  ^*  Álvaro  na  bana  de  Surra  te  ,  on- 
sca  fi'  <íe  soube  que  a  fortaleza  estava  soc- 
Ikp.  corrida.  Passou  dahi  com  toda  a  ar- 
mada junta  á  avistar  Baroche  ;  de  cu- 
jo porto  despedio  a  Francisco  de  Se- 
queira ,  Capitão  dos  Naires  de  Co- 
chim  ,  para  sondrir  o  rio,  e  ver  o  cua 
se  podia  obrar  ,  informando-se  do  es- 
tado da  fortaleza  com  vista  de  olhos. 
Este  Capitão  subio  pelo  rio  até  haver 
vista  do  exercito  do  Soháo  derramado 
por  huma  diliitada  campina,  Era  fama ; 


Livro    IV,       jjj 

que  trazia  duzentos  mil  soldados  ;  o 
certo  he,  que  era  a  multidão  táo  gran- 
de ,  que  cobria  os  campos  vizinhos  , 
e  distantes  :  Referio  ao  Governador  o 
que  vira  .  o  qual  alrivo  às  se  ver  táo 
temido  ,  quiz  avistar  as  forças  do  ini- 
migo por  credito  de  sua  mesma  fama. 
Mandou  que  levanrasse  ferro  a  arma-  '^'^'^j^  * 
da  ,  e  foy  scbindo  até  dar  fundo  na  S°^^'^°* 
frente  do  exercito  ,  cujo  numeroso  po- 
der secava  os  rios.  E  desembarcando 
em  terra  ,  formou  campo  ,  e  apre- 
sentou batalha  ao  Soltáo  ;  acçáo  táo 
valerosa,  que  entre  as  memoráveis  do 
Mundo  náo  deve  esta  ser  segunda.  O  ^F*'^^^'*' 
Soltáo    nenn    aceitou  ,    nem   recusou   o  [^'  ,, 

.1-  .  1  .  ua talham 

conilicto  ;  esperou  ser  comendo  ,  assi 
como  buscado  :  vio  ao  Governador  , 
náo  lhe  quiz  ver  a  espada.  Porém  D. 
]o20  de  Castro  ,  como  buscando  no- 
va gloria  em  facçcens  náo  vulgares  , 
chamou  a  si  os  Cabos ,  e  Fidalgos  de 
nome  ,  aos  quaes  fallou  nesta  substan- 
cia. 

„  Temos  á  vista  o  mayor  Rey  da  ^^^^^ 
„  Ásia  ,  e  o  mayor  exercito  :  anda  ^*' ''^*^* 
„  buscando  occasioens  a  fortuna  de 
„  nos  fazer  famosos  ,  para  que  sobre 
„  esta  vJCtoria  ,  na  obediência  do  Ori- 
„  ente  ,  descansemos  as  armas.  Confes- 
55  so-vos  a  desigualdade  tio  grande  en- 

„  lie 


594  Vida  DE  DJoXo  DE  Castro. 

tre  hum  poder  ,  e  outrò ;  porém  nos- 
sas esquadras  náo  se  contáo  pelo  nu-^ 
mero  ,  senáo  pela  virtude.  Aquelles 
sáo  os  mesmos  ,  <jue  ha  poucos 
3,  dias  destroçamos  em  Dio  ,  náo  hc 
3,  necessário  a  estes  f^zer  Hovas  feri- 
35  das  ,  rasguemos  mais  as  que  inda 
3,  trazem  abertar.  Seu  rr4e3mo  número 
5,  os  faz  mais  temero5>os  ,  vendo  em- 
3,  baraçados  os  caminhos  para  poder 
3,  snlvar-se  ;  se  honcem  nos  deixarão  o 
35  Campo  5  rendo-no3  ';itiados  ,  como  nos 
3,  háo  de  resistir  agora  victoriosos  *  Mal 
35  sustenraráo  a  honra  de  seu  Rey  ,  os 
3,  que  perderáo  a  sua.  Mayor  poder  he 
53  o  nosso  ,  que  o  do  inimigo  ;  pelei- 
35  jáo  de  nossa  parte  a  farca  ,  e  a  vi- 
3j  ctoria.  Não  creyo  ,  que  haverá  quem 
55  engeiíe  a  grande  pane  que  lhe  ca-? 
3,  be  na  gloria  doeste  dia. 
^       ,  Os  Fidaleos ,  e  soldados  dissuadi- 

Reposta      ^  ^^       "^       i  i         . 

dosFi-  ^^^  ^^  Governador  de  tao  perigoso 
dolc^oi ,  acometimento  ;  porque  em  forças  tão 
eCííkos,  desproporcionadas  ,  ainda  era  digna 
de  reprehensáo  a  victoria  ;  que  os  ho- 
mens grandes  íiaváo  mais  da  razáo  que 
da  fortuna  i  que  olhasse  pola  conser- 
vação ,  pois  já  lhe  sobejava  a  fama; 
que  assaz  era  haver  desembarcado  ,  e 
oíierecer  ao  Soltáo  batalha  pisando 
sua    mesma    ter-ra.    O    Goveinadoi..  sç 


umvfo 
iras  ha* 


Livro    IV.       395: 

<íei>:ou   vencer  ci'eatas  razoens  ,  temen- 
do mais  a  culpa  ,    «jue    o   perigo.    D, 
Jcrge    lhe    pedio    (^uinhenras    espingar- 
das j  para  com  ellas  fazer  alguma   sorte 
no  inimigo  j  porem  D.   Joáo    de   Cas  ^^^^  '^^ 
tro  ,  com.o    lhe   desviarão    o  golpe   da  '* 
batalha  ,    parece  ,  que    náo    quiz   lasti-  ' 
mar    o    Soitáo   com  chaga    táo    peque-  ^''^  *  ^ 
na.  Esperou   rres   horas  na  Campanha  j  ^'"  "'' 
sem  que  o  inimigo   se   movesse ,  e  lo-  *"* 
go     mandou     embarcar     os    soldados  , 
que    o  fizeráo    lâo    desassombrados  ,  e 
seguros ,  como    em  porro    do  Estado  j 
facção    a    mais    gloiii  sa    que    tivemos 
sem  sangue. 

De  Baroche  foy  o  Governador  atra-  Dnmnos 
vessando  a  Dio  ,  e  despedio  alguns  '/^'«^  /^r. 
navios  por  dentro  da  ense^d.i  de  Cam- 
baya  a  destruir  os  lugares  da  costa  ,  a 
que  havia  perdoado  a  espada  dos  nos- 
sos. Esres  talarão  as  hottas  ,  e  palma- 
fes  plantados  para  a  recreaçáo  ,  e  ali- 
mento de  seus  habitadores  ,  abrazaráo 
gram  copia  de  navios  ,  derribaram  so- 
berbos edificios  5  de  que  ainda  hoje  se 
conserva  a  lastima  ,  e  a  memoria  nas 
prostradas  ruinas. 

Aportou    o   Governador    em  Dio  ,  Che^a  a 
qnde'  o   Capitão  mór    o   veyo  receber  Dia. 
i  praya ,  e  os  naturaes    da    liha  lhe  ft- 
xçráo  festas  >  como    soberbos    na  sojei- 


396  Vida  de  DJoÂo  de  Castro. 

jy.Joãs  çáo  de  táo  valeroso  inimigo.  D.  Joáo 
Masca-  Mascarenhas  lhe  lembrou  a  licença 
renhas  ^  <^ue  já  tinha  para  passar  ao  Reyno  , 
Jaz  dei'  a  qual  o  Governador  lhe  náo  quizerã 
oTaçao  conceder  •  nem  podia  negar  ;  alguns 
/^í**-  Fidalgos  lhe  haviáo  engeit^do  a  praça  , 
í^'  temendo  ,  pareee  ,  náo    ter   as  occasio- 

,  ens   ,    <]ne   seus    anteces^^ores.    Quando 

chegou  áquelle  porto   Luiz  Falcão  ,  que 
vinha    de   governar  Ormwz  ,   e   primei- 
ro que  elle  haviam  chegado  ao  Gover- 
nador   algumas    notas    de   seu   procedi- 
menro   ,    toleráveis    por    náo    tocarem 
no    valor  ,    e   justiça    de  seu   governo; 
O  Governado!  o  chamou  ,  e  lhe  disse 
Os  cargos  de  que  o  sindicarão  ,  os  quaes 
desejava    esquecer  ,    como    amigo  ,   e 
náo    podia    como    superior.,   que    com 
novos    serviços    podia   por  silencio  em 
defeitos     passados    ;     ficando     naquelU 
fortaleza  ,    em    que    S.   Alteza  ,    e  o 
C  Go'    Mundo    tinháo  postos    os  olhos.     Luiz 
vernador  Fâlcáo    â  ticeitou  ,    rendendo    ao  Go- 
tí  entre-  vernador    as   graç;\s    por    táo     honrado 
g"»  <»       castigo,  ofrereccndo  despender  na  pra- 
X.uiz^      ça  ,   a  fazenda   que  adquirira    em  Or* 
Taícão,   j^u2  ,  e  a  que  no  Reyno   tinha.     Este 
brio     lhe     louvou  ,    e   accendeo  Dom 
Joáo     de    Castro   com    favores     públi-» 
cos. 

Concluid^s   as  cousas  de  Dio ,  se 

em- 


.cr.  L  1  V  K   O      IV.  397 

embarcou    o  Governador    em    direitura  Emhar' 
a  Baçaim  ,  dando  vista   á  costa  de  Pór ,  ca-s^  ,  e 
e  Mangalor  ,    aonde  abrasou    as   Cida-  damnos 
à^s  de  Patê,  e   de  Patane.    Cs   mora- V"*^ >*• 
dores    fogindo   ao   açoute  ,  salvarão   no 
sertáo  as  vidas  ,  e  parte  dâs  fazendas  , 
faitandõ-lhes  v^Ior  ,    e   acordo    pára  se 
defender  ,  ou  morrer  em   suas   mesm.as 
casas.  Ccnro  ,  e  oitenta   embnrcaçoens  , 
(jue     estaváo     em    differentes    portos  , 
mandou    dar  ao  fogo .  vendo    seus  mi- 
seráveis   donos    o   mcendio    com   lagri- 
mas inúteis.  Ouviáo-se  de  longe  as  vo- 
zes ,    e  os  gemidos   ,    desprezados    da 
ira  ,    e  da  vicioiia.    Alguns    velhos  ,  e  Compaj- 
mininos  ,    que    náo   poderão    salvar-se  ,  ^-^^  ^^^ 
mandou    o   Governador    livrar    do    in-  " 'J-''" 
cendio ;  misericórdia    aos   soldados    im-  "'^ 
portuna  ,  grata  á  humanidade.    Os  des- 
pojos   se    entregarão    ao  fogo  ,     sendo 
Tnenor  a  presa  ,  que  o  destroço.    Mui- 
tos curros  lugares  d'aquellâ  costa  ,  sem 
nome  ,  foráo  awuinados  ,    ficando   este 
cerco  de   Dio    mais    famoso   pela    vin- 
gança 5  do  que  pela   vicrorii, 

D'aqui   se  passou   o  Governador  á  ^ossa  a 
Baçaim  ,    determinando    gastar    o    que  ^^í^^rf» 
restava  do  V^eráo    na  guerra    de   Cam- 
baya  ,  donde  despachou  algumas  espiss 
para  saber    os  passos    do   inimigo ,  dos 
(^uacs   soube  ,  que   na  Corte  de  Ama- 

d4^ 


398  VrDAí)ED.ToXoDsCASTRo; 

dâbá  ,  não   havia    casa  sem   lagrimas  , 
e  que    o   Soltáo  mandara    com  rigoro- 
so decreto  ,  (]ue  se  náo  fallasse  no  cer- 
co 5  e  batalha  de   Dio  ,  como  se    ti  ve- 
rão as  leys  império   na  dor  .  ou  na  me- 
S  nt        ^^^^^*    C)'estes    mesmos    enviados   en- 
tiTo  ^sc    *^^"^^^  °  Hovernador  ,  que  ês  fortale- 
lomnr      ?^^  ^^  Surra  te  ,  e  Baroche  ,  se  despe- 
Sarrate.  ^^''^^   ^  ^^^^^    ^^   armada    de   D.   Alva- 
,  ro  5    que  poderá    tomalas    por    escala  , 
senso  fora   encontrado  dos  Cabos  ,  que 
lho    dissuadirão  j    de   que  D.   Joáo  de 
Castro  mostrou    tão    vivo  sentimento , 
com.o    se    acertar    as     occasioens     fora 
necessidade  ;  chegando   sua  modéstia  a 
romper    em  palavras  ,    que    accusaváo 
os  Capiraens    da  armada  de  tíbios ,  c 
remissos. 
Lembra         Neste  breve  ócio ,  que  o  Governa- 
0  ElRey  dor   teve    em  Baçaim  ,  começou  a  es- 
os  tjue     crever    para     o    Reyno  ,    fazendo    láo 
servi-      honradas  lembranças  á  ElRey  dos  ho- 
tão,        mens   que  servirão  ,    que  mostrava  sçr 
este  zelo  ,  ou   gratidão  ,  virtude   singu- 
lar entre  tantas ;  e  os  soldados  se  avan- 
tajâvão  no  valor ,  assegurados  ,  que  náo 
lhes  faltaria  o  General  com  o  premio, 
ou  com   o  zelo. 
Torna  o  ^  Hidaleáo    entendendo  ,    que  as 

Jildal'  forças  do  Estado  estariáo ,  ainda  que 
(ão  cem  gloriosas,  quebradas  com  as  victorias, 
guerra,  tor- 


Livro    IV.        399 

Tomou  a  occupar  as  terras  firmes  com 
hum  exercito  de  vinte  mil  infantes , 
a  ordem  de  Cala  Barecáo  ,  hum  vaie- 
roso  Turco  nascido  na  Dri]m.<ícia  ,  pra- 
tico nas  línguas  ,  e  disciplina  de  Ku- 
lopa.  Este  senhoreou  sem  contradição 
as  terras  ,  fazendo  recolher  á  fortaleza 
de  Ríichol  alguns  poucos  soldados  nos- 
sos ,  que  avisarão   a   Goa  do  podei  do 

inimigo.  •        O  Cu  /- 

Recebido   este  aviso  ,    D.  Diogo       'J*' 
de  Almevda  com    conselho   do  Bispo ,  .A^''   f. 
que  governava   ,    e    de    alguns    Fidal   ^   ^^,  ,^. 
^os  ,    e   soldados  ,    resolveo    desaloiar  y^^,^ 
os  Mouros    com    a   milicia    da    terra  , 
primeiro  que  se  fortificassem  ,  e  crecen- 
lio    em  airevimento  ,    e  torças   ,    che- 
gassem á  avistar  as   mur.ilhas  de  Goa, 
Cidade   dominante.     Ordenada    a   gen- 
te ,    que    o  havia    de  acompanhar  ,  e 

•  estando    para     marchar    já     prom.pto   , 

•  vieráo    os   Vereadores  ,    e  governo    da 

-   Cidade    com   requerimentos  ,  c  protes- ^^' ^'"-'í* 
ros  ,    que    nam  passasse  avante  ,  nem  ^^<^  ^  '•''*'■ 

'  arriscasse    com    forças    táo  de^ignaes  a  ^'^^'^*' 
"cabeça  do   Estado  )  que  o  Governador 
estava   em  Baçai^    com   armada    chèa^ 
de   soldados  victoriosos  »  com   que  po^ 

•  dia   castigar  o  inimigo  .  contra  o  qual 
'  levaria  ,    como    segundo   exercito  ,  set^ 

Qi)me  ,  e  sua  íoxcuna» 


4CO  Vida  de  DJoao  ds  Castro. 

jivisa  Durou   entre  c-dadáos  ,  e  soldados 

ao  Go-  a  controvérsia  de  maneira  ,  (^ue  por 
v«;r/ití-  pouco  checara  á  sedição.,  c  discórdia; 
^or.  zelando  huns  a  conservação  da  Cida- 
de ,  outros  a  reputação  das  armas.  Em 
fim  partirão  ,  e  composeráo  a  diíferen- 
ça  com  <]ue  se  desse  aviso  ao  Go- 
vernador ,  pois  estava  viziMho  j  o  qual 
logo  <^ue  entendeo  ,  que  o  Governo 
politico  se  queria  ad  uJicar  á  direcção 
da  guerra  ,  reprendeo  asperamente  sua 
animosidade  ;  e  a  D.  Diogo  de  Al- 
meyda  agradeceo  ,  e  confirmou  a  re- 
solução de  buscar  o  inimigo  ,  ordc- 
nando-ihe  ,  que  o  esperasse  em  Pan- 
gim  ,  com  a  gente  ,  onde  seria  em 
breves  dias. 
^  /    ^  Não  bem  tinha  D.  João    de  Cas- 

'l  _  tro  soltado  da  mão  a  penna ,  com  que 
^^^  escreveo   ao  Reyno  ,  quando   tomou    a 

^  *  esp.ída.    Aquelle    dia  ,    que    recebeo    o 

aviso  5  mandou  tirar  peça  de  leva  ,  e 
ao  seguinte  desamarrou  a  armada  ,  c 
indo  costeando  ,  aviltou  a  Cii'de  de 
Avista  Cabul ,  já  famosa  peiO  castigo  que  llie 
Dtíl^ul,  derão  nossas  armas  ,  e  agora  dos  por- 
tos do  Hidalcáo  a  principal  escala. 
Deixaváo-se  ver  de  longe  muitos  jar- 
dins ,  pomares  ,  e  edincios  polidos  y 
que  mostraváo  a  delicia  ,  e  grandeza 
de   seus  habitadores  ^    seria   a  Cidade 

de 


i 

Livro    IV.        401 

cie  quâtro  mil  vizinhos  ,  com  dou« 
fortes  ,  e  alguns  redutos  ,  que  úefen- 
diáo  a  entrada  do  porto  i  e  dado  ,  c]ue 
a  facção  era  para  muy  discursada  ,  re- 
solveo   o   Governador   entteprcndela. 

Aqueila  tarde  andou  a   armada    pai-  s^f^^  D. 
íando   á  vista  da   Cidade  ,  notando  es  alvura 
surgidouros,  e   defensas  ;  e  ao  seguin- í/;í  .vrni. 
te     dia    no    cjuarto    d'Alvn    ,    mandou 
o  Governador  passar  aos  bateis  a   seu 
filho    D.    Aiviro     com    dous    mil    ho- 
mens   para   saltar  em  terra  j  sendo  elle 
dos  primeiros  que    a  pisarão  por  m.eyo 
de    niuitas    bombardadas.    Aqui    fizeráo 
os   inimigos  rosto  ,  impedindo  ,  cu   re- 
tardando a  passagem  dos  nossos  ;  este- 
ve a  batalha   igual  hum   iari;o   espaço , 
fazendo-os    ousados    na    pekija    o     lu- 
gar ,  e  a  causa  j  as  vozes  das  mulheres , 
e  filhos  que  ouviáo  ,    lhes   fazia  rece- 
ber as  fendas  sem  dor  ,  e  sem  receyos  j 
os  mortos    que   cahiáo  não  lhes  faziáa 
exemplo    ao   temor  ,    sen  o   á   vingan- 
ça.   De  ambas   as  partes   se  derramava 
sangue  ,    e    a  constanci--!   de  huns  ,  e 
outros    inimigos     lazia     contingente    o 
succcsso.     Quando  chegou  o  Governa-  O  Ga^ 
dor    com  o  resto   do   poder  ,   e  carre-  vcrnndor 
gou    o   inimigo    de  maneira  ,  que  co- •  sc^uc  ^ 
meçou  a  fraquear  na  defensa  ;    pouco  ^  tema  « 
fi  pouco    noj  foy  largando  o  campo  ,  ^  Idadc^ 


402  Vida  deDJoSo  deCastho. 

aré  que  com  declarada  fogida  ,  nos 
deixou  a  victorís.  {-.ntrou  o  Governa- 
dor com  os  Mouros  de  envolta  na  Ci- 
dade ,  onde  perecerão  muitos  á  visra 
das  mulheres  que  náo  souberáo  dei- 
xar ,  nem  de  Fender.  Ao  estrago  suc- 
cedeo  a  cobiça  ;  o  despojo  igualou 
á  victoria  ;  apenas  se  pode  recolher 
^  a  fazenda  nas  vasilhas  da  armada. 
Ardeo  em  poucas  horas  a  Cidade  com 
terrível  incêndio  ,  ficando  secunda  vez 
lastimosas  suas  ruinas  peia  memoria 
de  hum  ,  e  outro  estrago.  Perdemos 
nesta  occasião  cinco  soldados  ,  o  ini- 
migo duzentos  ',  mayor  número  seria 
o  dos  ferido?. 
Cheira  à  O  Go^'ernador  deixando  a  Cidade 

A^aqa-  abrazada  ,  se  tornou  a  embarcar  ,  e 
foy  demandar  Agaçaim  ,  onde  o  espe- 
rava D.  Diogo  de  Ahneyda  com  cen- 
to e  cincoenta  cavallos  ,  e  a  milícia 
da  terra  ,  com  quantidade  de  barcas 
para  passar  a  gente.  Deteve-se  o  Go- 
vernador aqui  hum  dia  ,  em  que  se 
informou  dos  desenho.»  ,  e  torças  do 
inimigo  j  e  logo  no  seguinte  ,  que  eri 
véspera  do  Apostolo  S.  Thomé  ,  Si 
resolveo  comerer  os  iMouros  ,  e  in- 
vocar o  nome  do  Santo  na  baralha ,  náo 
lhe  querendo  tirar  a  hon  a  da  protec- 
ção da  Índia  comprada  com  a  doutri' 

na . 


im 


Livro    IV.       40J 

nâ  ,    e  sangue  derramado    na  Cruz  de 
seu  martyrio» 

Esrava  o  inimigo  alojado  na  Villa  Envests 
de  Morgáo  ,  ^ue  de  Agaçaim  ficava  «'J '«/rnii 
em  pequena  distancia  j  o  que  sabido  ^^^^^ 
pelo  Governador ,  ordenou  a  sua  gen- 
te em  duas  b^-talhas.  A  primeira  deu 
a  seu  filho  Dom  Álvaro  de  Caeiro , 
companheiro  de  sUas  vicrorias  j  com 
quem  foráo  os  Naires  de  Cochim  ,  e 
os  casados  de  Goa.  A  segunda  ,  que 
tomou  para  si  ,  se  compunha  de  todos 
os  Fidalgos  ,  e  soldados  da  armada ; 
aos  quaes  a  cavallaria  da  Cidade  guar- 
necia os  lados.  Nesta  ordem  mandou 
fazer  a  marcha  ,  lançando  alguns  ca- 
vallos  diante  ,  que  descobrissem  o  cam- 
po. 

Os  Mouros  estâváo  derramados  sem  í-^^^,;^ 
ordem^ ,  ou  disciplina  ,  como  gente  * 
que  náo  temia  mimigo ,  ou  o  náo  es- 
perava j  porém  tanto  que  alguns  sol- 
dados 5  que  andaváo  pelo  campo  j  vi- 
ráo  nossas  bandeiras  ,  e  por  vista  ,  ou 
aviso  ,  entenderão  ,  que  o  Governa- 
dor os  buscava  ,  foráo  dar  conta  a  Ca- 
la Batecáo  scbresaltados  ,  encarecendo 
o  poder ,  que  o  temor ,  cu  a  distancia 
fazia  mais  crecido.  O  Turco  assom- 
brado de  ter  ja  sobre  si  tam  victoiio- 
«as  armas ,  náo   teve  mais  acordo  ,  outí 


404   VíDA  DE  D.JOAO  DE  CaçT70. 

para  fazer  com  a  fogida  aos  seus  cxenr 

pio.    Deixarão  nos  quartéis  as   tendas , 

br.stimentos   ,    e  bagagens  ,  e  ainda   as 

viandas    da   cèa  ,  já    qiiasi   cozinhadas, 

cjiu:   foráo  para   o  trabslho  da  marcha  , 

D. Alva-  necessário   ,    e    su-we    despojo.     Nesta 

ro  os  se-  fogida  Começou  a  tomar  o  Governador 

^«í.         posse  das  terras  ,  e  da  victoria, 

Passaráo-se  os  Mouros  á  outra  ban- 
da de  hwm  caudaloso  rio  ,  que  só  se 
podia  atravessar  por  huns  valios  orde* 
nados  á  maneira  de  ponte.  Esies  cor- 
tou o  inimigo  por  impedir  o  séquito- 
dos  nossos ,  porem  com  tanta  pressa , 
que  amda  a  terra  movediça  deixava 
passo  aberto  ,  e  ainda  que  diííicil  , 
náo  perigoso.  Por  esta  parte  tentou- 
Dom  A  Ivaro  a  passagem  do  rio ,  co- 
meçando poucos  ,  e  poucos  a  va- 
dealo  ,  como  a  estreiteza  do  lugar  o 
sofria. 
Voltão»  Não  estava  tio  alheyo  de  si  o  ini- 

migo ,  que  perdesse  a  occasiáo  de  pe- 
leijar  com  táo  conhecida  ventagem. 
Voltou  c'os  seus  ao  rio  ,  mostrando- 
TiOS  ,  que  fora  &rdil  o  temor  cauteloso. 
Carregarão  os  Mouros  sobre  os  que 
Liáo  passando  trém.nlos  ,  poucos  ,  e 
desordenados.  O  Governador  os  ani- 
TTíava  a  que  passassem  ,  com  a  voz  ,  cont 
o  iíTjperio ,  com  a  presen  ja  ^  n;as  o  te- 
mor 


L  I  V  R  o    IV.       40?  '^ 

mor    venceo    a    obediência    ;    voltarão 
os  primeiros  ,    náo  sem  derramar  san« 
gue  ,  c  com   peyores    sinâes   ,    qu^  os 
das   feridas.    Já    a  este  tempo  a   impa- 
ciência do  Governador  fez  cometer  o  rio 
por  dlíferenres  partes.  D.  Diogo  cie  Al- 
meyda    o  vadeou    com   hum   truço  de 
ca  vali  ária  ,  achando  por  aguella  parte  me- 
lhor vao  ,  c  melhor  fortLina  j  porcjue   se  . 
topou  com   o  General  do >  Mouros ,  que 
a   cavallo    andava    ordenando   ,    e  ani- 
mando os  seus  ,  ao  qual  envesiio  com 
grande    gentileza.     Do    encontro    vcyo  -^^^'^  ^' 
o  Turco  á  terra   cahido ,  mas   não  de-  ^''^ê^  * 
sacordado  ,  porque    levantando-se  ,  me-  ^^"^rah 
teo  mão  ao   alfsnçe  ,  e  buscou  a  Dom 
Diogo  ,    que    inda    que  náo  perdeo    a 
seliâ   ,    ficou    desarmado    com   a   força 
do   golpe  ,  por   hum  pequeno    espaço; 
ma^   roínando  a  cobrar-se  ,  ccmeteo  se-. 
gunda    vez    o    Turco  ,    soccorrido    de 
dous  soldados   ,  e  o   deixou  com  mui- 
tas feridas   estendido  no  campo. 

Os  outros  Capiraens  ,    ainda    que  PíUija  4 
com    diíRcuidide    acraTessaram    o   no  ,  Qc%'er- 
estimulados    do  exeitiplo    do  Governa-  mdcr. 
dor  ,    que  viéo    andar    com    oa  inimi- 
gos    cnyolcu   ,    mais     enveiado   ,  .  que' 
obedecido    de    seus    mesnigs   sold^òcis.j; 
que    dea^madc«ai>vC^«íiT5    ordem  ,    se 
Unçaváo  ao  rio ;  huns  r^rdos^    oucios, 
Dd  li  píc- 


Alcan- 
foa  vi- 
€Í^rÍ0. 


406  Vida  DE  DJoSo  DE  Castro 

precipitados  ;    porém    depois    que  pas- 
sou   a   gente  toda  ,    carregou   com   tal 
força    o    inimigo  ,  que    nam    podendo 
sofrer    o   peso    da  batalha  ,  foy  desam- 
parando o  campo.  O  Governador ,  cjue 
ram   perdoava  accidente  á  sua  fortuna, 
foy  apertando  os  Mouros,  já  tímidos, 
e    desordenados  ,    de   sorte  ,    que    em 
breve  espaço   rematou  a   victoria.  Mor- 
rerão poucos    dos  nossos  ,  foram   mui- 
tos feridos :  nos  Mouros  foy  o   estrago 
grande ,  e   no  alcance    mayor    que    no 
conflicto  5  porque  como  os   nossos   náo 
lomaváo    cativos  ,  com   o  mesmo  gol- 
pe   cortaváo     oppostos    ,     e    rendidos. 
Dom   Álvaro   de  Castro    mandando  ,  e 
peleijando  ,  nunca    pareceo    mais    filho 
de  tal  pay  ,  que  neste  dia.  Os  outros  Fi- 
dalgos  ,     c     Cavalleiros     se    houveráo 
táo  iguaes   no  valor ,  que  nenhum  me- 
Bmdia    receo  segunda  fama.    Com   o  nome  de 
Je  São    S.  Thomé  ,    e  em   seu  dia    sè  venceo 
Thomé  I  esta  batalha  ,  dando   de  seu   favor    aos 
«  c&m      Catholicos    Orientaes    hum  testemunho 
s£u  no'   ilustre.    Foy   esta    rota  memorável  ,  e 
*"■•  ainda    cantada    muitos   annos   das  don- 

zellas  de  Goa  ,  inventando  na  singe- 
leza de  versios  fáceis  y  louvores  iem  ar-: 
cificio  ,  nem  lisonja,  "  *^ 

:    Despedio    o  Gòvôrnador  a  gente, 
c  foy-se    descansar   á  Pjingim  |    escu- 
-  san- 


Livro    IV.       407 

sando-se  de  ter  a  festa  em  Goa  ,  des- 
prezando    as    palmas    ,     e     triumphos 
Marciaes    justamente  ;  pois  era  já   seu 
nome    na   voz  do  Mundo  ,  mayor  cjue 
todo   applauso.   Aqui  esteie  cesp?.chan-  Vespa- 
do    as   nãos  de  carga  ,    que   haviáo  de  cha  at 
voltar  ao  Reyno  ,  em   que  íby  embar-  "'^''■^  '^» 
cado    Dom   Joáo   N3ascarenhas   ,    varáo  ^^JJ"o, 
mais    constante    nos   perigos    da   Ásia , 
que    nas    adversidades    da   pátria.    Foy 
recebido  d'EiRey,  e  da    Nobreza  com 
honras    náo  vulgares.    Os  prémios   náo 
responderam     com    igualdade    aos    ser- 
viços   Foy  Conselheiro  dElRey  Dom  Ehcls 
Sebastião  no  Estado  ,  depois    h^m  dos  de  Dom 
Governadores    do  Reyno.     Casou    comjoão 
Dona   Elena  filha  de  D.  Joáo  de  Cas-  Masca- 
tellobranco  ,    de    que    deixou   illustre ,  renhas, 
c  fidelíssima  posteridade. 

Náo  pareceo    a    D.  João   de  Cas-  Conti- 
tro  ,  que  estava  o  Hidalcáo  ainda  bem  „,<^  o 
cortado     de    nossas    armas    j     resolveo  Gover- 
quebrantalo    com    mais    pesada    guerra,  nador  m 
Assegurou  com    grosso  presidio  as  ter-  ^uenn» 
ras  de  Salsete  ,  deixando  a  Dom  Dio- 
go   de    Almeyda    com   cento ,  e  vinte 
cavallos ,  e  mil  piões    da   terra  ;  e  nos 
nos  de   Rachol  ordenou  ,  que  ficassem 
alguns   navios    para  defensa    das  aldêas 
vizinhas   ,    cujos    lavradores     desampa- 
laváo  as  terras ,  vendo  o  domínio  dei- 

la$  j 


4^8  VídadeD.  JoÂodeC/.stbo. 

■las  incerro  ,  e  contingente  pela  ins- 
tabilidíiue  dos  successos  da  guerra.  En- 
Vamnos  tendendo  pois  o  Governador  ,  <]ue  sq- 
gutjaz..  ria  facil  de  prostrar  hum  Reyno  de- 
clinado ,  foy  continuando  com  o  Hidai- 
cáo  a  guerra  ,  querendo  que  de  seu 
casulo  fizessem  argumento  os  emulos 
do  F-staJo.  Mandou  embarcar  os  sol- 
dados ,  que  tinha  sempre  pron^pros  , 
porque  era  a  todos  no^  perigos  com- 
panheiro ,  e  nos  trabalhos  pay  •  c 
dando  á  vela  ,  fov  navegando  por 
aquelia  C05ta  do  Hidalcáo  ,  a  qual  des- 
truhio  com  táo  igual  açoute  ,  que  nam 
deixou  lugar  ,  que  podesse  consolar 
ns  misérias  de  outro  ;  nam  se  livrou 
nenhum  pela  resisrencia  ,  alguns  pela 
distancia. 
JssfiU  Outro  Dahul ,  que  chamam  de  si- 

Vobul  o  ma  5  que  por  espaço  de  duas  legoas  se 
il^  sima.  apartava  da  praya  ,  estava  por  forte  , 
e  por  distante  rico  com  os  depósitos, 
e  fazendas  de  muitos ;  mas  nem  assi 
lhe  valeo  o  abrigo  da  terra  ,  para  se 
eximir  da  fortuna  dos  outros  ;  porque 
o  foy  demandar  o  Governador,  dan- 
do a  seu  filho  D.  Álvaro  o  primei- 
ro perigo  ,  a  que  chamáo  os  soldados 
vanguarda  ,  ( qua  estes  eráo  os  favo- 
res d'aquelle  pay  ,  e  os  daquellc  tem- 
po) ;  pjicm  quando  checou  ,  os  Mou- 

^  10^ 


Livro    IV.       409 

ros  tinháo  assegurado  no  interior  do 
sertáo  pessoais  ,  e  fazendas.  Náo  acha- 
rão os  nossos  cousa  ,  que  servisse  á 
viccoria  i  ao  estrago  si  ,  porque  os  edi- 
fícios ,  que  náo  poieráo  servir  ao  des- 
pojo ,  p.igaráo  com  a  ruina,  V^ierao  r.s  TaU  m 
Mesquitas  ,  e  Pagodes  á  terra  ,  dei-  cemfa- 
xanJo  os  ídolos  desfeitos  ,  e  prostra-  "^'*" 
dos  ,  sem  que  a  ira  dos  nossos  de  pe- 
dra a  pedra  fizesse  diííeren;a  ,  cho- 
rando aquelles  Mouros  ,  e  Gentios  , 
com  humas  mesinas  lagrimas  ,  as  mi- 
sérias de  seus  dco-es  ,  e  as  suas.  Pas- 
sou a  indignação  de  nossas  armas  a  ta- 
lar a  campanha  ,  destruindo  os  gados  , 
e  palmires  ,  para  que  a  fome  acom- 
panhasse a  guerra  ^  espada  ,  de  que  os 
náo  podia  livrar  a  fuga  ,  ou  resistên- 
cia. Ficou  em  fim  tam  assolado  tudo  , 
que  das  povoaçcens  à  campina  se  náo 
fazia  diílerença  peia  vista  ,  senam  pe- 
la  memoria. 

Recolheo-se  o  Governador    á  Ba-  Vaij  k 
çaim  ,  donde  voltou    as   armas    á  guer-  -B^/fâi^^í. 
ra    de    Cambaya  ,     despedindo    alguns 
Capitaens     para    que    damnassem    todo 
aquelie    marítimo  ,    fazendo   presas  nns  Vax, 
nãos    de    Meca   ,    que    vinháo    ancorar  damnosk 
nos    portos    da  enseada  ;    o   que   Dom  Camba- 
António    de  Noronha  ,    e   Dom   Jorge  9^* 
Baroche    fizeráo    com   fclices    armas   , 

cr€8- 


'  4IO  Vida  DE  D. JoXo  DE  Castro 

crescendo  com  presas  ,  e  vlctorias 
reputação  ,  e  forças  ao  Estado  ,  sendo 
nossas  armas  respeitadas  ,  e  temidas 
nos  diaií  de  Dom  João  de  Castro  de 
maneira  ,  que  os  mais  dos  Príncipes 
da  Ásia  ,  vizinhos  ,  e  distantes  ,  corn 
voluntária  obediência  tnbuiaváo  ao 
Estado  ,  par^  no  abrigo  de  nossas  for- 
ças defender  ,  ou  assegurar  os  Rey- 
nos,  D'esta  verdade  nos  deráo  os  Rey» 
de  Campar ,  ç  Caxem  náo  leves  ar- 
gumentos. 
Jiex  So'  Escíevem  i^ossas  Chronicas ,  e  com 

iimão     mayor    espanto    as    estranhas  ,    aquelle 
^nem      farnoso    cerco  "  de    Dio   5    que    deíen- 
Jfoi/,         deo  António  da   Sylveira  ,  de  quem  as 
armas    do   Turco   receberão   na   índia , 
ou    a  primeira  ,    ou    a  mayor  afronta. 
Foy  General  da  empresa  Rax  Solimáo, 
que  depois    dç  perder    no  sitio  grande 
parte    da  armada  ,    o  temor  de  nossas 
náos  ,   ainda  ancoradas    no  porto  ,    o 
fez  retirar    fqgindo  ,    e  deixando    enri 
terra    bagages  ,    e    feridos.    Este   ven- 
do ,    que  náo  poderá  conseguir   a  fac- 
ção promettida    a   seu    Senhor  ,  o  qual 
soberbo    ,    e   imperioso    náo    costuma- 
va   aceitar    satisfaçam    de   culpas   ,    ou 
desgraças   ,    quiz  antes  arriscar  a   fide- 
Cfiega  á  ^^^^^^  3  ^"e    z  cabeça.  Entrou  no  por- 
Msnu    '^  4«  Adem  coro  yoz  de  ami^o ,  onde 


•O" 

â 


Livro    IV.       411 

o  Rey  o  mandou  visitar  com  mimos, 
c  refrescos  di  terra  ,  cauto  porém  , 
e  vigilante  em  gu?.rdar  a  Cidade  , 
porque  a  f é  ,  e  o  poder  faz  ião  ao  Ba- 
xá  sospeitoso.  O  Turco  que  vio  sua 
traição  içmida  »  ou  descuberta  ,  qui« 
zera  por  escala  cometer  a  Cidade,  po- 
rém temeo  a  fortaleza  da  praça  ,  o  va- 
lor dos  Arábios  ;  e  assi  recorreo  a  ou- 
tro ardil  mais  vjI  ,  e  mais  seguro  ; 
qual  foy  mandar-se  desculpar  com  o 
Rey  de  náo  entrar  na  Cidade ,  por  náo 
perder  a  monção  ,  que  lhe  pedia  i^ui- 
zesse  vir  a  bordo  ,  porque  tinha  que 
lhe  communicar  negócios  do  Gráo  Se- 
nhor cm  benefício  de  seu  Reyno.  O 
pobre  Rey  tacil  ,  e  crédulo  cm  pros- 
perar o  estado  ,  se  foy  logo  ver  ao  mar 

.  com    o    Baxá  assegurado  da  consciên- 
cia innoçente  j    mas   o   tyranno  esque- 
cido   da  fé  ,    e  humanidade  ,    o   man- 
dou   descabeçar  na  galé  entre  baldões ,  De^oJa 
e   mofas  ,    delçicando-se   cruel   em  trai-  o  Keij, 
çáo    tam  fêa,     iVIorto  o  Rey  foy  fácil 

.  ao  Baxá  occupar  a  Cidade  na  violen^ 
ta  morte  de  seu  Principe  temerosa  , 
e  confusa.  E  porque  pola  vizinhan- 
ça dos  Turcos  custou  cuidado  ,  e  san- 
gue ao  Estado  daremos  d'ella  huma 
bíeve  relação. 

Jaz  situada  na  cost|  da  Arábia  Fe-  sitio  Jc 

lix    Adenu 


412  Vida  deDJoSo  de  Castro; 

lix  em  altura  do  Pólo  Artico  de  diz* 
grãos  ,  e  hum  quarto  ,  abrigada  d^; 
hiima  pequena  serra  ,  que  com  alguns 
casteilos  lhe  defende  a  encrada  da  terra. 
Está  assentada  na  boca  do  Estreito  ,  o 
porto  limpo  ,  capaz  de  ancorar  navios 
de  todo  porte  ;  ainda  que  descuberto 
acs  Ponentes  ,  que  sáo  os  ventos ,  que 
alli  cursáo  nas  monções  do  Estia.  A 
arte  ,  e  a  natureza  a  fizeráo  defensá- 
vel por  terra  ,  assegurando-se  da  am- 
bição dos  Régulos  vizinhos  ,  e  m- 
cursoens  dos  Alarves  Arábios  ,  que 
com  importunas  correrias  molestáo  a 
campanha.  Está  no  porto  huma  pe- 
quena Ilha  medianamente  fortifica- 
da ,  a  que  os  naturaes  chamáo  Gira , 
defronte  fica  outro  surgidouro  abri- 
gado de  muitos  ventos  ,  onde  costu- 
máo  dar  ftmdo  a^;  nhos ,  que  navegáo  á 
Meca.  Í>3ào  tem  rios  ,  ou  fontes  que 
fertilizem  a  terra  ,  e  também  as  aguas 
do  Ceo  lhe  faltáo  por  dous  ,  e  por 
três  annos  ,  ou  seja  condição  do  cli- 
ma 5  ou  castigo  secreto  j  assi  a  condu- 
zem em  cáfilas  de  camelos  de  partes 
muy  remotas.  A  droga  principal  da 
terra  he  Ruyva  ;  mas  o  que  mais^  lhe 
importa  he  a  ancoragem  das  náos  , 
que  navegáo  o  Estreito.  A  gente  he 
belIico?a  ,  e  cruel  ,   segue  com  prom-; 


Livro    IV.       4T3 

ptidáo  â  guerra  ,  poios   despojos  mais  , 
que  pola  vicforia. 

Occopada    pelo  Baxá    a    Cidade ,  Sollmãê 
vendo-se  ,    inda  que   intruso  ,  obedeci-  a  cccw 
do  ,  começou   a  quebrantar  o  povo  com  ya. 
diversos    gravames  ,   lirando-lhe  as  for- 
ças   para    melhor    os    dominar  ,    tími- 
dos ,  e  sujeitos.  Aos  poderosos  manda- 
va degollar  ,    e  confiscar    sem    causa  , 
sendo  a  vida  cnipa  ,  a  riqueza   delicco. 
O  sofrimento   dos   miseráveis    era   me- 
lhor   para   virtude  ,  que  para   remédio  j 
porque  até    da   paciência   servil   dos  in- 
nocentes    se    cansava     o    tyranno.     ^o  Q.oem 
dominio  da  Cidade    lhe   succedeo  Mr.r-  Ihc^  ^uc 
záo  ,     e    lambem    nos    insukos  ,    tão  ^'^fi'^- 
cruéis  ,  que  apurarão  de  todo  a  paciên- 
cia   dos    pobres    moradores  ,    re^olven- 
do-se   a  podelo    sofrer    como    inirr  igo , 
mas  náo  como  Senhor.  Tiveráo  meyoa  Os  mo- 
para    olierecer  á   FIRey    de  Campar    :í  redores 
Cidade   ,    e    a   obediência  ,    dizendo  ,  o  of^rc^ 
que    com    qualquer    soccorro    acomete    ^^J^J^  '^ 
riáo   os  Turcos  descuidados  com  o  do-  i' 

minio    pacifico   ,    e  quasi    hereditário  ,   *"    ^'^ 
e  muito   mais  com  o  desprezo   de   hq-  '' 
mens  ,  que  tinháo  ,  ao   parecer,  perdi- 
do 1  memoria  de  sua  liberdade  ,  e  sua 
■injuria. 

O  Rcy  vizinho  ,  com  palavras  de  las-  ^ceifas 
tima  ,  c  agrado ,  lhes  «cceitou  a  oílerta  ;  o  Rct/  , 
.    -  ou    ctjuefa^ 


414  Vida  DE  DJoXo  DE  Castro. 

ou  fosse  ambição  ,  ou  humanidade. 
Escolheo  entre  os  seus  mil  soldados 
benemenros  de  facção  táo  grande  , 
querendo  ser  o  mesmo  Rey  compa- 
nheiro ,  e  Capitão  de  todos.  Parti- 
rão no  silencio  da  noite  ,  e  chegando 
a  Cidade  ,  lhe  derão  os  conjurados 
huma  porta  ,  por  onde  entrarão  ,  fa- 
zendo-se  senhores  do  castcilo  com  jeve 
resistência.  Marzáo  com  quinhentos  Tur- 
cos se  fez  forte  nos  paços  ,  mais  certo 
do  perigo  ,  que  das  causas  ,  e  autho- 
res  d'elle.  Com  a  primeira  luz  do  dia 
appareceo  ElRey  capitaneando  os  seus  , 
e  logo  enviou  á  Marzáo  hum  trombe- 
ta dizendo  ,  que  aquelia  Cidade  era 
sua  por  antigos  pretextos  ,  e  agora  pot 
eleição  dos  próprios  moradores  ;  que 
opprimidos  com  a  intrusão  do  Ba- 
xá  tiverão  a  voz  ,  e  a  liberdade  ata- 
das para  não  pronunciarem  o  nome  de 
seu  natural   Princ/pe  ;    que  elie  os  vi- 

»  nha  amparar  como  a  afBigidos ,  c  mais 

como  a  vassallos  i  que  se  quizessem.  dei- 
xar a  Cidade  ,  lhes  faria  tratamento 
de  amigos  ,  permittindo-lhes  levar  as 
arm.as  ,  e  roupa  que  tivessem  ;  e 
quando  não  ,  a  justiça  ,  e  a  victoria  o 
fariáo   duas  vezes  senhor  de  seus  me$- 

^ae  fte-  nios  vassallos. 

%em  os  o  rurco  j  cntcndida  a  conspiração 


Livro    IV.       415: 

dos  Arábios  ,  e  que  para  se  defender 
lhe  faltaváo  forças  ,  e  baEtimentos  , 
cbedeceo  ao  tempo ,  s^hindo  com  as 
bandeiras  arvoradas  ,  tocando  caixas  , 
á  occupar  hum  castello  distante  oito 
legoas  ,  do  qual  intentou  com  os  soc- 
corros  de  Baçorá  ,  reduzir  a  Cidade  à 
«ervidáo  primeira.  Começou  assaltan- 
do aos  de  Adem  as  cáfilas  ,  que  bas- 
tcciío  a  Cidade  ,  a  qual  ,  como  recebe 
do  sertão  agua  ,  e  mantim.entos  ,  pa- 
deceo  em  breves  dias  grandes  neces- 
sidades ,  porque  se  alguns  bastimentos 
lhes  entraváo  ,  eráo  poucos  ,  custosos  , 
c  furtivos.  Com  lagrimas  o  povo  las- 
timado pesava  em  hum.a  mesma  ba- 
lança a  fome ,  e  a  tyrannia  ;  males  ,  de 
que  só  tinha  miserável  escolha.  En- sõosoc^ 
grossava  o  lyranno  seu  partido  com  corridos. 
soccorros  contínuos  ,  a  que  náo  podia 
o  Rey  fazer  opposiçáo  com  forças 
iguaes  j  e  discorrendo  com  as  cabeças 
do  Povo  sobre  os  meyos  de  salvar  a 
Cidade  ,  lhe  trouxeráo  à  memoria  a 
rama  de  nossas  victonas  contra  Tur- 
cos ,  e  a  fidelidade  de  nossa  protec- 
ção aos  confederados.  Resolverão  man-  Measo' 
dar  huma  Terrada  ao  Capitão  de  Or-  gcir(/  d»s 
niuz  ,  que  entáo  era  Dom  Manoel  de  mcrad»- 
Li  mi  a  ,  oíFerecendo  huma  fortaleza  ,  res  a 
f  0$  rendimentos  da  alfandega  j    dan-  Ormux,. 

do- 


'^         416  Vida  de  D.JoXo  de  Castro. 

do-ncs  iuntr.mente  a  conhecer  o  peri- 
go do  Estado  ,  se  os  Turcos  firmas- 
sem o  pé  naquella  praça. 

Era  fama  ,  que  o  Marzáo  esperava 
de  Baçorá  em  breve  imporrantes  soc- 
corros  ;  e  que  se  o  deixassem  engros- 
sar o  poder  ,  cometeria  a  Cidade  com 
força  descuberta  5  polo  que  EJRey  de 
Campar  mostrando-ãe  no  discurso  ,  e 
no  valor  soliado  ,  nam  querendo  que 
este  tronco  prendesse  com  mayores  raí- 
zes ,  determinou  com  três  mil  homens 
escolhidos  ,  cercar  a  fortaleza  ;  o  que 
emprendeo  com  mayor  resolução  ,  que 
fortuna  ,  porque  nos  primeiros  assaltos 
o  matáráo.  Os  Arábios  cortados  do  te- 
mor com  a  morre  do  Rey  ,  deixado  o 
sitio  ,  vietáo  a  sepultar  o  corpo  ,  sen- 
do na  occasiáo  a  vingança  mais  oppor- 
tuna  ,  que  a  piedade. 
T(y'm  D.  A  Terradi  que  navegava  á  Ormuz , 

Payo  de  entrando  o  cabo  de  Rosalgate ,  se  en- 
Aoro-  controu  com  Dom  Payo  de  Noronha  , 
a/m.  que  com  doze  navios  de  renao  ,  guarda- 
va aqueile  Estreito  ,  e  entendiJa  a  per- 
rençao  do  Arábio  ,  p^recendo-lhe  este 
soccorro  digno  de  todo  grande  sol- 
dado ,  escreveo  ao  Capitão  de  Ormuz , 
que  se  não  houvesse  de  tomar  esca 
honra  para  si  ,  lha  náo  negasse  á  elJe. 
Dom  Manoel  lhe  mandou   mais  dous 

na- 


L  I  V  B  o    IV.       417 

navios  ,  e  alguma  genre  escolhida ,  pa- 
fci  cjue  fosse  assegurar  a  Cidade ,  em 
quanto  lhe  apresrava  rrryores  forças  j 
e  ao  Embrixsdor  d'EIRcy  de  Cam- 
par ,  depois  de  lhe  fazer  honrado  tra- 
ramento  ,  aconselhou  ,  que  pedisse  ao 
Governador  da  índia  armada  ,  que 
elle  era  tal  .  que  náo  negaria  amparo 
aos  amigos  do  Estado  ,  mórmiente  con- 
tra Turcos  ,  cuja  gaerra  tomávamos 
como  herança  de  nossas  armas. 

Chegou  D.  Payo   á   Adem  ,  onde  Chega  i 
foy   recebido    com   a    benevolência  ,    e  yiddm, 
grandeza  ,    que  poderão    a  seu   próprio 
Princípe   ,    entregíindo-lhe    a    Cidade  , 
ranto  para   a  defensa  ,  como  para  o  go- 
verno.   Arvorarão   huma    bandeira   nos- 
ja  5    pola    qual    se  ppostáráo   a  morrer 
todos  j    sangrandc-se    nos    peitos    com 
demonstraçoens  ,    e  ceremonias    barba- 
tas  ,  mas   fieis  ,  protestando   ,    qte  de- 
fendiáo  aquella  Cidade  ,  como  membro 
do   Estado  ,    de  que  já  eráo  por  obe- 
diência   vassallos ,  e    filh.os    por     amor, 
Fcrém  D.   Payo  se   portou    de  manei-  ^  '^''^  '*- 
ra-,  que  fez  'declinar  a  opinião  de  ros- ^'^  ^^^* 
sas  armas  no  Orienre  ,  e  nós  troncare- 
mos   03  accidentes   d'esta    Historia  em 
beneficio  de  tam  gr?.nde  appellido  ;  da- 
do que  andáo  de  outra  penna    mais  U- 
vre  referidos  cm  vuigaies  escritos. 

De, 


41 8  Vida  DE  DJoXo  DE  Castro. 

Os  mora-        Desamparados  os  de  Adem  por  D* 
dores  en-  Payo  ,  nem  assim  perderão  a  devoção  do 
vlão  à     Esrado  ,  defendendo    a   Cidade    com  a 
^•<^«       voz  de  Portugal  na  boca  ;  e  porque  ou 
não  tinháo  ,  oUnÁo  quizèráo  outro  abri- 
go, que  o  de  nossas  armas,  resolverão 
enviar  huma  pessoa  Real  ao  Governador, 
que    lhe  significr-sse    o  estado   em  cjue 
se  achaváo  j  de  cujas  misérias  podíamos 
tirar  nova  fama  ,    náo   desprezando    a 
gloria    de   amparar    affligiáos  ;    que    o 
Príncipe   de  Adem    queria    receber    do 
Estado    as  leys  ,    e  a  Coroa  ,  a   quem 
se  faria   feudatario   com  hum  grato  ,  e 
konesto   tributo. 
JUzra-  D.  Jcáo  de  Castro   se  alegrou  de 

se  o  Go'  ver   soar  seu   nome  ,    e   suas   victorias 
vcrna-     nos    ouvidos    dos    Príncipes    remotos  , 
t^or.        fazendô-os  náo   só  reverentes  ,  mas  so- 
jeitos.    Em  Goa   houve  grande  alvoro- 
ço com    a   mensagem   ,    vendo  que   a 
fortuna  do  Governador  tornava   ao  Es- 
tado as   felicidades  da  primeira  índia  , 
pois    aonde    outras    armas   mal    haviáo 
chegado  por  noticia ,  as  su:^.s  chegava  o 
por  império. 
Manda  Deu  O  Governadot  esta  empresa  á 

seu  fi-    seu    filho    Dom  Álvaro  ,  tam  beneme- 
Iho,         nto  de  todas  ,  que  náo  pareceo  a  elei- 
çam  de  pay,  mas  de  ministro.  Quize- 
láo-se   embarcar   com    elle  muitos  Fi- 

dal- 


L  I  V  F  o    iV.       419 

da!go$  velhos  ,  (]ue  o  Governador  des» 
viou  com  hum  modesto  decreto ,  or- 
denando 5  que  se  li  ca  3  sem  em  Goa  , 
porque  necessitava  d'çlles  para  cousas 
mayores  i  era  porem  táo  grande  o  gos- 
to da  jornada  ,  que  receberão  o  decreto 
como  aggravo  de '  todos  ;  parece  que 
era  o  vicio  daquelles  tempos  a  ambi- 
ção dos  perigos.  O  Governador  os  sa- 
tisfez ,  alegre  de  ver  acueíles  espiritos 
cri  dos  debaixo  de  sua  disciplina. 
Wandou  logo  cifar  ,  e  bastecer  trinta  ^'^^  1*-^s 
navios  de  remo ,  de  que  fez  Capitães  ormtidt^é 
X  Dom  António  de  Noronha  ,  filho 
do  Viso-Rey  Dom  Garcia  ,  António 
Moniz  Barreto  ,  que  hia  provido  na 
fortaleza  ,  que  se  havia  de  fjzer  eni 
Adem  ,  D.  PedrO  d'Eça  ,  D.  Fer- 
nando Coutinho ,  Pêro  de  Attayde  In- 
ferno ,  D.  Joáo  de  Attayde  ,  Alva- 
10  Paez  de  Sotromayor  ,  Fernáo  Pe- 
res de  Andrade  ,  Pêro  Lopes  de  Sou- 
sa ,  Ruy  Di2s  Pereira  ,  Pêro  Botelho 
Porca  ,  irmão  de  Diogo  Botelho  de 
casa  do  Infante  Dom  Luiz  ,  Aivaro 
Serrão  j  Luiz  Homem  ,  Melchior  Bo- 
telho ,  Veador  da  fazenda  ,  Gomcz 
da  Sylva  ,  António  da  Veiga  ,  Luiz  Ah 
varez  de  Sousa  ,  joáo  Rodriguez  Cor- 
rêa ,  Diogo  Corrêa  ,  que  tinha  vindo  com 
©Embaixador  de  Adem  ,  Diogo  Banho  , 
Ee  P*- 


4^0  VíDA  D2  DJoXo  DF  CaST^O. 

Pêro  Preto,  Álvaro  da  Gama ,  e  outros. 
Cutra  Poucos    dias  antes  ane  çárpassè  a 

E>nbaí'    srmaja  ,  chegou  á  Goa  num  Embaixa- 
xada  de  ^CT  d'F/!Rey    de  Caxem   .   á    quem  os 
Çãxem.   Fartaques     vizinhos      hâviáô     usurpado 
grande   parte    do   Reyno.    Este ,   cortio 
Teynava    tia  outra   çontncósta    da   Ará- 
^bia   ;    sabendo    que  Adem    era  socCôr- 
'rido^   de   nossas   armas  ,  ajuizando    que 
com  a  mesma  armnda   o  podíamos  res- 
.    taurar  ,    escreveo    ao  Governador  ,  qqe 
'  '     '   tião  seria    menos  gr.'^ro    ao  Mundo  res- 
tituir a  Cax^m^v  qiie  defender  a  Adem, 
Representava  '  quam     $el    hosped^getn 
■  roèiário    nossas'  armadas,  em  seus  por- 
tos ,   fazendo  resenha- das  que    allí  há- 
vião  ancor?iG0    em   tempos  difierenTes, 
á  cuja  cansa  se  fizera' sos  Turcos  sospei- 
toso ;  oítereciá   além  da   fidelidade   mo- 
Keposta  derado    tributo.    O    Governador    cnten- 
di>  Go-    dendo  ,    que   estes  soccorros  reputaváo 
verna-     nossas    forças   ,    e   criaváo    amigos   ao 
^'^^'         Estado  ,  assentouV  que  com    a   mesrna 
armada   se  desse   favor   ao  de  Caxerrí  , 
vi^to    ser    buma    mesma  a  viagem  ,    e 
a  despesa  ,    com  que'  se  podia    obrar 
huma  ,  e  outra    empresa.    E  porque  os 
-  ■  de  Adem  ,  como  cercados  ,    necessita - 
váo   de   prompto    soccorro  ,    o  Gover- 
nador  antevendo  ,  que    o  corpo  da  ar- 
mada; podia    checar  tarde  ,    frustrando 


-h  irv  x''o    IMy      4^1 

o  intenro  ,  -e  cabedal  ,   ^^P^^J^op  ^o*   .-.;.> 
go  a  D.  ]oáo  -de  A tta y^e,  conv> -quatro   i^nu-T 

jaavios  ,  para  (jue  entrasse  ..«m  r/.çiem-, 

^€  eniretivesse  o '  cerco  até  chegar  D. 
Álvaro,    Dom  ]oáo    de   Attayde  ^áea  4 

vVéla  ,  e  por  lhe  ventar  o  Nojoestç 
grosso,  desaparelhou   hum  dos  navios.., 

,^ue    arribou    destroçado;  ,    ps  mais  fq- 

•  láo  seguindo  saa  viagemé?     .  ;*'  / 

Enrrct^nto  .peIci;aváo.   en>    Adem  ^  '/^^ 
obstinadamente    cercid' res   *    e  -  cerca- /'^^•^^"'^    . 
dos  ,  dcírernando   de   ambas    as   panes 
sangue,    Carregava  o   pezo  d'e^ta  guer- 

.  ra  sobre  alguns  Portugueses  da  Rema- 
da de  Dom  Payo  ,  que  mostrarão  va- 
lor iilustre  em  nascimento  humilde  ; 
os  quaes  se  empenharão  na  resistên- 
cia   ,    como    se  defenderão,   sua    pátria 

,  no  ' principado,  alheyo.  .  Eíites   hasúráo 

,  á,  embaraçar  aos  Tuícos  .a  victoria  mixi- 
tos  dias  ,  e  como  eráo  soldados  de 
fortuna  ,  nossas  Chrcnica&  com  in- 
grato silencio  lhes  calláráOs  os  ncmes  , 
como    se    a   virtude  nec-çssit^ta  de   he- 

-  roicos  ascendentes  ^  .  e  fossí^mr  íT'e];>OS 
honrados  esies,  por^.  suas  obras  próprias  ^ 
que  os  outros  polas-alhêas.  Oe.y o  .qutí 
com  injuria    da  naCurí^za    .Cft^ííráo  ncvas 

.  leys  os  poderosos  5  em  qu^-.ibíOíi.só  fa- 
zem   hereditários    os    morgados   ,   .mas 

.^8  meíecimemos..-;  ;:)  g  oIíuíjí?. 

Ed  ii  Es- 


422  Vida  de  DJoSô  de  Castiro. 

ChfgSo  Estando  as  ceusas  de  Adem  na  con- 

Xurç^s.  tingencia  ,  que  temos  referido  ,  appa- 
reeeo  a  armada  dos  Turcos  ,  que  cons- 
tava de  nove  galés  Reaes  ,  e  alguniafs 
galeoras ,  as  quaes  deráo  vista  á  Cida- 
de, e  surgindo  fora  da  enseada  ,  sai- 
láo  em  terra  ,  armáráo  tendas  ,  e  for- 
tificarão alojamento  ,  avisando  ao  Ba- 
xá  se  lhes  aggregasse  com  a  gente  que 
tinha.  Os  Arábios  ,  que  virão  sobre  si 
forças  táo  grandes  ,  acodiáo  remissos 
à  defensa  ,  huns  ti  bios  ,  outros  des- 
confiados ,  parecendolhes  insuperável 
o  valor  ,  e  o  poder  dos  inimigos  ,  e 
já  em  privadas  juntas  accusaváo  em 
seu  Rey  a  ambição  de  dilatar  a  Co- 
roa com  o  sangue  do  innocente  po- 
vo ,  náo  cabendo  seu  espirito  na  for- 
tuna de  seus  antecessores.  Porém  os 
Portuguezes  ,  que  com  elles  estaváo  , 
vendo  que  dos  casos  mais  árduos  era 
mais  glorioza  a  fama  ,  esforçarão  os 
Arábios  ,  mostrahdo-lhes  a  resistência 
necessária  ,  c  possivel  ;  ofFerecendo-se 
de  novo  por  companheiros  voluntá- 
rios de  sua  fortuna  ;  o  que  bastou  a 
criar-lhes  outros  espíritos  novos ,  com 
<jue  se  apostarão  á  morrer  na  defensa ; 
menos  pola  obrigação  ,  que  polo  exeiu- 

'^^'^^    pio.  • 

Põem-  Sitiarão  a  Cidade  os  Turcos ,  pon- 


I 


L  I  ,y  R  o    IV..     423 

<3o-lhe  duas    batarias  com   algumas  pe* 
ças    de  disforme  grandeza  ,    entre   eilas 
duas  )    que  chamaváo  Quarcaos  i   )oga- 
váo  baila   de   quatro   palmos    de   roda  j 
fizcráo    nos   muros    mais    ruínas  ,    que 
brechas  ,  com   que    aos  cercados   o  pe- 
rigo   ensinou     a    disciplina   ,     fazendo 
seus    reparos  ,    e   travezes    por  dentro  , 
com    que    enuecinháo  ,    e   rebatiáo    os 
assaltos  ,    e    fliziáo    aos    Turcos    duvi- 
dosa ,     e    custosa    a    victoria.     Porém  D.  Pa^ 
Dom  Payo  de   Noronha    ( arrastado  de  i/o  'man- 
tlgum   fatal   destino  )    privou    aos  Ara-  ^(^  reco- 
bioS'  da  victoria  ,  aos   nossos  da  honra ,  ^^^^  ^^ 
mandando     secretamente    avisar     a    to-  nossos» 
dos  03  PortuGjUezes  se  viessem   á  elle  , 
desempatando    a    defensa    do    Principe 
feudatario ,  e  amigo ,  faltando   ás  obri- 
gaçoens    do    cargo  ,    c   as    do   sangue* 
Os    mais     dos  ^  Portuguezes     obedece- 
rão ;  só  Manoel  Pereira  ,    e  Francisco 
Vieira  ,  dous  soldados  de  fortuna  ,  dis- 
seráo  ,    que    aquella    Cidade    era    d'El- 
Rey    de  Portugal  ,   e  que    na  defensa 
delia   haviáo  de  perder  as  vidas:  pare- 
ce   que    na    milícia    d'aquelles    tempos 
primeiro  se  perguntava   pelo  valor ,  que 
pela  disciplina.  Estes  sustentarão  a  Ci- 
dade  até  o  ultimo  dia  ,  ganhando  me- 
lhor opinião  na  ruína  ,    que  os  Turcoái 
na  victoria. 

Lo- 


4i4'  Vida  DE  D  JòSõ  bE^CA?TRo; 

(Q^.:e  fã'    -    '    Logo  que  es  Arâí>i<><?  enréndêráo  , 
xcrn  os     cfué-fH^ía    OS    Portuguezcs    recol Ilidas,' 
arábios,  perdida  â  esperança  dâ  defensa  ,  trata- 
rão   de    partidos  ;     mandou    porém    o 
Príncipe    cessar    a  •  pratica    ,    dizendo  , 
que  antes    sa^iria    da    Cidade    desbara- 
tado ,    cjLie  rendido  ;    que  aqueiia   ban- 
deira   d  ElRey  de   Portugal    não  havia 
deixar   ganhala  aos  Turcos  sem  nódoas 
de   seu   sangue    :    fidelidade    di^na    de 
ser    melhor  assistida    de  nossas    armas. 
Continuou  os  assaltos  o  inimigo  ,    co- 
''■  nhecendo    já    no?    moradores    divisão  , 

''^         €    fraqueza  ,  com   que  tornou   a  tom.ar 
caicr  a   pratica    da  entrega  j    a  qual  ò 
Príncipe  -atalhou  sempre  ,  á  si  mesmo 
fief ,  e-âo   F.stido    Porém  o  perigo,  a 
furtie  ^    é  3.  desconfiança  dobrarão    al- 
guns    dos    moradores    para    darem    aq 
ini'-nigo    huma    porta  stcreta  ,   por  onr, 
de  entrou  a  Cidade.    O  Principe    com 
^  vida -desempenhou    a   fidelidade    pro- 
metida ao  Estado,  peleijando   com  es- 
pirito Real,  mas  infelice.    Msnoel  Pe- 
reira ,  e  Francisco  Vieira  salvarão  a  hum 
Infante  ,  que  leváráo  á  Cam.par  ,   con- 
solnndo    aos  vássallos    com   aquelle  pe- 
queno ramo  de  seu  prostrado  tronco. 
f  c  -no     '      ^'  ^^^^    ^~    Attayde  ,  que  dcixa- 
/f^^^^'^  mos    no  mar  com  três  nâvios  ,  foy  fa- 
Uu'dc    zendo   viagem  ,    e    poraue    tinha  -vên. 


Livro    IV.        425* 

tos  de  servir  ,  cm  poucos  diis  vio  a 
cosra  da  Arábia  ,  c  foy  demandar  a 
Cidade  de  Adem  ,  e  entra  ido  á  re- 
mo na  bahia  5  deu  de  resto  corh  ás  ga- 
lés que  estaváo.  surras  ;  e  porque  «iin- 
da  cufrâvác  ós  Levantes  ,  se  tcrnou  a 
sahir  para  o  pego.  Os  Turcos  ,  logo 
que  virão  os  nr;vios  ,  leváráo  as  ar>co- 
ras  5  e  os  Foráo  segnin  io  táo  apressada- 
mente com  a  ver^ragem  do  remo  ,  que 
os  navios  de  Gomez  da  Sylva  ,  e  An- 
tónio da  Veig  ,  lhe  ficaváo  ja  quasi 
debaixo  dos  esporoens  das  galés  ,  e  ven- 
do que  lhes  náo  era  possivcl  a  fugida 
menos  a  resistenc-â  ,  var:ráo  os  navios 
na  terra  ,  que  lhes  ficava  perro ,  onde 
salvaram  as  vidas,  D..  Jcáo  de  Atray- 
de  ,  córao  levava  melhor  navio  ,  foy 
metendo  de  ló  'tudo  o  que  pode  ,  ven- 
do-se  muitas  vezes  perdido  ,  até  qíi^  so- 
breveyo  a  noite ,  com  que  se  fez  na 
volta  do  Abexim ,  em  cuja  costa  espal- 
mou o  navio  no  liheo  de  Mete  ,  què 
faz  frenre  as  Cidades  de  Barbara  ,  e 
Zeila.  Os  que  se  salvárAm  em  terra , 
foráo  buscar  o  abrigo  d'ElRey  de  Cam- 
par ,  onde  acharão  Manoel  Pereira  ,  e 
Francisco  Vieira  ,  de  quem  souberáo 
os  successoá  ,  que  temos  referido  j  fo- 
ráo hospedados  ,  e  providos  de  tudo 
com  amor ,  e  abuadancia. 

a 


4ié  ViDADE  DJoXo  DE  CastroJ 

Viuvem  D.  Álvaro    de    Castro    ,    partindo 

(íe  D.      com  toda   a  armada  junta  ,  como  leva- 
tilvaro.  va  os   Levantes    em   popa ,    fez    a  via- 
gem  breve  ,  e  tanto  avante  ,  como  os 
rheos   de  Canecanim  ,  lhe  sahio  Dom 
Joáo    de    Artayde  ;    do    qual    soube   ^ 
perda    de    Adem  ,    e  como    lhe    corre' 
ráo  os  Turcos  ,    de   cujas  galés   se   li- 
vrara çom  o  f,ívor  da  noite.  Dom  Ál- 
varo ,  e   03  Fidalgos   ,    e   soldados    di 
^miada    ,     mostrarão    justo    sentimento 
d  esta    nova  ,    avaliando    em    menos   a 
perda  do  Estado  ,  que  o  desar  de  nos- 
sas armas  3  porque  dâs  quebras  da  opi- 
nião   entre    naturaes  ,    e  estranhos  du- 
ra sempre  a  memoria,  O  Embaixador , 
e  cunhado   díLlRey    de   Campar  ,  quç 
hia    na  armada  ,    sentio    vivamente   a$ 
niortçs  do  cunhado  ,  e   sobrinho  ,  coa- 
sohndo-se     porém    muito     çom    saber 
que    nada    ficúáo    devendo     á    honra  , 
pem     á   fidelidade  ,    mostrando    nestas 
consideraçoens  animo   tam  inreiro  ,  co- 
mo   se    buscara     alivio    á    dor    alhêa. 
Frítí-oí- Dom  Álvaro  com  os   Cabos    da  arma- 
sdho  ,  c  da   poz    em    conselho   o   que    se   devia 
que  as-  obrar  i    e  pareceo    á  todos  ,  que  visto 
4§iita,      p  soccorro  de    Adem    estar   frustrado  , 
voltassem    as   armas    em    beneficio    à> 
Rey  de  Caxem ,  como  trazia  por  ins- 
truçjráo    a  armada  ,   á  quem  os   Farta- 

^ueç 


Livro    IV.       427 

quês  vizinhos  tinháo  tomado  a  forta- 
leza de  Xael ;  a  qual  senhoreava  huni 
porto  ,  que  era  dos  poucos  ,  que  este 
Regulo  tinha  ,  a  principal  escala  i 
empresa  mais  útil  ,  que   diíicil.  ^ 

Mandou  Dom  Álvaro  governar  '^  J^^* 
Xael  ,  e  surgindo  à  vista  ào  cascello  , 
os  Fartaques  temerosos  ,  ou  amigos  , 
lecebèráo  como  de  y^-z  a  armada.  Era 
o  Forte  fabricado  de  adobes  ,  com 
quatro  cu  bel!  os  tam  pequenos  ,  que 
bastaváo  para  o  guarnecer  trinta  ,  c 
cinco  soldados  ,  que  o  presidiaváo. 
instes  ,  tanto  que  víráo  a  armada  ,  lan- 
çarão fora  huma  mulher  ,  que  enten- 
dia ,  e  failava  a  nossa  lingua  ,  a  qual 
perguntando  peio  Capitão  mór  ,  lhe 
disse  ,  que  os  Fartaques  eráo  amigos 
do  Estado  \  que  se  vinhamos  em  de- 
manda d'aquella  fortaleza  ,  a  largariáo 
logo.  A'  muitos  pareceo  ,  que  se  lhe 
aceitasse  ,  porque  de  inimigos  tani 
poucos  ,  e  sem  nome  ,  não  esperáva- 
mos gloria  ,  nem  despojo  ;  os  mais 
votarão  ,  que  por  authoridade  de  nos- 
sas armas,  os  mandassem  render  á  dis- 
crição. Entendida  pela  mulher  esta  Intenta 
resolução ,  disse ,  que  os  Fartaques  sa-  <»  <iw/<i» 
fcerião  defender  as  vidas  ,  e  o  cas- 
tello  ,  mal  satisfeita  da  reposta  dos 
I10SSOS.   Os  Mouros  tirarão   logo  huma 

ban^» 


/ 


42S  Vida  de  DJoSo  de  Castro.' 

'-  bandeira    branca    ,     e    arvorarão    outra 

vermelha  ,  á  que  succedeo  tirarem  og 
nossos  algumas  bombarJadas ,  com  pon- 
taria tam  incerta  ,  que  niím  fizeráo 
^mno.  D.  Álvaro  rodeou  com  todos 
;'  os  seas    a    fortaleza  ,  que  niandou    co- 

meter   por   escíla    por    dilferentes    par- 
res  ,    assegurando    os    que   subiáo    com 
a    espingardaria    de  baixo  ,    c    porque 
era    a    carga    continua  ,    nam    ousaváq 
apparecer     os    Mouros.     Fernão    Peresi 
foy    o    primeiro  ,    que  começou  a  su- 
bir   por  huma  e?cada  ,    levando  o  seu 
guião  diante  ,  que  arvorou   ,    e  susten- 
tou no   muro.    Quasi     ao   mesmo   tem- 
po subio   Pêro  Botelho  com  o  mesm^ 
risco  ,    e  fortuna  que  o   primeiro.    E&; 
tes  franquearão   aos  mais  a  subida.  _  J 
,  António  Moniz   Barreto  ,    D.  An- 
tónio    de    Noronha  ,    Dom    Joáo     de 
Attayde  ,.  e    outros  foráo   demandar  a 
porta    da    forralezii  ,    que  estava    entu- 
lhada com   fiirdos    de  tâmaras ,  e  naiu 
poderam    entrar  ,    sem    que   os  nosios 
viessem  por  dentro  ,    e  a   desentulhas- 
Tehijão  ^^^'  ^^  Fartaques  se  retiraram  a  dous 
os  Ara-   cubellos  ,  donde    se  defendiáo  com  de- 
hlos  até   sesperado    valor,  engeitando  as  vidas, 
morrer     que   Dom  Alvaro   lhes  ofFerecia  ,    que 
têdos.      parece   ,    queriáo    perder    para    vingan- 
ça ,    ou  para  deeculpa    da   fcfja.,  que 

náo 


L  IV  R  o    IV.        42^ 

rio  podéram  defender  ,  que  âté  entrff 
estes  bárbaros  he  o  valor  a  primeira 
virtude.  Peleijáráo  em  fim  os  Mou- 
ros acé  acabar  todos  ,  não  merecendo 
nome  de  esforço  a  obstinação  barbara, 
donde  nam  podiáo  esperar  victoria  , 
nem  vingança  Dos  nossos  morrerão  cin* 
CO  ,  e  passaram  de  quarenta  os  feridosí 

Ganhada  a   fortaleza  (  facção  mais  ^^^"^n- 
'importante    zo    Regulo  ,    que  grande  a  ' 
nossas  armas  )  a  entregou    Dom   Alva 
íO  ao  Embaixador  d'E.lRey  de  Caxem  , 
que  mostrou    a   gratidão    do  beneíicio, 
entáo    em   basiecer    a   armada  ,  depois 
em  ter  com    o  Estado    fiel    correspon- 
dência  ;    e    porque    se   hia   gasrando   a 
monçáo   ,    se    foy    D.    Alv^iro  invernar 
á  Goa  ,    onde    foy    recebido  com    ap- 
plauso    mayor    que    a  victoria   ;    festas 
que  o  Governador  fomentou  como  pay  , 
e   Dom  Álvaro    estimou    como    solda- 
do. 

Tomou  Lourenço  Pires  de  Távora  Chc^a 
a  barra   de  Lisboa  com    as   cinco  náos  Louren- 
de    sua  conserva ;  as  quaes    tjveráo  náo  co  Pires 
sò  breve  ,    mas  facil  ,    e  prospera   via- áLíiií»^. 
gem.    Dissemos    como    nelia  vinha  D. 
]oáo    Mascarenhas,    cheyo    de   fama   , 
e  de  merecimentos.    As  novas  de  Dio 
56    derramarão    logo  pelo    povo  ,   ajui- 
^^ado    cada  hum  y  como  entendia  ,    a 


430  Vida  de  DJoÂo  de  Castrd. 

paciência  do  cerco  ,  e  a  resolução  da 
batalha.  O  vulgo  náo  sabia  pôr  raix.^ 
nos  louvores  de  Dom  Joáo  de  Castro 
como  gente  sem  enveja  das  pessoas  ,  J 
fortunas  mayores.  Os  Fidalgos  ,  e  gran. 
des  aiudavao  ,  ou  consentiáo  a  voz  uni- 
versai  de  todos  ,  sendo  virtude  rara , 
poder  sofrer  de  seus  iguaes  a  fama  ;  e 
nao  houve  algum  táo  ambicioso  .  que 
desejasse  para  si  melhor  nome ,  nem 
mais  iiiustres  obras. 
Testeija-  Vestirão  galas  os  Reys ,  e  a  Cor^ 

ãe  a  no'  te  ,  e  determinarão  dia  para  dar  graças 
va  de      na  Capella  com  oífertas  pias  ,  e  Kcaes 
T>iô.        Houve    hum  douto   Sermáo  ,    em   quê 
se  disseráo    do.  Governador    encómios, 
e    virtudes.     ElRey    deu   conta  da  vi- 
etona     ao    Surtimo   Poncifíce  ,    e    aos 
mayores    Príncipes    da    Europa   ,     que 
todos   lhe  congratularão  ,  como  a   mais 
illustre    facção   do    Oriente,    Na    carta 
que    escreveo    á    ElRey  ,   Dom    João 
ae   Casrro  ,    pedia  licença  para    se  vir 
ao  Reyno   ,    mostrando    que   não   bus- 
cava postos  quem  deixava   os  mayores ; 
e  porque    náo  parecesse    ambição  nova 
Q,uepedeQ  desprezo    de  tudo  ,   pedia   á   ElRey 
•  Gover-  duas  geiras  de  terra ,  que  partem  com  a 
^odor  de  sua  quinta  de  Sintra ,  e  rematáo  em  hum 
^  ^^ftf-    pequeno   cabeço  ,    que  inda  hoje  con- 
^^'*        serva    o  nome    do  Monre  das  Alviçar 

ras. 


í 


L  1  V  R  o     TV.       431 

ras,  Parere  ,  que  nas  honras  revê  El- 
Rey  consideração  á  seus  serviços  ,  e  no 
p-ernio  á  sua  fortuna.  Tudo  se  verifica 
da  suã   carta  ,  de  que  damos    a  copia. 

Carta  d  El  Rey  D.  João  Terceiro', 

5,  *\  7"  Tso-Rey  amigo.  Eu  ElRey  ves  C"' 
5,     V    envio  niúito  saudar.   A  victoria  ,  ^^^"^y 
.  „  que   Nosso  Senhor  vos  deu  contra  os  p\^'^^ 
„  CApiraens    de  ElRey   de   Cambava  ,         *-^* 
5,  foy  de  táo  grande  contentamento  pa- 
5,  ra  mim  ,  como  era  razáo ,  que  eu  ti- 
5j  vesse  por  tal  ,  e  tamanho  vencimen- 
5,  to  ,    e    por  quam   grandes    mercês  , 
5,  e  ajudas    nisso    recebestes  de  Nosso 
'5,  Senhor,  polas   quaes   elle    seja   mui- 
5,  to    louvado   ;    e    muito    se    deve    á 
,j  vossa   prudência   ,    e   grande  animo, 
5,  que  naquelle  dia   mostrastes  ;    e  assi 
5,  no  que  fizestes  no  grande,  e  apres- 
„  sado  soccorro  ,  que  mandastes  á  for- 
,5  laleza    de    Dio    em    rio    desvairado 
5,  tempo  5    oíFerecendo  ao  mar  vossos 
,5  filhos  i  em  que  se  vio  ,  quí^nro  mais 
,,  pode    com   vosco    o  que    importa    á 
5,  meu   serviço  ,    que  o  affecto  natural 
,,  de  pay  j  o  que  cu  a^si   estimo  ,  co- 
5,  mo  he   razáo  ,    vendo  ,  que  náo   só- 
5,  mente   desbaratastes    tam  grande  po» 
5,  der  de   inimigos  ,    mas  aind-rf  destes 
^,' muita  segurança  á  toda  a  índia  ,  no 


451  Vida  deDJoÂo  dé  Castro; 
„  í^rande  receyo  ,  que  aos  inimigos 
„  deila  fica  com  esta  tair.anha  vrcco^ 
5,  ria  ;  cujo  serviço  assi  he  razáo  ,  que 
3,  eu  tenha  na  conta  que  el'e  merece, 
5,  como  que  renha  delie  o  contenta- 
„  mento  ,  que  se  requere.  E  dofale- 
5,  cimento  de  vosso  filho  Dom  Fer- 
5,  nando  recebi  muy  grande  dèspr^- 
5,  zer  ,  assi  por  ser  elle  vosso  fiiho^, 
,,  como  porque  hia  bem  mostrando 
j,  aaqueila  idade  ,  quem  houvera  Ó.& 
,,  ser  em  toda  a  outra  j  pois  aç4- 
5,  bou  táo  honradamente  ^  e  em  láo 
55  grande  seiviço  de  Nosso  Senhor,,  e 
5,  meu  3  deveis  de  sentir  menos,  sua 
5,  perda  ,  e  dar  graças  a  Nosso  Sen'iof 
3,  por  como  foy  servido  ,  que  acabris- 
5,  se  ;  o  que  sey  ,  que  vós  fizestes  , 
35  mostrando  ainda  no  esquecimento 
53  da  morte  do  fiiho  ,  a  lembrançA  do 
55  que  .cumpria  á  meu  serviço  ;  àjs 
5,  quaes  cousas  assi  s.erey  sernpre  lem- 
5,  brado  ,  que  não  sòmenie  vo-Jas 
5j  conhecerey  com  grande  contenta- 
55  mento  d"el]as  ,  mas  ainda  com  mui- 
5  5  ta  mercê  i  á  que  agora  quiz  dar 
5,  principio  nas  que  faço  á  vós,  e  á 
5  5  vosso  filho  Dom  Alvarp  ,  guarda  n- 
55  do  o  remate  delias  para  o  cabo  de 
55  vos*o .  serviço  ,  <pQ  eu  confio  ,  .e 
„  tenhp  pot  inuy  Cêrto,  €[ue  será, tal. 


p 


.--í'"ÍVí  «'o  'W''  Vj! 


5J 


I 


como   forãò  os  que  atégóra  me  ten- 

,    des   feiro   ;    e   com    esia   confiança  , 

3,  e  com  "a  experiência  ,  que  d 'isso  re- 

5,  nhò  ,    desejando    muito'   nèstè  tempo 

5,  vos   fazer  mercê   ém   tudo  5^  cbnside- 

„  rando  porem    quanto    isto  cumpria  á 

3,  meu    serviço  ,    e   vendo    por    vossas 

55  cbras  5  quanta  mais  conta  tínheis  com 

5,  elle,  que   com   tqlas  vossas   cousas, 

", 5  houve   por  bem    de    vos  não  dar  li- 

,,  cença  para    vos    virdes  ,    como   me 

5,  pedíeis.     Pelo   que    vos    êncorTiendo 

5,  muito  5  e   mando  ,  que   o  hajais   assi 

S>  poí"  hem   ,    e  que  nesse  carrego   m<? 

*n  ^'J^ir^^s   ainda   servir   outros   três  ân- 

";,  nos  ,  no  fim  dos  quaes   vos   mand^- 

"j,  rey  licença  para  vos  virdes  embora. 

"'„  E  eu  espero  em  Nosso  Senhor,  qus 

5,  vos  dè  muy     boa  disposição   para  o 

"55  fazerdes.    E  porém    se   por   sima  do 

3,  que    tanto   cumpre    á    meu   serviço  , 

„  como  he  ficardes-me    ainda  servindo 

5,  nessas    prrres    por    este  tempo  ,  vós 

5,  á    vós    parecer    que    terdes    lodavFa 

.5  necessidade  de  vos  virdes  ,  íol^dvey 

3j  de  mo  escreverdes  ,  e  entretanto  es- 

"3,  perr.reis  m.inha  reposta.  Pêro   de  Al- 

9,  cai^ov4  Carneiro  a  fez  em   Lisboa  s 

\  „  vinte  de  Outubro    de  mil  quinhentos 

^„  quarenta  e  iette,  ^^^^    "•; 


434  Vida  de  D  JoXo  de  Castro; 

Creyo  ,  ^ue  nos  pede  attençáo  mayor 
a  Cai  ta  da  Rainha  D.  Catherina  ,  on- 
de náo  he  só  Real  a  firma ,  mas  tam- 
bém o  discurso,  ajuizando  as  acçoens 
da  vicroria  com  madureza  de  varáo,,  © 
brios   de  soldado. 

Cana  da  Rainha.  D >  Catherina. 

5,  T  T  Iso-R-ey.  Eu   a  Rainha  vos  ért- 

3,     V    vio   muito  saudar.  Vi  a  Carra , 

3,  que  me  escrevestes  ,  na  qaai  particu- 

„  larmente  me  dais  conta  dõ  que  teri- 

3,  des  feito  ,    e  provido    ém   todas  ás 

3,  cousas  ,    que  vos  pareceo  que  cum- 

„  priáo    ao    serviço  d'E]Rey    meu  se- 

3,  nhor  ,  e  á  defensão ,  e  segurança  d'eá- 

„  sas  partes ;  e  de  tudo  ser  táo  confor- 

3,  me  á   quem   vós  sois  ,    e   á  grande 

,5  confiança  que  S.  Alteza  de  vós  tem, 

",,  recebo   tanto  contentamento  ,   como 

'j,  he  razáo  ,  assi  por  ver,  que  S.  Altè- 

*  3,  za  he  de  vós  táo  bem  servido ,  como 

^55  pola  muita  honra  ,  que  nisso  tendes 

*„  ganhada.    E   quanto    ao   cuidado  ,  e 

3,  grande  diligencia  ,  com  que  logo  en- 

3,  rendestes    no  corregimento  ,  e  provi- 

3,  mento  da   armada  ,  foy  grande  prin- 

.  3,  cipio  ,  e  muy  nece  sarío  para   reme- 

„  dio  de  tamanhas  cousas,  como  depois 

„  se  offerccêráo  -,  e  por  certo  tenho  ,  que 


L  I  V  K  o    IV.       43J 

por  muy  grande  ,  o^ue   íosse  o  traba- 
lho ,  ^ue  nisso  levastes  ,  seria  mayot 
o  concetitaniento  .  que  teríeis  de  ser 
ráo  bem    emprega Jo.    E     a    guerra, 
que  fizestes    ao   Hidalcáo  ,  fçy  cousa 
muy    bem   acertada   ,    pois   tác  claro 
se    vio    nelja     o    contrario    da    upi-* 
niáo  ,  que   dizeis  se   tinha    ,    que  da 
„  guerra    dos  Portuguezes  ihe  náo  po- 
5,  dia   vir  dc?no;  o  qye  íeria   causa   de 
a  mover    tantas   vezes  j  nem   de  sua 
paz    se   lhe    seguia     pioveito  ,    polo 
que    náo    estimaria    quebrala.    E    ss 
elle  sGuDefa  quem  vós  sois  ,  e  quan- 
to mais   vos  lembra  a  h.onra,  que   o 
proveito  ,    nam  curara    de   vos   fazer 
o  otTerecimento  ,  que    vos    fez   acer- 
ca de   Meaje  j  mas    a  pouca   impres- 
são  que  fez   em   vós  ,  e   vosso   clara 
desengano   ,    lho    daria    a   conhecer. 
,,  E  quanto   ao   negocio   do    cerco   ,    e 
„  guerra     da    fortaleza    de    Hio   ,    foy 
„  muy   grande  mercê  de  Nosso  Senhor 
„  a   victoria  ,  que  vos   aili    deu  contra 
„  tamanho   poder  ,    e  número   de    ini- 
5,  migos    de  sua  santa    Fé  Cathclica  ^ 
5,  que  de  táo  diversas    partes   alli  eráo 
„  juntos  ,    e   muy   claro  sinal    de  elíe 
,,  ter  de  sua    máo  o  Estado    de  essas 
55  partes   ,    e  lhe   dou   por    tudo   tantos 
„  louvores  ,   como   he  razão  ,    e  iíie 
Ff  j5  de- 


4]6  Vida  de  DJoXo  de  Castro. 

„  devo.  E  muito  acrecenra  no  grande 
„  conrentamenro  ,  <^ue  ElRey  meu 
55  senhor  ,  c  eu  temos  de  tamanho  , 
5,  vencimento  ,  ver  com  quanta  pru- 
5,  dencia'  ,  e  dircriçáo  provestes  em 
5,  todas  >.5  cousas  ,  (]ue  para  se  poder 
5,  alcançar  ,  eráo  necessárias  ,  e  quam 
55  animosamente  vos  houvestes  o  dia 
,,  da  baralha  ,  e  com  quanta  preste- 
3,  za  soccorre-:res  aquella  fortaleza  , 
35  offerecendo  á  isso  vossos  filhos  em 
„  táo  forres  tempos  ,  o  conhecimento  , 
que  S.  Alteza  ,  e  eu  temos  de  todas 
estas  obras  ,  e  do  grande  fruto  ,  qu« 
d'e".Ias  se  seguio ,  he  rr.uy  conforme 
á  qualidade,  e  grandeza  delias  j  e 
assi  coníio  ,  que  o  Sua  Alteza  mos- 
tre 5  na  honra  ,  e  mercê  que  vos  fa- 
rá ,  e  porque  tudo  5e  vos  deve  ',  e 
bem  o  deu  a  entender  no  gosto,  e' 
,,  contentamento  ,  em  que  logo  quiz 
5,  dar  a  isso  principio  ,  nas  que  agora 
,3  fez  á  vos ,  e  á  vosso  filho  D.  Ál- 
varo ,  segundo  vereis  por  sua  carta.  E 
do  falecimento  de  D.  Fernando  vos- 
so filho,  recebi  muy  grande  despra- 
zer ,  assi  por  quanto  sey ,  que  ha- 
vieis  de  sentir ,  como  poia  perda  de 
sua  pessoa  ,  que  segundo  tinha  mos- 
trado naquelJe  feito  ,  se  pôde  bem 
ver ,  que  foy  grande  i  mas  eu  tenho 

„  lal 


Livro    IV.       437 

j,  rai  conhecimento  de  vós,  e  de  vossa 

„  muita  pmd;:ncia  ,  e  virtude  ,  cjue  sey 

j,  certo  5  que   em  todo  tempo  ,  em  que 

3,  Nosso  Senhor  o  levara    para  si  ,  vos 

j,  conformareis    vós   com  sua  vontade  ^ 

5,  e    tomareis     de    sua    máo  ;     quanto 

5,  mais    sendo  na-^ueilè  ,    em    que    por 

„  defensão  de  sua  Fé  ,  e  em  tamanha 

5,  serviço    de    S*   Alteza  ,  táo   honrad?.- 

j,  mente    acabou   ,    e   cumprio    com    í 

„  obrigação    de    quem    era  ,    que    sja 

j,  razoens   muy  grandes    para  vós  mui- 

j>  to    o  deverdes   fazer  assi   ,    e  muito 

,,  menos   sentirdes   Sua   morte.  E  quan- 

„  to  ao  que   me  pedis  acerca  de  vossa 

5,  vinda  ,    em  que  Dona    Leonor  vossa 

5,  mulher   (que    eu   muito    Folguey    cà 

„  ver  polo  merecimento  de  sua  pessoa  j 

,,  e  virtudes  ,   e   pola    muito  boa   von- 

j,  tâde    que  lhe   tenho)    me   fadou  de 

.^   v.Ossa    pane  ,    como    em   couca   qus 

,,  laíito  deseja  ;  estimara  eu    muno  de 

\y  com  gosto  ,  e  contentamento  de  Rl- 

5j  Bey  meu    senhor  ,    poder    nisso   sa- 

„  tisíazcr  á   vor»   ,    e  á  ella  ;  m.^s   j  o'q 

,,  muito  ,  que  Sua  Alteza   tem  de  voi.- 

^,  so    táo  bom   serviço  ,    e  pola    granr 

5,  de  faka    ,    que  lá   poderia    ftzer  em 

5,  tal  tempo    vossa    pe  soa  ,  houve    por 

5,  bem  de  ie  servir   ainda    Ia  de  vós  , 

-,,  outros. nes  ^nnos  ,  sCj^uridj   por   sv.à 

Ff  ii  ,,  car- 


I 


438  VíDA  deD  JoÃODE  Castro. 

5,  carta  vereis.  E  tenho  por  muy  cer- 
5,  to  ,  que  por  todas  estas  razoens  o 
35  havereis  assi  por  bem  ,  e  vos  rogo 
,,  muito  ,  que  assi  seja  ,  e  espero  em 
5,  N,  Senhor  ,  que  vos  dará  saúde  , 
^j  e  forças  para  o  poderdes  fazer  , 
3,  e  V05  ajudará  ,  e  esforçará  em  to- 
5,  dos  vossos  trabalhos  ,  pois  d'elles  se 
5,  segue  tanto  seu  serviço ;  e  pois  sa- 
5,  be  que  o  principal  respeito  por- 
.,  que  S.  Alteza  o  ha  assi  por  bem  , 
3,  he  saber  ,  que  será  elle  lá  de  vós 
5,  inteiramente  servido.  E  na  lembran- 
,,  ça  ,  que  entre  tamanhos  trabalhos  , 
55  e  táo  importantes  negócios  ,  tives- 
3,  tes  d^aquellas  cousas  minhas  ,  que 
„  levastes  á  cargo  ,  se  vè  bem,  ,  quan- 
5,  to  desejo  tendes  de  nisso  ,  e  em 
5,  tudo  me  servir  ,  o  qual  eu  estimo  , 
5,  como  he  razáo.  E  quanto  o  que  to- 
5,  ca  a  Diogo  Vaz  ,  por  outra  carca 
j,  vos  escrevo  o  que  nisso  folgarey  que 
5,  se  faça.  Com  o  beijoim  de  boninas  , 
5,  e  com  todas  as  mais  cousas  que  me 
,,  enviastes  por  Lourenço  Pirez  de  Ta- 
„  vora  ,  recebi  muito  pr.izer  ,  por  ser 
„  tudo  tam  bom  ,  que  bem  parece  ser 
j,  enviado  com  táo  boa  vontade  ,  a 
,j  qual  eu  ainda  mais  estimo  ,  e  tudo 
„  vos  agradeço  muito.  E  dos  criados 
3,  meus ,  e  pessoas ,  que  me  escreveis  , 


Livro     IV,        439 

„  que  lá  tem  bem  servido  ,  e  assi  c2s 
„  cousas  ,  em  que  vos  parece  necessário 
,,  prover,  farey  lembrança  á  ElRey  meu 
„  senhor  ,  como  pedis  que  Faça.  O  que 
3,  S.  Alteza  houver  de  prover  ,  assi  nos 
55  oiíi-cios  como  nas  mercês ,  que  houver 
3,  de  fazer  á  iodos  que  H  o  servem  , 
,3  ha  de  ter  lanro  respeito  ao  que  vós 
„  em  tudo  lhe  escreverdes  ,  e  pedirdes 
„  como  he  razáo  que  seja ;  e  mu;to  vos 
3,  agradeço  a  boa  informação  3  que  á 
5,  Sua  Alteza  dais  dos  meus  criados  , 
33  que  naquelJe  feito  de  Dio  se  achá- 
3,  ráo  ,  e  assi  o  muiro  favor  ,  e  boas 
,3  obras  ,  que  sey  ,  que  á  todos  lá  fa- 
3,  zeis  por  meu  respeito.  Fero  fern/ín- 
3,  des  a  Jez  em  Lisboa  ã  trintít  dias 
3,  de  Outubro  de  mil  quinhentos  quaren- 
3,  ta,   €  sate.  a    r> 

Náo  he  de  menor  estimação  a  car- 
ta 3  que  lhe  escieveo  o  Infante  Dom 
Luiz  j  como  de  Príncipe  em  fim  ,  que 
tam  grande  juizo  soube  fazer  de  me- 
recimentos 3  e  virtudes. 

Carta  do  Infante  D,  Lttiz, 

j,  T  T  Onrado  Viso-Rey.  Recebi  vos- 
„  XjL  sa  carta  ,  que  veyo  nesta  armada 
„  de  Lourenço  Pirez  de  Távora  3  em  que 


440  ViD^  DE  DJoXo  DE  Castro; 

5,  me  dizeis,  que  recebestes  a  minha, 
55  que  pqr  Luiz  Figueira  vos  mandey, 
3,  e  agradeço- vos  muito  dizerdesme  , 
5,  que  vos  pareceráa  bem  as  lembran- 
5,  ças  qae  vos  f^ízia  j  e  muito  mais 
,,  o  pordelas  em  obra  ;  e  bastava  pa- 
,,  ra  o  eu  crer  que  seria  assi  ,  ainda 
3,  que  vos  eu  náo  conhecera  ,  ouvip 
5,  o  que  Já  fazeis  ,  e  ver  ,  que  cora 
5,  a  boca  chêa  me  escreveis  vossos  tra- 
,,  balhos  ,  pobreza  ,  e  abstinência  , 
5,  cousas  com  que  se  vence  o  Diabo , 
,,  o  Mundo  ,  e  a  Carne  ,  que  nessas 
3,  partes  da  índia  tem  lanío  poder ;  o 
5,  que  he  mayor  victoria  ,  que  a  d'El- 
3,  Rey  de  Cambaya  ,  nem  ainda  de 
3,  todo  o  poder  do  Turco.  PoJo  que 
3»  em  quanto  viverdes  nam  devçis  de 
3,  temer  cousa  alguma  ,  mas  antes  espe- 
,5  ray  em  Nosso  Senhor ,  que  vos  aju- 
3,  dará  como  agora  fez  na  defensão ,  e 
3,  baralha  de  Dio  ,  em  cuja  victoria  vós 
5,  tendes  muito  que  lhe  louvar  ,  pois 
3,  vos  fez  instrumento  de  tanto  serviço 
,,  seu  5  e  d*ElRey  meu  senhor  ,  e  dç 
3,  tanta  honra  vossa  j  e  de  todos  os  Por- 
3,  tuguezes  ,  assi  dos  que  se  acharão  com 
3,  vosco ,  como  dos  que  esti verão  au- 
,,  sentes.  E  certo  ,  que  vós  tendes  fei- 
33  to  nesta  jornada  ,  desdo  primeira 
..  dia  que  tivestes  novas  do  cerco  de 
.  Dio. 


Livro    IV.       441 

,5  Dio  ,  até  o  de  vossa  ,  e  nossa 
55  victoria  ,  luJo  o  que  entendo  , 
,,  que  hum  valeroso  ,  e  astUto  Capi- 
,,  táo  podia  fazer  ,  assi  na  preste- 
„  za  dos  soccorros  ,  como  em  por- 
,,  des  vossos  filhos  por  balisas  da 
,,  fortuna  ,  e  perigos  do  Inverno  , 
,,  e  mares  da  índia  ,  para  qi:e  os 
3,  cutros  os  tivessem  em  menos  ;  no 
5,  que  se  mostra  bem  claro  ,  quanu 
„  mais  parte  tem  em  vós  o  serviço 
55  d'tlRey  meu  Senhor  ,  e  a  obriga- 
55  çam  de  vosso  car^o ,  que  os  eíFeítos 
,5  naturaes  de  pay  ,  que  sáo  os  que 
,,  mais  forçáo  a  natureza.  E  no  sofri- 
5,  mento  que  mostrastes  nâ  morte  de 
„  Dom  Fernando  ds  Castro  vosso  íi- 
,,  lho  ,  se  confirma  bem  esta  opinião  , 
,5  e  certo  ,  que  eu  o  senti  por  mim  ,  e 
35  por  vós  ,  e  houve  por  muy  grande 
•„  perda  ,  por  quam  cercos  sinaes  nel- 
5,  le  via  de  seu  grande  esforço  :  e 
5,  creyo  ,  que  nisso  lho  quiz  Deos  pa- 
gar ,  com  o  tirar  de  vida  táo  tra- 
balhosa por  meyos  tam  honrados  , 
e  de  tanta  glona  sua  ,  .que  deve 
ser  grande  causa  de  vossa  consola- 
ção. Dom  Álvaro  de  Castro  vosso 
filho  nam  empregou  mal  sua  jor- 
nada ,  pois  com  tantos  trabalhos  , 
^  c   perigos     soccorreg   a  fortaleza    de 

33  J^íOj 


442  Vida.  DE  D.  Joio  DE  Castro; 

,,  Dio  á  tempo  ,  que  sua  chegada 
5,  foy  por  entáo  o  remédio  d'ella  -,  e 
,,  de  como  se  nisto  houve  ,  e  no  dar 
5í'  nas  estancias  dos  inimigos  ,  e  em 
,,  tudo  o  mais  lhe  lanço  muitas  ben- 
,,  çoens  por  vossa  parte  ,  e  minha. 
55  E  tornando  á  vossa  determinação  de 
,,  a\t?nturardes  vossa  pessoa  ,  e  o  Es- 
>,  tndo  da  In^ia  ,  por  soccorrerdes 
j,  Dio,  foy  muy  boàj  pois  de  o  náo  ta- 
„  zerdes  estava  tanto  mais  aventura- 
3,  do  i  e  o  chegardes  á  Dio  ,  e  orde- 
5,  nardes  vossa  desembarcaçáo ,  e  man- 
5,  dardes  ,  <^ue  os  navios  cometessem 
„  a  terra  á  tempo  que  havieis  de  dar 
,,  a  batalha  ,  e  o  modo  de  cometer 
9,  que  nisso  tivestes  ,  tudo  me  pare- 
„  ceo  digno  de  agora  ,  e  sempre  daf- 
3,  mos  muitas  graças  a  Deos  nosso 
},  Senhor  ,  e  de  Sua  Alteza  vos  fa- 
),  zer  muitas  mercês  ,  á  que  agora  dà 
3,  principio  ,  como  vereis  acerca  de 
3)  vós  ,  e  de  vosso  filho  ;  e  assi  o  de- 
„  ve  fazer  ,  e  fará  aos  Fidalgos  ,  e 
3,  Cavalleiros  ,  que  nessa  jornada  com 
,3  vosco  o  servirão  ,  em  especial  á  D. 
,,  João  Mascarenhas  ,  que  se  houve 
35  no  pe^o  desse  cerco  ,  como  honrado 
5,  Capitáo  ,  e  esforçado  Cavalleiro. 
,3  Foígney  muito  de  ver  o  modo  ,  que 
,j  tivestes     no    escrever    á    Sua.  Alte- 

„    2A 


I 


L  1  V  B  o    IV.       445 

9,  za  sobre  os  serviços  ,  que  os  Fidal- 
„  gos  ,  e  Cavalleiros  ,  que  nessas  par- 
,  tes  andão  ,  lhe  fizeráo  no  nego- 
,  cio  de  Dio  ,  no  cpe  se  vio  ,  que  ti- 
,  nheis  com  seuj  trabalhos  conta. 
,  Isto  fazey  sempre  per  amor  de  mim  , 
,  e  folgay  de  louvar  os  homens  , 
,  porque  já  qne  está  certo  ,  náo  fal- 
,  tar  quem  diga  d'e!les  os  males  , 
,  (que  haveis  de^ca>iig^r  os  que  nel- 
,  les  seníirdes )  razáo  he  também  , 
,  que  os  bons  os  levanteis  ,  para  Cjue 
i,  os  que  lá  náo  poderdes  galardoar  , 
,  Sua  Alteza  por  vossa  informação  o 
,  faça.  Eu  falley  sobre  vossa  vinda  , 
,  como  me  escrevestes  ,  que  me  elle 
,  não  concedeo  ,  e  me  deu  para  is- 
,  so  duas  razoens  ,  que  á  meu  pare- 
,  cer  ,  ainda  que  vós  tenhais  muitas 
,  para  vos  desejardes  de  vir ,  Sua  Alte- 
j  za  tem  muitas  mais  para  vos  man- 
,  dar  rogar,  que  o  sirvais  nesse  gover- 
,  no  outros  três  annos  ,  o  que  ha- 
,  veis  de  folgar  de  fazer  por  ser- 
,  Virdes  á  Nosso  Senhor  pola  gran- 
,  de  miercê  ,  que  vos  tem  feito  ,  e  à 
,  Sua  Alteza  pola  confiança  ,  que  de 
,  vós  tem  ,  e  contentamento  de  vos- 
,  so  serviço.  Ç  confiay  em  Deos  ,  que 
,  vos  dará  forças  para  poderdes  com 
,  os  grandes    trabalhos   ,    e   desordens 

da 


444  Vjda  de  D.JoXo  de  Castro; 

^,  da  índia  ,  e -eu  espero  nelie  ,    que 

,,  fazendo-o    vós    assi  ,  venhais   encher 

3,  esres    picos    da    serra    de    Sintra    de 
,,  Ermidas   ,    e    de    vossas    vicrorias   , 

„  e  que    as  visiteis  ,    e    logreis   com 

j,  muuo    descanso    vosso.     Nas   cousas 

,,  particulares    vos   náo  (alio   ,    pori^ue 

,,  E:Rey    meu  Senhor    vos  escreve    o 

,,  que  ha   por    seu   serviço  em  reposta 

„  da  carta  geral  ,  que  lhe  escrevestes  , 

,,  que    vinha    em    muito    bom    estilo  , 

,,  e  em  muito  boa  ordem.  Escrita  em 

,,  Lisboa  ã  vinte  e  dous  de  Outubro  de 

3,  mií  quinhentos  quarenta  e  sette. 

O   Infante  D.  Luiz, 

Deixâ-se  bem  ver  destas  cartas, 
quam  gratos  eráo  aos  Reys  os  servi- 
ços de  Dom  Joáo  de  Castro,  Negou- 
Ihe  EiRey  Dom  Joáo  a  Icença  que 
pedia  para  vir  descansar  ao  Reyno » 
como  em  beneficio  da  pátria  ,  e  do 
Oriente  ;  prorogou-lhe  outros  três  ati- 
nos  do  governo  com  nome  de  Viso- 
Rey  ;  náo  teve  vida  para  lograr  <este 
acrecentamento  j  para  o  merecer,  si: 
fez-lhe  mercê  de  dez  mil  cruzados 
de  ajuda  de  custo  ,  e  patente  de  Ca- 
pitão mór  do  mar  da^  índia  á  seu  fi- 
lho D.  Álvaro ;  c^rgo  ,  que  já  exerci- 
tava çom  xnçnos  aanoi,   que  viccorias. 

Ti- 


L  I  V  n  o    IV.       44? 

Tinha   entendido    ElRey  D.   João 
pelos  avisos   do   V^iso-Rey  ,    (jue  a  se- 
gurança   da  índia  necessitava  de  ter  a 
todo  'tempo    torças    promptas    por   to- 
das   as  occurrencias   do    Estado  ;    e  que 
os   estragos    de  Cambaya   ,    junto   cem 
o  respeito  ,    criiváo    ódio    nos   Prínci- 
pes vizinhos  ,  cuja    ruina    era  para  ou- 
tros   exemplo.    Com    e^tas  ,    e    outras 
consideraçoens   ,    despachou    este    anno 
para    a  índia   seis   nãos   ,    <^ue   partirão 
em     monçoens     differentes.     Das    pri-  Manda 
meiras    três  ,  que  partirão  em   Novem-  ElKei/ 
bro  ,  era  Capitão    mór  Martim   Corrêa  ^^'^  "^^' 
<ia   Sylva   ,    que   levava   a    fortaleza    de  « ^"'^'^• 
Dio.    Os   outros  Capitaens  eráo    Antó- 
nio   Pereira  ,     e    Christováo    de    íiá  ; 
e  porque  na  costa  da  índia   teve  a  Ca- 
pitania    os    ventos    ponteiros    ,     esgar- 
rou  ,   e  não  podendo   ferrar   Goa  ,  foy 
tomar    Angediva  ;    donde    mandou   avi- 
so ao   Viso-Rey  para  o  prover   do  ne- 
cessário 5    visto    ser-lhe  forçado    inver- 
nar   em  aquelle    porto.     O   Piloto     de 
Christováo  de  Sá  soube-se  marear  me- 
Ihos  ,  porque  tanto   que  avistou   a    cos- 
ta  da  índia  ,  foy  metendo    de  lo  para 
se  pôr   á  barlavento  de  Goa   ,    e  hou- 
ve vista   da  terra  por  Car^patão  ,  don- 
de foy  demandar  a  barra.  Chce:a 
Logo  que  o  Viso-Rey  soube  ,  que  buma  m 

çn-    Goa, 


440  Vida  de  DJoXo  de  Castro: 

entrara  náo  do  Reyno  ,  mandou  de- 
sembarcar os  doentes  ,  c]ue  çUq  em 
pessoa  Foy  visitar ,  e  prover.  E  certo  , 
que  entre  as  excellencias  d  este  bom 
Viso-Rey  ,  podemos  dàf  o  primeiro 
lugar  á  charidade  ,  porque  náo  costu- 
ma ser  virtude  de  Soldado  ,  e  menos 
de  Ministro,  Reccbeo  as  vias ,  em  que 
achou  as  honras  ,  e  mercês  ,  que  ha- 
vemos dito  ,  estimando  estas  para  de- 
sempenho ,  aquellas  para  premio  j  de 
que  os  Fidalgos  a  si  pruprios  se  daváa 
parabéns  ,  contentes  de  que  ficasse  o 
Viso-Rey  outro  triennio  governando  , 
como  quem  entendia  ,  que  tinháo 
nelle  os  soldados  pay  ,  e  o  Estado 
homem. 
Adoece  Achava-se  Dom  João   de  Castro  , 

o  Viso-    gastado    menos    dos  annos  ,    que    dos 
Hei/,        trabalhos     de   tam    contmuas    guerras  , 
com  que  veyo  á  cahir  rendido    ao   pe- 
so de  tão    graves   cuidados.    Enfermou 
gravemente  ,     e    descobrio    a    doença 
em    poucos    dias    indicios    de    mortal  j 
o    que    elle   conhecendo    pela    moléstia 
de     repetidos    accidentes  ,     se    aliviou 
jyelxa  o  da  carga  do  governo.  Chamou  ao  Bis- 
Cover-    po  D.  Joáo    de  Albuquerque ,     a  Dom 
fío.  Diogo  de  Aimeyda  Freire  ,  ao  Doutor 

Francisco    Toscano  ,     Chanceller     mór 
do  Estado  ,  a  Sebastião  Lopez  Lobac- 


L  I  V  K  o    IV.       447 

to  ,  seu  Ouvidor  Geral  ,  e  a  Rodri- 
go Gonçalvez  Caminha  ,  Vedor  da 
Fazenda  ,  aos  quaeí  entregou  o  Esta- 
do cona  a  p?z  dos  Príncipes  vizinhos, 
assegurada  sobre  tantas  victcrias.  Man- 
dou vir  á  si  o  Governo  popular  da  Ci- 
dade ,  ao  \'igario  Geral  da  índia  ,  ao 
Guardião  de  S.  Francisco  ,  a  Fr.  Antó- 
nio do  Casal ,  a  S  Francisco  Xavier , 
e  aos  Oíficiaes  da  Fazenda  dElRey  , 
à   quem   fez   esta   falia. 

„  Nam  terey  ,  Senhores  ,  pejo  de  ^^^^'^ 
„  vos  dizer,  que  ao  Viso-Rev  da  In- 'l""^  '^ 
,,  dia  talcam  nesta  doença  as  commo-  ,, 
,,  dioades  ,  que  acha  nos  hcspitaes  o 
,,  mais  pobre  soldado.  Vira  3  servir  , 
55  nào  vim  á  commerciar  ao  Oriente; 
55  á  vós  mesmos  quiz  empenhar  os 
„  ossos  de  meu  filho  ,  e  empenhey 
3,  os  CAbelios  da  barba  ,  porque  p:;ra 
3,  vos  assegurar  ,  n^o  tinha  outras  ta- 
3,  pecarias  ,  nem  baij'ella^.  Hoje  náo 
,j  houve  nesta  casa  dinheiro  cem 
.3j  que  se  me  comprasse  huma  g^ílli- 
,,  nha  ;  porque  nas  armadas  que  fiz  , 
35  primeiro  comiáo  os  soldados  os  sa- 
3,  larios  do  Governador  ,  que  os  sol- 
3,  dos  de  seu  Rey ;  e  nam  he  de  es- 
3,  panrar  ,  que  esteia  pabre  hum  pay 
35  de  tantos  filhos.  Peço-vos  ,  que  em 
„  quanto    durar   esta    doença  ,  me  o/« 

de- 


44^  Vida  de  DJoSo  de  Castro; 

5,  deneis  da  fazenda  Pvcal  huma  ho- 
,,  nesta  despeza  ,  e  pessoa  por  vós 
,5  determinada  ,  que  com  modesta  tai- 
5,  xa  me  alimente.  E  logo  pedin- 
do hum  Missal  ,  fez  juramento  sobre 
os  Evangelhos  ,  que  até  a  hora  presen- 
te náo  era  devedor  à  fazenda  Real 
de  hum  só  cruzado ,  nem  havia  rece- 
bido cousa  alguma  de  Christáo  ,  Judeo  , 
Mouro  ,  ou  Gentio  j  nem  p^fa  a  au- 
thoridade  do  cargo  ,  ou  da  pessoa  ti- 
nha outras  alfayas  ,  que  as  que  de  Por- 
tugal trouxera  ;  que  ainda  a  prata  , 
que  no  Reyno  fizera  ,  havia  já  gasta- 
do ,  nem  tivera  já  mais  possibilidade 
p^.ra  compi^r  outra  colcha  ,  que  a  que 
na  cama  viáo  j  só  á  seu  filho  D.  Ál- 
varo fizera  huma  espada  guarnecida  de 
algumas  pedras  de  pouca  estima  ,  pa- 
ra passar  ao  Reyno.  Que  diâto  lhes  pe- 
dia mandassrm  fazer  hum  termo ,  pa- 
ra que  se  alguma  hora  se  achasse  ou» 
tra  cousa  ,  EiRey  ,  como  a  perjuro  , 
o  castigasse  F.sta  pratica  se  escrevea 
nos  livros  da  Cidade,  a  qual  se  pode- 
rá ler ,  como  instrucçáo  ,  aos  que  lhe 
succedêrào  i  nos  quáes  ,  creyo  ,  ficou 
a  memoria  mais  viva  ,  que  o  exem- 
plo. 

Logo  que    o  Viso-Rey  entendeo, 
que  era  chamado  á  mais  duiâ  batalha  ^ 

fu- 


Livro    IV.       449 

fu2:indo    à   importuna    diversão    de   cui- 
dados   humanos  ^    se  recolheo   com    o 
Padre    S.   Francisco   Xavier  ,    buscando  Kecolhe^ 
para'  tão  duvi  Jo?a  viagem  ,    tam    se^u-  y^  <^^"'  ♦ 
ro  piloto  i  o  (]ual  lhe'  foy  todo  o  tem-  ■P;  ^^' 
pb  ,    que   durou    a   doença   ,    enferm.ei-  ''^'^^' 
ro  ,  intercessor  ,  e   mestre.     Como  náo 
acquiiio    riquezas   ,    de   que    dispor    de 
novo  ,  nam   fez  outro  testamento  ,  que 
o  que  deixou  no  Reyno  ,  quando   pas- 
sou    á    governar    a    índia   ,    em     máos 
do  Bispo  de  Angra   Dom    Rodrigo    Pi- 
nheiro ,    com  quem    o    tinha    comm-u- 
nicado.     E   recebidos    os     Sacramentos  ^"'^ 
da   igreja   ,    rendeo  á   Deos   o   espirito '"^^'^* 
em    seis    de  Junho    de    mil    quinherircjs 
quarenta    e    oiro  ,    aos   quarenia    e    oi- 
to  de  sua   idade  ,  e  quasi    três  de   go- 
verno   d'aque';le  Estado.     As    ríq^iezas  , 
<]ue  grangeou   na  Ásia  ,  foráo  suas   he- 
roicas   obras  ,    que   neste  papel  viráo  á 
lèr   os  futuros    com    sauílcsa    rr.emoria. 
No  seu    escritório    se  achárf^o  tf  es   tan- 
gas  larins  ,  e   humas   disciplinas  ,   com 
sinaes   de  usr-r  muito  d'ellas  ,  e  a  gue- 
delha   da  barba  ,    que   havia   empenha- 
do.    Mandou     em     Sáo    Francisco    de 
Goa    depositar    seu    corpo    ,    para    que 
d^^alii  se  tresladassem  os  ossos  á  sua  Ca- 
pella   de  Sintra.    Tratou-se  lofp  do   fu-  Enterre» 
neral  ,  náo   menos   lastimoso  ,  (^ue  so-  c  senti- 

km-     menta* 


Vem 
scas  os 
jos   ao 


450  Vida  DE  D.JoSoDH  Castro* 

lemne  ,    merecenílo    de.  todo  o  Estada 
lagrimas  illiístres  ,  e  pjebeâs 

Depois  de  alguns  annos  vieram  seus 
o«sos    ao  Reyno ,  que    foráo  recebidos 
T.  com   reverente  ,    e    piedoso  âPPiauso  , 

^  ultimo  beneicio  ,  que  com  suas  cin- 
zas  ha  recebido  a  pátria  ,  e  trazidos 
Deposl'  ^05  hombros  de  quatro  netos  seus  ao 
tão-sc  Convento  de  S.  Domingoá  de  Lis- 
€m  S,  boa  5  onde  muitos  dias  se  lhes  6ze- 
Domin-  ram  «sumptuosas  exéquias.  D'a(]ui  fo- 
^os  di  lio  segunda  vez  trasladados  ao  Con- 
Liihoa»  vento  de  S.  Domingos  de  Ben;\}iea  , 
onde  ( posto  que  em  Capelia  alhêa ) 
Tresla-  esriveráo  alguns  annos  com  tumulo 
dam-sc  decente  ,  ate  que  o  Bispo  Inquisidor 
á  Bumji-  Geral  D.  Francisca  de  Castro  seu  ne- 
'íí*  ro  5   lhes   fez   capelia  ,  e  sepuUura    pró- 

pria; na  traça  ,  na  mataria  ,  e  na  es- 
culriua  ,  depois  das  Rcaes  ,  a  nenhu- 
ma segunda  ;  cuja  rehçáu  náo  desa- 
gradará ,  em  beneficio  da  memoria 
do  avQ  ,  e  piedade  do  neto. 
n  j.   ,  bi^ta    o  Convento    de  S.  Domin- 

Unac  es-  1       t-.        ,-  1  .1  j 

tã0hoje.?>^^  de  Bem  fica  ,  dous  mil  passos  da 
*  Cidade  de  Lisboa.  Hum  lugar  vizi- 
nho lhe  dá  aqueile  nome.  Foy  o  sitio 
delle  em  propriedade  dos  Senhores 
Keys  de  Portugal  ;  no  qual ,  por  sua 
frescura  ,  tinháo  huma  casa  de  cam- 
po ,  que  frequentaváo  ,  já  para  diver- 
são 


L  I  V  F  o    IV.       4fí 

são  ios  negócios  ,  já  para  o  exercicid 
da  caça.  EIRey  D.  ]oão  o  Pumeira 
vendo-se  devedor  >  á  Deos  de  tantas 
vicrorias  ^  entre  entras  acçoens  de  gra- 
ças ,  fez  d 'estes  paços  doação  á  Ordem 
de  S,  Domingos,  com  terras,  hortas, 
e  pomares  vizinhos  ,  erB  vinte  ,  tí 
dous  de  Mayo  de  mi!,  trezentos  no- 
venta ,  e  nove  ,  para  se  fundar  este 
Convento  ,  <^ue  fiam  só  teve  os  sli- 
cesses  P.eaes  ,  sçn'j.o  os  augmenros. 
Obrigou-se  o  fundador  (  por  provisão  , 
que  nos  archivos  do  Convento  se 
guarda  )  à  amparar  ,  e  defender  ns 
cousas  5  e  Religiosos  d'eile  ,  solicito 
na  causa  de  Deos  ,  vaJeroso  na  sua. 
EIRey  Dom  ]oáq  o  Segundo  lhe  do- 
tou  huma  grossa  fazenda  ,  oue  com 
nome  da  Quinta  das  Ilhas  hoje  possue 
a  casa  ,  sem  lhe  impor  obrigação  ,  quef 
pode^se  tazer  menos  grata  ,  ou  liberifl 
a  esmola.  EIRey  Dom  Manoel  ,  ain- 
da que  repartido  em  cuidfdos  ,  e  fa- 
bricas mayores  ,  deixou  nos  sacrifí- 
cios á^esTç  Tertiplo  religiosa  memo- 
ria ,  ordenando  ,  que  se  dissessem  ca^ 
da  semana  aos  Anjos  duas  Missas  can- 
tadas á  favor  dos  navegantes  5  que  esre 
era  o  Astrolábio  de  seus  de?cobrime?i. 
tos  ,  e  as  forças  das  vicrorias  Orien- 
ties  d'aquel]a  idade.  A  Rainha  Dor^u 
Gg  C«- 


472   ViDA  DE  DvIoXo  DS  CaS1'RO. 

Catherina  irarou  esta  casa  como  Ca- 
pella  su-\  ,  otFerecendo-lhe  de  sca  Ora- 
tório Relíquias  de  reverencia  ,  e  pre- 
ço ;  entre  outras  ,  em  huma  grande 
CriiZ  de  prata  hum  pedaço  do  Santa 
Lenho  ,  que  sendo  oíFerecido  por  máos 
Rcaes  caliíicáo  a  certeza  de  tam  su- 
perior donativo  ,  accumuiando  os  se- 
nhores Reys  nesta  c.ísa  á  benefícios 
ter.ipones  ,  os  sagrados.  EiRey  Dom 
Phiiippe  o  Segundo  lhe  acrecentou  os 
próprios  com  huma  honesta  esmola, 
Foy  sempre  dos  mais  observantes  da 
ReiJgiáo  este  Convento ,  que  com  no- 
me de  Recoíeta  ,  nam  permitte  declina- 
ção ,  ou  indulgência  do  primeiro  ins- 
lifuco,  Neile  como  em  escola  de  virtu- 
des ,  se  costumaváo  retirar  os  filhos 
mais  beneméritos  da  Ordem  ;  huns  á 
fugir ,  cwtros  á  descançar  das  Prelasias 
para  vagar  á  Deos  em  ócio  santo ,  e 
reformar  o  espirito. 

Nesta  casa  por  fundaçam  ,  e  dis- 
ciplina iliustre  descansáo  as  cinzas  '• 
victoríosaá  de  Dom  Joáo  de  Castro , 
em  huma  Capella  ,  ,  e  sepultura  de  - 
religiosa  grandeza.  He  esta  da  insti- 
tuição de  Corpus  Chriiti  ,  cem  a  por- 
ta prmcipal  no  claustro  do  Conven- 
to ,  e  sobre  ella  pendente  hum  es- 
cudo relevado  das  armas  do  funda- 
dor. 


Livro    IV.        ^fj 

dor  ;  abraça  o  largo  deJIa  quarenta 
palmos  i  tem  mais  de  serenta  o  ccm- 
primento  ;  proporção  a  que  os  Archi* 
tectos  chamáo  Dupla  ,  e  á  obra  Dó- 
rica. He  de  huma  só  nave  de  pedra- 
ria brunida  ;  o  lageamento  de  pedras 
de  core?  também  brurridas.  Em  torno 
a  circunda  interiormente  hum  com- 
posto ,  c  proporcionado  pedestal  ,  so- 
bre que  se  íonda  a  armonía  da  maij 
architcctiira.  Tem  seis  arcos  com  pi- 
lares interpostos  ,  sobre  bases  ,  capi- 
teis ,  e  sinta! has  também  em  torno  , 
com  seis  luzes  obradas  com  respeito 
á  architectura.  Tem  hum  retabolo  , 
e  sacr-irio  (  em  que  sempre  está  o 
Santíssimo  Sacramento  alumiado  com 
duas  alampadas  de  prata )  de  c-bra  de 
Talha  com  floroens  ,  tudo  dourado  , 
e  no  alto  hum  painel  da  Cea  do  .Pe- 
nhor. Detrás  do  Ahar  ,  e  retabolo 
ha  Coro  dos  Noviços  ,  para  cuja  cria- 
ção ,  e  melhor  serviço  do  Senhor  se 
lhes  fez  casa  com  vinte  cellas  ,  e 
mais  oíncinas  ,  que  formão  o  corpo 
de  hum  Convento.  O  tecto  da  C:'pe!- 
la  ,  depois  de  coroada  cem  a  simnlha  ^ 
he  também  de  pedraria  ,  apainslaJo  com 
arrezoens  ,  e  molduras  Dcs  seis  arcos  , 
que  a  compõem  ,  ficáo  os  deus  primei- 
IQS  nos  Pxes  byte  rios  ;  no  da  parte  c» 
Cig  ii  Evan- 


45'4  Vida  de  D.  JoSo  de  Castro. 

Evangelho  ,  está  huina  port*  ,  que  dá 
serventia  para  a  tribuna  ,  e  aposentos  do 
fundador  ;  e  no  da  parte  da  Epistola 
outra  para  o  serviço  da  Sancristia.  Oi 
outros  Quatro  occupéo  quatro  sumptuo- 
sas sepultaras  ,  cujas  urnas  fcrmáo  pe- 
dras  de  cores  lustradas  ,  que  descansam 
ás  costas  de  elefantes  de  pedras  negras. 
No  primeiro  arco  ,  que  fica  junto  ao 
do  Presbyterio  da  p-rte  do  Evangelho  , 
está  a  sepultura  de  D.  João  de  Castro  , 
onde  ,  antes  de  se  fechar  ,  foráo  recolhi- 
dos seus  ossos  j  com  o  seguinte  epitaphio. 

D.   JOANNES    DE    CASTRO 

XX.   ?RO    RELIGIONE    IN    UTKAQUE 

MAURITÂNIA       STIPENDllS       FACTIS     .* 

JÍAVAt     STKENUE       opera      THUrETAKO 

BELI.O  ^ 

MAKl  RUBRO  FELICIBUS  ARMIS  PEKETRATO 

DEBELI.ATIS   INTER  EUPHRATEM,ET  INDUM 

NATIONIBUS    ; 

GEDROSICO    REGE  ,  PERSIS  ,     TURClS 

UNO    PRÉLIO    FUSIS  ; 

SERVATO   DIO  ,    IMO   REI  PUB.  REDDITO  ; 

DORMIT    IN    MAGNUM     DIEM  , 

NON    SlBl  ,  SED     DEC    TRIUMPHATOR  ; 

ruBLlClS   LACRYMIS   COMPOSITUS   , 

PUBLICO    SUMPTU      PR/E   PaUPERTATE 

FUNERATUS. 

OBIIT  OCTAVO  ID.JUN.  ANNO  M.  D.XLVllI. 

<<ETAT1S    XLYlll. 


L  I  V  R  o    IV.       45*^ 

Estão  em  o  seguinte  arco  junto  á 
csie  os  ossos  de  Dona  Leonor  Couti- 
nho sua  mulher. 

Da  parte  da  Epistola  em  o  arco  ,  que 
responde  ao  da  sepultura  de  D.  Joáo  de 
Castro  está  a  de  D.  Álvaro  seu  filho , 
em  c]ue  do  mesmo  modo  foráo  postos 
seus  ossos,  tem  o  epitaphio,  que  se  segue. 

D.  ALVARUS  DE  CASTRO, 

MAGNI    JOAKNIS   PRIMOGENITUS   > 

CUI    PENE*AB   INFANTIA     DISCRlMlNUM    SO* 

CIU9  ,  PUGNARUM    PRECURSOR  , 

T.1IUMPHORUM   C0NS0R5   , 

^MULTJS     FORT1TUDINI3  , 

H.ERES     ViRTUTUM   ,     NON   OPVM    ; 

REGUM   PROSTRATOR   ,  ET    RESTlTUrORt 

IN  SIKAI     VÉRTICE   EQUES  FELICITEI 

INAUGURATUS : 

A  REGE   SEIASTTANO  SUMMIS   REGNl 

-ALCrUS     HONOR  IBUS   .* 

Bis  ROM/C  ,  SEMEL  CASTELL.€  ,     6ALLÍ.«  » 

SABAUDI^   LEGAT10NE   PERFtJNCTUS, 

OBIIT   IV.   KALENDAS   SEPTEMBRIS 

ANNO     M,    D.  LXXV, 

íETATIS  SU.Íi  r.. 

E  logo  no  outro  arco  junto  a  este, 
está  D.  Anna  de  Attayde  sua  mulher. 
No  váo  d'esta  Capella  se  fez  hum  car- 
neiro cora  seis  arcos    de  pedraria  ,  em 

hum 


45:6  Vida  de  D  JoXo  de  Castrou 

hum  dos  quaes    ha  altar  para    se  dizer 
*  Missa   ;    e  os   mais    tem   repartimentos 

para  os  ossos  ,  e  corpos  dos  defuntos. 
Dotou  o  Bispo  Inquisidor  Geral  , 
fundador  d'esta  Capella  ,  ao  Conven- 
to de  Bemíica  ,  para  sustento  dos  Re- 
ligiosos que  háo  de  assistir  ás  obri- 
gaçoens  d  elía  ,  duzentos  e  quarenta 
mil  rc.s  de  juro  em  cada  anno  ,  situa- 
dos nas  rendas  da  Cambra  desta  Ci- 
é^ade  de  Lisboa  ,  repartidos  .  pela  or- 
dem çeguin:é.  Cenro  e  vinte  mil  réis 
por  três  Missas  quotidianas.  Cincoen- 
ia  ( antecipada  esmola )  pelos  anniver- 
sarios  ,  -que  ha  de  ordenar  em  seu  tes- 
tamento. Quarenta  para  fabrica  ,  e 
provimento  da  Capella,  Trinta  para 
ss  poder  acudir  ás  necessidades  dos 
Iveiigicsos  5  que  naquelle  Noviciado 
residem  ,  para  a  custodia  ,  e  limpeza 
da  Capella.  Além  do  que  a  ornou  de 
muitas  peças  ricas  ,  e  devotas  i  e  a 
Sanchrisria  delia  de  todo  o  necessário 
ao  culto  divjno  ;  assi  ornamentos  para 
as  festas  ,  como  para  os  dias  ordiná- 
rios ,  roupa  branca  ,  ca  tiçaes  ,  rochei- 
ras  j  lampadns  ,  ceriaes  ,  e  mais  cou- 
Ascen-  sas  semelhantes  ,  tudo  com  abundan- 
dencla      cia  ,  e  perfeição, 

de  Dom  Dom   Joáo    de  Castro,  tam   darp 

João  de  polo    sangue   3    como-   polas    virtudes   > 
(^astro.  na- 


L  1  V  B  o    IV.        45*7 

nasceo  em  Lisbna  á  vinte  e  serce  de 
Fevereiro  de  mil  e  quinhentos  i  foy 
fiiho  segundo  de  Dom  Álvaro  de  Cas- 
tro ,  Governador  da  Casa  do  Civil  , 
e  de  Dona  Leonor  de  Noronha  ,  fi- 
lha de  Dom  Jcáo  de  Almeyda  ,  se- 
gundo Conde  de  Abrantes  ,  neto  de 
Dom  Garcia  de  Cssrro  ,  qne  foy  ir- 
mio  de  Dcm  Álvaro  de  C.  stro  ,  pri- 
meiro Conde  de  Mcns.ínto  ,  filhes  de 
Dom  Fernando  de  Castro  ,  neros  de 
Dom  Pedro  de  Castro,  e  bisnetos  de 
Dom  Álvaro  Pirez  de  Castro  ,  Conde 
de  Arrayolos  ,  e  piimeiro  Condesta- 
ble  de  Portugal  ,  irmão  da  Rainha 
Dona  Inês  de  Castro  ,  que  foy  mu- 
lher d'ElRey  Dom  Pedro  o  Cruel. 
Era  este  Condestabie  filho  de  Dom 
Pedro  Fernandez  de  Castro  ,  a  quem 
chamarão  em  Castella  ,  o  da  Guerra, 
que  vindo  á  este  Reyno  ,  principiou 
nelle  a  illustre  Casa  dos  Castros  ,  que 
em  tanta  grandeza  se  tem  conserva- 
do. O  qual  [)om  Pedro  ,  era  por  ba- 
ronia descendente  do  Infante  Dcm 
Fernando  ,  filho  dElRey  Dom  Garcia 
de  Navarra  ,  casado  com  Dona  Maria 
Alvares  de  Castro  ,  fiiha  única  do 
Conde  Álvaro  Fanhez  Minava,  quin- 
.ta  neta  de  Lain  Calvo  ,  de  quem  di- 
riva    sua    origem    esta    família.    Sendo 

mo- 


4^8  Vida  DE  D  JoXo  t)E  Castro; 

moço  casou  Dom  Joáo  de  Castro  com 
Dona  Leonor  Coutinho  ,  sua  prima 
segunda  ,  mayor  na  qualidade  ,  que 
no  dote  ;  com  a  qual  retirado  na  Villa 
de  Almada  fogio  com  anticipada  ve- 
lhice ás  ambiçoens  da  Corte.  Passou 
a  servir  á  Tanger ,  aonde  deu  de  seu 
valor  as  primeiras  ,  mas  náo  vulgares 
provas  ,  bem  que  d*estas  alcançámos 
mais  fama  ,  que  noticia.  Tornou  á 
Corte  chamado  por  ElRey  Dom 
]oáo  o  Terceiro  ,  e  como  já  seus 
brios  náo  cahiáo  no  Reyno  ,  passou 
á  índia  com  Dorn  Garcia  de  Noro- 
nha. Acompanhou  a  Dom  Estevão  da 
Gama  na  jornada  do  Estreito  do  mar 
Roxo  ,  e  fez  desta  viagem  hum  Ro^ 
teiro  obra  luil  ,  e  grata  aos  Nave- 
gantes, Tornado  á  Portugal  se  reti- 
rou á  sua  quinta  de  Sintra  ,  descan- 
sando na  liçáo  dos  livros  ,  sempre 
exemplar  no  ócio  ,  e  na  occupaçáo. 
Outra  vez  cingio  a  espada  psra  seguir 
as  bandeiras  do  Emperador  Carlos  na 
jornada  de  Tunez  ,  onde  á  seu  nome 
ajuntou  gloria  nova.  Acabada  esta  em^ 
preza  se  recolheo  á  Sintra  escon- 
de iJo-se  á  sua  própria  fama  ;  soube 
fogir  dos  cargos  ,  náo  pod€  livrar-sé. 
ElRey  Dom  Joáo  o  chamou  para  Ge- 
neral   das  armadas  da  cosra  j  serviço, 

em 


Livro    IV,       4^9 

em  que  2  seu  valor  responderáo  os 
successos.  Passou  ultimamente  á  go- 
vernar a  índia  ,  onde  com  as  victo- 
lias  ,  que  havemos  rererido  assegu- 
lou  ,  e  reputou  o  Estado.  Nas  hoías 
que  lhe  perdoaváo  o.s  cuidados  da 
guerra  descreveo  em  copioso  tratado 
toda  a  costa  ,  que  jaz  em  Goa  ,  e 
Dio  ,  sinalando  os  baixos  ,  e  recifes  ; 
a  altura  da  elev?.çáo  do  Polo  ,  em  que 
estáo  as  Cidades  ,  restingas  ,  angras  , 
e  enseadas  ,  que  formão  os  portos  j 
as  monçoens  dos  ventos  ,  e  condi- 
çoens  dos  mares  5  a  força  das  corren- 
tes ,  e  o  im.peto  dos  rios  ;  arrumando 
as  linhas  em  taboas  difFerentes  :  ludo 
com  tão  miúda  ,  e  acertada  Geogra- 
phia  que  o  poderá  esta  só  obra  fazer 
conhecido  j  se  já  o  náo  fora  tanto  pelo 
valor  militar.  Com  igual  semblante  o 
virão  as  incommod  idades  da  pátria  ,  e 
•as  prosperidades  do  Oriente  ,  parecen- 
do sempre  o  mesmo  homem  em  di- 
versas fortunas.  Fez  brio  de  m.crccer 
tudo  ,  e  de  náo  pedir  nada.  Fazia  ra- 
zão ,  e  justiça  á  todos  igualmente  , 
sendo  nos  castigos  inteiro  ,  mas  táo 
justificado  ,  que  mais  se  podiáo  quei- 
xar da  ley,  que  do  Ministro.  Era  com 
os  soldados  liberal  ,  e  com  os  filhos 
parco  ,    mostrando     mais    humanidade 

no 


400  Vida  de  D.JoXo  dí:  Castro. 

no  Ou  cio  ,  que  na  natureza.  Trinta vn 
€om  grande  respeito  as  acçoens  de  seus 
antecessores  ,  honrando  até  aquellas  de 
c^uQ  se  apartava.  Sem  estragar  corte- 
sia ,  conservou  o  respeito.  Dos  grandes 
parecia  superior  ,  dos  pequenos  pay  i  vi- 
via de  maneira  ,  que  emendava  as  cul- 
pas ,  mais  com  o  exemplo  que  cem  o 
castigo.  Sempre  zelou  a  Cíiusa  de  Deos , 
primeiro  que  a  do  Estado  i  nenhuma  vir- 
tude deixou  sem  premio ;  alguns  vícios 
deixava  sem  castigo  ,  melhorando  assi 
muitos  ,  huns  com  o  beneficio  ,  outros 
com  a  clemência.  Qs  donativos  que  re- 
cebia dos  Príncipes  da  Ásia  mandava 
carregar  na  fazenda  Real  ;  virtude  ,  que 
louvarão  todos  ,  imiráráo  poucos.  Os 
soldados  enfermos  achaváo  nelie  lasti- 
ma ,  e  remédio  ;  n  todos  obrigava  ,  e 
parecia  devedor  de  lodos.  Evitou  (  co- 
mo ruína  do  Estado)  chatinar  aos  sol- 
dados ;  nenhuma  facção  emprendeo  , 
que  não  conseguisse ,  sendo  nas  exccu- 
çoens  promptíssimo  ,  maduro  nos  con- 
selhos. Entre  occupaçoens  de  soldado  ^ 
conservou  virtudes  de  Religioso  ;  era 
frequente  em  visitar  os  Templos ,  gran- 
de honrador  dos  Ministros  da  Igreja  , 
compassivo  5  e  liberal  com  os  pobres; 
devotíssimo  da  Cruz  ,  cujo  sinal  ado- 
rava com  inclinação  profunda  sem  dií- 

fe- 


L  I  V  K  o    IV.       461 

ferença  de  lugsr ,  ou  ten^po.  E  t^m  re- 
lii;iosamente    ardia  no  culro   deste  sinal 
santíssimo  ,  ^ue  quiz  mais  lavrar  templo 
á  sua  memoria  ,   que   fundar  casa  á  sua 
posteridade  ,  deixando  como  em  piedo- 
sa benção   á   seu    filho   D.  Akaro  ,   que 
se  na  ^aça  ,  cu  justiça  dos  Reys  achas- 
se alguma  gratidão  de  seus  serviços,  do 
premio  delles  edificas  e  na  serra  d?  Sin- 
tra  hum   Convento   de   Recoletos  Fr;in- 
ciscanos  ,  advertindo  ,  que  com   a   invo- 
caçam   da  Cruz  se  titulasse  a   Casa.   D. 
Álvaro    de  Câsrro  ,  que  das  virtudes  de 
tão  piedoso  pay   foy  legitimo  herdeiro  , 
ordenou    a   fabrica  do   Convento  ,  me- 
nos grande  pela  magestadé  do  edificio  , 
que    pela   santidade    dos   varoens   peni- 
tentes ,  que    o    habitáo.     Sendo   a    pri- 
meira   vez  mandado    pelo  Senhor   Rey 
D.  Sebastião  com   embaixada  ao  Papa 
•Fio   IV.    impetrou    delle   privilegiar   o 
Altar  do   dito   Convento  para  todas  as 
Missas  ,  e  para  o  dia  da  Invençam  da 
Cruz    indulgência   plenária    a   todos    os 
que  rodassem  polas  necessidades  mayo- 
les  da  Igreja   ;    e  advertidimente    pola 
alma  de  D.  ]oáo  de  Castro  :  graça  ráo 
singular  ,  e  nova,  que  a  não  vimos  con- 
cedida  á  Príncipes  soberanos.  Parece  que 
andava   em   Itália   tão  viva  a    f^Ona   de 
suas  victorias ,  como  de  suas  virtudes  , 


402  VíDA  DE  D  JoXo  Dff  Cas  i'no; 

qualiHcada3  com  ráo  illustre  testemunho 
do   Vigano    de  ChrÍ5ta    Por  estas  ,  e 
outras    virtudes   cremos    terá   alcançado 
no   Ceo  melhores  palmas  em  mais  aU 
<luefi'    to  triumpho.    Teve  três  filhos ,  que  to- 
/Adj  ti'    dos  5  como  benção  do  p-y   seguirão  03 
ví.  perigos  d.i    guerra     D.   MÍ2uel  o   mais 

morro  ,  que   nos   dias  d*ElRey    D.  Se- 
bâsiiam   passou   á  índia  ,  e  faleceo  Ga^ 
pitáo    de   xMalaca.    D.    Fernando  ,  que 
faleceo  abrasado   na    mina    Jo    baluarte 
Elogio    de  Dio.    D.  Álvaro  com  quem  parece , 
de  D.      que  partio    as   palmas  ,  e  as   victorias  , 
Álvaro    filho  ,  e  companheiro   de   sua  fama  ;  o 
de  Cai-   qual    tornando   ao    Reyno  ,  sem   outras 
^''0'         riquezas  ,  que   as   feridas  ,  que   recebeo 
na   gí?erra  ;    casou     com    D.   Anna    dá 
Attayde  filha  de  D.   Luiz  de   Castro  , 
Senhor  da  Casa  de  Monsanto.  Foy  dEi- 
Rey    D.    Sebastião    particular    aceito  , 
íiando-lhe  os  mayores    negócios ,  e  lu- 
gares   do  Reyno  ;  fez  diversas   embai- 
xadas   á   Castella  ,  França  ,  Roma  ,  e 
Saboya.  Foy  do  Conselho  de  Estado, 
e  unico  Veador    da  Fazenda  ;    e  çntre 
cargos  tam  grandes,  acabando  valido, 
morreo  pobie. 


IN. 


À 


INDEX 

DAS  PRINCI  PA  ES  COUSAS 

d' ESTA     HISTORIA. 


l\.  Dem  ,  Cidade  d 'Arábia.  Seu  sitio,  pag.' 
411.  Rax  Solimáo  a  occuja  com  exroraáo. 
41^.  Succedç-Ihe  Marzáo  ibidem,  d  mcra- 
dores  a  ofrerecem  á  ElRey  de  Campar. 
ibid.  Elle  pede  scccorro  ,  e  offerece  huma 
fortaleza  á  D,  Manoel  de  Lima,  415.  Re- 
cebem os  moradores  a  D,  Payo  de  Noro- 
nha ,  que  os  vem  socccrrer.  417.  E  desam- 
parados d'el!e  .ivisio  20  Governador.  418* 
\''alor  com  ouc  alguns  Portuguezes  se  hou- 
veráo  nesta  guerra,  411.  Põem  os  Turcos 
cerco  á  Cidade.  422,  Como  se  háo  03  Ará- 
bios desamparados  dos  ncS5cs.  424.  Entráo 
CS   Turcos   a    Cidrdc  por  rr.iiçáo.  425. 

AÍTÒnso  de  Noronha  ,  (  D.  )  Governa- 
dor de  Ceita  ,  22.  Recebe  a  [)»  Jcáo  de 
Castro  com  grandes  iesia?? ,   28. 

Agaçaim.  Chega  o  Governador  D.  ]oáo 
de  Castro  á  esta  Cidade.  4c:.  Fnvesre  ^o% 
moradores,  40^.  Ellcs  fogem,  ihidan.  D. 
Álvaro  de  Castro  os  SQgi\Q  ^  404.  N^oltâo 
outra  vez  ,  ibid.   Morre  o  seu  General.  405, 

Álvaro  Baçáo.  (D.)  General  da  Arma- 
da   do  Emperador  ,  25.  Visita    a  D.  João 

de 


464  Index, 

de  Castro  no  mar.  25.  Discorrem  sobre  1 
jornada,  ihid»  Resolvem  peleijar.  ibid.  Mu- 
da  de  parecer  ,16, 

Álvaro  de  Castro  CD.)  Passa  á  índia 
com  seu  pay  ,  i  ^.  Ke  armado  Cavalleiro 
por  D.  Estevão  da  Garaa  ,  16.  Torna  ao 
Reyno  com  seu  pay  ,  16.  Vay  com  soccor- 
ro  á  Alcácer  Ceguer  ,  28.  Parce  para  a 
índia  com  o  Governador  seu  pay ,  ^4.  Vay 
contra  o  Hidalcáo  ,  62.  Sahe  com  seis  na- 
vios ,  ibidem.  Presa  que  faz,  <5;.  Destruída 
a  Cidade  de  Cambre ,  volta  para  Goa  ,  70. 
Vay  com  soccorro  á  Dio  ,  182.  Cnpitaens 
í^ue  com  elle  váo  ,  184.  Trabalhos  da  via- 
gem ,  215.  Arriba  á  Baçaim  ,  ibid,  Sahe 
d  ahi  para  Dio,  22o.  Torna  a  arribr,r  ,  251. 
E  sahindo  tornou  a  arribar  á  Agaçaim ,  252. 
Toma  huma  náo  de  Cambaya  ,  25^.  Che- 
ga  á  Dio  com  40.  navios  ,  ibid.  Como  he 
recebido  do  Capitam  mòr  ,  254.  Aposen- 
ta-se  no  baluarte  em  que  acabou  seu  ir- 
mão D.  Fernando  ,  254.  Avisa  ao  Gover- 
nador seu  pay  do  estado  da  fortaleza ,  255". 
Estranha  aos  nossos  o  quererem  sahir  ao 
inimigo  ,  258.  E  vendo-os  resolutos  ,  os 
acompanha ,  259.  Valor ,  e  disciplina  com 
que  se  ha  ,  161,  Sobe  o  muro  ,  dondá 
cahio  com  huma  pedrada  ,  26 1,  Engeita 
grande  resgate  ,  que  lhe  olTerece  Rnmtcáo 
por' hum  Capitão  Janizaro  ,  274.  Assina-lhe 
o  Governador  (  chegado  á  Dio  )    5C0.  Por« 

tu- 


I    N    D    E   X.  465: 

ruguezes  para  a  batalha  ,  ;c^.  V^alor  com 
que  se  ha  ,  i^oj.  Perigo  em  cjus  se  vê , 
1^11.  Fntra  na  Cidade,  ^12.  O  Governr»- 
dor  seu  pay  o  faz  hum  dos  Cabos  contra 
o  Hidalcáo  ,  ^82.  Peleija  na  vííni^uarda  ,  e 
com  grande  valor ,  ^84.  E  faz  fugir  o  ini- 
migo ,  ;84.  Parte  á  Dio  com  o  Gover- 
nador seu  paf  ,  ^H6.  Vay  á  Surraie  ,  ^H8, 
E  manda  D.  Jorge  de  Wenezes  tomar  lín- 
gua ,  7^>Uj.  E  depois  outros  C?pit?.ens  , 
i^Hp.  Entra  em  Dsbul,  e  tema  a  Cidade, 
40 !.  Enveste  os  inimigos  em  Agaçairií  , 
40;.  E  fogmdo  Q\hs  5  os  segue  5  404.  Al- 
cança-se  victoria  .  406.  Assola  outra  Cida- 
de Da  bui ,  408.  Vay  com  soccorro  á  Adem  , 
418.  Que  armada  leva  ,  4íí>.  Succe.9so  da 
viagem  ,  426.  Faz  conselho  ,  e  cjue  se  as- 
•enta  5  ibidem.  Vai  sobre  Xnel ,  4?7.  Ga- 
nha a  fortaleza  ,  e  volta  á  Goa  ,  429  Elo- 
gio de  D.  Álvaro  de  Castro  .  jl6i. 

António  de  Atrayde  .  (D.)  Sahe  de  Ba- 
çaim.  ,  2  ^4.  Chega   n   Oío      2  ^6. 

António  do  Casal  (Frey)  Na  batalha  de 
Dio  andi  anim  ndo  os  nossos  com  hum 
Crucifixo  na   máo  ,   :5i2. 

António  Corrêa.  Sahe  da  fortaleza  de 
Dio  a  fazer  alguma  presa  ,  24 >.  L-.nveste 
com  doze  iM ouros  que  o  prendem  ,  247. 
He  presentado  á  Rumecio  ibid.  Quer  per- 
suadilo  á  que  deixe  a  Fé  ,  248.  Afron- 
us  que  lhe  fazem  ,  24B.  He  degollsdo  poU 

Fe. 


466  I  w  D  K  x/ 

Fé.  249  Os  Mouros  fazem  com  sua  cabeça 
mofis  ,  e  algazarras  aos  nossos,  ihid,  At' 
vorâo  os  nossos  a  cabeça  de  hum  Mouro  z 
vista   da  de   António  Corrêa,  250. 

António  Moniz  Barreto,  Aceita  ir  á  Dio 
com  hum  caraveláo  de  bastimentos  ,  18^. 
Chega  á  Baçaim  ,215.  Valor  com  que  sal- 
va o  caraveláo  ,  216.  Parte  para  Dio  , 
ibid.  Perigos  da  viagem,  217.  Chega  á  for- 
taleza ,  2í8.  Desconfiança  briosa  cue  hou- 
ve entre  eile  ,  e  Garcia  Rodrigues  de  Tá- 
vora. 218.  Valor  com  que  se  ha  em  va- 
rias occasioens  ,  22í>.  E  em  outra  estimu- 
lado de  hum  soldado  ,  que  trouxe  comsi- 
go  ao  Reyno  ,  e  fez  despachar ,  244.  Vay 
esperar  as  náos  de  Cambaya  ,  e  toma  aU 
gu;nas  delias  ,  ^  ^  ^.  Parte  á  Candea  ajudar 
a  conversão  d'aqueUe  Rey  ,  ^46.  Viagem 
que  f^z  ,  ^5^.  Ghe^a  d  Candea  ,  e  acha 
tudo  trocado,  ibid.  Tr.na  de  volta r-se ,  ;54:« 
He  acomerido  dos  inimigos  ,  1555»  Traba- 
lhos 5  que  passa,  ibid.  Prudência  com  que  mo- 
dera os  seus  soldados ,  ^56.  Esforço  com 
que  peleija  5  ^58.  Rerira-se  ,  ibid.  Por  hu- 
ma  carta  que  tem  d*ElRey  de  Candea  quet 
tornar  ,  ^59,  Os  soldados  o  encontrão  , 
ihtd,  Recolhe-se  á  armada  ,  :^^0.  Torna  á 
Dio  com  o  Governador ,  :^^6.  V^ay  á  Adem 
com  D.  Álvaro  ,  provido  na  fortaleza  ,  que 
se  havia  de  fazer  ,  419.  Vaior  com  que  se 
ha    em    Xael  ,428. 

An. 


ÍNDEX.  467 

Anroniô  de  Noronha  (D.)  Filho  do  Vi- 
so-Rcy  D.  Garcia  ,  embarca-se  para  Dio  , 
com  sessenta  soldados  á  sua  custa  ,  zSó.  Faz 
presas  nas  nios  de  Meca  ,  409.  Vay  á  Adem 
em  Companhia  de  D.  iUvaro ,  415^.  Valor 
com  que  se  ha  em  Xael  ,428. 

Anronio  Peçanha.  Capuáo  do  baluarte 
S.  Jorge  em  Dio  ,  i  ^o.  Valor  com  que 
peleija  ,  i6j.  Hum  de 3  cinco  soldados  que 
resistem  valerosaraente    yo  inimigo  ,   2  í  í. 

Anore.  Cidade  assolada  por  D.  Manoel 
de  Limíi  ,  2f,f. 

Athaiiasio  Freyre  ,  indo  para  Dio  ,  foy 
encalhar  junto  a  Surrate  ,  e  -levado  à  Sol- 
rtáo  M:.hmiud,   252. 

Acedecáo.  Capitão  do  Hidalcáo,  54.  Des- 
baratado peio  Governador  D.  João  de  Cas- 
tro ,  56. 

B 


B 


Açora  ,   fia   Arábia   Felix  ,    sua  descrip- 
çio  ,    :5^4,    Os  Turcos  se  íonidcáo   nella  , 

Baluarte.  O  baluarte  Sanctiago  faz  gran- 
des ruinas  ,  150.  Defronte  do  baluarte  S\ 
Thomé  levanta  Coge  Çofar  huma  tnae.-i- 
na  5  que  faz  grande  damno  ,  152.  Assalta 
Juzarcáo  o  baluarte  S.  ]oáo ,  lói.  E  Ku- 
mecáo  o  baluarte  S.  Thomé,  161,  Entiác:) 
os  Turcos  este  baluarte  ,  170.  E  corre  fa- 
ma que  he  perdido,  i7i.  Levanta  o  ini^ 
Hh  '  mi- 


46S  ÍNDEX. 

migo  hum  bastião  defronte  do  bnlnarte  San- 
ctia^o  ,  ívSP.  Os  nossos  o  desfazem,  ibid 
CKegio  os  Turcos  a  Cavalgar  o  baluarte  S. 
Thomé  ,  ic)6.  Comete  o  inimigo  o  baluar- 
te Scncriago  5  22^.  E  o  baluarte  S.  Joáo  , 
e  retira-se  ,  2^0.  Arvora  o  inimigo  três 
bandeiras  no  baluarte  Sancriago  ,  2^^.  E 
ahi  se  pelei ja  com  valor  ,  2^7.  Acomere- 
se  o  baluarte  S.  Thomé,  24^.  Successos  n® 
baluarte  Sanctiago  ,  244. 

Barba.  Manda  o  Governador  empenhar 
os  cabellos  da  barba  á  Cidade  de  Goa  por 
vinte  mil  pardaos  para  reedificar  a  fortale- 
za de  Dio  ,  ^19.  Os  Cidadãos  de  Goa  lhos 
tornáo  ,  ^i^.  Onde,  e  como  se  conserváo 
hoje  ,    ^24. 

Barba-Rcxa.  Cossario  famoso ,  5  Persua- 
de ao  Turco  faça  guerra  á  Christandade , 
18.  Vem  com  huma  armada  em  demanda 
do  Estreito  ,  26.  Vendo  a  resolução  de  D. 
Joáo  de  Castro     se  faz  em  outra  volra  ,  27. 

Baroche.  Sitio  ,  e  fortificação  d-esta  Ci- 
dade ,  ^47  Trato  de  seus  moradores,  ^47. 
JVíadre  Maluco  senhor  delia  ,  547.  D.  Jorge 
de  Menezes  a  entra  ,  e  lhe  põem  fogo ,  :548. 
Acode  tarde  o  Maluco,  :?48.  Despeja-se  a 
fortale?.^   avistando  a   D.   Álvaro  ,   :^çS, 

Bento  Barbosa.  Hum  dos  cmco  solda- 
dos ,  que  em  Dio  valerosamente  resistem 
ao  inimigo  ,211. 

Bernardim    de  Sousa  ,  Capitão  das  Ma- 


Index.  469 

lucas  ,  ^62.  Leva  comsigo  a  Cachil  Aey- 
ro  ,  :^6;.  Cliega  com  el!e  á  Ternare  ,  7,6^, 
Bcrcholameu  Corre?.,  Hum  dos  cinco  sol- 
dados ,  que  com  grande  valor  sustentam  anv 
Dio  o  Ímpeto  do   inimigo,  21  r. 


V^  AcKil  Aevro.  Da-Ihs  o  Governador  D. 
Joáo  de  Castro  a  investidura  da  Coroa  d6 
Maluco,  icp.  Vay  preso  á  Goa  por  man- 
dado de  Jordão  de  Freitas  ,  ;62.  O  Go- 
vernador o  absolve  ,  ^6^.  He  lev.ido  á 
Ternate  por  Bernsrdim  de  Sousa  ,  26^.  E 
restituido  aos  seus ,   ^64. 

Calabatecáo.  Turco  valeroso  de  Dalmá- 
cia ,  ^99.  Capitão  do  Hidalcáo  ,  ibid,  Re- 
tira-se  de  Agaç?jm  com  a  entraJa  do  Go- 
vernador ,  40^.  Torna  a  pôr  os  seus  em  or- 
dem ,  404.  He  mono  por  D.  Diogo  de 
Almeyda  ,  40^. 

Cambre.  Determina  D.  Álvaro  de  Cas- 
tro entrar  em  Cambre  ,  6^.  Resolve  enves- 
til\,  64.  Salta  em  terra  ,  65.  Grandesa , 
c  Forças  da  praça  ,  66,  Resistência  do  ini- 
migo ,  67.  Ganha-se  finalmente  a  Cidade, 
6(^.  Destruição  ,  e  saco  ,  ibid. 

Campar.  Aceita  El R.ey  de  Campir  a  so- 
jeiçáo  que  lhe  ofíerecem  os  moradores  dé 
Adem,  ^1^.  Manda   contra  o   lyrRnr.o  Mar- 


470  Index. 

2âo  5  íbíd.  Entra  na  Cidade  d  pariido^  4!4,  | 
Sahe  depois    ao  tyranno  ,  e  morre  na  bata- 
lha 5   41  6. 

Candea.  Reyno  na  !Iha  de  Ceilão,  :54^. 
Cujo  Rey  recebe  a  pregação  do  Evange- 
lho ,  ihid.  Mostra  depois  inconstância  ,  m^s 
os  Religiosos  o  animáo  ,  ihid^  ElRey  de 
Cotta  o  dissuade  da  Fé  ,  ^50,  E  consen- 
te nisso  o  de  Candea  ,  jji.  Arrepende-se 
do  que  tem  feito  ,   ^çH.. 

Carlos  y,  Emperador.  Determina  bus- 
car a  Barba-P>.oxa  ,  6.  Lanço  de  cortesia 
entre  o  Emperador,  c  o  Infante  D,  Luiz, 
c).  Quer  armar  Cavalleiro  a  D.  ]oáo  de 
Casiro  ,  de  que  elle  se  escusa,  11.  Faz 
Pàiercè  ao5  Capitaens  da  armada ,  que  D. 
}cào  náo  aceita  5  Uid.  Avisa  a  ElRey  D. 
loáo  IIL  dos  desenhos  do  Turco,  22.  E 
j^cde  ajuda  para  lhe  resistir ,  ibid. 

Carta  d'ElRey  D.  João  para  o  Governa- 
dor D.  Joáo  de  Castro  ,7;.  De  Catheri- 
na  de  Scusra  pata  o  Governador,  184.  L)o 
Infante  D,  Luiz  ,  287.  Do  Governador  pa- 
ra os  Cidadãos  de  Goa,  pedindo-lhes  vinte 
mil  pardaos  sobre  os  cabellos  de  sua  bar- 
ba ,  ^20,  Reposta,  ^24.  Carta  do  Gover- 
nador para  seu  filho  D.  Álvaro  ,  acerca  de  D, 
joáo  Mascarenhas  ,  ;^6.  Carta  d'ElRey  D. 
Joáo  para  o  Governador  ,  4;i.  Da  Rainha  D. 
Catherina  5  4;4'  Do  Infante  D.Luiz,  4;9' 

Cathcrina  de  Sousa.   Escreve  ao  Gover- 
na- 


Index.  471 

nador  ,    e    lhe    offerece    suas    joyas   para   d. 
guerra  ,   184. 

Caxcm.  xManiâ  o  Rey  de  Caxem  pedir 
soccorro  ao  Governador  ,  420.  O  Governa- 
dor manda  a  D.  Joáo  de  At'âydc  com  qua- 
tro  navios  ,  42  1. 

Ceilão,  Manda  El  Rey  D.  Joso  Religio- 
sos Franciscos  primar  a  Fe  em  C-riláo  ,  ;4a. 

Coge  ÇoFar.  Persuade  a  Mahamud  Rey 
de  Cambaya  ,  que  tome  Dio  aos  Pcrtu- 
guezes  ,  90.  Quem  era  este  Mouro  ,  91. 
Como  veyo  á  Cambay.i ,  95  Razoens  com 
que  persuade  a  empresa  de  Dio  ,  (,6.  Pro- 
posta que  hz  ao  Capitão  da  forraleza  ,  117. 
Intenta  ganhala  por  traição  ,  i  zc.  Chega  à 
Dio  com  gente  5  122.  Muniçoens  ,  e  bas- 
limentos  que  traz  ,  12^.  Pratica  que  foz 
SOS  seus,  124.  Torna  a  instar  ro  Capitam 
da  fortaleza  ,  126.  Entrão-lhe  soccorros  ,1^^. 
Começa  a  bater  a  fortaleza ,  ibid,.  Estra- 
tagema que  arma  em  huma  náo  ,  i  ^4.  Que 
os  nossos  desbaratáo  ,  1^5.  Continua  a  ba- 
taria, i?7.  Faz  juramento  de  ganhar  Dio, 
ou  acabar  na  empresa,  150.  Morre  de  hu* 
ma  baila  ,   155» 

Compaixão  ,  do  Governador  D,  Joio  de 
Castro  ,  ^5  1   ?^  )  ^97  í  e  44^. 

Cotta  ,  Reyno  na   Ilha   de  Ceilão,  ^44. 
Cujo  Rey  recebe  os  Religiosos  Franci^cos, 
ibid.    Dissuade  da  Fé  ao  Rey  de   Candea  , 
'  ^50. 

Crux 


47^  I    K   D   E   X, 

Cruz.  Veneração  que  o  Governador  D. 
João  fazia  á  Sanra  Cruz,  57.  Invenção  da 
Cruz  de  S.  Thomé  ,  58.  Milagre  nctavel  da 
mesma  Cruz  ,  60.  AfFecto  com  que  o  Go- 
vernador recebe  esta  nova  ,62, 


D 


D 


AhuL  Cidade  famosa  do  Hidâlcao  , 
400.  Entrada  ,  e  destruída  pelo  Governa- 
dor ,  e  seu  filho  ,  401. 

Dabul  de  sima.  Outra  Cidade  'assi  cha- 
mada ,  assolada  ,  e  de<;rruida  pelo  Governa* 
dor  ,  e  seu   filho  ,  408. 

Desafio*  Entre  D.  João  Manoel ,  e  João 
Falcão  ,  e  como  se  bouveráo  estes  Fidal- 
gos  valerosamente    contra  o   inimigo ,    ^05. 

Dio.  Descripçáo  da  Ilha  ,  122.  Come- 
ça Coge  Çofar  a  bater  a  fortaleza  ,  i^^. 
Senhoreáo  os  inimigos  a  cava,  145.  Acha- 
se  hum  postigo  antigo  na  fortaleza  ,  por 
onde  o  Capitão  repara  alguns  danos,  155:. 
Depois  o  manda  fechar,  1^7.  Faltas  que 
se  sentiáo  na  fortaleza,  157.  Valor,  e  resis- 
tência dos  nossos ,  i6'4.  Outro  assalto  ,  16B. 
Sobem  Turcos  á  Igreja  ,  á  que  acede  D, 
3oâO  Mascarenhas  ,  175.  Onde  se  pelei) a 
com  grande  valor .  f^6,  Retiráo-se  os  ini- 
-migos  ,  177.  Morrem  muitos  delles  ,  ibid^ 
Vglor  de   14  soldados    nossos,    189,  Assalto 


Index.  473 

geral  ,  191.  Reparo  dos  nossos  contra  o 
to^o  ,  192.  Recoihe-sa  o  inimigo  ,  19^.  Com 
que  perda  ,  194.  Novo  assalto  ,  196.  Re- 
sistência dos  nossos  ,  197.  Perda  grande  dos 
inimigos  ,  199.  Necessidades  da  foiraleza  , 
ihid.  Remédio  para  a  falta  de  panelKis  de 
pólvora  j  2ca,  Finge  o  inimi^^o  dar  novo 
assalto  ,  2g6.  ^^^lor  notável  de  cinco  sol- 
dados 5  2c8.  Seus  nomes  ,  iJi.  Aco- 
dem os  nossos  ao  reparo  dai  mirsâs  ,  221. 
Da  o  inimigo  outro  assalto,  228  Re  istem 
os  nossos  valerosamenre  ,  229.  Perigo  em 
que  se  vem  ,  22,1  ^  ^  2  ^9.  Defendem  as  ro- 
turas de  huma  mana  ,  24 i.  Extremos  em 
que  esiá  a  fortaleza  ,  251.  Derermináo  os 
nossos  sahir  em  busca  do  inimigo  ,  257.  Pro- 
seguem  seu  intento  contra  o  parecer  do 
Capitão  5  e  de  outros  ,  258.  Sahem  final- 
mente ,  e  em  que  ordem  ,  2S().  Resistên- 
cia dos  inimigos  ,  260.  Perda  dos  nossos 
nesta  desordem,  264.  Tomáo  depois  disso 
os  nossos  14  gelvas  ,  que  basteciáo  o  ini- 
migo ,  274.  Brio  lastimoso  de  três  solda- 
dos nossos,  ^04.  Alcança-se  victoria  ,  ;i4. 
Estimação  do  numero  dos  inimigos,  ;i^. 
Despojos,  e  saco  da  Cidade,  ^17.  Tiro 
de  Dio  na  fortaleza  de  S.  Gião,  ^17.  Nu- 
mero dos  mortos,  :^iS.  Reedifica  o  Go- 
vernador a  fortaleza,  ^18,  e  ;:3.  Oeixa 
D.  ]oáo  Mascarenhas  a  praça  ,  e  o  Gover- 
nadoí  a  entrega  á  Luiz  Falcáo  ,  yj6. 

Dio- 


474  I  H  t)  ]E  X. 

■  Diogo  de  Almeyda  Freire  (D.)  Câpi- 
jtáo  mór  de  Goa  ,  276.  Encontra  a  reso- 
lução de  ir  o  Governador  á  Dio  ,  ib^id.  Fi- 
ca com  p  governo  em  sua  ausência  ,  284. 
E  quando  torna  ,  o  visira  no  mar  ,  ^^8. 
Vay  contra  o  Hidâlcáo  ,  por  mandado  do 
Governador,  ^61  ,  e  ;75.  Chega  á  fortale- 
za de  Rachol ,  ^j/ó.  Onde  recolhe  a  gente , 
íbíd,  Sahe  contra  o  Hidalcáo  ,  ^82,  Em 
outra  occasiam  (]uer  fazer  o  mesmo  ,  ^99* 
A  Cidade  lho  encontra  ,  íbidenu  Avisa  ao 
Governador  ,  4C0.  Espera-o  em  Agaçaim  , 
402.  Mata  ao  General  dos  inimigos,  405» 
Fica  com  cavaliaria  n^^s  terras  de  Salsete, 
407;  Entrega-lhe  o  Viso-Rey  o  governo  do 
Faseado  ,  e   ao  Bispo ,  446. 

Diogo  de  Anaya.  Acção  notável  to- 
mando huma  lingua  ao  inimigo,    148. 

Diogo  de  Reynoso.  Encomenda-lhe  o 
Governador  a  seu  filho  D.  Fernando,  127. 
Assiste  no  baluarte  S,  Thomé,  202.  Com 
valor  desordenado  foy  occasiáo  de  perecer 
muita   gente  na  mina   do  baluarte  ,   206, 

Diogo  Soares  de  Mello  j  estando  em 
Pntane  o  manda  vir  á  Malaca  Simáo  de 
Mello  ,  ^6$,  Para  onde  se  parte  ,  ^66,  Sa- 
He  ao  Achem  com  D.  Francisco  d'Eça  , 
^6y,  Apazigua  hum  motim  de  soldados , 
^68,    Rende    a  galé  Capitania  do  inimigo , 

S.  Domingos    de  Bemfica  ,   Convénio 


I  N  D  E  x^  475* 

junto  de  Lisboa  ,  450.  Capella  sumptuosa  , 
que  nelíe  fabricou  o  Bispo  Inquisidor  ge- 
lal  ,452.  O  que  lhe  dotou  ,  456.  Nella 
está  a  sepultura  do  Viso-Rey  D.  Jcáo  de 
Castro  5  454.  E  a  de  D.  Álvaro  de  Castro  , 

455. 

Duarte  de  Menezes  (  D.  )  Governador 
de  Tanger ,  ^.  Arma  Cavalleiro  a  D.  João 
de  Castro ,  ^.  Informa  a  ElRey  do  mere- 
cimento de  D.  Jcáo  ,  4. 

Duarte  Menezes  (D.)  sahe  de  Baçaim  , 
2^5.  Chega  á  Dio  ,  2^6.  Valor  com  cpe 
se  porta  na  peleija  ,263. 


E 


E 


Stevao  da  Gama.  (D.)  Succede  no 
governo  da  índia  á  D.  Garcia  de  Noro- 
nha 5  14.  Vay  ao  Mar  Roxo  ,  ihíd.  Arma 
Cavalleiro  a  D.  Álvaro  de  Castro ,  16. 


F 


Austo   Serrão    de  Calvos  ,    reposta  ga- 
lante que  dá  ao  Governador ,   ^92. 

Fernão  Carvalho  ,  manda  tomar  lingua , 
para  saber  o  desenho  do  inimigo  ,  por 
ordem  do  Capitão  de  Dio ,  146.  Avisa  ao 
mesmo  Capitão  do  que  vira  ao  inimiga, 
168. 

Fernando  de  Castio,  C^O  ^^^^^  *  ^"" 

dia 


47^  I    N    D   E   X. 

dia  com  o  Governador  seu  pây  ,  ^  5.  Vay 
com  soccorro  á  Dio  ,  127.  Chega  á  for- 
taleza,  i^H.  Como  o  recebe  o  Capitão  , 
I  ^p.  Pede-Ihe  licença  para  sahir  ao  inimi- 
go ,  que  se  lhe  nega  ,  144.  Esforço  com 
que  se  ha  ,  19^.  Estando  doente  acode  ao 
baluarte  S.  Thomé  ,  205.  Morre  em  hu- 
ma  mina  com  outros  Fidalgos  ,  207.  De- 
posito que  se  faz  de  seu  corpo,  212.  Man- 
da o  Governador  desenterrar  seus  ossos  pa- 
ra os  empenhar  á  Cidade  de  Goa  ,  que 
nam   rem  effeito  ,   ^19, 

Fernão  Perez.  He  o  primeiro  <^ue  sobe 
cm  Xael  por  huma  escada  contra  os  Far- 
laques  ,428. 

Fernáo  de  Sousa.  He  mandado  pelo  Go- 
vernador á  Maluco,  III.  Responde  á  hu- 
mas  cartas  de  Ruy  Lopes  de  Villalobos 
Capitão  dos  Castelhanos  ,  1 1  ^.  Avista-se 
com  elle  ,  ibid.  Acordo  que  tomáo  ,  114» 
Como  se  ha  na  falta  da  palavra  do  castelha- 
no, 1 16. 

Francisco  d*Eça.  (D.)  Sahe  de  Mala- 
ca contra  o  Achem  por  mandado  de  Si- 
mão de  Mello ,  ^66.  Tem  novas  delle  ,  e  o 
quer  seguir  ,  ^6y,  Os  soldados  se  amoti- 
náo  ,  ibid.  Avilta   o  inimigo,   ^68. 

Francisco  Guilherme.  Sahe  de  Baçaim  , 
2^4.  Chega  á  Dio,  240. 

Francisco  de  Mello  ,  Capitão  da  forta- 
leza  de  Rachol  ,  ^82.    Avisa  ao  Governa • 

dor 


Index.  477 

dor  p/íra  qi!e  se  juntem  contra  o  Hidal- 
câo;  ihid. 

Francisco  de  Menezes,  (  D. )  Vay  com 
soccorro  á  Dio ,  182.  Arriba  á  Baçaim  , 
215,  E  depois  á  Agaçaim  ,  2^^.  ^^alor  com 
que  se  ha  em  Dio  ,  256.  Estranha  aos  nos- 
sos o  Quererem  sahir  ao  inimigo  ,  257. 
Acorrpanhâ05  nesta  sahida  ,  250.  Morre  de 
hum    pelouro  ,  262. 

Francisco  Vle.tã  ,  e  Manoel  Pereira  , 
outro  soldado  de  forruna  ,  ficiráo  na  Ci- 
dade de  Adem  ,  retirando-se  D.  Payo  ,  e 
peleijaráo  valerosamenie  ,  42^.  Salvarão  nes- 
ta briga  hum  Infante  ,  que  levaráo  á  Cam- 
par ,  424. 

Francisco  Xavier.  (S,  )  Fiel  obreiro  da 
vinha  do  Senhor ,  85.  Sccega  o  povo  de 
Malaca  na  espera  de  huma  armada  contra 
o  Achem  ,  ^72.  Pronostica  a  victoria  ,  an- 
nunciando  os  modos  ,  e  circunstancias  del- 
ia ,  ^7:5.  Acompanha  ao  Viso-Rey  D. 
João  em    sua  doença  3  e  a:siste  á  sua  mor- 


G 


Andar   ,    Cidade    nâ    Costa    de    Cam- 
baya  destruída    por    D.  Manoel    de  Lima  , 

Garcia  de  Noronha.  (  D.  )  Quando   pas- 
«ou    á  governar    a   Índia  levou   comsigo   a 

D. 


47?  I    N    D    E   X. 

D.    ]oâO  de  Castro  ,    i  ^,    Faleceo    em  bre- 
ve ,  e  succedeo-lhe  D.  Esíeváo   da  Gama  , 

14. 

Garcia  Roclrir;'Jes  de  Tavcra  ,  vay  á  Dio 
em  companhia  de  António  Moniz  Barreto, 
216,  Desconíiânça  briosa  que  entre  elles 
houve,  218.  Valor  com  que  se  ha  na  pc- 
leija ,  116. 

Gil  Coutinho.  Capitão  do  baluarte  S, 
Joáo  ,  I  ^o.  Cuid^.do  ,  e  vjlor  com  que  pe- 
leija  ,   150.  Morre  na  mina,   207. 

Goga  ,  Cidade  nd  Co:ta  de  Cambaya  , 
á  que  vay  D.  Manoel  de  Lima  ,  ^29,  Sia 
<]ueada  ,  e  abrasada  ,   ^  ^  i. 


H 


H 


Xxidâlcío.  Primeira  embaixada  sua  ao 
Governador  D.  Joáo  ,  41.  Quem  em  este 
Mouro,  4^  Como  se  introduz  na  Coroa, 
44,  Cuidado  que  lhe  dava  a  vinda  de  Mea- 
le  para  Goa  ,  47.  Faz  grandes  partidos  ao 
Governador  Martim  Affbnso  de  Soiísa  p0- 
Ja  pessoa  de  Meale ,  49.  Primeiros  movi- 
mentos contra  o  Estado  da  índia ,  54.  Co- 
mete paz  ,  vendo  a  fortuna  de  nossas  ar- 
mas ,  71.  O  Governador  a  aceita  ,  72. 
Manda  sobre  as  terras  firmes ,  ^éo.  ^7^. 
Cuidados  em  que  estava  ,  ^74.  Retira-se 
á  Pondá  ,  ^8^.  O  Governador  o  vay  seguin- 
da,  J84.    £  o  faz  retirar  ao  Sertão,  ?85« 

Tor- 


Index.  479 

Torna  de  novo    com  guerra ,    yj^.    Danos 
(pç  recebe  ,  402. 


I 

%j  Acome  Leite.  Desfaz  hum  e^rratagema 
de  Coge  Çofar,  i;ç.  Tomou  muitos  man- 
timentos aos  inimigos  ,  matando  a  muitos 
deiles,    14^. 

Joso  (  ElRey  D,  )  chama  de  Tanger  a 
D.  Joáo  de  Castro  ,  e  lhe  hz  mei-cè  ,  4- 
Faz-lhe  mercê  quando  foy  á  índia  ,  i  z. 
Faz  General  da  armada  da  cosra  a  D.  Joáo. 
17.  E  depois  da  armada  contra  o  Turco  , 
2^.  ConBança  aue  delie  m;Oãtra  ter  ,  24. 
Elege-o  para  Governador  da  índia  ,  ;  r. 
Carca  que  lhe  escreve  .  7^.  Festeja  a  no- 
va da  vicroriâ  de  Dio  ,  4^0.  Carta  que  es- 
creve á  D.  Joáo  5  e  mercês  que  lhe  faz  , 
4^1.  Prcroga-lhc  o  governo  outros  ires  an- 
nos  com  titulo  de  \'Í50-Rey  ,  444.  Man- 
da seis  nrios  à  InJia  ,  445. 

Joáo  de  Albuquerque.  (OBl^po  D.)  fi- 
ca com  o  governo  em  companhia  de  D. 
Diogo  de  Almeyda  na  ausência  do  Gover- 
nador,  2B4.  E  quando  torna,  o  visita  no 
mar  ,  3^8.  Recebe-o  na  ^é  com  Tc  Dexm 
laudamus  ,  ^42.  l  ntrega-lhe  o  \^iaO-Rey  o 
governo  ,    e    íí    D.    Diogo    de    Almeyda  , 

}oáo 


4^0  Index. 

]oáo  de  Almeyda.  (D.)  Cem  seu  irmão 
D.  PeJro  ,  encarrega-se-ihe  em  Dio  o  ba- 
luarte Santiago  ,  127.  Sahem  ao  inimigo, 
e  o  estrago  que  fazem,  j83.  Cuidaco ,  e 
valor  com  que  peleija  ,   151  ,  16?,   170. 

]oáo  de  Attayde  (D.)  Vay  á  Adem  em 
companhia  de  D.  Álvaro  de  Castro,  419, 
O  Governador  o  manda  á  Caxem  ,  420, 
SuGcesso  da  viagem,  425'.  Sahe  ao  encon- 
tro á  D.  Álvaro  ,  416,  Valor  com  que  se 
ha  em  Xíid  ,  427. 

Joáo  de  Castro.  (D.)  Seus  primeiros  es- 
íudos  ,  I.  Applica-se  as  Mathematicas ,  2. 
Passa  á  Tanger ,  ^.  Seu  procedimento  na 
Corte  ,  4.  Casa  com  Dona  Leonor  Couti- 
nho ,  5.  Passa  -í  Tunez  ,  ib.  Tornando  des- 
ta jornada  se  recolhe  á  Sintra  ,  11.  Passa 
a  primeira  vez  á  índia,  12,  Em  companhia 
de  D.  Garcia  de  Noronha  ,  ib.  F.mbarca-sc 
no  soccorro  de  Dio,  i  ^.  Vay  ao  Mar  Ro- 
xo com  D.  Estevão  da  Gama  ,  14.  Faz 
hum  Roteiro  nesta  viagem  ,  if.  Torna  ao 
Reyno  ,  e  o  faz  ElRey  General  da  armada 
da  Coáta  ,  lé.  Desbarata  sete  náos  de  Cos- 
sarios  ,  17.  Recolhe  as  da  Indiz  /  ibid.  El- 
Rey o  faz  General  da  armada  contra  o 
Tuíco ,  2;.  Avista-se  com  D.  Álvaro  Ba- 
çào  ,  General  do  Emperador  ,  e  discorrem 
sobre  a  jornada  ,  24.  Resolvem  peleijar , 
2$,  Permanece  neste  parecer  contra  o  d» 
General  Castelhano  ,  26.  Espera  o  inimi- 
ga 


Index.  4S1 

go  no  Estreito  três  dias  ,  27.  Vay  á  Cei- 
ta ,  28.  Volta  a  Lisboa  ,  e  recolhe-se  á  Sin- 
tra ,  2fj,  ElRey  o  faz  Governador  da  índia  , 
;i.  Corre  cem  o  apresto  das  náos  ,  ^2, 
Reprova  as  galas  de  seu  filho.  ^^  Parte 
para  a  Índia  ,  ^4.  CHega  á  Moçambique  , 
^é.  Parte  para  Goa  ,  ^7.  Como  he  recebi- 
do ,  ^S.  Estado  em  cjue  achou  o  governo 
da  índia,  ^9.  Reposta  cjue  dá  ao  Hicalcào 
sobre  as  cousas  de  Meale ,  51.  Apercebi- 
mentos que  faz  para  a  guerra  ,  5^  Sahs 
contra  Acedecáo  Capitso  do  Hidalcáo  ,  54. 
Peieija  com  elle ,  e  desbarata-o  ,  56.  Acei- 
ta a  paz  que  o  Hidalcáo  pede  ,72.  Tra- 
^a  das  cousas  do  Estado  ,  ib.  E  das  da  Re- 
li^iáOj  7:;.  Manda  gente  á  I)io  ,  ic6<  Es- 
creve á  Solráo  Mahamud  «obre  as  cousas 
dacjuella  fortaleza  ,  107.  Manda  scccorro 
á  Dio  ,  I2C.  E  depois  a  seu  filho  D.  Fer- 
nando com  outro  soccorro  ,  !  2%  F.  huma 
■carta  muito  honrada  a  D.  João  Mascare- 
•nhas  ,  I  29.  Pregoa  guerra  contra  Camba-y^.  , 
•141.  Escreve  á  todas  as  praças  ,  e  ped& 
-empréstimo  para  soccorrer  a  Dio  ,  142.  Re- 
corre á  Deos  cem  preces  públicas  ,  ibid. 
Cuidados  em  que  andava  sobre  estes  soc- 
corros  ,  180.  Manda  á  seu  filho  l\  Ál- 
varo ,  18 r.  E  a  D.  Francisco  de  Menezes^ 
182.  Aprestos  que  fica  fazendo,  18^.  Cui- 
dados cm  que  andava  ,  267,  Chegáo-lhe 
novas  de  Dio,  26p.  Piedade,  e  aJe^ria  com 

Que 


482  Index. 

que  as  recebe ,  íhid.  Valor  cjue  mosrra  com 
a  nova  ài  morre  de  seu  filho  D.  Fernan- 
do ,  ihhi.  Manda  fazer  procissam  em  ac- 
çam  de  graças  ,  270.  Declara  em  conselho 
a  resolução  de  ir  á  Dio  ,  275.  A  qual  se 
lhe  encontra  ,  276.  Resolve-se  em  ir,  280. 
Sahe  de  Goa  á  soccorrer  Dio,  :84-  ^om 
que  armada  ,  e  Capitaens  ,  ibid.  Chega  z 
Baçaim  ,  e  faz  guerra  a  Cambaya ,  285.  En- 
tra em  Dio  ,  zr,->.  Faz  conselho  no  mar  ^ 
2(;B.  Mere  a  gente  dentro  áã  forcdeza  ,  ihid^ 
Resolve  dar  batalha  ,  :jco.  Ordem  pe  dá 
á  armada  ,  ibid.  Faz  outras  prevençoens  , 
:{0i.  Falia  aos  soldados,  ;02.  Ordem  cm 
que  os  póem  ,  ibid,  Sahe  da  fortaleza  ,  p^. 
Perigo  em  que  se  vê  ,  e  como  «e  livra  , 
^07.  Acclama  vicroria,  e  prosegue-a  ,  ^o3. 
Pcleija  pessoalmente  ,  ^09.  Envesre  a  Ru- 
mecáo  ,  ^  jo.  Alcança  viccoria  ,  ;í4.  P^ja- 
bens  que  se  lhe  dio  ,  ^17.  Reedifica  a  for- 
taleza, ;i8.  Empenha  os  cabellos  da  bar- 
ba ,  ;ip.  Os  Cidadãos  de  Goa  lhos  cor- 
náo  ,  e  juntamente  o  dinheiro  que  pede  , 
;2^  Continua  a  obra  da  fortaleza,  ^28. 
Manda  a  D.  Manoel  de  Lima  fazer  guer- 
ra pela  Costa  de  Cambaya,  ?29.  Depois 
manda  a  António  Moniz ,  esperar  as  nãos 
de  Cambaya  ,  ;^^  Tem  aviso  de  Ormuz 
de  novos  morins  de  guerra  ,  ^^4.  Manda 
•para  lá  á  D.Manoel  de  Lima,  ;^5.  Escre- 
ve   á  ElRey  D.  Jcáo  os  merecimentos  dos 

ioi- 


I   H  D    E   X.  4S3 

soldados,  ^7,6.  Embarc2-.se  para  Goa  ,  ^^^^ 
Chega  ,  e  he  visitado  no  mar ,  ibtd.  De- 
creta-se-lhe  tfiumpho  ^  cuia  fabrica  se  des- 
creve ,  ihíd.  Enrra  na  Cidade,  240,  Hiua 
Vereador  lhe  íaz  pratica  ,  ;4i.  He  rece- 
bido com  triumpho  ,  ^42.  Vay  a  Sé  ,  e  re- 
conhece a  Deos  por  /\iírhor  de  suas  vi- 
ctorias  ,  ^4.^  Zela  a  conversão  do  Rey  de 
Candea  ,  e  manda  á  isso  Anronio  Moniz 
Barreto,  ^46»  Manca  a  D.  Diogo  de  Al^ 
meyda  contra  o  Hidalcáo,  ^íaí.,  e  ^7^.  K 
depois  disso  a  outra  gente,  querendo  eiíc  ir 
«m  pessoa  ,  7^62,  Póem  em  conselho  a  guer- 
ra do  Hidalcáo  ,  ^76.  A  qual  se  dihra  pa- 
ra outro  tempo  ,  ;77.  Manda  exercitar  os 
soldados  ,  ibid»  É  os  favorece  ,  como  kz 
a  Francisco  Gonçalves  ,  ^78.  Tem  avisos 
de  Dio  ,  ibid*  Que  communica  ao  Sena- 
do ,  pedindo-lhe  ajuda  ,  ^79.  Avisa  a  Ghaul  , 
e  Baçaim  ,  ^80.  Resolve  a  guerra  do  Hi- 
dalcáo ,  ^82.  Ordena  a  sua  gente ,  ibid, 
Vem-lhe  Embaixadores  do  Canará  ,  v8^. 
Ouve-os  ,  e  deipede-os  ,  28^.  ^egue  o  Hidnl- 
cáo  ,  ^84,  Volta  á  Goa  ,  ^H6.  Torn.i  i 
Dio  ,  e  com  que  armada  ,  ibid.  Chega  í 
Baçaim  ,  2^^8.  Manda  seu  filho  D.  /\;va. 
ro  á  Sunate  ,  ibid.  Galantaria  com  que 
amedronta  os  Mouros,  :^9r.  A;,unta-?e  com 
n.  Álvaro  na  barra  de  Surraie  ,  ^9^-  Avis- 
ta o  Soltáo  ,  e  presenta-lhe  batalha  ,  <?(,>^. 
Falia  ^os  soldados  ,  ibid.  Reposta  dos  Ff' 
li  dai- 


4^4  Index. 

dalgcs   5    e  Cabos,   ?94.    Espera  no  campo 
ires  horas  ,  e  eiriharca-se  ,    ^y^.     Danos  <]ue 
hz  ao   inimigo  ,  í/'///.    Cheira   á    Dio ,    :^95, 
Enrreg :    a  praçn    .-i    Luiz  F?.!cáo    por  deixa- 
çáo    de   D.  Joáa   Mascarenhas  ,    Vj^»    Em- 
baic;;-se    para   Bnçaim  ,    \vn.    Onde  escreve 
á   EIRey     D.   joáo  ,  lembrnndo   r;S  homens 
que  tinháo  servido,   ^90,    Que  nlviçaras  lhe 
pede  5  4;o.    Kmbarca-se  para   Goa  ,  e   .ivis-* 
ta  Dabul,  40c.  Toma  a  Cidade  ,401.   Che- 
ga á   Agaçcim,  402.    Enveste  os  inimií;os  , 
40:;.    Pelcija  pessoaimente   ,    405.    E  alcan- 
ça vicroria  ,    406.     Despacha    as   náos  para 
o   Reyno ,  4C7.    Coniinui  a   guerra    do  Hi- 
dalcáo  ,  {h\A.    Assola  Dabul   de  sima ,  40B. 
Tala   a  c-impanha  ,  409.  Vay  á   Baçaim ,  e 
faz   dignos    á    Cambaya  ,  Wnà,    Os  morado- 
res   de  Adem  pedem    soccorro    contra   hum 
lyranno  ,   415.    O   Governador    lhes    manda 
a    seu    filho    D.   Álvaro,  418.    \'em  embai- 
xada d'FlRey  de  Caxem  ,  420.  Reposta  áo 
Governador  ,    e  soccorro   que  manda  ,  \h\à. 
Cartas     ane    tem     d  EiRey    D.    Joáo   ,    da 
R.dnha    D.    Catherina  ,    e    do   Infante    D. 
Luiz  7:5.  ,  4;».  .  4U*  5  4^9.  Frorop-lhe  El- 
Key    o  s^overno   com  titulo    de   Viso-Rey  , 
444.  Che^^   huma  náo    do  Reyno  á  Goa  , 
44ír.    Recebe     as  vias ,  e  acha    as    honras , 
e    mercês  ,    44<^-     Adoece     o    Viso-Rey  ,. 
e   deixa   o  Governo  ,    'únL    Manda    vir  os 
da  governança  ,    e    o    <]ue    lhes   diz  3  447» 


I    N    D   S    X,  4^5^ 

Juramento  que  ante  elles  rorr.a.  448.  Co- 
nhecendo o  perigo  da  doença  se  recolhe 
com  S.  Francisco  Xavier  ,  449.  Sua  n:or- 
tc  ,  enrerro  ,  e  sentimenro  de  rodos  , 
ibid.  Seus  ossos  vem  ao  Reyno  ,  dcpositáo- 
.^c  cm  S.  Domingos  de  Lisboa  ,  e  d'ahi  se 
passam  Á  Bem  fica  ,  4-0.  Afcendcncia  do  Ví- 
so-Rey  D.  João  de  Castro  ,  45^-  Filhos  cue 
leve  ,  462., 

joâo  Coelho  \'igâr!0  da  fortaleza  de  Dio  , 
ofierece  se  para  ir  ao  Governador  ,  158. 
Ciiega  o  seu  avi-o  ,  18'.  Torna  á  Dio, 
Ip5.   A^ima  aos  soldados   na  peleija  ,  2rò. 

Jofio  Fíúcáo.  Desfio  que  tem  com  D. 
João  i\]ànoel ,  7,c<;,  Como  se  compu<;er20  , 
ibid.  Tendo  sobido  o  muro  he  morto  ás 
cutiladas  .    ;c6. 

Joáo  Manoel.  (D.)  Desaílo  que  tem  com 
Joáo  Filcáo  ,  e  como  se  compuseráo  ,  ^05. 
Sobindo  20  muro  lhe  cortarão  as  máos , 
e  cabeça  ,    7,06, 

Joáo  Mascarenhas.  (D.^  Capitão  de  Cio  , 
J06.  Avisa  ao  Governador  D.  Joáo  ce 
.Castro  do?  desenhos  de  Coge  Çofar ,  irid, 
Propos':â  que  o  Mouro  lhe  fcz  ,'  t  ít.  Re- 
posta que  lhe  dá  ,  119.  Avi-^a  curra  vez 
ao  Governador  ,  ibid.  Prevençoens  que  faz 
:para  aguerra,  12  r.  Respc^de  á  outra  inc- 
ítancia  de  Coge  ÇofaT  ,  127.  Reparte  os 
postos  da  fortaleza  ,  I  ;c  E  falia  aos  soí- 
dados  ,  i^i.  Como  recebe  a  D.  Fernnn- 
li  ii  <1q 


4S6  I    K    o   E   X. 

úo  ÒQ  Castro  ,  que  vem  com  soccorro  , 
1  ^y.  Avisa  por  terra  á  ElKey  D.  Joso , 
14.4.  Cuidado  5  e  vigilância  com  que  ace- 
dia a  tudo  j  ffí.  ,  x^;.,  25c.  Maquina  com 
i^ue  desfaz  outra  do  inimigo,  i5g.  Repa- 
ra as  ruioas  da  fortaleza  ,  166.  Acode  a 
lançar  os  Turccs  fora,  17^.  E  o  faz  com 
gríjnde  vaior  ,  174»  Deterniinaçáo  ivalerosa , 
que  intenta,  21^.  Avisa  a  D.  Álvaro  dè 
Castro  das  necessidades  da  fortaleza  ,  220» 
Recebimento  que  lhe  faz  cm  chegando , 
254.  Avi5a  ao  Governador  dos  successos  da 
fortaleza  ,  2<c.  Tr:ita  dissuadir  os  nossos 
que  querem'  sahir  ao  inimigo  ,  257,  E  ven- 
do sua  resolução  os  acompanha  ,  25^.  Acor- 
do com  íjue  se  porca  ,  262.  Pócm  em  or- 
d^m  os  soldados  ,  167;.  Como  recebe  ao 
Governador,  297.  Que  gente  lhe  dá  o  Cio- 
vernador  para  a  batalha  ,  p2.  Valor  com 
que  se  ha  na  pelei  ia  ,  ^06. ',  ^1:5.  Entra  na 
Cidade,  ;i2.  Determina  deixar  a  praça  an- 
tes do  tempo  acabado  ,  ^^^,  Torna  acei- 
lala  ,  e  fica  nella  ,  7,7,6.  Avisa  ao  Gover- 
nador do  que  determina  ElRey  de  Cambaya , 
7,->^.  Faz  deixaçáo  da  praça ,  ^(j6.  Embar- 
ca-se  para  o  Reyno  ,  407,  Elogio  de  D. 
]oáo  Mascarenhas  ,  ibid» 

joáo.  (  Mestre  )  hum  dos  cinco  soldados 
que  valerosamence  em  Djq  resistem  ao 
inimigo  ,  208. 

jeronymo    de    Menezes.    (D.)    Capitão 

móc 


I   W    D   K  X,  ^87 

mór  de  Baçaim  ,  272.  Entrega  quinze  na- 
vios á  V^asco  da  Cunha  para  levar  a  Dio  , 
ibid, 

Jordão  de  Freiras  ,  Capitão  das  Malucas  , 
7,61,  Prende  a  Eí^ey  Aeyro  ,  e  o  manda  á 
Goa  ,  ibid.  Enrrega  o  governo  das  Malucas 
á   Bernardim  de   Scusa  ,   7,6^, 

Jorge  de  Menezes.  (  f).  )  Salie  de  Ba- 
çaina  ,  2^4.  Chega  á  Dio  ,  2^6.  Valor  com 
que  peleija  ,  161»  Fica  na  enseada  de  Cam- 
baya  ,  por  mandado  do  Gcvernc^dor  ,  ^;7, 
Toma  algumas  embarcaçoens  de  mantimen. 
tos ,  ^4-".  Dá  sobre  a  Cidade  de  Baroche  , 
^48.  Que  destroe  ,  e  põem  á  fogo  ,  ^49, 
Toma  o  appellido  de  Baroche ,  ibid.  Par- 
te á  Dio  ,  com  o  Governador ,  7^S6.  Che- 
ga á  Surrate  por  mandado  de  D.  Álvaro, 
^89.  Salca  em  terra  ,  e  entra  a  povoação 
com  grande  valor  ,  ^90.  Acode  ao«  nos- 
sos onde  peleijavão ,  ^90.  Voltáo  para  D. 
Álvaro,  ^pr.  Pede  ao  Governador  quinhen- 
tas esping.irdas  para  sahir  ao  Soiráo  ,  ^95". 
Faz  pre.';as  em  nãos  de  Meca  ,  409. 

Isabel  Fernandes.  Vaíerosa  matrona  ,  cha- 
mada commummenre  a  V^elha  de  Dia  , 
151.  Valor  com  que  se  ha  em  algumas  oc- 
casioens  ,  207,  2z6, 

Isabel  Madeira.  Valor  particular  com  que 
se  houve  na  guerra  de  Dio,   2C9. 

Juzarcáo  ,  Abexim  v.tlente  ,  que  o  Sol- 
tão  Mahami\d  deixa  em  seu  lugar  na  guer- 
ra 


48o  Index/ 

rad^  Dío  ^  "f47.  Faz  juramento  de  ganhar 
a  fortaleza  ,  ou  acabar  na  empreza  ,  150. 
/issaha  o  baluarte  S.  'oáo  ,  161.  Enveste 
a   Couraça  ,   171.    Morre   de   hi:m  pelouio, 

«78. 

Jiizarcáo.  (Outro)  \''em  a  continuar  o' 
cerco  de  Oio  ,  187.  Enveste  o  Bi-.Iuarte 
S.   joáo  ,   1 98.    Sahe  á    ençoncrar-se  com  os 

nossos  ,  26c.  ^ 

L 


L 


Uiz  (Infante  D.)  Aprende  as  Ma-' 
rhematicas  ,  2.  Passa  ;  Tunes  com  o  Em- 
peradcr  seu  cunhado  ,  ^.  Lanço  de  corre- 
ziâ  entre  elle  ,  e  o  hmperador  ,  9.  Pro- 
põem a  D:  Joáo  de  Castro  para  governar 
a  índia  ,  ^o.    Cartas  aue  íhe  escreve  ,   287  , 

Luiz  de  Almeyda.  V^y  com  seis  cara- 
ve  ias  de  soccorro  á  Dio  ,  mandado  peio 
Governador,  z-'^.  Cl^.e^i  a- fortaleza  ,  e 
vay  esperaras  nios  de  iMeca  mandado  por  D, 
-Alvsro  de  O^ctro  ,  ibid.  Toma  du^S  ,  27;. 
E   enira  coni   elias  em   Oio ,  274. 

■  Luiz  Falcão.  Cheja  á  Dio  ,  vindo  de 
governar  Ormuz  ,  295.  O  Governador  lhe 
éntreí;a  a  praça  por  deixaçáo  de  D.  Joáo 
Ma^ciren  1*3  ,    X()6» 

Luiz    de  Mello    de  Mendqça.    Sahe   de 
Bacrtim  para   Dio,   íí4.    Perigos   que    tem 

na 


I   K   D   E  X.  489 

nx  vingem  ,  ikid,  Resisre  âos  que  querem 
arribar,  i]6,  Ghegi  á  Dio  ,  e  dá  ní»vas 
de  D.  Alvàro  ,  íbid,  He  í^pcsentaJo  no  ba- 
luarte Sanciia^o  ,  2^7.  Moire  de  liu  m  pe- 
louro ,   261, 

Luiz  de  ^0^333,  Capiíío  do  baluarte  S. 
Thom.f ,  !  ^o.  Cuidado  ,  e  valor  com  que 
peleij;i  ,   ko  ,   ?6f  ,   i-.jz  ,   228  ,  26^. 

Lopo  de  Sousa.  Peleiia  vaiercsamente  em 
Dio  5  e   morre   atravessado   de  hum  dardo  , 

263. 

Lourenipo  Pirez  de  Távora.  Capitão  mót 
da  viagem  do  Reyno,  z6l).  Chega  á  Co- 
chim  ,  e  vay  á  Dio  ,  2B6.  He  o  primeiro 
que  afFerra  o  muio  ,  ^09.  Volta  a  Lisboa  , 
42^. 


M 


M 


A  laca.  Conjuráo  vnrios  Reys  contra 
ella ,  ^64.  Chega  o  Achem  ,  e  recolhe- 
se  logo  ,  7^66^.  Contr.i  quem  manca  o  Ca- 
pitão Simão  de  Mejío  ,  ;67.  Embaixada 
dos  conjurados  ,  ^70.  Reposta  de  Simáo 
àe   Mello  5   ^71. 

Malucas.  Milagroso  successo  nellas  ,  85. 
Direito  que  os  Rey>  de  Portugal  tem  so- 
bre ellas  ,  ioB>  O  Governador  as  dá  á  Ca- 
chil  Aeyro  ,  io:>.  Váo  Casrelhanos  á  ellas  , 
lio.  Como  se  hão  ,  e  resolvem  com  os 
Portuguezes  ,114. 


490  Index, 

Manoel  He  LiiTia.  (D  )  Cliega  do  Rey- 
no  á  Gol  ,  268.  Quer  partir  logo  para  Dio, 
€  o  Governador  o  dissuade,  ihítl.  Vay  em 
sua  compannia  ,  2R4.  O  Governador  o 
manda  a  enseada  de  Cambava  com  seiS  na- 
vios ,  onde  toma  muitas  presas,  28^.  Entra 
(Em  vSgrrate  .  e  faz-Ihe  muitos  danos  ,  lp4. 
/\sso]a  a  CiJade  de  Antote  ,295.  E  a  ou- 
tros lugares  da  costa,  297.  Chega  á  Dio, 
ç  o  Governador  lhe  dá  quinhentos  Portu- 
guezes  para  a  batalha  ,  ^o^.  Valor  com  c^ue 
se  ha,  ^07.  ^12.  Entra  com  D.  Álvaro  na 
Cidade  ,  ^1:2.  Sabe  â  fr.zer  guerra  aos  lu^ 
gares  dí  costa  ,  ^29.  ^^:y  á  Cidade  de  Go- 
ga  ,  que  saquêa  ,  e  abrasa  ,  ibld.  Destroe 
Também  Gmdar,  ^^2.  Recolhe-se  á  Dio, 
ihid,  Onerece-se  a  ficar  na  praça  por  deixa- 
çáo  de  D.  Joio  Mascarenhas  ,  ^;^.  Vay 
para  Ormuz,  7,^^,  ElRey  de  Campar  lhe 
©íferece    huma   fortaleza    em    Adem  ,    415. 

Manocl    Fereira.  Fíde*  Francisco  Vieira. 

Msrtim  Aftònso  de  Sousa  ,  Governador 
da  índia  ,  29.  Alterou  os  bâzarucos  ,  ^i^ 
^^andâ  vir  a  Meale  para  Goa  ,  46.  Deter- 
rnma  entrei^alo  ao  Hidalcáo  ,  poios  parti- 
dos que  lhe  bz  .   51. 

Martim  Botelho  ,  eom  dez  companhei- 
fos  vay  tcmar  huma  lirgna  ao  inimigo  , 
?oi.    Que  novas  deu,  2C2. 

Marzam  ,  succede  á  Rax  Solimáo  no  s»' 
«hofio  de  Adem,  412.  Ec  sç  faz  íortc  no^ 


I   K    D  E   Y«  491 

paços  contra  EIRey  de  Campar.  41;.  En- 
trcgando-se  a  parrido  ,  se  sahe  da  Cidade , 
414.   Danos  c]ue  depois  faz,  ihid, 

Meale.  Causa  do  desassossego  do  Hidal- 
cáo  ,  41.  PasNCU-se  á  Cambaya  ,  4^  Marrim 
Aironso  de  5oQsa  sendo  Governador  o  man- 
da vir  para  Goa ,  46.  Como  he  recebido 
do  Governador ,  47.  Depois  o  quer  o  mes- 
mo Governador  enrregar  ao  Hidalcáo  polo 
partido  que  lhe  faz  ,  50.  O  Governador 
D.  Joáo  de  Castro  o  detende  ,  s^»  He  cau- 
sa dos  movimeritos  do  Hidalcáo  ,  ^60.  E 
de  seus  cuidados  ,  ^74. 

Miguel  de  Arnide ,  Soldado  agigantado , 
vay  á  Dio ,  217.  Como  se  embarca  nesta 
jornada  ,  ibid.  Forças  ,  e  valor  com  que 
peleijâ  ,  227. 

Minas.  Mina-se  o  baluarte  S.  Thomé , 
202.  Da-se-lhe  fogo  ,  207.  Pessoas  que  pe- 
recerão nesta  mina  ,  ibid.  Continua  Ru- 
mecáo  com  outras  ,  22c.  A  cnjo  reparo 
acodem  os  nossos  ,  221.  Dáo-lhe  fogo  os 
inimigos  com  perda  sua,  2^2.  Abrem  ou- 
^a ,  que  os  nossos  atalháo  ,  241.  Conti- 
nuáo  com  outras  ,  e  os  nossos  com  os  re- 
paros 5  26s»  E  depois  com  outra  ,  á  que 
dáo  fogo  stm  dano  nosso,  28^. 

Moçambique  chega  ahi  o  Governador 
D.  Joáo  de  Castro  ,  ^5.  Muda  a  fortale- 
7a  para  melhor  sitio ,  ;6.  Vay-llie  ordem  do 
Heyno  para  que  a  alargue  ,  581. 

Moc- 


49^  Index, 

Moeda.  Queixns  do  ^-.stado  da  índia  so* 
bre  a  alteração  da  moeda  ,•  ;9.  Ouve  o 
Govern.idor  D.  Joáo  a  Cidade  ,  e  povo  so- 
bre estA  matéria ,  40.  Resolução  que  nel- 
la  tomo'i ,  40. 

Mo)atecáo  ,  louva  o  valor  dos  Portugue- 
zes ,  227  Sahe  a  encontrar-se  com  os  nossos, 
260.    Enveste  a  fortaleza  ,  e  retira-se  ,  26^. 

Mulheres.  Valor  das  mulheres  de  Dio  , 
151  ,  16^,  172,  212  ,  zz6.  Valor  parti- 
cular de  hama  Porto^neza  ,  172.  As  mu- 
lheres de  Chaul  ofFerecem  suas  joyas  para  a 
guerra,  184.  As  de  Goa  ofierecem  filhos, 
€  fazenda  para  o  soccorro  de  Dio  ,  271. 
E  para  a  reedificaçáo  da  fortaleza  ,  ^28; 
E  também  em  outra  occasiáo  ,  ^80. 

N 

-.^  Aos.  Qn^ntns  erão  ;  e  One  Capitaens 
das  com  que  loy  o  Ciovernador  ÍX  ]cáo  de 
Castro,  ^iç.  Em  qae  tempo  partirão,  ;4» 
Perigo  que  teve  a  náo  do  Governador  , 
;5.  A  náo  Espírito  Santo ,  de  que  era  Ca« 
pitão  Dio^o  Rebello  ,  chega  á  Goa,  i8i. 
Náo  de  Cambaya  tomada  por  D,  Álvaro 
de  Castro  ,  25;.  Chegáo  á  Goa  náos  do 
Reyno,   7,So.  Ordens   que  leváo  ,   ^81. 

Nuno  Pereira.  Valor  com  que  peleija 
em  Dio,  26^.  Vem  á  Goa,  e  morre  no 
mar  das  feridas  que  traz  ,  27Q, 


Index.  49J 


X  Ayo  de  Noronh.?.  (D.)  Anda  com  do- 
ze navios  no  estreito  de  Rosaigate  ,416. 
Oííerece-se  pra  ir  á  Adem  em  soccorro 
d'ElRey  de  Can-p,ir  ,  417.  Chega  á  Cidade  , 
ibid»  Manda  iecoi.'ier  05  soId;iJ05  ,  4^^  O 
que  náo  quizeráo  fezer  Maiiod  Pereira  ,  è 
Francisco  Vieira  ,  soldados  de  fortuna  ,  que 
peleijaráo  v^deiosamente  ,424. 

Patê  ,  e  P.  í-ne.  Cidades  na  co€ta  dê 
Cambaya   abrasadas  peio  Governador  ,    y^^y, 

Pedro  de  Almeyda.  (D.)  Sahe  cem  seu 
irmão  D.  Joáo  de  Almeyda  aos  inimigos 
em  Dio  ,  e  estríigo  que  fazem  ,  108.  Va- 
lor com  que  peleija  ,   170,  228. 

Pedro  Nunes.  Grande  Mathematico  ,  e 
IVIestre  de  D.  Joáo  de  Castro  ,   2^ 


R 


Ax  Solimão.  General  da  empresa  np 
primeiro  cerco  de  Dio  ,41c.  Entra  com  voz 
de  amigo  no  porto  de  Adem  ,41'.  De^ 
golla  ao  Rey  ,  ibid.  E  se  faz  senfior  da 
Cidade  j  41 í. 

Ruy   Freire.  Chega  á  Dio,  içz. 
Ruy  Lopes   de  Villaiobos.    Capitão   dos 

C  as- 


494  I  K  o  B  X. 

Castelhano?  ,  que  foráo  i  Maluco  ,  Tio.  Tra- 
ta de  entreter  a  Ferrão  de  t<o\2s^  ,  i  ii,  Avis- 
tâ-se  com  elle  ,  m,  Acor.:io  que  tomáo  , 
t  f4.  Falta  á  promessa,  e  como  nisso  se  ha 
Fernão  de  Sousa  ,115:. 

Rumecáo,  Succede  no  cargo  de  gover- 
nar a  guerra  á  seu  pay  Coi;e  Cofar ,  1^6. 
Continua  com  huma  maquina  ,  que  o  pay 
tinha  começado,  !57.0fFerece  partidos  aos 
nossos,  159.  Assalta  o  baluarte  S.  Thomé  , 
162.  Manda  peíeifar  as  naçoensr  divididas  , 
16;.  Retira-se  com  perda  ,  165»  Recorre 
à  superstiçoens  ,  167.  Sente  a  morte  de 
]uzarcáo,  178.  Como  responde  á  outro  Ju- 
zarcâo  que  o  vSoítâo  manda  o  continuar  o 
cerco,  187.  Trata  de  entulhar  a  cava,  194. 
Engano  de  que  Hsa  para  nos  divertir,  20;. 
Retira-se  com  perda,  21  t.  Continua  com 
minas,  22c.  Anima  os  soldados  para  outro 
assalto,  222,  Manda  bater  a  Igreja,  226. 
Retira-se  com  perda  ,  227.  He  avisado  por 
três  escravos  fogidos  dos  nossos,  228.  F^  dá 
outro  assalto ,  ihid.  Intenta  arrombar  a  cis- 
terna ,  2^1.  Retira-se  de  outro  assalto  com 
perda,  2^9.  Desconfia  da  empresa,  240. 
Abre  outra  mina  ,  que  se  atalha,  24».  Ou- 
tras retiradas,  24^.  245'.  Enveste  outra  vez, 
e  torna  a  retirar-se ,  256.  Anima-se  com  hum 
bom  successo  que  tem  contra  nós  ,  z6$,  Vay 
continuando  as  minas,  26^;,  Fabrica  huma 
nova  Cidade,   z66,    Oiíerece    á  D.  Álvaro 

gran- 


I  K  D  E  X.  495^ 

grande  resgate  por  hum  Capitão  Janizaro^ 
que  elle  náo  aceita  ,274  Continua  com 
outra  mina  ,  a  c}ue  se  da  fogo  sem  dan- 
no  ncsso  ,  282.  Discurso  <jue  taz  depois  da 
vinda  do  Governador  ,  299  Que  exercito 
tem  ,  e  como  o  dispõem  ,  iH<t*  Acode  á  nos- 
sa armada  (pe  comete  a  rerra  ,  ^o^.  Op- 
póem-se  aos  nossos ,  t^oç.  Forma- se  no  cam- 
po raso,  ^ic.  D.  Álvaro  o  rompe,  e  eUe 
toma  a  fazer  rosro  ,  ^  i !.  Recira-se  ,  ;  1 2,  Of- 
ícrece  noTa  batalha,  51^.  Morre,  :^is. 


S 


Ebastiáo  de  Sá,  Vay  á  Dio  com  D, 
Fernando  ,  1 27.  He  ferido  de  huma  secta 
hervada  ,  164.  Torna  com  aviso  do  Capi- 
tão mót  ao  Governador  ,  i^^ç. 

Sebasriío  de  Sá,  Hum  dos  cinco  solda- 
dos que  em  Dio  valcros^mentc  resistem  ao 
inimigo,  211. 

Simão  Feyo.  Vem  com  recado  de  Ru- 
inecáo  ao  Capitão  da  fortaleza  cie  Dio,  i6o. 
Reposta   cjue  lhe  dá  ,   161. 

Simáo  de  Mello.  Capitão  de  Mahca  , 
:555.  Manda  a  D.  Francisco  d'Eça  contra 
o  Achem  ,  ^66.  Embaixada  oue  mandão 
os  conjur.idos  ,  ^70.  Reposta  c^uc  lhes  dá  , 
?7i.  Cuidado  em  c]ue  e^ti  por  falta  de  no- 
vas da  arnnada ,  ;72.  Queixas  do  vnl§i>  , 
Sue  S.  Francisco  Xavier  sossega  ,  e  pronosii- 
Ca  a  victoria,  ^72.  íiol- 


490  Index. 

Soltão  Mahâmuíi  ,  Rey  do  CsmbayJ  , 
trara  de  tomar  Dio  ,  c\(},  Aprova  as  razo- 
ens  que  para  isso  lhe  dá  Coge  Çofar  ,  105. 
Chega  á  Dio  com  muita  gente  ,  146.  Re- 
tira-se  ,  por  lhe  matarem  os  nossos  hum  Mou- 
ro com  que  estava  praticando  ,  148.  Man- 
da outro  Juzarcáo  a  continuar  o  cerco,  187, 
JFesteja  hum  bom  successo  de  Rumecáo  , 
265.  Vingança  barbara  que  toma  ,  ^^4.  Jun- 
ta gente  de  novo  para  outro  cerco ,  ^78.  Q 
Governador  D.  Joáo  de  Castro  se  avisría 
com  eile  ,  e  lhe  presenta  baralha  ,  ^9;, 
A  qual  o  Soltáo  regeita  ,  ^95,  Manda  com 
rigoroso  decreto ,  que  se  náo  falle  no  cer- 
co ,  e   batalha  de   Dio  ,   ^97. 

Surrare  ,  entrada  ,  e  destruida  por  D.  Ma- 
noel de  Lima,  2()6,  De^pe)a-se  a  fortnle- 
7.'^  á  vista  da  armada  de  D.  Álvaro  ,  ^9^. 
Sente  muito  o  Governador  não  se  tomar 
Surrate ,   ^98. 

T 


T 


Unez.  Jornada  qiie  fez  D.  João  de 
Castro,  5.  Occasiáo  delb  ,  ihid.  Fidalgos, 
que   também  foráo  ne^ta  jornada,  8. 


V 


Asco  da  Cunha.  Vay  com  soccorro  á 
Dio  mandado  pelo  Governador ,  270.  Che- 
ga á  Baçaim  ,  272.  Entra  cm  Dio,  ibid. 


Index.  497 

X 

y\.  Ael.  \''ay  D.  Álvaro  sobre  esta  Cida- 
ce  5  42%  Os  Fartacjues  ofFerecem  a  fo^rale- 
2â  ,  ibid.  D.  Álvaro  inrenra  a  escí-ía  ,  itid. 
Fernão  Peres  He  o  primeiro  que  sobe  por 
huma  escada  ,  428.  Oi  Farraijues  se  defen- 
dem té  morrer  ,  íbid,  Ganha-se  a  praça , 
4Z9' 

F    I   M. 


^ 


m 


I 


\  l 


.r'' 


zrK 


*»    -*• 


4( 


^^ÍÉV 


t 


.  fi  ,    ,  í 


'jÊmmi 


\    .•*■